CURSO DE ESPECIALIZAÇÃO EM POLÍTICA DE ASSISTÊNCIA SOCIAL E GESTÃO DO SUAS TEXTO GUIA DE ESTUDO - M1 D3 POLÍTICAS PÚBLICAS I - CONCEITOS BÁSICOS E MODELOS DE ANÁLISE PROFESSORA AUTORA: GERALDA LUIZA DE MIRANDA PROFESSORA TELEPRESENCIAL: GERALDA LUIZA DE MIRANDA COORDENADOR DE CONTEÚDO: MARCELO GARCIA DIRETORA PEDAGÓGICA: MARIA UMBELINA C. SALGADO JUNHO DE 2011 1 APRESENTAÇÃO DA DISCIPLINA: POLÍTICAS CONCEITOS BÁSICOS E MODELOS DE ANÁLISE PÚBLICAS I - Cara(o) estudante, Na aula do dia 22 de junho, você começará a vivenciar uma experiência importante para sua formação como Especialista da área de Assistência Social: nela, vamos tomar distância da vida cotidiana e analisar a Assistência Social como uma política pública. Isso não significa deixar de lado as questões específicas do campo, mas sim contextualizá-las em nossa sociedade. A leitura cuidadosa do texto deste Guia de Estudo é fundamental para sua aprendizagem, assim como o estudo dos textos complementares de leitura obrigatória indicados para o Estudo Individual Orientado (EIO). Agora uma novidade: partir do dia 06 de julho, passaremos a trabalhar com duas disciplinas (e dois professores) por dia de aula. Essa mudança tem o intuito de tornar o trabalho menos pesado para todos, alunos e docentes. As aulas passam funcionar de 18h30 às 20h20 para uma das disciplinas e de 20h40 às 22h30 para a outra. Assim, as próximas aulas da disciplina Políticas Públicas I serão: • 22 de junho de 18h30 a 22h30 – Conceitos Básicos e Classificações • 06 de julho de 20h40 a 22h30 – Tipologias de Welfare State e Modelos de Análise • 20 de julho de 18h30 a 22h30 - Modelos de Análise As datas dos compromissos – seus e nossos – você já sabe: a. No dia 21 de junho, será postado o texto de Políticas Públicas I e, no dia 23, a Lista de Exercícios I correspondente à Parte I do texto Guia de Estudo e à primeira leitura complementar. O prazo para você completar os exercícios vai até 23h59 do dia 5 de julho. b. No dia 7 de julho, será postada a Lista de Exercícios II cujas respostas se baseiam na Parte II do texto Guia de Estudo e à segunda leitura complementar. O prazo para completá-la é 02 de agosto, até às 23h59. Os objetivos apresentados a seguir podem funcionar como orientação para seu estudo. Eles indicam os aspectos que os responsáveis pelo curso consideram 2 mais relevantes para sua formação como Especialista em Política de Assistência Social e Gestão do Suas. OBJETIVOS Após o estudo das duas partes desta disciplina, espera-se que as(os) alunas(os) sejam capazes de: 1. Identificar conceitos de política pública. 2. Explicar as principais características específicas das políticas públicas. 3. Indicar a diferença entre conceito, tipologia e taxonomia. 4. Identificar as categorias que compõem as classificações das políticas públicas de acordo com seus efeitos sociais no curto prazo; a maneira como são formuladas; a incidência dos custos e benefícios. 5. Distinguir entre os conceitos de política pública e de política social. 6. Identificar as categorias que compõem as classificações das políticas sociais segundo a função e segundo a abrangência. 7. Explicar a relação entre políticas sociais redistributivas e direitos de cidadania. 8. Analisar sistemas de proteção existentes, utilizando as tipologias de Titmuss e de Esping-Andersen. 9. Identificar o significado de modelo teórico distinguindo-o das noções de conceito e de classificação. 10. Identificar as características essenciais de cada um dos seguintes modelos: sistêmico, institucional, da teoria dos jogos, da teoria da escolha racional, pluralista, elitista, incremental e processual. CONTEÚDOS Parte I (dia 22/06) “Políticas Públicas e Políticas Sociais: Conceitos, Classificações e Elementos Básicos” Conceitos e características básicas da política pública. Classificação das políticas públicas segundo os critérios de: (a) efeitos sociais das políticas no curto prazo; (b) maneira como são formuladas; (c) incidência dos custos e benefícios das políticas. Conceitos de política social. Classificação das políticas sociais conforme: (a) função que desempenham; (b) configuração de sua população alvo. Introdução à tipologia dos sistemas de política social ou de welfare state. Parte II (dias 06 e 20 de julho) Tipologia de sistemas de política social ou de welfare state e Modelos (ou perspectivas teóricas) para análise de políticas públicas: sistêmico, institucional, 3 da teoria dos jogos, da teoria da escolha racional, pluralista, elitista, incremental e processual. TEXTOS COMPLEMENTARES Para subsidiar a realização das Listas de Exercícios 1 e 2, a principal fonte é este Guia de Estudo, que deve ser complementado pelos textos de leitura obrigatória indicados a seguir. Lista de Exercícios I RUA, Maria das G.. Análise de políticas públicas: Conceitos Básicos. Washington, Indes/BID, 1997, mimeo., p. 1 a 8 (seções I, II e III). Disponível em: http://vsites.unb.br/ceam/webceam/nucleos/omni/observa/downloads/pol_publicas.PDF Lista de Exercícios II RUA, Maria das G.. Análise de políticas públicas: Conceitos Básicos. Washington, Indes/BID, 1997, mimeo., p. 8 a 19 (seções IV e V). Disponível em: http://vsites.unb.br/ceam/webceam/nucleos/omni/observa/downloads/pol_publicas.PDF 4 PARTE I - POLÍTICAS PÚBLICAS E POLÍTICAS SOCIAIS: CONCEITOS, CLASSIFICAÇÕES E ELEMENTOS BÁSICOS 1. INTRODUÇÃO Na Parte I deste texto, vamos apresentar e discutir os principais conceitos de políticas públicas e de políticas sociais, suas características e as classificações mais importantes. Como você verá as políticas públicas são ações do Estado; são “instrumentos” estatais utilizados para alterar, estimular ou influenciar processos ou dinâmicas nas esferas econômica, social, ambiental, de segurança etc., corrigindo problemas ou impedindo sua emergência. São ações formuladas e implementadas por agentes públicos e possuem, ou pelo menos devem possuir, características específicas, como complexidade, publicidade, imperatividade e responsividade. Você verá também que, apesar de as políticas públicas possuírem características gerais, elas podem ser classificadas ou diferenciadas em grupos, tipos ou classes específicas, tendo-se por referência critérios previamente definidos; por exemplo, a quantidade de pessoas que delas se beneficiam, a incidência de seus custos e benefícios, entre outros. Ainda na Parte I, serão apresentados e discutidos alguns conceitos e classificações de política social. Veremos que não há uma definição adequada ou suficientemente boa para esses importantes instrumentos estatais de mudança social. Seus objetivos, desenhos e resultados são por demais variados. No entanto, Richard Titmuss e Esping-Andersen oferecem tipologias que nos ajudam a compreender sua complexidade e, assim, a avaliar os diversos sistemas de proteção social existentes. IMPORTANTE! Desenho da política denota o conjunto de regras que definem o público-alvo, os critérios de elegibilidade, a estrutura de gestão, implementação e financiamento etc., estabelecidas por lei e/ou regulamentos. Os professores de metodologia costumam dizer que “conceito de cão não ladra”. Isso significa que os conceitos são destituídos de muitos dos elementos que envolvem fenômenos, estruturas, processos, dinâmicas ou eventos reais. Mas com os conceitos, apreendemos o que há de mais essencial ou geral em nosso objeto de estudo e, após essa apreensão, podemos distinguir esses elementos daqueles que obscurecem sua compreensão, quando visualizados da maneira como se manifestam no mundo real. Esta é a principal contribuição de conceitos: colocar-nos a um nível acima da “confusão” do mundo real, da realidade empírica. Ao fazer isso, os conceitos nos possibilitam sair da simples descrição de nosso objeto de estudo e caminhar rumo a sua compreensão mais ampla ou sua explicação. 