kasper hauser 1

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Introdução
Como composição da avaliação do quinto módulo da disciplina de Sociologia Geral,
neste primeiro semestre, assistiremos ao filme “O Enigma de Kaspar Hauser” (Fig. 1) e
buscaremos um possível conceito antropológico de cultura.
O drama “O Enigma de Kaspar Hauser” que recebeu o grande prêmio do júri no
festival de Cannes em 1975 e no festival de filmes alemão de 1975 recebeu a Faixa de Ouro
nas categorias de edição e design de produção e Faixa de Prata (com uma compensação
monetária para execução de um novo filme) narra a história de um garoto que é criado num
porão, longe de qualquer contato com outro ser humano, até completar cerca de 18 anos. Sem
saber falar, andar ou sua própria identidade, ele é levado para a cidade, onde é objeto de
curiosidade e desprezo da população local. Como em seus outros filmes, a preocupação
principal de Herzog é a de contar histórias tão fielmente quanto possível. Nas suas próprias
palavras “Os meus filmes nascem de uma fascinação muito forte, e eu sei que vi que coisas
que outros ainda não viram, que outros não sabem. Isto é o que quero tornar visível para as
outras pessoas. É uma necessidade de comunicar. Muito forte e muito viva”.
Fig. 1: Capa do filme.
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Capítulo 1: O Enigma de Kaspar Hauser
1.1 Ficha técnica
Produção: Werner Herzog
Banda Sonora: Tomaso Albinoni, Wolfgang Amadeus Mozart, Johann Pachelbel, Orlando di
Lasso
Editora: Martha Lederer, Beate Mainka-Jellinghaus
Design de produção: Henning von Gierke
Adereços: Ann Poppel, Gisela Storch
Companhias de produção: Werner Herzog filmproduktion, Zweites Deutsches Fernsehen
Duração: 110 minutos
País: Alemanha Ocidental
Língua: Alemã
Cor: Cores
1.2 Estrutura Narrativa
O filme inicia-se com a apresentação de Kaspar enquanto vítima. Kaspar Hauser surge
acorrentado num cativeiro onde uma figura encapotada lhe dá pão e água. É “o homem”, o
único ser humano com quem mantém contato, que o ensina a escrever e falar. Kaspar nunca
se deslocava. Só quando “o homem” decide retirá-lo do seu cativeiro é que o vai ensinar a
andar. Ainda assim, com muita dificuldade Kaspar vai ser abandonado numa praça pública.
Nesta praça, Kaspar é abordado por outro homem e submetido a um questionário que
não podia compreender. Foi objeto de curiosidade e análise por parte das pessoas da cidade e
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em particular pelo destinatário da carta que transportava: o Capitão da Cavalaria. Apesar de
toda a curiosidade que os habitantes da cidade manifestaram, remeteram-no para um estábulo,
onde procederam à sua observação.
É então enviado para uma torre onde estão vândalos e vagabundos. A família do
guarda começa por ser o berço das suas primeiras relações sociais. Curiosamente, é uma
criança, o filho do guarda que lhe dá a primeira lição de língua, segurando à frente de Kaspar
um espelho para que possa ver as diferentes partes do corpo que vai enumerando. É também
essa mesma família que o ensina a comer com faca e garfo e lhe dá o seu primeiro banho. A
filha do guarda procura ensinar-lhe uma poesia, mas as rimas ainda são muito difíceis para
Kaspar. Entretanto, os adultos continuam a analisar meticulosamente o estranho Kaspar. O
relatório oficial que já havia sido começado no estábulo da Cavalaria evolui, constituindo um
orgulho para o seu redator, o escrivão.
Começando a ser um encargo para as autoridades, Kaspar acaba por ser reconhecido
como não constituindo uma ameaça. É então enviado para um circo. Aqui, Kaspar continua a
ser vítima, mas desta vez de humilhação. É apresentado ao público como um dos enigmas
universais. Kaspar foge do circo e é encontrado por Daumer, o professor, escondido numa
cabana cheia de abelhas.
