- Sociedade Brasileira de Sociologia

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XV Congresso Brasileiro de Sociologia
26 a 29 de julho de 2011 - Curitiba, PR
GT22 - Sexualidades, corporalidades e transgressões
O swing e as práticas sexuais dissidentes
Possibilidades, mudanças e permanências1
Edson Vasconcelos2
Doutorando em Sociologia
Sociologia – UFPB
1
Este texto faz parte da pesquisa de Doutorado em andamento junto ao Programa de Pósgraduação em Sociologia da Universidade Federal da Paraíba intitulada De olhos bem fechados –
Conjugalidades, práticas sexuais e subjetividades em casais praticantes de swing em João
Pessoa PB.
2
Professor de Sociologia das Faculdades de Enfermagem e de Medicina Nova Esperança –
Campus João Pessoa.
Qual é o papel das práticas sexuais nas relações conjugais? Como elas se
configuram no solo da multiplicidade de desejos e a compreensão do casamento
não só como instituição patrimonial? Se o casamento não se trata mais de um
regime patrimonial, as práticas eróticas, dentre elas o swing, estão inseridos num
movimento e liberação dos desejos em torno da união entre duas pessoas?
Contribuir com a discussão sobre as práticas sexuais dissidentes tendo como
foco os casais praticantes de swing. O foco é se esses casais podem ser
vislumbrados no que as ciências sociais consideram como prática dissidente? Como
suas práticas sexuais se projetam enquanto articulação dos elementos da vida social
e as novas configurações que se impõem pela ação humana? De que maneiras
seus desejos de realocações – se eles existirem – atuam em espaços imaginados e
no encontro com identidades plurais? Até que ponto, os swinguers aproximam-se do
modelo onde às subjetividades poderiam ser definidas a partir do individualismo
hedonista ou se, estão reproduzindo as hierarquias de gênero?
O swing por excelência se coloca com uma prática dissidente. Dissidência
tem a ver com estigma no swing. Colocar o swing a margem significa observá-lo
com uma prática não só anormal, mas também relacionada a estigmas muito
conhecidos socialmente. Estigmas que conjugam as perversões sexuais enquanto
uma fuga da normalidade. Sexo dissidente é o que foge dessa lógica:
heterocentrada, medicalizada, legalmente controlada e cientificamente cartografada.
Nos Estados Unidos, por exemplo, alguns estudos fazem associação entre
swing e a ingestão de álcool e drogas. Além do mais, a prática também se relaciona
a uma visão liberal sobre religião e política, como revela o estudo de Jenks (1998),
com relação aos casais que praticam swing nos Estados Unidos. Nesse caso, swing
não seria só uma prática desviante exclusivamente por se tratar da troca de
parceiros entre casais, mas também, por se tratar de um desvio mais amplo, com a
postura desviante ampliada para outros âmbitos além da prática erótica.
Segundo Jenks, 1% dos casais nos EUA já admitiram ter feito swing. Já em
termos de gênero, 2% de homens e mulheres solteiros já admitiram ter participado
do swing. Ele ainda caracteriza que os swingers estão relacionadas a um bom índice
no que diz respeito a educação. Em termos de posicionamento político há um
equilíbrio entre as porcentagens de casais conservadores, liberais e moderados;
Sobre a sexualidade, grande parte deles se consideram liberais em assuntos como a
pornografia, divórcio, homossexualidade e aborto; A maioria, cerca de 60%, são o
que se pode chamar de religiosos não-praticantes. Segundo a literatura um
contracenso a grande parte da população americana, que se declara em 90%
religiosa, enquanto 4% que se declara não-religiosa; Também são de classe média,
com idade média de 30 anos; Seu posicionamento político também envolveria uma
postura relacionada ao seu comportamento. Ou seja, os swingers teriam uma
vinculação às ideias dos democratas, ou dos liberais americanos.
Esse ponto de vista, a visão liberal de mundo, fica pautada por pesquisas
quantitativas. Cabe verificar se isso pode ser ampliado e visto no Brasil, além do que
até que ponto se pode também associar swing como algo liberal em termos estritos
(a prática em si) e sua associação a uma posição sobre o mundo liberal em outros
aspectos.