5 Com as classificações, diminuímos o nível da abstração. Se imaginarmos uma “escada de abstração”, podemos dizer que as classificações estão alguns degraus abaixo dos conceitos; elas estão a meio caminho entre o nível conceitual – o mais abstrato - e o nível da empiria - o nível da “confusão” do mundo real. Com as classificações, agrupamos, diferenciamos ou classificamos as políticas públicas a partir de critérios que julgamos importantes para sua compreensão e análise. Assim, também as classificações, como os conceitos, não nos trazem toda a complexidade do mundo real, mas, diferentemente deles, elas nos oferecem elementos que permitem diferenciar as políticas de acordo com algumas características específicas; elas introduzem na análise um pouco da diversidade do mundo real. 2. AS POLÍTICAS PÚBLICAS 2.1. Conceito O que é uma política pública? As respostas dadas a essa pergunta são muitas e extremamente variadas. A variação está normalmente relacionada com a perspectiva adotada pelo analista. De forma simples e muito abstrata, podemos dizer que política pública é a forma por meio da qual o Estado intervém na sociedade. Assim, política pública é uma ação do Estado com foco em alguma esfera da sociedade. A ação do Estado, isto é, a política pública, pode dar-se na esfera econômica (política econômica), na esfera social (política social), na esfera de segurança nacional (política de defesa) etc. Dentro da categoria “política econômica”, podemos distinguir política industrial, política de informática, política agrícola etc.; dentro da categoria “política social”, podemos distinguir política de saúde, de assistência social, de educação etc. Os limites das categorias “política econômica” ou “política social” são difíceis de definir. Embora haja relativo consenso em definir as ações na área de educação, saúde, previdência e assistência como políticas sociais, diversos analistas divergem quanto à classificação, por exemplo, da IMPORTANTE! política habitacional e da política de salário mínimo. Onde deveríamos colocar essas duas políticas? Também os conceitos podem apresentar diferentes Assim, pode-se dizer que a classificação de níveis de abstração. Faze- diversas políticas públicas depende do gosto do mos referência aqui aos que analista, isto é, dos critérios que utiliza, de seus Sartori denomina “conceitos objetivos. universais”, em contraposição Mas o problema não termina aqui (está aos “conceitos gerais” e apenas começando!). Ter como ponto de partida a “conceitos configurativos”. esfera da sociedade em que o Estado intervém, Exemplos de conceitos gerais isto é, classificar as políticas de acordo com foco da são os de política pública que ação do Estado não é definir “política pública”. serão apresentados nesta Vejamos então os conceitos. disciplina. O conceito de política pública mais citado na literatura foi elaborado por Theodor Lowi. Para 6 NÃO SE PREOCUPE! Na próxima aula, vamos discutir as diversas perspectivas de análise das politicas públicas, inclusive a institucionalista e a sistêmica, que é utilizada por RUA. ele, política pública é “Uma regra formulada por alguma autoridade governamental que expressa uma intenção de influenciar, alterar ou regular o comportamento individual ou coletivo através do uso de sanções positivas ou negativas” (1972). Partindo da mesma perspectiva adotada por Lowi, isto é de uma perspectiva institucionalista, Silva (2005) define política pública como: [...] Diretiva de governo que se expressa em ações postas em prática por funcionários públicos que formam corpos burocráticos especializados, ações estas financiadas por recursos provenientes do orçamento público ou negociados por autoridades públicas, isto é, por indivíduos que ocupam cargos na estrutura governamental. Nos sistemas políticos democráticos, estes cargos são preenchidos pelo princípio da eleição, por designação política ou pelo concurso público (p. 26). De uma perspectiva sistêmica, Rua (1997) define as políticas públicas como outputs, ou seja, como resultados da atividade política que “compreendem o conjunto das decisões e ações relativas à alocação imperativa de valores” (p. 1). SUGERIMOS Como você irá verificar, Theodor Lowi é um analista muito importante no estudo de políticas públicas. Pena que os textos dele não tenham sido traduzidos para o Português! Mas estão disponíveis na Internet. O endereço está nas referências bibliográficas. Se você puder, leia! Vale a pena o esforço. Em comum, esses conceitos apresentam a preocupação de inserir a discussão sobre políticas públicas em um contexto ou esfera propriamente “política”. De acordo com Silva (2005), essa é uma “esfera de confrontação entre indivíduos e grupos de indivíduos que se SAIBA MAIS! organizam com o objetivo de impor projetos 1.“Uma decisão política corresponque prefiram nos processos decisórios que de a uma escolha dentre um leque de alternativas, conforme a hierarresultarão em leis e em planos de governo” (p. quia das preferências dos atores 26). Para Rua (1997), “a política consiste no envolvidos, expressando - em maior conjunto de procedimentos formais e informais ou menor grau - uma certa adequaque expressam relações de poder e que se ção entre os fins pretendidos e os destinam à resolução pacífica dos conflitos meios disponíveis” (RUA, 1997, p. 1-2) quanto a bens públicos” (p. 1). 2. Sistema federativo é uma das formas de organização político-administrativa do Estado, na qual as unidades federadas (no caso brasileiro, são os estados e os municípios) possuem soberania política, administrativa e financeira. O grau de soberania das unidades federadas varia de país para país e ao longo do tempo. A outra forma de organização político-administrativa dos Estados modernos é o sistema unitário, que é subdivido em unidades administrativas. Das definições e discussões oferecidas por esses autores, podemos destacar algumas características e elementos importantes das políticas públicas, mais especificamente sua complexidade, seu caráter (idealmente) público, sua natureza imperativa, sua responsividade, ou seja, sua relação (ideal) com as demandas sociais ou com aquelas que se originam dentro do próprio sistema político. Vejamos, então, essas características. 7 SAIBA MAIS! 1.Atores políticos são aqueles que exercem algum tipo de influência sobre as decisões políticas, Podem ser públicos, privados ou públicos não estatais. Os atores privados são diversos e podem variar quanto à forma de organização e capacidade de pressão sobre o sistema político. Os exemplos mais importantes são os empresários e os trabalhadores, organizados ou não em sindicatos.Os atores públicos diferenciam-se dos privados, na medida em que exercem funções públicas e, portanto, mobilizam recursos associados a essas funções. Há dois tipos de atores públicos: os políticos e os burocratas. De acordo com Rua, “[O]s políticos são aqueles atores cuja posição resulta de mandatos eletivos. Por isso, sua atuação é condicionada principalmente pelo cálculo eleitoral e pelo pertencimento a partidos políticos. São os parlamentares, governadores, prefeitos e membros eleitos do executivo federal [...] Os burocratas, por sua vez, devem a sua posição à ocupação de cargos que requerem conhecimento especializado e que se situam em um sistema de carreira pública. Controlam, principalmente, recursos de autoridade e informação. Embora não possuam mandato, os burocratas geralmente possuem clientelas setoriais. Além disso, eles têm projetos políticos, que podem ser pessoais ou organizacionais (como a fidelidade à instituição, o crescimento da organização à qual pertencem etc.). Por isso, é comum haver disputas não apenas entre políticos e burocratas, mas também conflitos entre burocracias de diferentes setores do governo.” (RUA, 1997, p. 4). Os atores públicos não-estatais constituem uma categoria relativamente nova que surgiu a partir das últimas ondas de reforma do Estado. Referem-se às ONG ou Oscips, com as quais o Estado estabelece parcerias para a implementação de políticas públicas. 2. O Poder Legislativo brasileiro, no nível federal, é constituído pela Câmara dos Deputados e pelo Senado Federal. No nível estadual, o Poder Legislativo é a Assembleia Legislativa; no nível municipal, as Câmaras de Vereadores. 2.2. Características e elementos principais das políticas públicas. 