SUAS GE M1 D3 PI e PII Geralda Postado

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CURSO DE ESPECIALIZAÇÃO EM POLÍTICA DE ASSISTÊNCIA
SOCIAL E GESTÃO DO SUAS
TEXTO GUIA DE ESTUDO - M1 D3
POLÍTICAS PÚBLICAS I - CONCEITOS BÁSICOS
E MODELOS DE ANÁLISE
PROFESSORA AUTORA: GERALDA LUIZA DE MIRANDA
PROFESSORA TELEPRESENCIAL: GERALDA LUIZA DE MIRANDA
COORDENADOR DE CONTEÚDO: MARCELO GARCIA
DIRETORA PEDAGÓGICA: MARIA UMBELINA C. SALGADO
JUNHO DE 2011
1
APRESENTAÇÃO DA DISCIPLINA: POLÍTICAS
CONCEITOS BÁSICOS E MODELOS DE ANÁLISE
PÚBLICAS
I
-
Cara(o) estudante,
Na aula do dia 22 de junho, você começará a vivenciar uma experiência
importante para sua formação como Especialista da área de Assistência Social:
nela, vamos tomar distância da vida cotidiana e analisar a Assistência Social como
uma política pública. Isso não significa deixar de lado as questões específicas do
campo, mas sim contextualizá-las em nossa sociedade.
A leitura cuidadosa do texto deste Guia de Estudo é fundamental para sua
aprendizagem, assim como o estudo dos textos complementares de leitura
obrigatória indicados para o Estudo Individual Orientado (EIO).
Agora uma novidade: partir do dia 06 de julho, passaremos a trabalhar com
duas disciplinas (e dois professores) por dia de aula. Essa mudança tem o intuito
de tornar o trabalho menos pesado para todos, alunos e docentes. As aulas
passam funcionar de 18h30 às 20h20 para uma das disciplinas e de 20h40 às
22h30 para a outra.
Assim, as próximas aulas da disciplina Políticas Públicas I serão:
• 22 de junho de 18h30 a 22h30 – Conceitos Básicos e Classificações
• 06 de julho de 20h40 a 22h30 – Tipologias de Welfare State e Modelos de
Análise
• 20 de julho de 18h30 a 22h30 - Modelos de Análise
As datas dos compromissos – seus e nossos – você já sabe:
a. No dia 21 de junho, será postado o texto de Políticas Públicas I e, no
dia 23, a Lista de Exercícios I correspondente à Parte I do texto Guia
de Estudo e à primeira leitura complementar. O prazo para você
completar os exercícios vai até 23h59 do dia 5 de julho.
b. No dia 7 de julho, será postada a Lista de Exercícios II cujas
respostas se baseiam na Parte II do texto Guia de Estudo e à
segunda leitura complementar. O prazo para completá-la é 02 de
agosto, até às 23h59.
Os objetivos apresentados a seguir podem funcionar como orientação para
seu estudo. Eles indicam os aspectos que os responsáveis pelo curso consideram
2
mais relevantes para sua formação como Especialista em Política de Assistência
Social e Gestão do Suas.
OBJETIVOS
Após o estudo das duas partes desta disciplina, espera-se que as(os)
alunas(os) sejam capazes de:
1. Identificar conceitos de política pública.
2. Explicar as principais características específicas das políticas
públicas.
3. Indicar a diferença entre conceito, tipologia e taxonomia.
4. Identificar as categorias que compõem as classificações das políticas
públicas de acordo com seus efeitos sociais no curto prazo; a
maneira como são formuladas; a incidência dos custos e benefícios.
5. Distinguir entre os conceitos de política pública e de política social.
6. Identificar as categorias que compõem as classificações das políticas
sociais segundo a função e segundo a abrangência.
7. Explicar a relação entre políticas sociais redistributivas e direitos de
cidadania.
8. Analisar sistemas de proteção existentes, utilizando as tipologias de
Titmuss e de Esping-Andersen.
9. Identificar o significado de modelo teórico distinguindo-o das noções
de conceito e de classificação.
10. Identificar as características essenciais de cada um dos seguintes
modelos: sistêmico, institucional, da teoria dos jogos, da teoria da
escolha racional, pluralista, elitista, incremental e processual.
CONTEÚDOS
Parte I (dia 22/06) “Políticas Públicas e Políticas Sociais: Conceitos, Classificações e Elementos Básicos”
Conceitos e características básicas da política pública. Classificação das
políticas públicas segundo os critérios de: (a) efeitos sociais das políticas no curto
prazo; (b) maneira como são formuladas; (c) incidência dos custos e benefícios
das políticas. Conceitos de política social. Classificação das políticas sociais
conforme: (a) função que desempenham; (b) configuração de sua população alvo.
Introdução à tipologia dos sistemas de política social ou de welfare state.
Parte II (dias 06 e 20 de julho)
Tipologia de sistemas de política social ou de welfare state e Modelos (ou
perspectivas teóricas) para análise de políticas públicas: sistêmico, institucional,
3
da teoria dos jogos, da teoria da escolha racional, pluralista, elitista, incremental e
processual.
TEXTOS COMPLEMENTARES
Para subsidiar a realização das Listas de Exercícios 1 e 2, a principal fonte
é este Guia de Estudo, que deve ser complementado pelos textos de leitura
obrigatória indicados a seguir.
Lista de Exercícios I
RUA, Maria das G.. Análise de políticas públicas: Conceitos Básicos. Washington,
Indes/BID, 1997, mimeo., p. 1 a 8 (seções I, II e III). Disponível em:
http://vsites.unb.br/ceam/webceam/nucleos/omni/observa/downloads/pol_publicas.PDF
Lista de Exercícios II
RUA, Maria das G.. Análise de políticas públicas: Conceitos Básicos. Washington,
Indes/BID, 1997, mimeo., p. 8 a 19 (seções IV e V). Disponível em:
http://vsites.unb.br/ceam/webceam/nucleos/omni/observa/downloads/pol_publicas.PDF
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PARTE I - POLÍTICAS PÚBLICAS E POLÍTICAS SOCIAIS: CONCEITOS,
CLASSIFICAÇÕES E ELEMENTOS BÁSICOS
1. INTRODUÇÃO
Na Parte I deste texto, vamos apresentar e discutir os principais conceitos
de políticas públicas e de políticas sociais, suas características e as classificações
mais importantes. Como você verá as políticas públicas são ações do Estado; são
“instrumentos” estatais utilizados para alterar, estimular ou influenciar processos
ou dinâmicas nas esferas econômica, social, ambiental, de segurança etc.,
corrigindo problemas ou impedindo sua emergência. São ações formuladas e
implementadas por agentes públicos e possuem, ou pelo menos devem possuir,
características específicas, como complexidade, publicidade, imperatividade e
responsividade. Você verá também que, apesar de as políticas públicas possuírem
características gerais, elas podem ser classificadas ou diferenciadas em grupos,
tipos ou classes específicas, tendo-se por referência critérios previamente
definidos; por exemplo, a quantidade de pessoas que delas se beneficiam, a
incidência de seus custos e benefícios, entre outros.
Ainda na Parte I, serão apresentados e
discutidos alguns conceitos e classificações de
política social. Veremos que não há uma definição
adequada ou suficientemente boa para esses
importantes instrumentos estatais de mudança
social. Seus objetivos, desenhos e resultados são
por demais variados. No entanto, Richard Titmuss
e Esping-Andersen oferecem tipologias que nos
ajudam a compreender sua complexidade e,
assim, a avaliar os diversos sistemas de proteção
social existentes.
IMPORTANTE!
Desenho da política denota o
conjunto de regras que
definem o público-alvo, os critérios de elegibilidade, a estrutura de gestão, implementação e financiamento etc.,
estabelecidas por lei e/ou
regulamentos.
Os professores de metodologia costumam dizer que “conceito de cão não
ladra”. Isso significa que os conceitos são destituídos de muitos dos elementos
que envolvem fenômenos, estruturas, processos, dinâmicas ou eventos reais. Mas
com os conceitos, apreendemos o que há de mais essencial ou geral em nosso
objeto de estudo e, após essa apreensão, podemos distinguir esses elementos
daqueles que obscurecem sua compreensão, quando visualizados da maneira
como se manifestam no mundo real. Esta é a principal contribuição de conceitos:
colocar-nos a um nível acima da “confusão” do mundo real, da realidade empírica.