Sexualidades, swing e dissidência
Não é de hoje que o sexo se torna matéria de investigação científica. Nem
muito menos que se coloca como motivo de problematização da ciência, sendo
objeto politico, pedagógico, de controle e vigilância. O sexo, a sexualidade e todos
os aspectos relacionados a esse universo são pontos de discussão e isso não é de
hoje. Investidas contra o sexo não são novas, sempre com o intuito de torná-lo
normativo,
conhecível,
dotado
de
parâmetros
discernível
por
um
saber
especializado/competente (FOUCAULT, 1998).
Temos uma extensa bibliografia que pensa sobre isso e faz um apanhado
histórico e hermenêutico das posições, dos dispositivos e de todos os pontos que
circundam o tema da sexualidade. O que chama a atenção é aquilo que está de fora.
O que é posto a margem. Aquilo que o saber especializado e as instâncias que
avaliam a sexualidade põem como fora das fronteiras do que é considerado normal,
saudável, aceito. As sexualidades dissidentes são o ponto de partida para uma
apreensão que se coloca como relevante nesse momento no Brasil: ora, podemos
dizer, mesmo que provisoriamente, que uma prática muito difundida no país nos
últimos anos como swing pode ser considerado como algo dissidente em termos de
sexo? Em que medida ele estaria de fora e como se configura enquanto prática
erótica em nossa sociedade?
A importância dessa investigação esta no fato de que a cada dia mais se
encontra propagado na mídia, nas redes sociais e nos lares o interesse pelo swing.
O crescimento dos estabelecimentos dedicados e dos perfis de casais em redes
sociais e/ou pessoas solteiras interessadas em conhecer o mundo do swing
aumenta exponencialmente nos últimos anos. Especialmente as redes sociais, que
são um campo propício para o estabelecimento de contatos no swing.
Os casais que postam os seus perfis na internet são caracterizados por
alguns pontos que os fazem se aproximar: a utilização estratégica das estéticas
erótica e pornográfica na composição de seus avatares em redes sociais.
Geralmente utiliza-se de discrição e a ocultação da identidade por meio de
pseudônimos. Na grande maioria dos casos o que se identificam nas fotos são
corpos; nas mulheres, lingeries ou partes do corpo, de preferência partes da bunda
ou dos seios; nos homens o pênis. Algo a ser destacado fica reservado à descrição
que é inclusa nos perfis, que na maioria das vezes se caracterizam por um
detalhamento das preferências que o casal possui sobre os tipos de fetiches, o perfil
de casais ou pessoas solteiras que os casais pretendem conhecer; se possuem o
que chamam normalmente de vícios (fumo, álcool, drogas ilícitas).
Tendo em vista uma observação sobre os perfis em redes sociais e os
endereços eletrônicos dedicados a publicação de fotos dos casais swingers vê-se
que a associação entre o swing e a pornografia não é forçosa. Eles se aproximam
bastante. Visões de corpos, partes de corpos; partes que servem para fazer as
vezes de fonte de sedução para o espectador que está do outro lado da tela, seja
ele um casal, ou alguém solteiro. As imagens fazem o serviço de cartão de boas
vindas e de janela dialógica com os que acessam seus endereços. Essas imagens
transmitem uma mensagem. Na maior parte das vezes a mensagem de sedução e
de segredo, quase sempre ressaltados por corpos estabelecidos comumente como
“sarados”, bronzeados, utilizando-se de brinquedos eróticos ou em paisagens
consideradas “paradisíacas”. No fim das contas o intento é seduzir.
Nesse sentido a utilização estética para o swing se coloca em um breve
deslocamento da pornografia como é percebida de uma maneira geral: enquanto a
pornografia pretende fazer com que o telespectador tenha prazer ao observar as
imagens, a utilização desses recursos pelos swinguers mantém um diálogo instável
com essa estética. A intenção é que a pornografia sirva como fonte/canal de diálogo
com outras pessoas que queiram interagir. Nesse caso a estética é pornográfica,
mas os procedimentos para a utilização da estética modificariam a partir do objetivo
final de cada uso. A pornografia estaria nas imagens postadas e não no interesse
direto que os swinguers se propõem a ter.