2.1.1. Complexidade Uma política pública geralmente envolve mais que uma decisão dos atores políticos e requer diversas ações estrategicamente selecionadas para implementála. As decisões podem envolver, no caso de um sistema federativo como o brasileiro, atores políticos das esferas federal e subnacionais (esta-duais e municipais), conjuntamente ou sepa-radamente. As decisões também podem ficar circunscritas ao âmbito do Poder Legislativo ou contar com a participação do Poder Executivo; podem ainda ser tomadas apenas pelos representantes eleitos (no caso das leis, emendas constitucionais etc.), normalmente após um debate público, ou ser complementadas por decisões das burocracias públicas, por meio de decretos executivos, instruções normativas etc., o que normalmente ocorre na fase de implementação das decisões. Na fase de implementação, as políticas públicas tomam a forma de serviços, projetos, programas, planos, ou seja, tomam a forma de ações concretas destinadas a prevenir ou solucionar os problemas sociais 2.1.2.Caráter Público As políticas públicas devem possuir caráter público em todos os sentidos possíveis de “público”. São decisões que devem ser tomadas na esfera pública estatal (e não esfera privada ou dentro de gabinetes dos políticos ou das burocracias); após discussão pública e democrática, isto é, aberta a influências e à 8 participação social; por meio de atos públicos (atos publicizados, não secretos); e devem ser destinadas a responder problemas públicos (que afetam coletividades). As políticas públicas visam ao bem-estar público, ou o bem comum, e são concretizadas por ações financiadas, coordenadas e implementadas por órgãos públicos (Tesouro e administração pública). A participação de organizações nãogovernamentais ou privadas no financiamento, na formulação ou implementação das políticas, sob a forma de parcerias ou convênios, por exemplo, não retira o caráter público das políticas públicas. O caráter público, estatal, imprime às políticas uma natureza imperativa e responsiva na solução de problemas que afetam o conjunto ou parte dos cidadãos de uma nação. Estes são os fundamentos das políticas. Os próximos dois pontos detalham essas duas características. 2.1.3. A Natureza Imperativa A natureza imperativa e autorizativa das políticas significa que, na medida em que são decisões consagradas em leis, elas vinculam, obrigam, subordinam a atuação dos agentes públicos e dos atores privados envolvidos. As políticas públicas são ações do Estado que, justamente por serem estatais, são revestidas da autoridade soberana, possuindo, por isso, um caráter imperativo, coercitivo, vinculante. 2.1.4. Responsividade Segundo a característica da responsividade, políticas públicas são respostas (outputs) do sistema político a demandas e apoios (inputs). As políticas públicas, como ações que se destinam a solucionar ou prevenir problemas sociais, são respostas do Estado (ou do sistema político) às demandas originadas na sociedade ou dentro do próprio sistema político e requerem apoios diversos para serem formuladas e implementadas. De acordo com Rua (1997), as demandas e os apoios podem ser classificados de acordo com sua origem. Vejamos. • Inputs: são demandas e apoios originados na sociedade, ou seja, feitos por atores situados fora do sistema político, mais especificamente nos diversos grupos, setores, organizações, classes, partidos políticos, sindicatos ou mesmo indivíduos que compõem a sociedade (nacional ou mesmo internacional); • Withinputs: são demandas e apoios originados no interior do próprio sistema político, ou seja, feitos por agentes públicos. Esses agentes são: os representantes eleitos (ocupantes de cargos no Poder Legislativo ou no Poder Executivo, nos diversos níveis de governo (federal, estadual ou municipal), organizados em partidos políticos ou coalizões; as burocracias públicas (servidores públicos, concursados ou não, que ocupam cargos de carreira ou cargos políticos, como ministros, secretários, gerentes, técnicos), inseridas na administração direta ou indireta. 9 Os inputs e withinputs podem ser demandas novas, relacionadas com um problema social recente, ou demandas recorrentes, que dizem respeito a problemas cotidianos das sociedades. As demandas podem ter como objeto serviços de saúde, educação, assistência social, transportes, segurança pública; normas de higiene e controle de produtos alimentícios e preservação ambiental; ou, ainda, bens diversos, como transporte público, estradas etc. Uma questão importante, salientada por Rua (1997) é a relação entre demanda, problema político e problema social. Dizer que as políticas públicas têm por objetivo responder a demandas por solução ou prevenção de problemas sociais não é o mesmo que dizer que todo problema social tem ou terá uma política pública para resolvê-lo ou preveni-lo. Nem todos os problemas sociais se transformam em demandas por políticas e nem todas as demandas entram na “agenda pública”, isto é, se transformam em um “problema político” que será processado pelo sistema político, gerando uma política pública. Em primeiro lugar, alguns problemas sociais não geram demandas por políticas públicas. Como diz Rua (1997), eles permanecem como um “estado de coisas”, o que implica uma “não-decisão” do sistema político. Em segundo lugar, os problemas sociais podem ser transformados em demandas por políticas públicas, o que significa que chegaram ao sistema político, mas não são processadas. Isso pode ocorrer por sobrecarga do próprio sistema político ou incapacidade administrativa. Ou seja, o sistema político não está configurado adequadamente para responder (processar) as demandas, o que é, em si mesmo, um problema que exige uma política pública (alteração nas instituições decisórias, melhoria na capacidade das burocracias públicas, por exemplo). De acordo com Rua (1997), para que um “estado de coisas” se transforme em “problema político”, isto é, entre na agenda política e resulte em uma política pública, é preciso que ele possua uma das seguintes características: a. “mobilize ação política: seja ação coletiva de grandes grupos, seja ação coletiva de pequenos grupos dotados de fortes recursos de poder, seja ação de atores individuais estrategicamente situados; b. constitua uma situação de crise, calamidade ou catástrofe, de maneira que o ônus de não resolver o problema seja maior que o ônus de resolvê-lo; c. constitua uma situação de oportunidade, ou seja, haja vantagens, antevistas por algum ator relevante, a serem obtidas com o tratamento daquele problema.” (p. 6) Apresentados os conceitos de política pública das duas principais perspectivas teóricas de análise de políticas públicas (sistêmica e institucional) e discutidas suas principais características, vejamos, no próximo tópico os tipos de política pública. 10 2.3. Classificação das políticas públicas São diversas as classificações das políticas públicas que encontramos na literatura. Entre elas, destacamos as que são feitas a partir do tipo de beneficiário sobre os quais elas produzem impacto no curto prazo (Lowi, 1964); a que é feita a partir da maneira como são formuladas as políticas (Silva, 2005) e, por fim, a classificação feita a partir da incidência social de seus custos e benefícios (Costa, 2004). 2.3.1. Classificação das políticas quanto ao tipo de beneficiário no curto prazo A classificação mais importante das políticas públicas, que está difundida por toda a literatura, foi feita por Lowi (1964). No entendimento desse analista, as políticas públicas podem ser classificadas, no que se refere ao seu impacto social de curto prazo, em quatro tipos: distributivas, regulatórias, redistributivas, constitutivas. IMPORTANTE! Classificações são construções analíticas que têm por objetivo distinguir fenômenos reais ou abstratos (processos, instituições, governos, políticas, cães, carros etc.), a partir de um ou mais critérios previamente definidos. Há duas exigências metodológicas para que se tenha uma boa classificação: (1) abrangência: o conjunto de categorias (tipos ou classes) que constitui a classificação deve abranger toda a diversidade do fenômeno a que se refere; (2) exclusão mútua ou não sobreposição: cada exemplar do fenômeno deve ser classificado em apenas uma categoria. Guy Peters (1998) distingue dois tipos de classificação: (1) as taxonomias, que distinguem as categorias a partir de apenas um critério ou variável; (2) as tipologias, que utilizam dois ou mais critérios ou variáveis • Políticas distributivas - são aquelas que favorecem indivíduos ou firmas individualmente. A patronagem ou clientelismo (distribuição de empregos, cargos, benefícios ou subsídios a indivíduos ou grupos específicos), o pork-barrel (alocação de recursos públicos para regiões ou localidades específicas) são exemplos de política distributiva. Em termos mais rigorosos, as políticas distributivistas não poderiam ser chamadas de “política pública”, salienta Lowi, pois dizem respeito a decisões (leis) que favorecem, por exemplo, um indivíduo, uma empresa, uma cidade. Somente por acúmulo essas decisões podem ser chamadas de