Um intervalo de tempo se passa e Kaspar se emociona com a música tocada num
piano. Neste momento ele se sente velho e considera a vida muito difícil para ele próprio, e
termina comparando os homens com lobos.
Após outro lapso de tempo, Kaspar manifesta admiração pela altura da torre onde
esteve preso e diz que o homem que a construiu devia ser muito alto. Ele acha que, uma vez
que o quarto só tem alguns passos de largura, quando estava dentro dele, só via quarto (fosse
qual fosse a direção em que olhava). Agora que tem a torre à sua frente e a considera tão
grande, não percebe porque esta desaparece quando se volta de costas. Conclui então que o
quarto tem que ser maior que a torre.
Em seguida, Kasper está a tomar chá com os clérigos. Estes procuram averiguar se
Kaspar teria pensado, no seu tempo de cativeiro, em alguma entidade superior (Deus). Kaspar
não entende a possibilidade da criação a partir do nada, e questiona a necessidade de acreditar
na fé.
Outra cena interessante é a no jardim enquanto apanham maças. Kaspar considera que
as maças têm vida própria e que devem descansar. Outro momento é o impasse entre Kaspar e
o professor de lógica. Após a apresentação do problema, o personagem consegue uma solução
muito mais simples, porém não é aceita pelo professor.
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A vida social de Kaspar atinge seu auge na festa de um Lorde inglês. Mas, mais uma
vez, Kaspar é apresentado como a atração da festa. Perguntam-lhe como foi a sua vida no
tempo de cativeiro. Kaspar responde prontamente: “Melhor que cá fora”.
Kaspar é atacado pelo “homem”. Apesar de o ver aproximar-se, Kaspar não reage
gritando ou protegendo-se. Limita-se a deixar que “o homem” o golpeie várias vezes na
cabeça. Mais ainda, uma vez ferido, Kaspar não pede ajuda. Procura abrigo no porão da casa
– aproximando-se de seu cativeiro original. O professor e sua mulher o descobrem e ajudamno. No seu leito Kaspar descreve: “Eu vi o mar. Eu vi uma montanha, e muita gente. Estavam
todos subindo a montanha... como uma procissão. Havia muita neblina. Eu não conseguia
enxergar claramente. E lá em cima, estava a morte”.
No segundo atentado, após ser apunhalado, Kaspar corre ao encontro de Daumer e
ainda consegue mostrar-lhe o lugar onde tudo se passou, bem como contar-lhe que “o
homem” lhe deixou um saco. O saco continha mais um intrigante bilhete. Dizia apenas que
Kaspar o podia identificar e que, “para lhe poupar trabalho” lhes diria como se chamava. Este
segundo atentado deixa apenas uma coisa bem clara: a origem de Kaspar era um assunto
demasiado perigoso para se poder correr o risco de ser descoberta. A única forma de manter o
segredo era a sua morte.
No leito de morte, Kaspar disse apenas que tinha uma história, mas apenas sabia o
começo. Conta que via uma caravana no deserto, guiada por um velho cego. Num
determinado momento todos se consideram perdidos, mas o cego diz que o que está à frente
não são montanhas e que devem continuar caminhando para o norte. Assim alcançam a
cidade.
No necrotério é feita uma autópsia ao corpo de Kaspar. Analisado o seu cérebro,
encontram anormalidades anatômicas que julgam ser a explicação para este homem estranho.
1.3 Teses
Durante todo o filme podemos perceber diversas teses muito bem abordadas pelo
diretor. Dentre elas podemos citar:
1. Crítica à igreja
2. Crítica à sociedade
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3. Origem da natureza humana
4. Necessidade de explicações científicas
5. Variabilidade social
6. Evolução humana
7. Determinismo social
8. Consciência coletiva
9. Dualidade humana
10. Ação social
11. Dominação social
12. Despreocupação com a vida humana
Esta história foi representada no filme de Werner Herzog, "Jeder für sich und Gott
gegen alle", que traduzido para a língua portuguesa é "Cada um por si e Deus contra todos”.