A pornografia não segue uma regulação, um código restrito e estabelece uma
relação intensa com o risível e com o que está de fora. Segundo Leite Junior (2006),
esta íntima relação entre prazeres perversos, brincadeiras e pornografia como
elementos perigosos e potencialmente desestruturadores da ordem social seria algo
acompanhado desde os idos tempos e tomará ênfase importante no século
dezenove de nossa época para cá.
A ressalva que pode ser feita é quando este material é deslocado desse
objetivo: fotos e vídeos que são vinculados em endereços eletrônicos dedicados ao
compartilhamento de material pornográfico produzido por pessoas comuns, o que é
conhecido como produção “amadora”. Sejam eles fotos ou vídeos. Nesse ponto o
material que é encontrado nesses endereços atenderia a indústria pornográfica
como um todo: do ponto de vista estético, mas também de consumo do material.
Excitação e swing
Outro ponto diretamente ligado à questão da intensidade do prazer oriundo do
swing é a tentativa de controlar este prazer e moldá-lo a padrões considerados
“adequados”, não apenas socialmente, mas, especialmente, para os próprios casais.
É interessante pensar este aspecto do controle a partir do que Elias e Dunning
(1992) afirmam sobre a busca da excitação em sociedades contemporâneas.
Segundo os autores, nas sociedades industriais mais avançadas tanto as situações
sociais de crise da humanidade quanto as paixões foram sendo submetidas a um
controle rigoroso. Explosões incontroladas de forte excitação tornaram-se menos
frequentes e, mesmo nas situações de grandes crises da vida privada dos
indivíduos, os fortes sentimentos que daí emergem são escondidos na intimidade do
círculo mais íntimo. Nas sociedades contemporâneas a excitação e a emoção
“compensadora” são limitadas por restrições “civilizadoras”.
Para os autores, é nas atividades miméticas de lazer que os indivíduos
podem compensar a restrição das emotividades na vida ordinária e viver a excitação
de forma controlada. Elas se constituirão em um enclave para desencadear, dentro
de um quadro social aprovado, um comportamento moderadamente excitado em
público. Através destas atividades nossa sociedade satisfaz a necessidade de
experimentar em público a explosão de fortes emoções, um tipo de excitação que
não coloca em risco a relativa ordem da vida social.
De acordo com Elias e Dunning, grande parte das atividades de lazer
desperta emoções que estão relacionadas com
outras que as pessoas
experimentam em outras esferas - medo, compaixão, ciúme, ou ódio, por exemplo –
mas de uma maneira que não é seriamente perigosa como muitas vezes é na vida
real. Na esfera mimética, segundo os autores, estas sensações perdem o seu
“ferrão”, tornam-se prazerosas. Um argumento que surge entre os casais que estão
sendo entrevistados é o de que, quando sentem ciúme, tentam transformá-lo em
tesão, em combustível para o momento da relação. Este seria um complemento que
tornaria a situação ainda mais excitante, principalmente para os homens.
Segundo Jenks relata, nos Estados Unidos, os casais que praticam swing
destacam seis aspectos mais comuns que podem ocasionar problemas com o
swing, entre eles está o ciúme. Os demais seriam: o medo de doenças sexualmente
transmissíveis; o receio de encontrar pessoas no swing e acabar se apaixonando
por elas; ansiedade em ter um desempenho sexual satisfatória, especialmente no
caso dos homens, em corresponder com uma ereção satisfatória; discrição e
segredo, pois existe sempre o medo de uma exposição pública que revele a posição
do casal como praticante de swing; e, por último, questões de tempo em conseguir
administrar a vida pessoal da vivência no swing.
Um dos argumentos de Elias e Dunning é o de que, na sociedade ocidental, a
grande excitação inerente ao encontro dos sexos foi limitada a uma forma muito
específica, onde a paixão brutal e a excitação constituiriam um grande perigo. A
maior excitação possível socialmente reconhecida - simbolizada pelo conceito de
amor - ao ser ajustada à ordem social é restrita, em princípio, a uma única
experiência na vida de cada pessoa. Outra coisa que chama a atenção é o papel
que cumpre a representação do amor em boa parte dos produtos da esfera mimética
em nossa sociedade (filmes, livros, comerciais de tv), com o intuito de proporcionar a
renovação da excitação específica associada à ligação de um homem e de uma
mulher.
Vida conjugal dissidente?