Ao fazer isso, os conceitos nos possibilitam sair da simples descrição de nosso
objeto de estudo e caminhar rumo a sua compreensão mais ampla ou sua
explicação.
5
Com as classificações, diminuímos o nível da abstração. Se imaginarmos
uma “escada de abstração”, podemos dizer que as classificações estão alguns
degraus abaixo dos conceitos; elas estão a meio caminho entre o nível conceitual
– o mais abstrato - e o nível da empiria - o nível da “confusão” do mundo real.
Com as classificações, agrupamos, diferenciamos ou classificamos as políticas
públicas a partir de critérios que julgamos importantes para sua compreensão e
análise. Assim, também as classificações, como os conceitos, não nos trazem
toda a complexidade do mundo real, mas, diferentemente deles, elas nos
oferecem elementos que permitem diferenciar as políticas de acordo com algumas
características específicas; elas introduzem na análise um pouco da diversidade
do mundo real.
2. AS POLÍTICAS PÚBLICAS
2.1. Conceito
O que é uma política pública? As respostas dadas a essa pergunta são muitas
e extremamente variadas. A variação está normalmente relacionada com a
perspectiva adotada pelo analista. De forma simples e muito abstrata, podemos dizer
que política pública é a forma por meio da qual o Estado intervém na sociedade.
Assim, política pública é uma ação do Estado com foco em alguma esfera da
sociedade.
A ação do Estado, isto é, a política pública, pode dar-se na esfera econômica
(política econômica), na esfera social (política social), na esfera de segurança
nacional (política de defesa) etc. Dentro da categoria “política econômica”, podemos
distinguir política industrial, política de informática, política agrícola etc.; dentro da
categoria “política social”, podemos distinguir política de saúde, de assistência social,
de educação etc. Os limites das categorias “política econômica” ou “política social”
são difíceis de definir. Embora haja relativo consenso em definir as ações na área de
educação, saúde, previdência e assistência como políticas sociais, diversos analistas
divergem quanto à classificação, por exemplo, da
IMPORTANTE!
política habitacional e da política de salário mínimo.
Onde
deveríamos colocar essas duas políticas?
Também os conceitos podem apresentar diferentes Assim, pode-se dizer que a classificação de
níveis de abstração. Faze- diversas políticas públicas depende do gosto do
mos referência aqui aos que analista, isto é, dos critérios que utiliza, de seus
Sartori denomina “conceitos objetivos.
universais”, em contraposição
Mas o problema não termina aqui (está
aos “conceitos gerais” e apenas começando!). Ter como ponto de partida a
“conceitos
configurativos”. esfera da sociedade em que o Estado intervém,
Exemplos de conceitos gerais isto é, classificar as políticas de acordo com foco da
são os de política pública que ação do Estado não é definir “política pública”.
serão apresentados nesta Vejamos então os conceitos.
disciplina.
O conceito de política pública mais citado
na literatura foi elaborado por Theodor Lowi. Para
6
NÃO SE
PREOCUPE!
Na próxima aula,
vamos discutir as
diversas perspectivas de análise
das politicas públicas, inclusive a
institucionalista e
a sistêmica, que
é utilizada por
RUA.
ele, política pública é “Uma regra formulada por alguma autoridade
governamental que expressa uma intenção de influenciar, alterar ou
regular o comportamento individual ou coletivo através do uso de
sanções positivas ou negativas” (1972).
Partindo da mesma perspectiva adotada por Lowi, isto é de uma
perspectiva institucionalista, Silva (2005) define política pública como:
[...] Diretiva de governo que se expressa em ações postas em prática por funcionários
públicos que formam corpos burocráticos especializados, ações estas financiadas por
recursos provenientes do orçamento público ou negociados por autoridades públicas,
isto é, por indivíduos que ocupam cargos na estrutura governamental. Nos sistemas
políticos democráticos, estes cargos são preenchidos pelo princípio da eleição, por
designação política ou pelo concurso público (p. 26).
De uma perspectiva sistêmica,
Rua (1997) define as políticas públicas
como outputs, ou seja, como
resultados da atividade política que
“compreendem
o
conjunto
das
decisões e ações relativas à alocação
imperativa de valores” (p. 1).
SUGERIMOS
Como você irá verificar, Theodor Lowi é um
analista muito importante no estudo de políticas
públicas. Pena que os textos dele não tenham
sido traduzidos para o Português! Mas estão
disponíveis na Internet. O endereço está nas
referências bibliográficas. Se você puder, leia!
Vale a pena o esforço.
Em comum, esses conceitos apresentam a preocupação de inserir a
discussão sobre políticas públicas em um contexto ou esfera propriamente
“política”. De acordo com Silva (2005), essa é uma “esfera de confrontação entre
indivíduos e grupos de indivíduos que se
SAIBA MAIS!
organizam com o objetivo de impor projetos
1.“Uma decisão política corresponque prefiram nos processos decisórios que
de a uma escolha dentre um leque
de alternativas, conforme a hierarresultarão em leis e em planos de governo” (p.
quia das preferências dos atores
26). Para Rua (1997), “a política consiste no
envolvidos, expressando - em maior
conjunto de procedimentos formais e informais
ou menor grau - uma certa adequaque expressam relações de poder e que se
ção entre os fins pretendidos e os
destinam à resolução pacífica dos conflitos
meios disponíveis” (RUA, 1997, p.
1-2)
quanto a bens públicos” (p. 1).
2. Sistema federativo é uma das formas de organização político-administrativa do Estado, na qual as
unidades federadas (no caso
brasileiro, são os estados e os
municípios) possuem soberania
política, administrativa e financeira.
O grau de soberania das unidades
federadas varia de país para país e
ao longo do tempo. A outra forma
de organização político-administrativa dos Estados modernos é o
sistema unitário, que é subdivido
em unidades administrativas.
Das definições e discussões oferecidas
por esses autores, podemos destacar algumas
características e elementos importantes das
políticas públicas, mais especificamente sua
complexidade, seu caráter (idealmente)
público, sua natureza imperativa, sua
responsividade, ou seja, sua relação (ideal)
com as demandas sociais ou com aquelas que
se originam dentro do próprio sistema político.
Vejamos, então, essas características.
7
SAIBA MAIS!
1.Atores políticos são aqueles que exercem algum tipo de influência sobre as decisões
políticas, Podem ser públicos, privados ou públicos não estatais. Os atores privados são
diversos e podem variar quanto à forma de organização e capacidade de pressão sobre o
sistema político. Os exemplos mais importantes são os empresários e os trabalhadores,
organizados ou não em sindicatos.Os atores públicos diferenciam-se dos privados, na medida
em que exercem funções públicas e, portanto, mobilizam recursos associados a essas funções.
Há dois tipos de atores públicos: os políticos e os burocratas. De acordo com Rua, “[O]s
políticos são aqueles atores cuja posição resulta de mandatos eletivos. Por isso, sua atuação é
condicionada principalmente pelo cálculo eleitoral e pelo pertencimento a partidos políticos. São
os parlamentares, governadores, prefeitos e membros eleitos do executivo federal [...] Os
burocratas, por sua vez, devem a sua posição à ocupação de cargos que requerem
conhecimento especializado e que se situam em um sistema de carreira pública. Controlam,
principalmente, recursos de autoridade e informação. Embora não possuam mandato, os
burocratas geralmente possuem clientelas setoriais. Além disso, eles têm projetos políticos, que
podem ser pessoais ou organizacionais (como a fidelidade à instituição, o crescimento da
organização à qual pertencem etc.). Por isso, é comum haver disputas não apenas entre
políticos e burocratas, mas também conflitos entre burocracias de diferentes setores do
governo.” (RUA, 1997, p. 4). Os atores públicos não-estatais constituem uma categoria
relativamente nova que surgiu a partir das últimas ondas de reforma do Estado. Referem-se às
ONG ou Oscips, com as quais o Estado estabelece parcerias para a implementação de
políticas públicas.
2. O Poder Legislativo brasileiro, no nível federal, é constituído pela Câmara dos Deputados e
pelo Senado Federal. No nível estadual, o Poder Legislativo é a Assembleia Legislativa; no
nível municipal, as Câmaras de Vereadores.