1.4 Palavras-chave em relação às teses
O filme ao mostrar a situação social vigente aproxima-se de questões sociológicas
importantes. Nestas questões algumas expressões são fundamentais:
1. abuso de autoridade
2. violência social
3. desestruturação da sociedade
4. igreja e religião
5. moral e costumes
6. preconceito
7. solidão
8. educação e influência educacional
9. visões pessoais
10. fato social
11. convívio social
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1.5 Frases e cenas que explicam as teses
A cena inicial que mostra Kaspar no seu cativeiro e sem condições de andar (Fig. 2)
mostra a despreocupação com a própria vida humana e a necessidade de convívio social.
Fig. 2: A cena que mostra o cativeiro.
A cena de Kaspar abandonado na praça (Fig. 3) determina a entrada dele na sociedade
e o início de muitos outros problemas.
Fig. 3: Imagem de seu abandono.
Ao ser analisado concluem que “este indivíduo tem o intelecto num estado de
confusão tal que, com um inquérito policial, não vamos a lado nenhum”.
Kaspar recebe suas primeiras aulas (Fig. 4) de língua de uma criança, os únicos que o
olhavam com pureza.
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Fig. 4: Aula de língua.
Após estes momentos, é levado para um circo (Fig. 5) a fim de render algum dinheiro
e entreter o público – um dos enigmas universais.
Fig. 5: O circo e a humilhação.
Durante seu progresso de aprendizado, retorna ao seu cativeiro e não consegue
entender as dimensões e suas proporções – comenta sobre o tamanho de uma sala quando se
está dentro e fora dela (Fig. 6).
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Fig. 6: Discussão sobre proporções.
Uma cena interessante é a discussão sobre a fé e a possibilidade da criação, por Deus,
de tudo a partir do nada (Fig.7).
Fig. 7: Discussão sobre fé.
A resposta ao professor de lógica, após a apresentação de um problema foi sublime e
simples, porém não aceita pelos padrões – sua solução alternativa era: “pergunto ao homem se
ele é uma rã. O homem mentiroso iria responder que sim, mas um homem que só falasse a
verdade diria não”.
Após o primeiro atentado, Kaspar descreve: “Eu vi o mar. Eu vi uma montanha, e
muita gente. Estavam todos subindo a montanha... como uma procissão. Havia muita neblina.
Eu não conseguia enxergar claramente. E lá em cima, estava a morte” (Fig. 8).
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Fig. 8: Visão da morte por Kaspar.
No leito de morte, Kaspar conta sua história, apenas sabia o começo (Fig. 9). “Vejo
uma caravana grande que vem do deserto, através da areia... E esta caravana é conduzida por
um velho berbere. Este velho é cego. A caravana para, porque alguns pensam que se
enganaram, porque vêm montanhas à sua frente. Eles medem com o compasso e não sabem
como continuar. Então, o guia cego pega numa mão cheia de areia, prova-a como se fosse
comida. `Meus filhos´, diz o cego, vocês estão enganados, isto aqui à nossa frente não são
montanhas. É unicamente a vossa imaginação. Vamos continuar para norte.´ Sim, e depois
seguem, sem hesitação e chegam à cidade. E é aí que começa a história. Mas como continua a
história nessa cidade, eu não sei... Agradeço por me terem ouvido. Agora, estou cansado”.
Fig. 9: História contada por Kaspar.
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1.6 Análise Sociológica
Hauser enfrenta com perplexidade as convenções sociais, os dogmas religiosos, as
certezas científicas, vendo tudo com olhos virgens e puros e, portanto, desabituados a
enxergar como normal o que assim foi estabelecido. Daí surgem momentos geniais, como seu
embate com o professor de lógica, com os clérigos, a discussão sobre a vida das maçãs, o
circo de aberrações.