políticas. De qualquer forma, as políticas distributivistas caracterizam-se por não estabelecer um confronto aberto e direto entre os beneficiados e os penalizados, os perdedores e os ganhadores. Isto porque os perdedores, os que financiam a política, não podem ser identificados como uma classe ou um segmento mais amplo da população. • Políticas regulatórias - são políticas setoriais em seu impacto social; não permitem a desagregação no nível individual, que é típica das políticas distributivistas. O impacto abrange grupos, segmentos ou mesmo indivíduos que possuem as mesmas características, perfil, necessidades ou qualquer outro fator que os diferencie dos outros grupos, segmentos. São, por exemplo, as políticas que favorecem ao 11 setor têxtil, o setor de propaganda. As políticas regulatórias diferenciam-se das distributivistas porque envolvem uma escolha direta entre o setor que será beneficiado e o que será privado dos benefícios. Ao explicitar ganhadores e perdedores, as políticas regulatórias são formuladas e implementadas em um cenário mais conflituoso que aquele que se forma em torno das políticas distributivistas. • Políticas redistributivas - são parecidas com as políticas regulatórias, no sentido de que envolvem relações entre categorias mais amplas da população nacional. Enquanto o impacto na política distributiva é individual e, na política regulatória, é sobre grupos ou segmentos com características comuns, na política redistributiva, o impacto se faz sobre classes ou categorias ainda mais amplas da população. Perdedores e ganhadores dividem a sociedade, podendo ser classificados como, por exemplo, os ricos e os não ricos, os grandes e os pequenos, a burguesia e o proletariado, o setor urbano e o setor rural. Nesse tipo de política, de acordo com Lowi, a meta envolvida não é o uso de propriedade, mas a própria propriedade; não é a igualdade de tratamento, mas igualdade de posse. O principal exemplo de política redistributivista são as políticas sociais, que (pelo menos idealmente) transferem recursos dos ricos para os não-ricos; é o caso da política previdenciária, que (pelo menos em tese) transfere recursos daqueles que estão inseridos no mercado de trabalho para aqueles que estão fora dele (aposentados ou desempregados). Na medida em que oferecem maior visibilidade dos ganhadores e dos perdedores, as políticas redistributivistas são formuladas e implementadas em um cenário mais conflituoso que aquele que se estabelece nas políticas regulatórias. • Políticas constitutivas - lidam com procedimentos, por exemplo, a estruturação de uma agência pública. Estabelecem as “regras do jogo”, isto é, as regras que regulam a interação entre atores em contextos específicos. Em outras palavras, essas políticas constituem o ambiente dentro do qual os atores interagem. Diferentemente das políticas regulatórias e redistributivas, que têm impacto sobre grupos, setores ou segmentos específicos, o impacto das políticas constitutivas se faz de forma indireta. De acordo com Lowi, essa classificação das políticas, tendo por referência seu impacto social no curto prazo, não anula o fato de que, no longo prazo, toda e qualquer política pública tem impactos redistributivistas e é regulatória. Isto porque: • Em todas as sociedades, algumas pessoas pagam mais impostos que usufruem de bens e serviços fornecidos pelo Estado; • No longo prazo, toda e qualquer política significa uma decisão governamental (ou diversas decisões) que é consagrada em uma 12 legislação que regulamenta o uso de um recurso, substituindo, assim, e de forma imperativa, uma decisão privada sobre o uso do mesmo recurso. 2.3.2. Classificação das políticas quanto ao modo como são formuladas A classificação das políticas a partir da forma como são formuladas é apresentada por Silva (2005). Em seu entendimento, as políticas podem ser: • Responsivas, quando buscam responder às demandas externas ao sistema político, os inputs na terminologia usada por Rua (1997); • Propositivas, quando buscam responder às demandas internas ao sistema político (os withinputs). 2.3.3. Classificação das políticas quanto à incidência social dos custos e dos benefícios Costa (2004) chama a atenção para uma outra classificação das políticas, que é também relativamente bem difundida na literatura. Essa classificação é feita a partir da incidência social não só dos benefícios, mas também dos custos: se concentrados ou se difusos. Custos ou benefícios concentrados são os que a. “incidem sobre um grupo mais delimitado e menos atomizado de atores (por exemplo, empresas de um setor específico da economia, ou sobre uma categoria específica, como professores) e b. representam um custo ou benefício bastante significativo para cada membro” (p.33). Custos e benefícios difusos são os que a. “incidem sobre um número grande de atores mais atomizados (por exemplo, os contribuintes, os usuários de transporte coletivo, os moradores da cidade) e b. os custos ou benefícios individualizados (ou seja, para cada um) são pouco significativos ou pouco perceptíveis”. (p. 34). Haveria, portanto, quatro tipos de política pública, como pode ser visto no Quadro 1. Quadro 1: Tipos de políticas, segundo o impacto social dos custos e dos benefícios Benefícios Custos Concentrados Difusos Concentrados CC DC Difusos CD DD Fonte: Adaptado de Costa (2004, p. 34). 13 Assim, na taxonomia apresentada por Costa (2004), temos políticas de benefícios e custos concentrados, políticas de benefícios concentrados e custos difusos, políticas de benefícios difusos e custos concentrados e, por fim, políticas de benefícios e custos concentrados. 3. A DINÂMICA DAS POLÍTICAS PÚBLICAS SOCIAIS Uma última questão importante sobre políticas públicas, salientada por Lowi, é que cada tipo de política pública (especificamente, se é uma política redistributiva, regulatória, distributiva e constitutiva) envolve uma dinâmica política diferenciada. Em seu entendimento, policies determine politics (políticas públicas determinam a política, isto é, a dinâmica de interação dos atores, o processo político). A dinâmica que caracteriza as políticas redistributivas é um grau maior de conflito entre os que perdem e os que se beneficiam com as ações, como já foi salientado. Assim, na medida em que o principal exemplo de política redistributiva são as políticas sociais, podemos dizer que estas são as decisões mais conflituosas de qualquer sistema político. Para Rua (1997), os padrões de dinâmica política das políticas públicas são: lutas, jogos e debates. No caso das políticas sociais, a dinâmica seria de lutas, que tomam a forma de um “jogo de soma zero”. Esse jogo está configurado como “uma situação na qual, para que um ator ganhe, o outro tem que perder. Esta é a pior de todas as situações em política”. (p. 7). Mesmo configurando um “jogo de soma zero”, no qual uma parte da sociedade é beneficiada e a outra parte arca com os custos desse beneficiamento, há possibilidade de acomodação dos interesses, de construção de um consenso, de negociação e de intercâmbio entre os atores políticos com interesses divergentes. Esse é o papel da política: construção de consensos, resolução pacífica dos conflitos, como ressalta Rua (1997): IMPORTANTE! “Os jogos são as situações onde a lógica é vencer o adversário em uma situação específica, sem eliminá-lo totalmente do processo, de tal maneira que ele possa vir a ser um aliado num momento posterior. Esta situação é a mais típica do mundo da política, sendo exemplificada pelas negociações, barganhas, conluios, coalizões de interesses” (RUA, 1997, p. 7) “[O]s debates são situações onde cada um dos atores procura convencer o outro da adequação das suas propostas, de tal maneira que o que vence é aquele que se mostra capaz de transformar o adversário em um aliado. Aqui, a lógica é a da persuasão. E é onde recursos como o conhecimento técnico desempenham um papel relevante. De acordo com Lindblom, no jogo do poder, diversos são os procedimentos ou táticas utilizados pelos atores. A persuasão é a tentativa de buscar a adesão pela avaliação das possibilidades de um determinado curso de ação. Envolve análise e argumentação” (RUA, 1997, p. 7-8). Entretanto, mesmo nesses casos, dependendo daquilo que esteja em jogo, e dependendo do custo do confronto para os atores envolvidos, é possível haver uma acomodação entre os interesses em conflito: pode-se ter uma situação onde um lado não ganhe tudo, nem o outro lado perca tudo. Cada um cede um pouco para resolver o conflito sem grandes enfrentamentos, cujo custo pode ser elevado. Por outro lado, a acomodação pode ser uma estratégia de algum ator interessado para adiar o confronto 14 para o momento da implementação, quando a situação política e a correlação de forças podem lhe ser mais favoráveis. (p. 7). Se o consenso é uma possibilidade concreta, o adiamento das decisões para o momento da implementação das políticas, como chama a atenção Rua (1997), também ocorre frequentemente, o que traz diversos problemas, como será visto quando tratarmos do “ciclo das políticas”. Por outro lado, é preciso ressaltar que são também possíveis e até bastante comuns as possibilidades de não consenso, de não decisão, de permanência do problema social por muitos anos como um “estado de coisas”. Voltemos aos conceitos. Além de a política social poder ser formulada de forma responsiva ou propositiva e de seu caráter redistributivista e, consequentemente, da dinâmica conflituosa que marca sua formulação e implementação, o que mais caracteriza esse tipo de política pública? 