2.2. Características e elementos principais das políticas públicas.
2.1.1. Complexidade
Uma política pública geralmente envolve mais que uma decisão dos atores
políticos e requer diversas ações estrategicamente selecionadas para implementála. As decisões podem envolver, no caso de um sistema federativo como o
brasileiro, atores políticos das esferas federal e subnacionais (esta-duais e
municipais), conjuntamente ou sepa-radamente. As decisões também podem ficar
circunscritas ao âmbito do Poder Legislativo ou contar com a participação do
Poder Executivo; podem ainda ser tomadas apenas pelos representantes eleitos
(no caso das leis, emendas constitucionais etc.), normalmente após um debate
público, ou ser complementadas por decisões das burocracias públicas, por meio
de decretos executivos, instruções normativas etc., o que normalmente ocorre na
fase de implementação das decisões.
Na fase de implementação, as políticas públicas tomam a forma de
serviços, projetos, programas, planos, ou seja, tomam a forma de ações concretas
destinadas a prevenir ou solucionar os problemas sociais
2.1.2.Caráter Público
As políticas públicas devem possuir caráter público em todos os sentidos
possíveis de “público”. São decisões que devem ser tomadas na esfera pública
estatal (e não esfera privada ou dentro de gabinetes dos políticos ou das
burocracias); após discussão pública e democrática, isto é, aberta a influências e à
8
participação social; por meio de atos públicos (atos publicizados, não secretos); e
devem ser destinadas a responder problemas públicos (que afetam coletividades).
As políticas públicas visam ao bem-estar público, ou o bem comum, e são
concretizadas por ações financiadas, coordenadas e implementadas por órgãos
públicos (Tesouro e administração pública). A participação de organizações nãogovernamentais ou privadas no financiamento, na formulação ou implementação
das políticas, sob a forma de parcerias ou convênios, por exemplo, não retira o
caráter público das políticas públicas.
O caráter público, estatal, imprime às políticas uma natureza imperativa e
responsiva na solução de problemas que afetam o conjunto ou parte dos
cidadãos de uma nação. Estes são os fundamentos das políticas. Os próximos
dois pontos detalham essas duas características.
2.1.3. A Natureza Imperativa
A natureza imperativa e autorizativa das políticas significa que, na medida
em que são decisões consagradas em leis, elas vinculam, obrigam, subordinam a
atuação dos agentes públicos e dos atores privados envolvidos. As políticas
públicas são ações do Estado que, justamente por serem estatais, são revestidas
da autoridade soberana, possuindo, por isso, um caráter imperativo, coercitivo,
vinculante.
2.1.4. Responsividade
Segundo a característica da responsividade, políticas públicas são
respostas (outputs) do sistema político a demandas e apoios (inputs). As políticas
públicas, como ações que se destinam a solucionar ou prevenir problemas sociais,
são respostas do Estado (ou do sistema político) às demandas originadas na
sociedade ou dentro do próprio sistema político e requerem apoios diversos para
serem formuladas e implementadas. De acordo com Rua (1997), as demandas e
os apoios podem ser classificados de acordo com sua origem. Vejamos.
• Inputs: são demandas e apoios originados na sociedade, ou seja,
feitos por atores situados fora do sistema político, mais
especificamente nos diversos grupos, setores, organizações,
classes, partidos políticos, sindicatos ou mesmo indivíduos que
compõem a sociedade (nacional ou mesmo internacional);
• Withinputs: são demandas e apoios originados no interior do próprio
sistema político, ou seja, feitos por agentes públicos. Esses agentes
são: os representantes eleitos (ocupantes de cargos no Poder
Legislativo ou no Poder Executivo, nos diversos níveis de governo
(federal, estadual ou municipal), organizados em partidos políticos ou
coalizões; as burocracias públicas (servidores públicos, concursados
ou não, que ocupam cargos de carreira ou cargos políticos, como
ministros,
secretários,
gerentes,
técnicos),
inseridas
na
administração direta ou indireta.
9
Os inputs e withinputs podem ser demandas novas, relacionadas com um
problema social recente, ou demandas recorrentes, que dizem respeito a
problemas cotidianos das sociedades. As demandas podem ter como objeto
serviços de saúde, educação, assistência social, transportes, segurança pública;
normas de higiene e controle de produtos alimentícios e preservação ambiental;
ou, ainda, bens diversos, como transporte público, estradas etc.
Uma questão importante, salientada por Rua (1997) é a relação entre
demanda, problema político e problema social. Dizer que as políticas públicas
têm por objetivo responder a demandas por solução ou prevenção de problemas
sociais não é o mesmo que dizer que todo problema social tem ou terá uma
política pública para resolvê-lo ou preveni-lo. Nem todos os problemas sociais se
transformam em demandas por políticas e nem todas as demandas entram na
“agenda pública”, isto é, se transformam em um “problema político” que será
processado pelo sistema político, gerando uma política pública.
Em primeiro lugar, alguns problemas sociais não geram demandas por
políticas públicas. Como diz Rua (1997), eles permanecem como um “estado de
coisas”, o que implica uma “não-decisão” do sistema político.
Em segundo lugar, os problemas sociais podem ser transformados em
demandas por políticas públicas, o que significa que chegaram ao sistema político,
mas não são processadas. Isso pode ocorrer por sobrecarga do próprio sistema
político ou incapacidade administrativa. Ou seja, o sistema político não está
configurado adequadamente para responder (processar) as demandas, o que é,
em si mesmo, um problema que exige uma política pública (alteração nas
instituições decisórias, melhoria na capacidade das burocracias públicas, por
exemplo).
De acordo com Rua (1997), para que um “estado de coisas” se transforme
em “problema político”, isto é, entre na agenda política e resulte em uma política
pública, é preciso que ele possua uma das seguintes características:
a. “mobilize ação política: seja ação coletiva de grandes grupos, seja
ação coletiva de pequenos grupos dotados de fortes recursos de
poder, seja ação de atores individuais estrategicamente situados;
b. constitua uma situação de crise, calamidade ou catástrofe, de
maneira que o ônus de não resolver o problema seja maior que o
ônus de resolvê-lo;
c. constitua uma situação de oportunidade, ou seja, haja vantagens,
antevistas por algum ator relevante, a serem obtidas com o
tratamento daquele problema.” (p. 6)
Apresentados os conceitos de política pública das duas principais
perspectivas teóricas de análise de políticas públicas (sistêmica e institucional) e
discutidas suas principais características, vejamos, no próximo tópico os tipos de
política pública.
10
2.3. Classificação das políticas públicas
São diversas as classificações das
políticas públicas que encontramos na
literatura. Entre elas, destacamos as que
são feitas a partir do tipo de beneficiário
sobre os quais elas produzem impacto no
curto prazo (Lowi, 1964); a que é feita a
partir da maneira como são formuladas as
políticas (Silva, 2005) e, por fim, a
classificação feita a partir da incidência
social de seus custos e benefícios (Costa,
2004).
2.3.1. Classificação das políticas
quanto ao tipo de
beneficiário no curto prazo
A classificação mais importante das
políticas públicas, que está difundida por
toda a literatura, foi feita por Lowi (1964).
No entendimento desse analista, as
políticas públicas podem ser classificadas,
no que se refere ao seu impacto social de
curto prazo, em quatro tipos: distributivas,
regulatórias, redistributivas, constitutivas.
IMPORTANTE!
Classificações são construções analíticas
que têm por objetivo distinguir fenômenos
reais ou abstratos (processos, instituições, governos, políticas, cães, carros
etc.), a partir de um ou mais critérios previamente definidos. Há duas exigências
metodológicas para que se tenha uma
boa classificação: (1) abrangência: o
conjunto de categorias (tipos ou classes)
que constitui a classificação deve
abranger toda a diversidade do fenômeno a que se refere; (2) exclusão mútua
ou não sobreposição: cada exemplar do
fenômeno deve ser classificado em
apenas uma categoria.