Segundo Michel Bozon, um novo laço entre sexualidade e conjugalidade está
sendo estabelecido nas últimas décadas. Algumas dessas modificações se explicam
através de mudanças sensíveis na forma de ver e sentir a vida conjugal. A instituição
do casamento passaria por algumas dessas transformações. O ideal de um
casamento por amor que, teria sido a referência fundante da instituição matrimonial
em várias décadas foi, aos poucos, diluído em algo que Bozon coloca como o casal
unido pelo amor, ou, o casal por amor (2003).
A relação entre sexualidade e conjugalidade não denota uma radicalidade na
mudança nas relações entre os homens e as mulheres. Apesar de que aconteceram
transformações importantes nesse âmbito – o próprio advento do controle da
concepção, através das pílulas anticoncepcionais e a inserção das mulheres no
mercado de trabalho –, o imaginário do casal seria marcado, segundo Sofia Aboim,
por tendências contraditórias, configurando o que alguns entendem por um
“paradoxo conjugal”. Por um lado, o casal se fixaria através dos afetos, preterindo os
aspectos patrimoniais ou econômicos, antes essenciais na sua institucionalização,
por outro, a individualidade se tornaria importante, ganhando independência face ao
casal ou à família. A profissionalização das mulheres e a sua progressiva conquista
do espaço público constituem exemplos incontornáveis desta questão.
No entanto, talvez ainda não se perceba, em termos de uma sexualidade
conjugal, onde se possa identificar tal revolução. Mas que outras modificações
podem ser percebidas entre a sexualidade e a vida conjugal nos últimos tempos que
possam ser destacadas?
O alongamento da vida sexual, especialmente no caso das mulheres. O
advento da pílula anticoncepcional cria a possibilidade de escolhas individuais que
elas podem tomar, seja no caso de postergar a vinda de filhos no caso do
casamento, ou mesmo o planejamento de uma perspectiva de vida profissional. O
sexo é descoberto cada vez mais cedo e é praticado em uma duração cada vez
maior. Se comparado ao início do século XX, a iniciação ao sexo no século XXI
acontece cada vez mais cedo. Homens e mulheres – principalmente as mulheres –
com experiências sexuais em idades mais recentes do que se tinha a 50, 60 anos
atrás. Ao mesmo tempo, a vida sexual de homens e mulheres se prolonga para
idades mais tardias. O desenvolvimento de medicamentos, a mudança dos
referenciais de saúde e de beleza podem ser alguns dos facilitadores para a
compreensão desses deslocamentos. No entanto, outros aspectos podem auxiliar
nessa explicação, incluindo ai o crescimento da expectativa de vida no século
anterior.
O índice de conhecimento de práticas sexuais dos casais atesta um pouco do
contato que se está tendo com o sexo. O conhecimento maciço de práticas como a
felação, o sexo oral, a masturbação, dentre outras demonstram uma maior
proximidade de homens e mulheres em torno dessas práticas. No entanto, será
necessário perceber de que formas isso está sendo empreendido. Como, seja de
maneira conjugal, seja de maneira individualizada, homens e mulheres administram
as experiências com o sexo, no casamento e fora dele. Identificar as mudanças não
dá o atestado de conhecimento e sim a constatação de uma maior proximidade a
partir de características coletivas e individuais.
Essa proximidade e o conhecimento das práticas sexuais estariam inseridos
na relação conjugal dos casais praticantes de swing, na medida em que ambos
relacionam-se com a prática no reconhecimento de desejos endógenos a ela, ou não
se pode caracterizar propriamente assim, já que, em muitos casos, o interesse sai
do individual e só depois acaba sendo um interesse do casal. Como fica isso nas
relações de gênero dentro da relação conjugal?