3.1. Conceitos de Política Social Não há uma definição consensual de políticas sociais na literatura. Esse tipo de política pública é visto pelos marxistas como “reformas de varejo” do Estado capitalista. Para os funcionalistas, as políticas sociais destinam-se a assegurar a coesão social. Os neomarxistas veem as políticas sociais como recursos utilizados pelo Estado para garantir sua própria legitimidade e a acumulação capitalista. Na maioria das vezes, as definições de política social focam especialmente o que se entende por suas funções ou seus objetivos. Coimbra (1998), após mapear diversas abordagens teóricas das políticas sociais, conclui: “sequer uma definição adequada do que é a política social existe nas principais abordagens”. Todas elas, afirma esse analista, “por mais diferentes que sejam umas das outras, se igualam na adoção de definições puramente somatórias, pobres teoricamente e muito insatisfatórias metodologicamente” (p. 101). Faria (1998), segue a mesma trilha e afirma: “política social é um conceito genérico” (p.40). Wanderley Guilherme dos Santos (1998) e Sérgio Abranches (1998) salientam a natureza redistributivista das políticas sociais. Para Abranches (1998), as políticas sociais buscam combater a pobreza ou reduzir a desigualdade social e implicam “a intervenção unilateral do Estado, como garantia concreta da observância de direitos sociais dos cidadãos, em relação aos quais existe clara contrapartida de deveres sociais” (p. 14). Essa mesma expectativa de que as políticas sociais possuem fins altruístas – como redução da desigualdade, observância de direitos – é encontrada em Marshall (1965). Em seu entendimento, “‘Política social’ não é um termo técnico com um significado exato (...) ele está referido à política dos governos com relação à ação dos governos que têm um impacto direto sobre o bem-estar dos cidadãos, fornecendo a eles serviços ou renda. O núcleo central consiste, portanto, de seguro social, assistência pública (ou nacional), serviços de saúde e de bem-estar, política habitacional.” (MARSHALL, 1965). 15 Apesar das divergências conceituais, há um entendimento entre os analistas de que políticas sociais, como políticas públicas são ações específicas de atores estatais. Relacionam-se, por isso, com os aspectos políticos, financeiros e organizacionais do Estado; possuem fundamento jurídico, isto é, são consagradas na legislação, o que lhes imprime um caráter coercitivo; e, por fim, envolvem atores diversos (representantes eleitos, burocracias, atores sociais), processos diferenciados de formulação e implementação, bem como impactos sociais variados. Como qualquer política pública, as políticas sociais podem ser elaboradas como respostas a demandas de atores sociais ou como iniciativas que visam a solucionar problemas sociais “diagnosticados” de forma relativamente autônoma pelos agentes públicos. Vejamos duas importantes classificações das políticas sociais. 3.2.Tipos de Políticas Sociais Para Santos, as políticas sociais podem ser diferenciadas, de acordo com sua função, em dois tipos: • Preventivas, quando buscam minimizar ou impedir a ocorrência de um problema social. • Compensatórias, quando são destinadas a solucionar problemas gerados pela ineficiência da “grande política”. Outra classificação das políticas sociais é feita a partir configuração de seu públicoalvo: Recomendamos Para aprofundar a compreensão dos conceitos de focalização e universalização, consulte o artigo de Saraiva (2004), indicado nas Referências, no fim deste texto. • Política social focalizada: é aquela que busca solucionar ou prevenir problemas que afetam grupos, segmentos ou setores específicos da população. Normalmente, o público-alvo (os beneficiários) das polícias focalizadas são aqueles em maior desvantagem, como os pobres, as minorias etc. • Política social universal: é aquela que oferta bens e serviços que podem ser usufruídos ou acessados por todos os cidadãos sem distinção de qualquer natureza. É importante considerar que universalidade e focalização são termos que podem ser utilizados tanto para as políticas setoriais, entendidas como um conjunto de ações (ou intervenções) do Estado em uma área específica, como assistência social, saúde e educação, quanto para as ações individualmente. As ações que compõem certa política setorial também podem ser universais ou focalizadas. Por exemplo, a política de saúde deve poder acessada por todos os cidadãos; os programas, serviços, projetos que constituem essa política podem estar direcionados (focalizados) em segmentos específicos (idosos, crianças, etc.). O mesmo pode ser dito sobre a política de assistência social.. 16 Assim, no que se refere às ações que compõem determinada política social (seus programas, projetos, serviços etc.), não podemos dizer, em princípio, que universalização seja melhor que focalização, ou vice-versa. A universalização de uma política não exclui a possibilidade de que ela ofereça ações focalizadas. Normalmente, a resistência contra desenhos focalizados relaciona-se com o entendimento de políticas como um conjunto de ações de determinado país. Por exemplo, uma política de saúde que está restrita a grupos sociais específicos, por exemplo, aqueles que estão inseridos no mercado de trabalho formal, deixando sem cobertura aqueles que não contribuem (desempregados, trabalhadores informais, por exemplo). 3.3. Políticas Sociais e Sistemas de Proteção Social (Welfare State) Devemos ser compreensivos e entender que a falta de uma boa definição de política social não se deve à incompetência dos analistas da área. Vimos que um esforço significativo tem sido feito nessa direção. A política social, como um tipo de ação do Estado ou um instrumento de intervenção na sociedade, não se define pela área em essa intervenção ocorre, pois não há consenso sobre as fronteiras das políticas sociais (se apenas saúde, educação, assistência ou se também outras). Ela também não se define por seu desenho, podendo ser focalizada ou universal; compensatória ou preventiva; responsiva ou propositiva etc. Vimos que o principal exemplo de política pública redistributiva, oferecido por Lowi (1964), foi o de política social. Mas dessa afirmativa não podemos, e não devemos, concluir que toda política social é redistributivista. Nem mesmo que, quando a política social é redistributiva, a redistribuição seja feita em favor dos segmentos ou grupos sociais em posição mais desfavorável. Esse ponto é salientado por Richard Titmuss (1974). Para Titmuss, uma política social não necessariamente está orientada para o benefício ou o bem-estar dos pobres, das classes trabalhadoras, dos idosos, das mulheres, dos órfãos etc. Ela também não está sempre orientada por valores como justiça social, igualdade, bem-estar. Uma política social pode, como qualquer política pública, promover tanto um bem quanto um mal público. Isto porque, de acordo com Titmuss, Uma política social redistributiva pode redistribuir recursos materiais e não materiais dos pobres para os ricos; de um grupo étnico para outro; da vida ativa para a velhice dentro de grupos de renda e classes sociais – como, por exemplo, os esquemas de pensão de classe média. Há políticas sociais na África do Sul hoje que muitas pessoas não considerariam como sendo benéficas ou orientadas para o bem-estar. Há programas de seguro social em alguns países da America Latina, Brasil em particular, que funcionam como multiplicadores camuflados de desigualdade – eles transferem recursos dos pobres para os ricos. (TITMUSS, 1974, p. 141-2). Ao constatar a grande variação entre os países, Titmuss propõe uma tipologia dos sistemas de política social ou modelos de welfare state. Para ele, há três tipos: o residual, o meritocrático-corporativo, o institucional ou redistributivo. 