Guy Peters (1998) distingue dois tipos de
classificação: (1) as taxonomias, que
distinguem as categorias a partir de
apenas um critério ou variável; (2) as
tipologias, que utilizam dois ou mais
critérios ou variáveis
• Políticas distributivas - são aquelas que favorecem indivíduos ou
firmas individualmente. A patronagem ou clientelismo (distribuição de
empregos, cargos, benefícios ou subsídios a indivíduos ou grupos
específicos), o pork-barrel (alocação de recursos públicos para
regiões ou localidades específicas) são exemplos de política
distributiva. Em termos mais rigorosos, as políticas distributivistas
não poderiam ser chamadas de “política pública”, salienta Lowi, pois
dizem respeito a decisões (leis) que favorecem, por exemplo, um
indivíduo, uma empresa, uma cidade. Somente por acúmulo essas
decisões podem ser chamadas de políticas. De qualquer forma, as
políticas distributivistas caracterizam-se por não estabelecer um
confronto aberto e direto entre os beneficiados e os penalizados, os
perdedores e os ganhadores. Isto porque os perdedores, os que
financiam a política, não podem ser identificados como uma classe
ou um segmento mais amplo da população.
• Políticas regulatórias - são políticas setoriais em seu impacto
social; não permitem a desagregação no nível individual, que é típica
das políticas distributivistas. O impacto abrange grupos, segmentos
ou mesmo indivíduos que possuem as mesmas características, perfil,
necessidades ou qualquer outro fator que os diferencie dos outros
grupos, segmentos. São, por exemplo, as políticas que favorecem ao
11
setor têxtil, o setor de propaganda. As políticas regulatórias
diferenciam-se das distributivistas porque envolvem uma escolha
direta entre o setor que será beneficiado e o que será privado dos
benefícios. Ao explicitar ganhadores e perdedores, as políticas
regulatórias são formuladas e implementadas em um cenário mais
conflituoso que aquele que se forma em torno das políticas
distributivistas.
• Políticas redistributivas - são parecidas com as políticas
regulatórias, no sentido de que envolvem relações entre categorias
mais amplas da população nacional. Enquanto o impacto na política
distributiva é individual e, na política regulatória, é sobre grupos ou
segmentos com características comuns, na política redistributiva, o
impacto se faz sobre classes ou categorias ainda mais amplas da
população. Perdedores e ganhadores dividem a sociedade, podendo
ser classificados como, por exemplo, os ricos e os não ricos, os
grandes e os pequenos, a burguesia e o proletariado, o setor urbano
e o setor rural. Nesse tipo de política, de acordo com Lowi, a meta
envolvida não é o uso de propriedade, mas a própria propriedade;
não é a igualdade de tratamento, mas igualdade de posse. O
principal exemplo de política redistributivista são as políticas sociais,
que (pelo menos idealmente) transferem recursos dos ricos para os
não-ricos; é o caso da política previdenciária, que (pelo menos em
tese) transfere recursos daqueles que estão inseridos no mercado de
trabalho para aqueles que estão fora dele (aposentados ou
desempregados). Na medida em que oferecem maior visibilidade dos
ganhadores e dos perdedores, as políticas redistributivistas são
formuladas e implementadas em um cenário mais conflituoso que
aquele que se estabelece nas políticas regulatórias.
• Políticas constitutivas - lidam com procedimentos, por exemplo, a
estruturação de uma agência pública. Estabelecem as “regras do
jogo”, isto é, as regras que regulam a interação entre atores em
contextos específicos. Em outras palavras, essas políticas
constituem o ambiente dentro do qual os atores interagem.
Diferentemente das políticas regulatórias e redistributivas, que têm
impacto sobre grupos, setores ou segmentos específicos, o impacto
das políticas constitutivas se faz de forma indireta.
De acordo com Lowi, essa classificação das políticas, tendo por referência
seu impacto social no curto prazo, não anula o fato de que, no longo prazo, toda e
qualquer política pública tem impactos redistributivistas e é regulatória. Isto
porque:
• Em todas as sociedades, algumas pessoas pagam mais impostos
que usufruem de bens e serviços fornecidos pelo Estado;
• No longo prazo, toda e qualquer política significa uma decisão
governamental (ou diversas decisões) que é consagrada em uma
12
legislação que regulamenta o uso de um recurso, substituindo,
assim, e de forma imperativa, uma decisão privada sobre o uso do
mesmo recurso.
2.3.2. Classificação das políticas quanto ao modo como são formuladas
A classificação das políticas a partir da forma como são formuladas é
apresentada por Silva (2005). Em seu entendimento, as políticas podem ser:
• Responsivas, quando buscam responder às demandas externas ao
sistema político, os inputs na terminologia usada por Rua (1997);
• Propositivas, quando buscam responder às demandas internas ao
sistema político (os withinputs).
2.3.3. Classificação das políticas quanto à incidência social
dos custos e dos benefícios
Costa (2004) chama a atenção para uma outra classificação das políticas,
que é também relativamente bem difundida na literatura. Essa classificação é feita
a partir da incidência social não só dos benefícios, mas também dos custos: se
concentrados ou se difusos.
Custos ou benefícios concentrados são os que
a. “incidem sobre um grupo mais delimitado e menos atomizado de
atores (por exemplo, empresas de um setor específico da economia,
ou sobre uma categoria específica, como professores) e
b. representam um custo ou benefício bastante significativo para cada
membro” (p.33).
Custos e benefícios difusos são os que
a. “incidem sobre um número grande de atores mais atomizados (por
exemplo, os contribuintes, os usuários de transporte coletivo, os
moradores da cidade) e
b. os custos ou benefícios individualizados (ou seja, para cada um) são
pouco significativos ou pouco perceptíveis”. (p. 34).
Haveria, portanto, quatro tipos de política pública, como pode ser visto no
Quadro 1.
Quadro 1: Tipos de políticas, segundo o impacto social
dos custos e dos benefícios
Benefícios
Custos
Concentrados
Difusos
Concentrados
CC
DC
Difusos
CD
DD
Fonte: Adaptado de Costa (2004, p. 34).
13
Assim, na taxonomia apresentada por Costa (2004), temos políticas de
benefícios e custos concentrados, políticas de benefícios concentrados e custos
difusos, políticas de benefícios difusos e custos concentrados e, por fim, políticas
de benefícios e custos concentrados.
3. A DINÂMICA DAS POLÍTICAS PÚBLICAS SOCIAIS
Uma última questão importante sobre
políticas públicas, salientada por Lowi, é que cada
tipo de política pública (especificamente, se é uma
política redistributiva, regulatória, distributiva e
constitutiva) envolve uma dinâmica política
diferenciada. Em seu entendimento, policies
determine politics (políticas públicas determinam a
política, isto é, a dinâmica de interação dos
atores, o processo político). A dinâmica que
caracteriza as políticas redistributivas é um grau
maior de conflito entre os que perdem e os que se
beneficiam com as ações, como já foi salientado.
Assim, na medida em que o principal exemplo de
política redistributiva são as políticas sociais,
podemos dizer que estas são as decisões mais
conflituosas de qualquer sistema político.
Para Rua (1997), os padrões de dinâmica
política das políticas públicas são: lutas, jogos e
debates. No caso das políticas sociais, a dinâmica
seria de lutas, que tomam a forma de um “jogo de
soma zero”. Esse jogo está configurado como
“uma situação na qual, para que um ator ganhe, o
outro tem que perder. Esta é a pior de todas as
situações em política”. (p. 7).
Mesmo configurando um “jogo de soma
zero”, no qual uma parte da sociedade é
beneficiada e a outra parte arca com os custos
desse beneficiamento, há possibilidade de
acomodação dos interesses, de construção de um
consenso, de negociação e de intercâmbio entre
os atores políticos com interesses divergentes.
Esse é o papel da política: construção de
consensos, resolução pacífica dos conflitos, como
ressalta Rua (1997):
IMPORTANTE!
“Os jogos são as situações onde a
lógica é vencer o adversário em
uma situação específica, sem
eliminá-lo totalmente do processo,
de tal maneira que ele possa vir a
ser um aliado num momento
posterior. Esta situação é a mais
típica do mundo da política, sendo
exemplificada pelas negociações,
barganhas, conluios, coalizões de
interesses” (RUA, 1997, p. 7)
“[O]s debates são situações onde
cada um dos atores procura
convencer o outro da adequação
das suas propostas, de tal maneira
que o que vence é aquele que se
mostra capaz de transformar o
adversário em um aliado. Aqui, a
lógica é a da persuasão. E é onde
recursos como o conhecimento
técnico desempenham um papel
relevante.