Para Bozon a vida sexual conjugal pode ser caracterizada em três fases. O
casal nascente, o casal estabilizado e o casal dessexualizado. Entre as três fases, o
que mais marca é a regularidade em que se têm relações sexuais. Na primeira fase,
a frequência de atividade sexual é bem elevada, a exclusividade sexual é prioritária
e o nível de disfunções sexuais também é alto. Para o casal estável, há uma leve
diminuição da atividade sexual, ao mesmo tempo em que o nível das disfunções
sexuais também diminuiria. Simultaneamente, percebe-se uma queda na qualidade
das relações e um maior índice de queixas. Estabelecendo uma reflexão com as
características do casal nascente, que, mesmo quando as disfunções sexuais
diminuem, não aparece a conclusão de que o nível de satisfação aumenta, tendo em
vista que a primeira fase da vida sexual conjugal demonstraria que, apesar de um
maior índice de problemas relacionados com disfunção sexual, o nível de satisfação
ainda é alto. Nesse caso, uma das explicações seria o fato que as relações tendem
a perdurar, o nível das reclamações aumentaria e as declarações de ambos os
parceiros sobre os seus desejos diminuiria. Na última fase, fase esta que o autor
ressalta a necessidade de uma maior atenção, estas distinções se agudizam,
levando os cônjuges a uma situação de não-sexo, ou não-sexualidade.
É nesse ínterim que se podem destacar as representações sobre sexualidade
que, do ponto de vista conjugal, possibilita enxergar posições particulares de
homens e mulheres e pensar, até que ponto, as práticas eróticas não cortam ao
meio essas fases, influenciando em uma visão diferenciadas e deslocada. Entre
essas representações observa-se a prática do sexo sem compromisso como sendo
ainda uma questão difícil para as mulheres. Da mesma forma que se verifica uma
resistência a masturbação e a pornografia.
Apesar de ter havido uma série de mudanças nos últimos anos em termos de
uma revolução na sexualidade e nos costumes relacionados a ela, não se observa
de maneira tão radical o mesmo exemplo nas relações de gênero, e, por
conseguinte, nas relações conjugais. Muitas dessas representações corroborariam
com um imaginário conjugal onde o homem ainda exerceria o seu poder através de
práticas subliminares ou mesmo de práticas claras de submissão. Em exemplos
como a troca de parceiros, as representações sobre cada um ficam expostas, onde
o que ocorreria seria uma “troca de mulheres”, pois, o homem coloca uma série de
barreiras com relação a outro homem se relacionar com a sua esposa. Realmente
isso pode ser percebido, principalmente em casais cuja experiência com o swing
ainda é rarefeita. Em exemplos como esse se observa a permanência de uma
dominação masculina. Este tipo de análise confere como o tipo de exercício do
poder masculino, onde a mulher não é sujeito do desejo, mas sim objeto do desejo,
e a sua vivência sexual pode se restringir ao consentimento em ser usada enquanto
objeto.
Em contrapartida, encontra-se um deslocamento enquanto a procura pelo
swing. Ao verificar o dado acima se tem a tendencia de se conferir ao homem quem
se interessa pela prática. A partir disso poderíamos discorrer sobre todo o discurso
centrado no interesse dos homens por poderem possuir mais de uma mulher. Os
dados preliminares que se pode discernir das entrevistas feitas até agora dizem algo
um pouco diferente: o que vem sendo percebido é que esses pontos devem ser
vistos com bastante cautela, tendo em vista que um conjunto importante de casais
declara que o interesse pelo swing partiu da esposa. Isso por uma série de motivos.
Entre eles, por se tratar de sujeitos que já partilharam em algum momento da
experiência em outros relacionamentos (a “experiência bi” ou mesmo o swing com
outros parceiros em relações conjugais anteriores) e querem trazer isso para o seu
casamento, com a anuência do cônjuge.
As transformações que ocorreram nos últimos anos na vida sexual dos casais
é um fator que muitos autores concordam. Neste ambiente arenoso, de mudanças
ainda sendo feitas, a relação conjugal é perpassada por riscos. A relação do
homem/mulher consigo mesmo denota uma série de questões individuais e
coletivas. Sociais, conjugais e de cunho subjetivo.
Autonomia e sexo
Os modelos de Roussel assinalam, a evolução histórica da vida familiar,
descrevendo a transição gradual da “família- instituição” para modelos de aliança, de
fusão e, mais recentemente, de associação. No mesmo sentido, mas fazendo agora
uma reflexão sobre o lado amoroso da vida a dois, Chaumier (CHAUMIER apud
ABOIM, 1999) sugere que a fusão afetiva, para ele relacionado com o amor
romântico, seria paulatinamente substituída por uma espécie de “fissão” estruturada
pela autonomia individual. Neste plano, Giddens (1996) propõe a noção de amor
confluente (igualitário, negociado e centrado na satisfação mútua), enquanto modelo
substituto de um amor romântico estático, pouco sexualizado e sexualmente
diferenciado. Dominante na primeira modernidade, o casal romântico enfrentaria
agora, como sublinha Giddens, os desafios impostos pela crescente igualdade de
gênero, pela visão dinâmica da relação e pela valorização da individualidade.