17 • No modelo residual, as necessidades dos indivíduos são primeiramente satisfeitas pelo mercado ou pela família. Apenas quando esses dois canais falham em oferecer proteção, as instituições estatais de proteção são acionadas, e de forma temporária. Nesse modelo, as políticas sociais são estigmatizantes e focalizadas. Bens e serviços sociais não são ofertados como direito de cidadania; o acesso a eles depende do cumprimento de condições pré-estabelecidas, a serem comprovadas pelos chamados “testes de meios”. • No modelo meritocrático-corporativo, as políticas sociais são ofertadas com base no mérito ou no desempenho no mercado de trabalho. Elas reproduzem ou reforçam as desigualdades instituídas no mercado. O direito de acesso a elas é garantido ao longo da vida ativa do trabalhador. • No modelo redistributivo ou institucional, as políticas sociais são ofertadas com base em direitos sociais. Elas são universais e orientadas para as necessidades. Há um compromisso institucionalizado com o bem-estar dos cidadãos. Gosta Esping-Andersen elabora uma tipologia dos welfare states parecida com a de Titmuss. Para ele, os sistemas podem ser classificados em liberal, corporativo e universalista ou social-democrata. Os critérios que diferenciam um do outro são o grau de desmercantilização da força de trabalho e de estratificação social que promovem. • No modelo liberal, a assistência social predomina. O acesso às políticas não se vincula ao desempenho no mercado de trabalho nem a direitos sociais, mas sim à comprovação da necessidade (atestados de pobreza). Os benefícios são reduzidos e temporários e não permitem que as pessoas vivam de forma digna quando não têm condição de vender seu trabalho no mercado. Nesse modelo, as pessoas são encorajadas a comprar serviços sociais e há uma marcada divisão social entre os que podem comprar esses serviços e os que dependem do Estado para sobreviver. Isto é, a estratificação, promovida pelo sistema de proteção, configura um dualismo social. Exemplos: Estados Unidos, Canadá, Austrália, Nova Zelândia. • No modelo corporativo ou conservador, a previdência social estatal é generosa. Mas não há desmercantilização ampla, pois a elegibilidade e a qualidade dos bens e serviços sociais a que se tem acesso dependem do desempenho dos indivíduos no mercado. Isto é, o acesso às políticas sociais depende de e está relacionado com as contribuições, feitas durante ou ao longo da vida ativa. Assim, nesse sistema, a estratificação promovida pelo sistema de proteção reproduz ou reforça as desigualdades instituídas pelo mercado. Exemplos: Alemanha, França, Itália, Bélgica. 18 • No modelo universalista ou social-democrata, há o maior grau de desmercantilização. Os benefícios e serviços são universais e generosos e não estão relacionados com ganhos, contribuições ou desempenhos anteriores no mercado. Há redistribuição significativa de renda, e os benefícios são acessados como um direito de cidadania. A estratificação social promovida pelo sistema de proteção é mínima ou ausente. Exemplos: Suécia, Noruega, Dinamarca. Assim, as tipologias de Titmuss e Esping-Andersen indicam variações nas políticas sociais. De forma resumida, podemos dizer, em primeiro lugar, que as políticas sociais podem ou não transferir renda e, se transferem, o sentido da transferência pode variar (dos ricos para os pobres; dos pobres para os ricos; apenas dentro da classe média). Em segundo lugar, elas podem atender apenas a grupos focalizados ou ao conjunto da população. Sustentando os diferentes modelos, temos, em terceiro lugar, diferentes valores, como o mérito ou o esforço individual; o demérito individual, ao qual se vincula o estigma social e, por fim, o direito social. Por fim, as políticas sociais podem reproduzir as desigualdades sociais estabelecidas pelo mercado, diminuí-las ou anulá-las, ou ainda permitir que as pessoas sobrevivam com maior ou menor dignidade, mesmo quando não têm condições de vender sua força de trabalho. 19 PARTE II. MODELOS DE ANÁLISE DE POLÍTICAS PÚBLICAS INTRODUÇÃO Na Parte II, vamos discutir os modelos teóricos (ou perspectivas analíticas) mais utilizados para o estudo das políticas públicas. Tal como os conceitos e as classificações, focalizados na Parte I, os modelos de análise são instrumentos que nos permitem conhecer e explicar o mundo real; isto é, são instrumentos heurísticos. Os modelos de análise nos orientam sobre quais os aspectos da realidade devem ser apreendidos, quais dados devem ser coletados para evidenciar as relações ou processos de nosso interesse. Eles nos fornecem pressupostos teóricos, tendências ou leis gerais que regulam os fenômenos e nos permitem formular hipóteses para sua explicação e testar teorias já consagradas. Com a utilização dos modelos de análise de política pública, podemos investigar quais são os atores importantes no processo de decisão; qual a influência das instituições políticas, ou do sistema político, em seu conteúdo e resultado; quais são as formas reais ou ideais de se tomar decisões políticas e como as políticas públicas são formuladas, implementadas e avaliadas. Respostas diferentes a este conjunto de questões podem ser fornecidas por diferentes modelos. Como ocorre com os conceitos e as classificações, não se pode dizer que um modelo seja pior ou melhor que outro. Cada conceito, cada classificação, cada modelo de análise nos apresenta um ou, no máximo, alguns aspectos da realidade. Isoladamente, nenhum desses instrumentos é suficiente para compreender ou explicar tudo. O mundo real, mais especificamente, o mundo das políticas públicas reais, é sempre muito mais complexo que o que pode ser retratado ou apreendido por qualquer conceito, tipologia ou modelo de análise. Mas esses instrumentos são essenciais para o conhecimento; eles são as “ferramentas de trabalho” de qualquer analista, gestor ou trabalhador envolvido com as políticas públicas em geral ou com a Política de Assistência Social em particular. É preciso salientar que a literatura apresenta inúmeros modelos de análise de políticas públicas, sendo que diversos deles podem ser entendidos como “modelos mistos”, construídos a partir da combinação de um ou mais “modelos simples”. A apresentação aqui se restringe aos modelos simples que se sustentam em perspectivas teóricas relativamente bem consolidadas na Ciência Política e na Sociologia, que são os tratados por Thomas Dye (1987). Os argumentos desenvolvidos por outros autores, a respeito desses modelos, complementam a apresentação. 20 Os modelos tratados por Dye (1987) são: sistêmico, institucional, da teoria dos jogos, da teoria da escolha racional, pluralista, elitista, incremental e processual. Os modelos sistêmico e institucional chamam a atenção para o papel do sistema político, ou das instituições, no processamento das políticas; os modelos da teoria pluralista e da teoria das elites colocam foco nos atores no processo de formulação. Os modelos da teoria da escolha racional e da teoria dos jogos enfatizam a forma como as decisões sobre políticas devem ser tomadas, enquanto que o modelo incremental pretende descrever a forma como elas são tomadas na realidade. O modelo processual apresenta as diversas etapas que, pelo menos idealmente, constituem uma política pública. 