De
acordo
com
Lindblom, no jogo do poder,
diversos são os procedimentos ou
táticas utilizados pelos atores. A
persuasão é a tentativa de buscar a
adesão
pela
avaliação
das
possibilidades de um determinado
curso de ação. Envolve análise e
argumentação” (RUA, 1997, p. 7-8).
Entretanto, mesmo nesses casos, dependendo daquilo que esteja em jogo, e
dependendo do custo do confronto para os atores envolvidos, é possível haver uma
acomodação entre os interesses em conflito: pode-se ter uma situação onde um lado
não ganhe tudo, nem o outro lado perca tudo. Cada um cede um pouco para resolver o
conflito sem grandes enfrentamentos, cujo custo pode ser elevado. Por outro lado, a
acomodação pode ser uma estratégia de algum ator interessado para adiar o confronto
14
para o momento da implementação, quando a situação política e a correlação de
forças podem lhe ser mais favoráveis. (p. 7).
Se o consenso é uma possibilidade concreta, o adiamento das decisões
para o momento da implementação das políticas, como chama a atenção Rua
(1997), também ocorre frequentemente, o que traz diversos problemas, como será
visto quando tratarmos do “ciclo das políticas”. Por outro lado, é preciso ressaltar
que são também possíveis e até bastante comuns as possibilidades de não
consenso, de não decisão, de permanência do problema social por muitos anos
como um “estado de coisas”.
Voltemos aos conceitos. Além de a política social poder ser formulada de
forma responsiva ou propositiva e de seu caráter redistributivista e,
consequentemente, da dinâmica conflituosa que marca sua formulação e
implementação, o que mais caracteriza esse tipo de política pública?
3.1. Conceitos de Política Social
Não há uma definição consensual de políticas sociais na literatura. Esse
tipo de política pública é visto pelos marxistas como “reformas de varejo” do
Estado capitalista. Para os funcionalistas, as políticas sociais destinam-se a
assegurar a coesão social. Os neomarxistas veem as políticas sociais como
recursos utilizados pelo Estado para garantir sua própria legitimidade e a
acumulação capitalista.
Na maioria das vezes, as definições de política social focam especialmente
o que se entende por suas funções ou seus objetivos. Coimbra (1998), após
mapear diversas abordagens teóricas das políticas sociais, conclui: “sequer uma
definição adequada do que é a política social existe nas principais abordagens”.
Todas elas, afirma esse analista, “por mais diferentes que sejam umas das outras,
se igualam na adoção de definições puramente somatórias, pobres teoricamente e
muito insatisfatórias metodologicamente” (p. 101). Faria (1998), segue a mesma
trilha e afirma: “política social é um conceito genérico” (p.40).
Wanderley Guilherme dos Santos (1998) e Sérgio Abranches (1998)
salientam a natureza redistributivista das políticas sociais. Para Abranches (1998),
as políticas sociais buscam combater a pobreza ou reduzir a desigualdade social e
implicam “a intervenção unilateral do Estado, como garantia concreta da
observância de direitos sociais dos cidadãos, em relação aos quais existe clara
contrapartida de deveres sociais” (p. 14).
Essa mesma expectativa de que as políticas sociais possuem fins altruístas
– como redução da desigualdade, observância de direitos – é encontrada em
Marshall (1965). Em seu entendimento,
“‘Política social’ não é um termo técnico com um significado exato (...) ele está referido
à política dos governos com relação à ação dos governos que têm um impacto direto
sobre o bem-estar dos cidadãos, fornecendo a eles serviços ou renda. O núcleo
central consiste, portanto, de seguro social, assistência pública (ou nacional), serviços
de saúde e de bem-estar, política habitacional.” (MARSHALL, 1965).
15
Apesar das divergências conceituais, há um entendimento entre os
analistas de que políticas sociais, como políticas públicas são ações específicas
de atores estatais. Relacionam-se, por isso, com os aspectos políticos, financeiros
e organizacionais do Estado; possuem fundamento jurídico, isto é, são
consagradas na legislação, o que lhes imprime um caráter coercitivo; e, por fim,
envolvem atores diversos (representantes eleitos, burocracias, atores sociais),
processos diferenciados de formulação e implementação, bem como impactos
sociais variados. Como qualquer política pública, as políticas sociais podem ser
elaboradas como respostas a demandas de atores sociais ou como iniciativas que
visam a solucionar problemas sociais “diagnosticados” de forma relativamente
autônoma pelos agentes públicos. Vejamos duas importantes classificações das
políticas sociais.
3.2.Tipos de Políticas Sociais
Para Santos, as políticas sociais podem ser diferenciadas, de acordo com
sua função, em dois tipos:
• Preventivas, quando buscam minimizar ou impedir a ocorrência de
um problema social.
• Compensatórias, quando são
destinadas
a
solucionar
problemas
gerados
pela
ineficiência da “grande política”.
Outra classificação das políticas sociais
é feita a partir configuração de seu públicoalvo:
Recomendamos
Para aprofundar a compreensão
dos conceitos de focalização e
universalização, consulte o artigo
de Saraiva (2004), indicado nas
Referências, no fim deste texto.
• Política social focalizada: é aquela que busca solucionar ou
prevenir problemas que afetam grupos, segmentos ou setores
específicos da população. Normalmente, o público-alvo (os
beneficiários) das polícias focalizadas são aqueles em maior
desvantagem, como os pobres, as minorias etc.
• Política social universal: é aquela que oferta bens e serviços que
podem ser usufruídos ou acessados por todos os cidadãos sem
distinção de qualquer natureza.
É importante considerar que universalidade e focalização são termos que
podem ser utilizados tanto para as políticas setoriais, entendidas como um
conjunto de ações (ou intervenções) do Estado em uma área específica, como
assistência social, saúde e educação, quanto para as ações individualmente. As
ações que compõem certa política setorial também podem ser universais ou
focalizadas. Por exemplo, a política de saúde deve poder acessada por todos os
cidadãos; os programas, serviços, projetos que constituem essa política podem
estar direcionados (focalizados) em segmentos específicos (idosos, crianças, etc.).
O mesmo pode ser dito sobre a política de assistência social..
16
Assim, no que se refere às ações que compõem determinada política social
(seus programas, projetos, serviços etc.), não podemos dizer, em princípio, que
universalização seja melhor que focalização, ou vice-versa. A universalização de
uma política não exclui a possibilidade de que ela ofereça ações focalizadas.
Normalmente, a resistência contra desenhos focalizados relaciona-se com o
entendimento de políticas como um conjunto de ações de determinado país. Por
exemplo, uma política de saúde que está restrita a grupos sociais específicos, por
exemplo, aqueles que estão inseridos no mercado de trabalho formal, deixando
sem cobertura aqueles que não contribuem (desempregados, trabalhadores
informais, por exemplo).
3.3. Políticas Sociais e Sistemas de Proteção Social (Welfare State)
Devemos ser compreensivos e entender que a falta de uma boa definição
de política social não se deve à incompetência dos analistas da área. Vimos que
um esforço significativo tem sido feito nessa direção. A política social, como um
tipo de ação do Estado ou um instrumento de intervenção na sociedade, não se
define pela área em essa intervenção ocorre, pois não há consenso sobre as
fronteiras das políticas sociais (se apenas saúde, educação, assistência ou se
também outras). Ela também não se define por seu desenho, podendo ser
focalizada ou universal; compensatória ou preventiva; responsiva ou propositiva
etc.
Vimos que o principal exemplo de política pública redistributiva, oferecido
por Lowi (1964), foi o de política social. Mas dessa afirmativa não podemos, e não
devemos, concluir que toda política social é redistributivista. Nem mesmo que,
quando a política social é redistributiva, a redistribuição seja feita em favor dos
segmentos ou grupos sociais em posição mais desfavorável. Esse ponto é
salientado por Richard Titmuss (1974).
Para Titmuss, uma política social não necessariamente está orientada para
o benefício ou o bem-estar dos pobres, das classes trabalhadoras, dos idosos, das
mulheres, dos órfãos etc. Ela também não está sempre orientada por valores
como justiça social, igualdade, bem-estar. Uma política social pode, como
qualquer política pública, promover tanto um bem quanto um mal público. Isto
porque, de acordo com Titmuss,
Uma política social redistributiva pode redistribuir recursos materiais e não materiais
dos pobres para os ricos; de um grupo étnico para outro; da vida ativa para a velhice
dentro de grupos de renda e classes sociais – como, por exemplo, os esquemas de
pensão de classe média.