Neste filme, conseguimos perceber muito bem a tese de Durkheim, na qual o
comportamento dos indivíduos é socialmente determinado e a educação é o fator essencial na
conformação do indivíduo aos padrões morais e sociais de uma sociedade. A educação é então
um fato social, que se impõe aos indivíduos. Em todos os momentos, tentam educar e
aproximar Kaspar das regras sociais.
Percebemos, ainda, o conceito de consciência coletiva, que determina um conjunto de
crenças e de sentimentos comuns à média dos membros de uma mesma sociedade, formando
um sistema determinado que tem sua vida própria. É objetiva (não vem de uma só pessoa), é
exterior (é o que a sociedade pensa), e age de uma forma coercitiva. É de certo modo, a moral
vigente da sociedade. É essa consciência coletiva que passa a determinar o comportamento de
Kaspar.
O comportamento (e talvez sua origem) de Kaspar pode ser visto como um fato
patológico, ou seja, um fenômeno que não é encontrado na sociedade de forma generalizada e
pode colocar em risco a integração social. Talvez seja esse o motivo do próprio assassinato de
Kaspar.
Paralelamente, podemos avaliar o comportamento social do filme. Percebemos
claramente a ação tradicional, que é assentada no costume, em práticas aprendidas e
transmitidas pelas diferentes instituições. Percebemos, ainda, momentos de ação afetiva,
baseada em sentimentos e emoções – o próprio comportamento de Kaspar. Além, é claro, de
ações racionais voltadas para fins, determinadas por expectativas, condições ou meios para
alcançar fins próprios, racionalmente perseguidos.
Kaspar, durante todo o filme, passa por um processo de dominação, onde, segundo
Weber, alguns indivíduos detém a capacidade de dirigir a sociedade. Conforme sua teoria,
podemos perceber a dominação tradicional, presente nas casas nobres e na própria posição
social feminina; a dominação carismática, muito evidente na figura do lorde inglês; e a
dominação racional-legal, presente nas instituições oficiais e na burocracia da figura do
escrivão.
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Conclusão
Este filme ilustra magistralmente a socialização, não é uma decorrência biológica da
espécie, mas conseqüência de um longo processo de aprendizado com o grupo social.
Mesmo tendo aprendido a andar, falar e escrever e apesar de haver internalizado
símbolos de comportamentos, Kaspar Hauser nunca seria considerado um "igual" pela
comunidade de Nuremberg, pois sua história de vida estava inevitavelmente marcada pelo
estigma da rejeição.
Esta história foi representada no filme de Werner Herzog, "Jeder für sich und Gott
gegen alle", que traduzido para a língua portuguesa é "Cada um por si e Deus contra todos”.
O titulo traduzido literalmente merece algumas considerações. Pode ser dividido em:
“Cada um por si” – a idéia de individualidade, onde a natureza de cada um deve ser
respeitada, por se tratar de um processo de formação histórico e único. Essa construção pode
ser, muitas vezes, influenciada, ajudada, ou guiada por outros; mas é um caminho a ser
percorrido só.
“Deus contra todos” – nessa estrada da construção de nosso “eu interior” travamos
uma batalha continua contra Deus, pois foi este que nos colocou aqui, e é o único que não tem
que passar pelas mesmas condições.
Assim, podemos entender Kaspar como um personagem que desempenha o papel da
humanidade. Entregue a si mesmo e sujeito à oposição que Deus oferece.
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Referências Bibliográficas
LEMOS FILHO, Arnaldo. Sociologia Geral e do Direito. Editora Alínea 2004. Campinas.
NAGIB, Lúcia. Werner Herzog: o cinema como realidade. São Paulo: Estação Liberdade,
1991.
SABOYA, M. C. L. (2001). The Mystery of Kaspar Hauser (1812?-1833): A Psychosocial
Approach. Psicologia USP, 12 (2), 105-116.
E-Pipoca. O Enigma de Kaspar Hauser (1974) - e-Pipoca. Disponível em www.epipoca.com.br. Acesso em 13/06/08.
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