2. MODELOS DE ANÁLISE DE POLÍTICAS PÚBLICAS 2.1. MODELO SISTÊMICO No modelo sistêmico, as políticas públicas são vistas como decisões ou ações do sistema político (os outputs) para apoios ou demandas (os inputs) originadas na sociedade. Como visto na primeira aula, o modelo sistêmico é o que foi utilizado por Rua (1997). Nesse modelo, o sistema político é entendido como um conjunto de estruturas e processos inter-relacionados que funciona de forma autorizada para alocar valores (serviços e bens materiais ou não-materiais) para a sociedade. As demandas e os apoios ocorrem quando indivíduos ou grupos sociais agem para influenciar o processo de formulação das políticas públicas. Essa influência pode ser feita através dos movimentos sociais, sindicatos, partidos, ONG’s, conselhos, fóruns, conferências; pode ser feita de forma direta, de forma representativa ou através da mídia. Os apoios são fornecidos sob a forma de pagamento de impostos, obediência às leis etc. A fim de transformar as demandas e apoios em outpus (políticas públicas), o sistema político estimula a deliberação, processa acordos, elabora leis e assegura seu cumprimento. O modelo sistêmico nos auxilia na análise das políticas públicas, chamando a atenção para duas questões importantes. Em primeiro lugar, ao colocar o foco da análise na sociedade, esse modelo aponta para a importância das demandas e apoios para a formulação e implementação das políticas. Não basta que haja demanda. Uma demanda por política pública sem um apoio necessário para sua aprovação no Legislativo, por exemplo, pode não ser transformada em política pública. Em segundo lugar, o modelo sistêmico chama a atenção para o fato de que o “desenho” das políticas públicas, suas metas, seu público-alvo etc. está relacionado com as demandas e os apoios (os inputs). Se as demandas e os apoios mudam; mudam também as políticas. Ao colocar o foco sobre demandas, apoios (inputs) e resultados (outputs), o modelo sistêmico negligencia o próprio processo decisório, isto é, o impacto que regras e procedimentos formais ou informais, as chamadas “regras do jogo”, exercem sobre as decisões. O Estado ou o sistema político tornam-se uma “caixa preta”. O processo de transformação (ou de não-transformação) de demandas e 21 apoios em políticas públicas não é explicado. Essa é a principal preocupação do modelo institucional. 2.2. MODELO INSTITUCIONAL No modelo institucional, as políticas são vistas como intervenções dotadas de legitimidade, universalidade e coerção. Elas são obrigações legais e, enquanto tais, “comandam” ou asseguram a lealdade dos cidadãos frente ao Estado. A universalidade refere-se à necessidade de que as políticas públicas alcancem potencialmente todas as pessoas da sociedade ou de um grupo com características específicas. A coerção significa que o Estado pode obrigar certos comportamentos e punir as pessoas que violam ou desrespeitam as políticas públicas. Esse modelo salienta ainda que o desenho da estrutura institucional influencia o formato, o conteúdo e a implementação das políticas públicas e, consequentemente, seus resultados. O desenho das instituições pode dispersar ou concentrar o poder, o que determina quem participa do processo decisório, como e quando participa, assim como os recursos que pode utilizar nessa participação; determina também os atores que se envolvem na implementação, assim como as regras que vinculam sua atuação e interação. A relação entre o formato das instituições e o formato das políticas não significa que basta mudar as instituições para mudar as políticas públicas de um determinado país. Colocar o foco da análise nas instituições não é o mesmo que dizer que as demandas e apoios sociais, assim como as condições culturais, sociais e econômicas do país deixam de influenciar a formulação, o conteúdo e o resultado das políticas. De maneira geral, não podemos dizer que o modelo sistêmico é melhor que o institucional ou vice-versa. O uso de um ou de outro depende do que pretendemos analisar. A mesma coisa pode ser dita sobre os modelos que chamam a atenção para os atores que são relevantes no processo de formulação das políticas, que são os modelos das elites e o modelo pluralista. Vejamos. 2.3. MODELO PLURALISTA OU DA TEORIA DOS GRUPOS No modelo da teoria dos grupos ou pluralista, a interação ou disputa entre os diversos grupos de interesse é o fato central da política. Indivíduos com interesses comuns reúnem-se em grupos, formais ou informais, para manifestar ou impor suas demandas aos governos. Como exemplos de grupos de interesse, neste modelo, temos os sindicatos, as organizações não-governamentais, empresas, sindicatos, partidos políticos e, até mesmo, os conselhos de políticas. Nesta perspectiva de análise, mudanças nas políticas públicas são vistas como resultado de mudanças na capacidade de influência dos grupos. Essa capacidade é determinada pelo número de seus integrantes, riqueza, força organizacional, liderança, acesso aos tomadores de decisão e coesão interna. A 22 teoria dos grupos pretende descrever toda atividade política significativa em termos de luta entre grupos. Os agentes públicos (representantes ou burocratas) são vistos como constantemente respondendo à pressão desses grupos. 2.4. MODELO ELITISTA OU DA TEORIA DAS ELITES Na teoria das elites, as decisões são tomadas predominantemente, dependendo do regime político, pelos representantes eleitos, inseridos nas instituições da democracia representativa (Legislativos e Executivos), ou por elites sociais com acesso privilegiado ou posições garantidas no sistema político. Nesta perspectiva analítica, as políticas públicas refletem as preferências das elites e não as do povo, da massa. Não existem grupos de interesse. O povo é desorganizado e desinteressado. Por isso, são as elites, que competem pelo voto popular ou não, que sabem quais são as políticas que melhor atendem aos interesses da sociedade. Neste modelo de análise, as mudanças nas políticas ocorrem sempre de forma lenta, gradual, e dependem da mudança no conjunto de valores da elite ou da ascensão ao sistema político de novos grupos de elite. É importante termos claro que, no modelo elitista, não se pressupõe que a política pública será contra o bem-estar do povo. Isto não depende nem mesmo da noção de elites que temos em mente. Se elites democraticamente eleitas, em contexto de sufrágio universal; se elites econômicas e sociais que monopolizam as decisões políticas em sistemas de sufrágio restrito ou ausente. Em qualquer sistema, democrático, oligárquico ou autoritário, as elites precisam pensar no bemestar do povo sob pena de rebelião, revolta ou, no mínimo ausência de apoio que imprima legitimidade a suas ações. O elitismo significa que a responsabilidade sobre a construção desse bem-estar está nos ombros de um grupo restrito de líderes e não das pessoas a que essas políticas estão direcionadas. Comparando os modelos elitista e pluralista, Rua (1997) observa que, no pluralista, supõe-se que todos os atores são equivalentes, ou seja todos têm chances de obter a decisão que lhes seja mais favorável. Essas chances estão relacionadas com a capacidade e disposição de cada um de lutar por seus interesses e articular estratégias e recursos de poder que lhes garantam a vitória contra os seus oponentes. No elitismo, não se pressupõe equivalência entre os atores. Os resultados da disputa são previamente definidos pelos interesses e ideologias das elites políticas e econômicas que controlam os recursos políticos e organizacionais necessários para a tomada de decisão. O estudo das políticas públicas pode estar centrado não apenas nas demandas e apoios sociais (modelo sistêmico), no desenho das instituições políticas (modelo institucional), nos atores que são importantes nos processos de decisão (as elites ou os grupos de interesse), mas também na forma como as decisões são tomadas. Essa é a preocupação dos modelos da teoria da escolha racional e o da teoria dos jogos. 