Há políticas sociais na África do Sul hoje que muitas pessoas não considerariam como
sendo benéficas ou orientadas para o bem-estar. Há programas de seguro social em
alguns países da America Latina, Brasil em particular, que funcionam como
multiplicadores camuflados de desigualdade – eles transferem recursos dos pobres
para os ricos. (TITMUSS, 1974, p. 141-2).
Ao constatar a grande variação entre os países, Titmuss propõe uma
tipologia dos sistemas de política social ou modelos de welfare state. Para ele, há
três tipos: o residual, o meritocrático-corporativo, o institucional ou redistributivo.
17
• No modelo residual, as necessidades dos indivíduos são
primeiramente satisfeitas pelo mercado ou pela família. Apenas
quando esses dois canais falham em oferecer proteção, as
instituições estatais de proteção são acionadas, e de forma
temporária. Nesse modelo, as políticas sociais são estigmatizantes e
focalizadas. Bens e serviços sociais não são ofertados como direito
de cidadania; o acesso a eles depende do cumprimento de
condições pré-estabelecidas, a serem comprovadas pelos chamados
“testes de meios”.
• No modelo meritocrático-corporativo, as políticas sociais são
ofertadas com base no mérito ou no desempenho no mercado de
trabalho. Elas reproduzem ou reforçam as desigualdades instituídas
no mercado. O direito de acesso a elas é garantido ao longo da vida
ativa do trabalhador.
• No modelo redistributivo ou institucional, as políticas sociais são
ofertadas com base em direitos sociais. Elas são universais e
orientadas para as necessidades. Há um compromisso
institucionalizado com o bem-estar dos cidadãos.
Gosta Esping-Andersen elabora uma tipologia dos welfare states parecida
com a de Titmuss. Para ele, os sistemas podem ser classificados em liberal,
corporativo e universalista ou social-democrata. Os critérios que diferenciam um
do outro são o grau de desmercantilização da força de trabalho e de estratificação
social que promovem.
• No modelo liberal, a assistência social predomina. O acesso às
políticas não se vincula ao desempenho no mercado de trabalho nem
a direitos sociais, mas sim à comprovação da necessidade
(atestados de pobreza). Os benefícios são reduzidos e temporários e
não permitem que as pessoas vivam de forma digna quando não têm
condição de vender seu trabalho no mercado. Nesse modelo, as
pessoas são encorajadas a comprar serviços sociais e há uma
marcada divisão social entre os que podem comprar esses serviços
e os que dependem do Estado para sobreviver. Isto é, a
estratificação, promovida pelo sistema de proteção, configura um
dualismo social. Exemplos: Estados Unidos, Canadá, Austrália, Nova
Zelândia.
• No modelo corporativo ou conservador, a previdência social estatal
é generosa. Mas não há desmercantilização ampla, pois a
elegibilidade e a qualidade dos bens e serviços sociais a que se tem
acesso dependem do desempenho dos indivíduos no mercado. Isto
é, o acesso às políticas sociais depende de e está relacionado com
as contribuições, feitas durante ou ao longo da vida ativa. Assim,
nesse sistema, a estratificação promovida pelo sistema de proteção
reproduz ou reforça as desigualdades instituídas pelo mercado.
Exemplos: Alemanha, França, Itália, Bélgica.
18
• No modelo universalista ou social-democrata, há o maior grau de
desmercantilização. Os benefícios e serviços são universais e
generosos e não estão relacionados com ganhos, contribuições ou
desempenhos anteriores no mercado. Há redistribuição significativa
de renda, e os benefícios são acessados como um direito de
cidadania. A estratificação social promovida pelo sistema de
proteção é mínima ou ausente. Exemplos: Suécia, Noruega,
Dinamarca.
Assim, as tipologias de Titmuss e Esping-Andersen indicam variações nas
políticas sociais. De forma resumida, podemos dizer, em primeiro lugar, que as
políticas sociais podem ou não transferir renda e, se transferem, o sentido da
transferência pode variar (dos ricos para os pobres; dos pobres para os ricos;
apenas dentro da classe média). Em segundo lugar, elas podem atender apenas a
grupos focalizados ou ao conjunto da população. Sustentando os diferentes
modelos, temos, em terceiro lugar, diferentes valores, como o mérito ou o esforço
individual; o demérito individual, ao qual se vincula o estigma social e, por fim, o
direito social. Por fim, as políticas sociais podem reproduzir as desigualdades
sociais estabelecidas pelo mercado, diminuí-las ou anulá-las, ou ainda permitir
que as pessoas sobrevivam com maior ou menor dignidade, mesmo quando não
têm condições de vender sua força de trabalho.
19
PARTE II. MODELOS DE ANÁLISE DE POLÍTICAS PÚBLICAS
INTRODUÇÃO
Na Parte II, vamos discutir os modelos teóricos (ou perspectivas analíticas) mais
utilizados para o estudo das políticas públicas. Tal como os conceitos e as
classificações, focalizados na Parte I, os modelos de análise são instrumentos que
nos permitem conhecer e explicar o mundo real; isto é, são instrumentos
heurísticos. Os modelos de análise nos orientam sobre quais os aspectos da
realidade devem ser apreendidos, quais dados devem ser coletados para
evidenciar as relações ou processos de nosso interesse. Eles nos fornecem
pressupostos teóricos, tendências ou leis gerais que regulam os fenômenos e nos
permitem formular hipóteses para sua explicação e testar teorias já consagradas.
Com a utilização dos modelos de análise de política pública, podemos
investigar quais são os atores importantes no processo de decisão; qual a
influência das instituições políticas, ou do sistema político, em seu conteúdo e
resultado; quais são as formas reais ou ideais de se tomar decisões políticas e
como as políticas públicas são formuladas, implementadas e avaliadas. Respostas
diferentes a este conjunto de questões podem ser fornecidas por diferentes
modelos.
Como ocorre com os conceitos e as classificações, não se pode dizer que
um modelo seja pior ou melhor que outro. Cada conceito, cada classificação, cada
modelo de análise nos apresenta um ou, no máximo, alguns aspectos da
realidade. Isoladamente, nenhum desses instrumentos é suficiente para
compreender ou explicar tudo. O mundo real, mais especificamente, o mundo das
políticas públicas reais, é sempre muito mais complexo que o que pode ser
retratado ou apreendido por qualquer conceito, tipologia ou modelo de análise.
Mas esses instrumentos são essenciais para o conhecimento; eles são as
“ferramentas de trabalho” de qualquer analista, gestor ou trabalhador envolvido
com as políticas públicas em geral ou com a Política de Assistência Social em
particular.
É preciso salientar que a literatura apresenta inúmeros modelos de análise
de políticas públicas, sendo que diversos deles podem ser entendidos como
“modelos mistos”, construídos a partir da combinação de um ou mais “modelos
simples”. A apresentação aqui se restringe aos modelos simples que se sustentam
em perspectivas teóricas relativamente bem consolidadas na Ciência Política e na
Sociologia, que são os tratados por Thomas Dye (1987). Os argumentos
desenvolvidos por outros autores, a respeito desses modelos, complementam a
apresentação.
20
Os modelos tratados por Dye (1987) são: sistêmico, institucional, da teoria
dos jogos, da teoria da escolha racional, pluralista, elitista, incremental e
processual. Os modelos sistêmico e institucional chamam a atenção para o papel
do sistema político, ou das instituições, no processamento das políticas; os
modelos da teoria pluralista e da teoria das elites colocam foco nos atores no
processo de formulação. Os modelos da teoria da escolha racional e da teoria dos
jogos enfatizam a forma como as decisões sobre políticas devem ser tomadas,
enquanto que o modelo incremental pretende descrever a forma como elas são
tomadas na realidade. O modelo processual apresenta as diversas etapas que,
pelo menos idealmente, constituem uma política pública.
2. MODELOS DE ANÁLISE DE POLÍTICAS PÚBLICAS
2.1. MODELO SISTÊMICO
No modelo sistêmico, as políticas públicas são vistas como decisões ou
ações do sistema político (os outputs) para apoios ou demandas (os inputs)
originadas na sociedade. Como visto na primeira aula, o modelo sistêmico é o que
foi utilizado por Rua (1997).