Os três desaguam na valorização contemporânea de uma ideia de união
baseada na autonomia e negociação através dos desejos. Articulação que tem no
corpo seu santuário. O corpo relacionado a individualidade está próximo da
sexualidade construída nas últimas décadas. Sua forma está centrada na ideia de
que toda forma de atuação do sexo está pautada nas práticas individuais de
realização dos desejos, em uma sociedade cada vez mais capitalizada por
mecanismos de captura. Essa sexualidade se realiza na instância individual, através
das manifestações desse corpo, nas reações corporais. Não será por menos que se
observará, ao longo do período que vai do século XVII ao XIX, a criação de
mecanismos cada vez mais precisos, para a apreensão, captura, interpretação e
leitura dos corpos. O objetivo seria, num primeiro momento, conseguir retirar o
máximo dos corpos, com o maior índice de economia possível (FOUCAULT, 1987).
Portanto, o corpo guardaria essa complexa teia de sentidos relacionados à
sexualidade. Seria diante dele que os saberes deveriam arquitetar suas indagações.
Corpo que fala e se deixa cartografar. Corpo que treina e é estimulado. Corpo
disciplinado.
Guardadas as devidas proporções, do mesmo modo que a sexualidade e o
mito do desejo teremos a naturalização da moral e dos costumes. Esse exercício,
algo sentido principalmente nos dois últimos dois séculos, não estaria restrito as
noções de sexualidade, desejo, moral e costume. Haverá continuamente o interesse
em se naturalizar o mundo de maneira geral. Em tornar tudo essencial, seja o
homem, sejam os comportamentos. Isso estaria vinculado ao movimento que pode
ser observado na ciência, já no século XIX, em que se pretende normatizar os
comportamentos, os corpos, separando entre os que se colocavam no primeiro
caso, como normais, e, do outro lado, os que fugiam à regra, os anormais.
Vida conjugal e as transformações na intimidade
Para Philippe Ariès será a partir do século XVII que o desenvolvimento da
família nuclear burguesa acontecerá. Forjada entre os séculos XVII e XIX, passará
por uma série de mudanças para chegar ao que foi conhecido como modelo de
família. Neste ponto, vale salientar a jovialidade desse conceito e o movimento de
naturalização pelo qual passou (ARIÈS, 2008). Seu domínio seria o da casa. Casa
repartida em cômodos fechados e de preferência, sem aberturas entre si. A criança
começa a se tornar um personagem central no interior da casa. Motivos de cuidado
e atenção, ela será repartida entre o amor materno e a autoridade paterna. Seu
papel social na casa e na família é percebido como algo sui generis na história do
ocidente.
Antes dessa época, não se percebia, ainda, a presença da criança tendo uma
importância desse vulto, muito menos a relação dos pais para com ela (COSTA,
2004). A ideia de sociabilidade estendida na idade média, onde os indivíduos
estavam inseridos em uma solidariedade coletiva, feudais e comunitárias. Não
haveria a separação entre o mundo infantil e o mundo adulto;
A família burguesa será problematizada por Anthony Giddens, a partir das
suas relações conjugais. Segundo ele haveria uma exploração das potencialidades
do “relacionamento puro”, significando uma igualdade sexual e emocional, sendo
explosivo em suas conotações em relação às formas preexistentes do poder do
sexo.
O amor romântico estaria nas origens do relacionamento puro e teriam
influenciado mais as mulheres que os homens; nesta origem estaria instalada,
segundo Giddens, certa liberdade sexual. Abertura reservada as mulheres da
aristocracia. Talvez possa se vislumbrar aqui, somente talvez, a realização de uma
relação de muito sucesso ao longo da história contemporânea. A proximidade entre
o sexo e o poder (GIDDENS, 1996, p. 49).