23 2.5. MODELO DA TEORIA DA ESCOLHA RACIONAL OU RACIONAL-COMPREENSIVO No modelo da teoria da escolha racional, denominado por Rua (1997) “modelo racional-compreensivo”, as políticas públicas são vistas como intervenções racionais do Estado, isto é, intervenções que possibilitam ganhos para a sociedade como um todo. Nessa perspectiva, uma política permite ganhos quando, no cálculo de custos e benefícios, os benefícios superam os prejuízos que podem advir de outra ou nenhuma intervenção. Entre políticas alternativas, os tomadores de decisão devem escolher aquela que produz mais benefícios em relação aos custos. O cálculo envolvido inclui não apenas recursos materiais, mas também valores sociais, políticos e/ou econômicos. Para que a escolha de políticas seja racional, os tomadores de decisão devem: • Conhecer todas as preferências sociais e políticas e o peso relativo de cada uma, além de todas as alternativas de políticas públicas disponíveis e as consequências de cada uma delas; • Calcular a proporção de benefícios e custos para cada alternativa; • Selecionar a mais eficiente alternativa política, isto é, aquela que proporciona mais benefícios, tendo em vista os recursos utilizados. Tudo isso depende de alguns pressupostos. Primeiro, as preferências dos atores sociais e políticos são conhecidas e ponderadas e, na atribuição de valores a cada opção, haja consenso entre os atores envolvidos. Segundo, todas as informações necessárias para a tomada de decisão estão disponíveis. Terceiro, os tomadores de decisão são capazes de calcular os benefícios e custos de qualquer decisão e de prever todas suas consequências. Certamente, como observa Rua (1997), as políticas públicas não são deliberadas nessas condições. Mas é importante lembrar que certas condições institucionais nos permitem superar alguns obstáculos ou, pelo menos, minimizar seu impacto. O primeiro obstáculo é que não há consenso sobre os benefícios que podem advir das políticas públicas, especialmente as sociais. O consenso é possível somente sobre benefícios para grupos e indivíduos específicos, muitos dos quais são conflitantes. Em segundo lugar, não é possível comparar o peso dos benefícios e dos custos. Por exemplo, é impossível mensurar o benefício da dignidade pessoal de quem depende dos bens e serviços públicos fornecidos como direitos de cidadania, em relação ao custo do aumento de impostos, que são necessários para mantê-los. Em terceiro lugar, os tomadores de decisão podem não estar motivados pelas metas sociais, mas sim por suas próprias metas (reeleição, cargos etc.) e podem não pesquisar até encontrar a melhor alternativa. Podem adotar a primeira política que “irá funcionar”. Por fim, a informação necessária para a tomada de decisões é sempre incompleta. Dificilmente são conhecidas todas as alternativas de políticas e previstas todas as consequências de uma dada alternativa. Certos desenhos institucionais minimizam alguns obstáculos. Por exemplo, as audiências públicas permitem a reunião do maior número de informações 24 possível na etapa de formulação das políticas e, como as conferências e fóruns, permitem a discussão entre um grande número de atores com diferentes pontos de vista e diferentes recursos, o que pode melhorar o processo de negociação e pactuação das políticas. Os conselhos de políticas podem possibilitar maior controle e fiscalização dos governantes e, assim permitir sua responsabilização em caso de desvio. Estas são as condições estruturadas pelas instituições do modelo descentralizado e participativo de elaboração e implementação de políticas públicas, especialmente as sociais, instituído pela Constituição de 1988. Nessas condições, há maior possibilidade de que as informações sejam mais bem difundidas, as opiniões sejam trocadas, os interesses tenham mais chances de serem modificados e negociados. Mas é preciso verificar se as regras instituídas são efetivamente implementadas. 2.6. MODELO DA TEORIA DOS JOGOS A teoria dos jogos é o estudo de decisões racionais em situações em que dois ou mais participantes (aqui denominados de “jogadores”) têm escolhas a fazer e os resultados dependem das escolhas feitas por cada um deles. Nessa perspectiva, a melhor política não é apenas o resultado da escolha racional de um jogador. Ela depende também do que os outros fazem, de suas estratégias. Esse é o ponto importante que essa teoria nos fornece para a análise das políticas, qual seja, o de que elas são o resultado das estratégias de diferentes “jogadores”. Jogadores que, muitas vezes, possuem interesses conflitantes e recursos diferentes ou desiguais. Se o conflito de interesse coincide com diferenças na posse de recursos de poder, abre-se a possibilidade de manipulação, de nãonegociação, de não-decisão, no que se refere às políticas públicas, o que muitas vezes explica a permanência de um problema social indefinidamente como um “estado de coisas”, para usar a terminologia de Rua (1997). Assim, os modelos da teoria da escolha racional e o da teoria dos jogos relacionam-se com o processo decisório. O primeiro serve como “guia” de como as decisões políticas devem ser tomadas: com o maior número de informações, com benefícios, custos e estratégias rigorosamente calculados, ponderados. O segundo desvenda o caráter estratégico da dinâmica política em torno de recursos escassos, a serem alocados pelas políticas públicas, além de apontar para o fato de que “poder” é sempre relacional: o poder do indivíduo A não pode ser avaliado apenas a partir de seus recursos ou de seus atributos; ele depende do poder detido pelo indivíduo B. O próximo modelo, o incremental, nos fornece elementos para analisar como ocorrem, no mundo real, a maioria dos processos de elaboração, implementação e avaliação de políticas. 2.7. MODELO INCREMENTAL No modelo incremental, os tomadores de decisão não revêem racionalmente, todos os anos ou mesmo a cada governo, todas as políticas existentes. Os limites de tempo e de informação e os custos envolvidos impedem- 25 nos de fazer isso. Os programas, políticas e gastos existentes são considerados como uma base, a partir da qual se decide por sua continuidade, anulação ou pela implementação de novos. Isto significa que os tomadores de decisão geralmente aceitam a legitimidade de programas estabelecidos e tacitamente concordam em mantê-los. Como chama a atenção Rua (1997), pressupõe-se, no modelo incremental, que os tomadores de decisão solucionam os problemas de maneira gradual, sem introduzir grandes modificações nas situações já existentes e sem provocar rupturas significativas. Ao invés de ponderar as alternativas, como se pressupõe no modelo da escolha racional, espera-se que os tomadores de decisão escolham as alternativas mediante a comparação de alternativas específicas e da estimativa de quais poderão produzir os resultados esperados. Nessa perspectiva, a melhor decisão não é aquela que maximiza os valores e objetivos dos tomadores de decisão, mas aquela que assegura o melhor acordo entre os interesses envolvidos. Assim, o modelo incremental retrata um processo de tomada de decisão de políticas mais conservador. 2.8. MODELO PROCESSUAL No modelo processual, o foco da análise está sobre todas as etapas das políticas públicas, salientando-se, em cada uma delas, os objetivos e os atores envolvidos. De acordo com Dye (1987), as políticas públicas possuem cinco etapas importantes. • Identificação de problemas - as demandas pela ação do governo são expressas pelos cidadãos. Os agentes públicos (representantes, burocracias) percebem, organizam, selecionam, agregam as diversas demandas. Essa etapa, como salienta Molina (2002), envolve uma série de conflitos no momento de definir o que é um problema que requer intervenção pública, além de grande dificuldade na investigação de suas causas. • Formulação de propostas de políticas - tendo sido alcançado o consenso de que as demandas apontam para um problema que requer intervenção pública, elaboram-se as propostas para sua solução. Forma-se então uma agenda para discussão pública dessas propostas. Paralelamente, buscam-se os recursos administrativos e orçamentários necessários para a implementação das ações que podem prevenir ou solucionar o problema. • Legitimação - A proposta mais factível e em torno da qual há maior consenso é selecionada, e os recursos para sua implementação são previstos. Busca-se então o apoio político para sua aprovação. Discutida e aprovada a proposta, no âmbito do Poder Legislativo, ela é transformada em lei a ser implementada. 26 • Implementação - As burocracias são organizadas, os impostos arrecadados, os pagamentos realizados e as ações previstas são executadas. • Avaliação - As ações são avaliadas. A avaliação é traduzida em sugestões de mudanças, de ajustes ou de fim da ação, tendo em vista os problemas identificados na implementação e nos resultados. Assim, o modelo processual somente descreve as características, tarefas ou atores das diversas etapas das políticas públicas. O suposto é que essas etapas constituem “momentos” separados e sequenciais; possuem começo, meio e fim, com atores e objetivos definidos e independentes. Essa visão tem sido superada pelos estudos que tratam das etapas das políticas públicas como “elos” de um ciclo, denominado de “ciclo de política”. Esse é o tema da próxima aula. 27 REFERÊNCIAS ABRANCHES, Sérgio H.; SANTOS, Wanderley G.; COIMBRA, Marcos A. (Org.). 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