Nesse modelo, o sistema político é entendido como um conjunto de
estruturas e processos inter-relacionados que funciona de forma autorizada para
alocar valores (serviços e bens materiais ou não-materiais) para a sociedade.
As demandas e os apoios ocorrem quando indivíduos ou grupos sociais
agem para influenciar o processo de formulação das políticas públicas. Essa
influência pode ser feita através dos movimentos sociais, sindicatos, partidos,
ONG’s, conselhos, fóruns, conferências; pode ser feita de forma direta, de forma
representativa ou através da mídia. Os apoios são fornecidos sob a forma de
pagamento de impostos, obediência às leis etc. A fim de transformar as demandas
e apoios em outpus (políticas públicas), o sistema político estimula a deliberação,
processa acordos, elabora leis e assegura seu cumprimento.
O modelo sistêmico nos auxilia na análise das políticas públicas, chamando
a atenção para duas questões importantes. Em primeiro lugar, ao colocar o foco
da análise na sociedade, esse modelo aponta para a importância das demandas e
apoios para a formulação e implementação das políticas. Não basta que haja
demanda. Uma demanda por política pública sem um apoio necessário para sua
aprovação no Legislativo, por exemplo, pode não ser transformada em política
pública. Em segundo lugar, o modelo sistêmico chama a atenção para o fato de
que o “desenho” das políticas públicas, suas metas, seu público-alvo etc. está
relacionado com as demandas e os apoios (os inputs). Se as demandas e os
apoios mudam; mudam também as políticas.
Ao colocar o foco sobre demandas, apoios (inputs) e resultados (outputs), o
modelo sistêmico negligencia o próprio processo decisório, isto é, o impacto que
regras e procedimentos formais ou informais, as chamadas “regras do jogo”,
exercem sobre as decisões. O Estado ou o sistema político tornam-se uma “caixa
preta”. O processo de transformação (ou de não-transformação) de demandas e
21
apoios em políticas públicas não é explicado. Essa é a principal preocupação do
modelo institucional.
2.2. MODELO INSTITUCIONAL
No modelo institucional, as políticas são vistas como intervenções dotadas
de legitimidade, universalidade e coerção. Elas são obrigações legais e, enquanto
tais, “comandam” ou asseguram a lealdade dos cidadãos frente ao Estado. A
universalidade refere-se à necessidade de que as políticas públicas alcancem
potencialmente todas as pessoas da sociedade ou de um grupo com
características específicas. A coerção significa que o Estado pode obrigar certos
comportamentos e punir as pessoas que violam ou desrespeitam as políticas
públicas.
Esse modelo salienta ainda que o desenho da estrutura institucional
influencia o formato, o conteúdo e a implementação das políticas públicas e,
consequentemente, seus resultados. O desenho das instituições pode dispersar
ou concentrar o poder, o que determina quem participa do processo decisório,
como e quando participa, assim como os recursos que pode utilizar nessa
participação; determina também os atores que se envolvem na implementação,
assim como as regras que vinculam sua atuação e interação.
A relação entre o formato das instituições e o formato das políticas não
significa que basta mudar as instituições para mudar as políticas públicas de um
determinado país. Colocar o foco da análise nas instituições não é o mesmo que
dizer que as demandas e apoios sociais, assim como as condições culturais,
sociais e econômicas do país deixam de influenciar a formulação, o conteúdo e o
resultado das políticas.
De maneira geral, não podemos dizer que o modelo sistêmico é melhor que
o institucional ou vice-versa. O uso de um ou de outro depende do que
pretendemos analisar.
A mesma coisa pode ser dita sobre os modelos que chamam a atenção
para os atores que são relevantes no processo de formulação das políticas, que
são os modelos das elites e o modelo pluralista. Vejamos.
2.3. MODELO PLURALISTA OU DA TEORIA DOS GRUPOS
No modelo da teoria dos grupos ou pluralista, a interação ou disputa entre
os diversos grupos de interesse é o fato central da política. Indivíduos com
interesses comuns reúnem-se em grupos, formais ou informais, para manifestar
ou impor suas demandas aos governos. Como exemplos de grupos de interesse,
neste modelo, temos os sindicatos, as organizações não-governamentais,
empresas, sindicatos, partidos políticos e, até mesmo, os conselhos de políticas.
Nesta perspectiva de análise, mudanças nas políticas públicas são vistas
como resultado de mudanças na capacidade de influência dos grupos. Essa
capacidade é determinada pelo número de seus integrantes, riqueza, força
organizacional, liderança, acesso aos tomadores de decisão e coesão interna. A
22
teoria dos grupos pretende descrever toda atividade política significativa em
termos de luta entre grupos. Os agentes públicos (representantes ou burocratas)
são vistos como constantemente respondendo à pressão desses grupos.
2.4. MODELO ELITISTA OU DA TEORIA DAS ELITES
Na teoria das elites, as decisões são tomadas predominantemente,
dependendo do regime político, pelos representantes eleitos, inseridos nas
instituições da democracia representativa (Legislativos e Executivos), ou por elites
sociais com acesso privilegiado ou posições garantidas no sistema político. Nesta
perspectiva analítica, as políticas públicas refletem as preferências das elites e
não as do povo, da massa. Não existem grupos de interesse. O povo é
desorganizado e desinteressado. Por isso, são as elites, que competem pelo voto
popular ou não, que sabem quais são as políticas que melhor atendem aos
interesses da sociedade.
Neste modelo de análise, as mudanças nas políticas ocorrem sempre de
forma lenta, gradual, e dependem da mudança no conjunto de valores da elite ou
da ascensão ao sistema político de novos grupos de elite.
É importante termos claro que, no modelo elitista, não se pressupõe que a
política pública será contra o bem-estar do povo. Isto não depende nem mesmo da
noção de elites que temos em mente. Se elites democraticamente eleitas, em
contexto de sufrágio universal; se elites econômicas e sociais que monopolizam as
decisões políticas em sistemas de sufrágio restrito ou ausente. Em qualquer
sistema, democrático, oligárquico ou autoritário, as elites precisam pensar no bemestar do povo sob pena de rebelião, revolta ou, no mínimo ausência de apoio que
imprima legitimidade a suas ações. O elitismo significa que a responsabilidade
sobre a construção desse bem-estar está nos ombros de um grupo restrito de
líderes e não das pessoas a que essas políticas estão direcionadas.
Comparando os modelos elitista e pluralista, Rua (1997) observa que, no
pluralista, supõe-se que todos os atores são equivalentes, ou seja todos têm
chances de obter a decisão que lhes seja mais favorável. Essas chances estão
relacionadas com a capacidade e disposição de cada um de lutar por seus
interesses e articular estratégias e recursos de poder que lhes garantam a vitória
contra os seus oponentes. No elitismo, não se pressupõe equivalência entre os
atores. Os resultados da disputa são previamente definidos pelos interesses e
ideologias das elites políticas e econômicas que controlam os recursos políticos e
organizacionais necessários para a tomada de decisão.
O estudo das políticas públicas pode estar centrado não apenas nas
demandas e apoios sociais (modelo sistêmico), no desenho das instituições
políticas (modelo institucional), nos atores que são importantes nos processos de
decisão (as elites ou os grupos de interesse), mas também na forma como as
decisões são tomadas. Essa é a preocupação dos modelos da teoria da escolha
racional e o da teoria dos jogos.
23
2.5. MODELO DA TEORIA DA ESCOLHA RACIONAL OU RACIONAL-COMPREENSIVO
No modelo da teoria da escolha racional, denominado por Rua (1997)
“modelo racional-compreensivo”, as políticas públicas são vistas como
intervenções racionais do Estado, isto é, intervenções que possibilitam ganhos
para a sociedade como um todo. Nessa perspectiva, uma política permite ganhos
quando, no cálculo de custos e benefícios, os benefícios superam os prejuízos
que podem advir de outra ou nenhuma intervenção. Entre políticas alternativas, os
tomadores de decisão devem escolher aquela que produz mais benefícios em
relação aos custos. O cálculo envolvido inclui não apenas recursos materiais, mas
também valores sociais, políticos e/ou econômicos.