O amor romântico pressuporia a possibilidade de se estabelecer um vínculo
emocional durável com o outro. O estabelecimento do romance também teria como
base contar uma história como sinônimo de se pertencer e de se vivenciar uma
relação romântica com o outro. Na relação romântica seria necessária a vivência,
mas também a formulação de uma narrativa que se tornaria individualizada, pessoal
e significativa do território e da criação das possibilidades de uma história conjugal
propriamente dita.
A visão do amor como fusão construída pelo romantismo constitui uma
representação social que, se não hegemônica no sentido proposto por Durkheim,
tem pelo menos uma força social agregadora considerável. A sua expressão, mais
acentuada em alguns casos mais do que em outros, parece, por outro lado,
assinalar a capacidade construtora dos atores sociais, bem como o impacto de
trajetórias particulares. Namorar e casar cedo, no percurso de vida, seria alguns
elementos importantes no leque de fatores com impacto na edificação de um “nós”
casal.
Nesse meio tempo em que está entremeado o que Giddens chama de amor
romântico também se origina a maternidade. Amor romântico associado à ideia de
maternidade recente. O ideal materno, a dupla função da esposa e da mãe, da
“fêmea” e da “mulher” como separações distintas. Da fêmea que se dispõe e tratar
das funções reprodutivas e dividir espaço com a “mulher” ordinariamente destacada
das obrigações do homem que se constrói para ser alheia ao cotidiano doméstico.
Amor romântico recheado de referencial feminino. Amor feminilizado, alimentado
pelas novelas e histórias de romances. Dedicado ao incomensurável e a
impossibilidade de resistência. Dedicado à esperança, a impossibilidade de recusa
(GIDDENS, 1996, p. 53).
A conjugalidade privatizada no espaço doméstico, tal como o romantismo a
construiu, é, na sua codificação, feminina, exigindo aos homens um esforço de
domesticação da masculinidade, mais livre e voltada para o exterior. No entanto, a
complementaridade entre gêneros é um componente vital dessas conjugalidades. As
diferenças entre masculino e feminino fornecem a base para produzir tanto a fusão
como tipos particulares de autonomia, alimentados pelas distâncias que não podem
(ou não devem) ser estreitadas (ABOIM, 2006, p. 814-15). Papéis de gênero que
podem ser reafirmados ou não, dependendo da posição que o pesquisador está
percebendo esses movimentos.
No romance, o sexo seria um elo ao ideal esperado pelo casal romântico. O
sexo como circuito, como carga elétrica. Mas, na medida em que o sexo está
relacionado ao romance na relação conjugal, ao mesmo tempo em que se torna
instrumento de fomento e de proporcionar a realização plena do romance, o que viria
depois? Se não há mais o sexo, como “circuito”, o que resta? Se as experiências
sexuais são o campo de provas para um possível romance que possa ser
estabelecido, como estes afetos podem ser encontrados em uma relação onde o
sexo, e os “rituais” relacionados a ele já são conhecidos e foram provados ali, no
enlace conjugal? Que questões relacionadas ao romance se colocam na medida em
que há uma aproximação e a empatia do casal em se relacionar?
Esse enlace, que pode ser conjugado no interior de um território em que dois
se colocam como uno, contendo uma história, um discurso forjado que justificam os
desejos, as escolhas que foram estabelecidas, aquilo que foi negado e aquilo que foi
aceito, também cria as potencialidades que farão com que esse casamento se torne
perspectiva de outras conjunções e é ai que se pode pensar sobre o swing e a sua
inserção na relação entre casais. Certos tipos de práticas consideradas dissidentes
como é o caso do swing recortam essa lógica e se instalam no interior da relação
como uma faixa, um território onde os pontos de moralidade pública podem ser
ultrapassados temporariamente. Isso mediante a construção de parâmetros mínimos
estabelecidos em acordos mais ou menos flexíveis entre os sujeitos. Há um corte,
mas também há um movimento de acomodação. A troca de parceiros e todas as
relações inseridas atuam como possibilidade de se estabelecer perspectivas outras
ao casal que se abre para o conhecimento do swing.