Para que a escolha de políticas seja racional, os tomadores de decisão
devem:
• Conhecer todas as preferências sociais e políticas e o peso relativo
de cada uma, além de todas as alternativas de políticas públicas
disponíveis e as consequências de cada uma delas;
• Calcular a proporção de benefícios e custos para cada alternativa;
• Selecionar a mais eficiente alternativa política, isto é, aquela que
proporciona mais benefícios, tendo em vista os recursos utilizados.
Tudo isso depende de alguns pressupostos. Primeiro, as preferências dos
atores sociais e políticos são conhecidas e ponderadas e, na atribuição de valores
a cada opção, haja consenso entre os atores envolvidos. Segundo, todas as
informações necessárias para a tomada de decisão estão disponíveis. Terceiro, os
tomadores de decisão são capazes de calcular os benefícios e custos de qualquer
decisão e de prever todas suas consequências. Certamente, como observa Rua
(1997), as políticas públicas não são deliberadas nessas condições. Mas é
importante lembrar que certas condições institucionais nos permitem superar
alguns obstáculos ou, pelo menos, minimizar seu impacto.
O primeiro obstáculo é que não há consenso sobre os benefícios que
podem advir das políticas públicas, especialmente as sociais. O consenso é
possível somente sobre benefícios para grupos e indivíduos específicos, muitos
dos quais são conflitantes. Em segundo lugar, não é possível comparar o peso
dos benefícios e dos custos. Por exemplo, é impossível mensurar o benefício da
dignidade pessoal de quem depende dos bens e serviços públicos fornecidos
como direitos de cidadania, em relação ao custo do aumento de impostos, que são
necessários para mantê-los. Em terceiro lugar, os tomadores de decisão podem
não estar motivados pelas metas sociais, mas sim por suas próprias metas
(reeleição, cargos etc.) e podem não pesquisar até encontrar a melhor alternativa.
Podem adotar a primeira política que “irá funcionar”. Por fim, a informação
necessária para a tomada de decisões é sempre incompleta. Dificilmente são
conhecidas todas as alternativas de políticas e previstas todas as consequências
de uma dada alternativa.
Certos desenhos institucionais minimizam alguns obstáculos. Por exemplo,
as audiências públicas permitem a reunião do maior número de informações
24
possível na etapa de formulação das políticas e, como as conferências e fóruns,
permitem a discussão entre um grande número de atores com diferentes pontos
de vista e diferentes recursos, o que pode melhorar o processo de negociação e
pactuação das políticas. Os conselhos de políticas podem possibilitar maior
controle e fiscalização dos governantes e, assim permitir sua responsabilização
em caso de desvio. Estas são as condições estruturadas pelas instituições do
modelo descentralizado e participativo de elaboração e implementação de
políticas públicas, especialmente as sociais, instituído pela Constituição de 1988.
Nessas condições, há maior possibilidade de que as informações sejam mais bem
difundidas, as opiniões sejam trocadas, os interesses tenham mais chances de
serem modificados e negociados. Mas é preciso verificar se as regras instituídas
são efetivamente implementadas.
2.6. MODELO DA TEORIA DOS JOGOS
A teoria dos jogos é o estudo de decisões racionais em situações em que
dois ou mais participantes (aqui denominados de “jogadores”) têm escolhas a
fazer e os resultados dependem das escolhas feitas por cada um deles. Nessa
perspectiva, a melhor política não é apenas o resultado da escolha racional de um
jogador. Ela depende também do que os outros fazem, de suas estratégias. Esse
é o ponto importante que essa teoria nos fornece para a análise das políticas, qual
seja, o de que elas são o resultado das estratégias de diferentes “jogadores”.
Jogadores que, muitas vezes, possuem interesses conflitantes e recursos
diferentes ou desiguais. Se o conflito de interesse coincide com diferenças na
posse de recursos de poder, abre-se a possibilidade de manipulação, de nãonegociação, de não-decisão, no que se refere às políticas públicas, o que muitas
vezes explica a permanência de um problema social indefinidamente como um
“estado de coisas”, para usar a terminologia de Rua (1997).
Assim, os modelos da teoria da escolha racional e o da teoria dos jogos
relacionam-se com o processo decisório. O primeiro serve como “guia” de como
as decisões políticas devem ser tomadas: com o maior número de informações,
com benefícios, custos e estratégias rigorosamente calculados, ponderados. O
segundo desvenda o caráter estratégico da dinâmica política em torno de recursos
escassos, a serem alocados pelas políticas públicas, além de apontar para o fato
de que “poder” é sempre relacional: o poder do indivíduo A não pode ser avaliado
apenas a partir de seus recursos ou de seus atributos; ele depende do poder
detido pelo indivíduo B.
O próximo modelo, o incremental, nos fornece elementos para analisar
como ocorrem, no mundo real, a maioria dos processos de elaboração,
implementação e avaliação de políticas.
2.7. MODELO INCREMENTAL
No modelo incremental, os tomadores de decisão não revêem
racionalmente, todos os anos ou mesmo a cada governo, todas as políticas
existentes. Os limites de tempo e de informação e os custos envolvidos impedem-
25
nos de fazer isso. Os programas, políticas e gastos existentes são considerados
como uma base, a partir da qual se decide por sua continuidade, anulação ou pela
implementação de novos. Isto significa que os tomadores de decisão geralmente
aceitam a legitimidade de programas estabelecidos e tacitamente concordam em
mantê-los.
Como chama a atenção Rua (1997), pressupõe-se, no modelo incremental,
que os tomadores de decisão solucionam os problemas de maneira gradual, sem
introduzir grandes modificações nas situações já existentes e sem provocar
rupturas significativas. Ao invés de ponderar as alternativas, como se pressupõe
no modelo da escolha racional, espera-se que os tomadores de decisão escolham
as alternativas mediante a comparação de alternativas específicas e da estimativa
de quais poderão produzir os resultados esperados. Nessa perspectiva, a melhor
decisão não é aquela que maximiza os valores e objetivos dos tomadores de
decisão, mas aquela que assegura o melhor acordo entre os interesses
envolvidos. Assim, o modelo incremental retrata um processo de tomada de
decisão de políticas mais conservador.
2.8. MODELO PROCESSUAL
No modelo processual, o foco da análise está sobre todas as etapas das
políticas públicas, salientando-se, em cada uma delas, os objetivos e os atores
envolvidos. De acordo com Dye (1987), as políticas públicas possuem cinco
etapas importantes.
• Identificação de problemas - as demandas pela ação do governo
são expressas pelos cidadãos. Os agentes públicos (representantes,
burocracias) percebem, organizam, selecionam, agregam as
diversas demandas. Essa etapa, como salienta Molina (2002),
envolve uma série de conflitos no momento de definir o que é um
problema que requer intervenção pública, além de grande dificuldade
na investigação de suas causas.
• Formulação de propostas de políticas - tendo sido alcançado o
consenso de que as demandas apontam para um problema que
requer intervenção pública, elaboram-se as propostas para sua
solução. Forma-se então uma agenda para discussão pública dessas
propostas. Paralelamente, buscam-se os recursos administrativos e
orçamentários necessários para a implementação das ações que
podem prevenir ou solucionar o problema.
• Legitimação - A proposta mais factível e em torno da qual há maior
consenso é selecionada, e os recursos para sua implementação são
previstos. Busca-se então o apoio político para sua aprovação.
Discutida e aprovada a proposta, no âmbito do Poder Legislativo, ela
é transformada em lei a ser implementada.
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• Implementação - As burocracias são organizadas, os impostos
arrecadados, os pagamentos realizados e as ações previstas são
executadas.
• Avaliação - As ações são avaliadas. A avaliação é traduzida em
sugestões de mudanças, de ajustes ou de fim da ação, tendo em
vista os problemas identificados na implementação e nos resultados.
Assim, o modelo processual somente descreve as características, tarefas
ou atores das diversas etapas das políticas públicas. O suposto é que essas
etapas constituem “momentos” separados e sequenciais; possuem começo, meio
e fim, com atores e objetivos definidos e independentes. Essa visão tem sido
superada pelos estudos que tratam das etapas das políticas públicas como “elos”
de um ciclo, denominado de “ciclo de política”. Esse é o tema da próxima aula.
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