Ao trazer a ideia de que o casamento pode ser utilizado como um instrumento
de autonomia, tendo as práticas eróticas como um dos instrumentos disso, a
Sociologia que estuda o tema tenta discutir com interpretações feministas que
percebem a autonomia feminina como um fator de exploração de novas fronteiras
além da relação do casamento. O paradoxo entre casamento e autonomia poderia
ser vislumbrado a partir daí. Ao mesmo tempo em que, para os homens seria uma
maneira de povoar este futuro porvir, através da carreira profissional, por exemplo.
Colonização do tempo, colonização do futuro. Percepções de futuro mediadas pela
relação que homens e mulheres teriam do que Giddens chama de amor romântico
(IBIDEM, p. 68).
A segunda ideia é a de relacionamento puro, que o autor refere como
situação onde há a intenção de se relacionar descompromissadamente. A relação
pela relação. A associação com outra pessoa e a manutenção desses vínculos
enquanto ambos concordam. O relacionamento puro pode inclusive ser terminado a
qualquer tempo, por qualquer dos parceiros em momento que achar necessário.
Ambas as noções, a de amor romântico e a de relacionamento puro, podem se
avaliadas a partir da construção da oposição entre as duas no momento em que o
autor estabelece a oposição entre amor romântico e amor confluente.
Uma das oposições que Giddens destaca é a diferença em que ambas
operam a ars erotica. Enquanto o amor romântico liberta a ars erótica, sobretudo
pelo fato de romantismo ser todo repleto de menções, fantasias provocadas na
relação, sendo o romantismo potencializado por um teor sexual muito forte, o amor
confluente mantém a ars erotica como pedra fundamental da relação. O prazer de
ambas as partes passa a ser o ponto-chave para que o relacionamento seja mantido
em bons ventos. Termos, fantasias e situações imaginadas para fomentar o desejo
pelo outro, a criação de um conjunto de ações que, organicamente, enquanto
relação conjugal, alimenta um amor realizável a partir da configuração plena de tudo
que possa ser relativo a ars erotica.
A continuidade da relação estaria no ponto comum em que há aceitação.
Aceitação mantida através de um vínculo individualizante. Como o amor romântico
pode ser caracterizado como um amor feminino, ou feminilizado, o amor confluente,
como caracteriza Giddens, pode ser percebido como mais aproximativo de um amor
que se apropria das diferenças, em que se faz necessário um nível de
aprofundamento e conhecimento do outro sem precedentes. Isto não significa dizer
que se deve fazer a operação de separar as duas noções através de heterossexual
e homossexual, longe disso. Até porque Giddens faz questão de ressaltar que
ambos não se caracterizam a parte de tais separações, mesmo que haja uma
tendência, seja para um lado, seja para o outro lado. Acima de tudo, emerge da
discussão a possibilidade de uma sexualidade plástica. Ponto que implicaria em se
pensar em formas de radicalização da transformação da intimidade. Entre elas, o
swing.
A co-dependência também exerce uma atenção importante quando se fala
sobre intimidade entre relacionamentos conjugais. Segundo Giddens, o desequilíbrio
que pode ocorrer em torno do casal, pode induzir a uma co-dependência, na medida
em que esta relação não vier acompanha de certa autonomia. Assim sendo, pode-se
estabelecer um distanciamento no liame que liga uma personagem a outra,
ocasionando a possibilidade de um deles começar a se colocar desvinculado do
outro.
A co-dependência se relaciona a um movimento em direção ao individuo e a
autonomia que pode fazer parte dele. Nisto se envolve a própria narrativa do eu,
como zona dialógica da co-dependência; traria o enfoque de como se estabelecer as
práticas em um relacionamento. O exercício pleno do eu pode ocasionar em um
desequilíbrio nas relações de poder. Mais uma vez a co-dependência que bate a
porta.
A co-dependência se aproximaria de noções como a de confiança. Para
Giddens, confiar seria renunciar às oportunidades de controlar o outro ou de forçar
as suas atividades dentro de algum molde. Renúncia e co-dependência. Tentativas
de se equilibrar a balança do poder entre os cônjuges. Formas de transformação
identitária. O “eu conjugal” e a refundação de uma identidade anterior; um vai-e-vem
identitário e a modificação de comportamentos segundo as expectativas do outro.
Esses e outros sintomas podem ser vistos no que Giddens chama de
democratização do domínio interpessoal (1996).
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