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ANNA CAROLINA CARNEIRO LEÃO DUARTE
RA: 08017329
1º ANO A – MATUTINO
ATIVIDADE DO FILME “O ENIGMA DE KASPAR HAUSER”
PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA
2008
ANNA CAROLINA CARNEIRO LEÃO DUARTE
RA: 08017329
1º ANO A – MATUTINO
ATIVIDADE DO FILME “O ENIGMA DE KASPAR HAUSER”
Relatório apresentado para a
Atividade
Extra-Classe
Optativa de Sociologia, sob a
orientação do Prof. Arnaldo
Lemos Filho
PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA
2008
INTRODUÇÃO
O objetivo deste é realizar a análise do filme “O Enigma de Kaspar Hauser” em comparação
com o texto “O Enigma de Kaspar Hauser: Uma abordagem Psicossocial”, de Maria Clara Lopes
Saboya, sob o viés da Sociologia, da Ciência Política e do Direito.
DESENVOLVIMENTO
1)
FICHA TÉCNICA DO FILME
Título: O Enigma de Kaspar Hauser
Título original: Jeder Für Sich und Gott Gegen Alle
Diretor: Werner Herzog
País/Ano: Alemanha/1974
Elenco: Bruno S., Walter Ladengast, Brigitte Mira, Michael Kroecher, Hans Musaeus, Willy
Semmelrogge, Florian Fricke
Idioma: Alemão
Legendas: Português
Gênero: Drama
Duração: 109 min. Cor
Distribuidora: Versátil Home Video
2)
ESTRUTURA NARRATIVA
Contextualizado no Período Positivista, que se utilizava do método de estudo das ciências
naturais aplicando-o aos fenômenos sociais e justificava a superioridade européia sobre as colônias,
havia três estágios do conhecimento: Teológico (em que o ser humano busca o “porquê” e explica a
realidade pelas revelações divinas), Metafísico (em que a explicação da realidade – porquê - se dá pela
natureza e pelo uso da razão) e Positivo (em que busca-se o "como", com as leis naturais, observando
e criando normas).
Em meio à grande normatização das ciências, das atitudes e do pensamento racional
(personificada pelo escrivão metódico e repetitivo) e valorização dos costumes e “etiquetas” à
sociedade, surge Kaspar Hauser, um sujeito de origem desconhecida, criado por um homem que só lhe
levava comida. Crescera “prisioneiro” em um lugar semelhante a uma masmorra, alheio à sociedade,
sem qualquer contato humano a não ser com seu “criador”, sem ser introduzido à linguagem, aos
costumes e sem nem saber andar, vivendo como um animal, que se manifestava por grunhidos. É
rápida e apressadamente ensinado a escrever seu nome, a dizer a palavra “cavalo” (mesmo sem não
conhecer seu significado), a dar alguns passos para andar e a manter-se equilibrado em pé (já que
vivera sempre sentado em seu cativeiro). É abandonado aos dezoito anos, em uma praça em
Nuremberg, com apenas uma carta de seu “preceptor” à mão. Mantém-se em pé, como uma estátua,
até que lhe fossem questionar quem era (o que não responde por não saber falar). Na carta, tirada de
suas mãos à força, era manifestada a vontade de que deveria tornar-se tão bom cavaleiro quanto fora
seu pai (o que não acontece).
Em vista da curiosidade geral em saber sua origem e o porquê de se comportar tão estranha e
assustadamente à sociedade, é “adotado” por uma família e mantido pelo governo.
Em vários acontecimentos percebe-se que é introduzido à sociedade, passando a conhecer a
linguagem verbal humana, os costumes, sensações e sentimentos. Evolui no decorrer do filme e passa
a conhecer os significados do que aprendera e a não mais conhecer por simplesmente conhecer. Passa,
portanto, a dar significação ao que aprendia (com as crianças, seus “pais adotivos”, professores e até
observando) e tenta até repassar seu aprendizado (ao tentar ensinar o gato a andar em duas patas, por
exemplo).
Porém, é tratado por muitos como nada mais do que curiosidade, quando posto em um circo
como um dos “Quatro Enigmas do Universo”, junto com um anão (o rei ponto), um autista (que não
sabia ler ou escrever) e um índio (que não parava de tocar sua flauta).
Sua lógica e desenvolvimento (já que fora introduzido a significação de tudo quando já
crescido, e não como o natural, ao ser criança) são testados por um professor, que o desaprova, não por
responder errado, mas por não responder pela lógica considerada correta (já que a lógica não era algo
individual), mas no fim, mesmo que com diferentes adaptações à sociedade, por não ter sido
introduzido às suas “leis” desde criança (fisicamente, pois mentalmente era considerado criança)
torna-se um ser social capaz de diferenciar as pessoas e o que o circunda quando inserido na sociedade
e a tudo o que essa palavra traz de significação consigo.
É assassinado por seu “preceptor” e seu cérebro é estudado na autópsia do corpo. Descobre-se
que o lado esquerdo era menor que o direito e que seu cerebelo era muito desenvolvido. Em análise
“Lombrosiana”, como o lobo esquerdo é o responsável pela intrepretação literal das frases, pelo
aspecto lógico, racional e seqüencial, e aquele que situa o homem no tempo, além de ser o que percebe
sons relacionados à linguagem verbal, tendo-o menos desenvolvido, explica-se a dificuldade de
Kaspar Hauser em compreender a significação real das palavras e diferenciar sonhos de realidade. Em
contraposição, o direito, capaz de criar e imaginar, ter sonhos e ser o hemisfério que percebe músicas e
sons emitidos pelos animais representa o gosto de Kaspar Hauser por música, ao querer tocar piano e
gostar do som do canto dos pássaros. Assim, o que não consegue exprimir em palavras, exprime pelo
recurso gestual, que é domínio do hemisfério direito. O exercício do desenho, assim como da música,
do tricô e da meditação desenvolve as características próprias do hemisfério direito, que foram as
preferíveis por Kaspar Hauser. (http://www.cerebromente.org.br/n15/mente/lateralidade.html)
3) TESE(S)
Das mais claras pretensão e objetivo do autor encontra-se a análise do processo de
socialização daquele que criado até quase idade adulta afastado do contato humano (exceto de seu
“criador”) e conseqüentemente sem educação moral é inserido repentinamente em uma sociedade.
Como incorpora à sua personalidade, o que pode nos parecer natural, mas não é, toda a educação
moral, religiosa e lingüística da sociedade? Como se inserem os significados das palavras e a noção de
tempo, perspectiva, realidade versus sonho, e laços afetivos, se vivera fora da sociedade e, portanto,
sem a consolidação de filtros em suas análises, juízos e estereótipos para classificar as pessoas, suas
atitudes e o que o circunda. (Aprofundadas com as palavras-chave a seguir)
4) PALAVRAS-CHAVE EM RELAÇÃO À TESE
(as definições são oriundas do Dicionário Aurélio)
Desprezo: Ao dizer para sua “mãe adotiva” que os outros o desprezavam, parece ter passado a
compreender a significação da palavra “desprezar” e não somente as atitudes ligadas a ela ou
condutas, o que indica que se inseria aos poucos às adaptações e convenções da sociedade. Percebe
então, que é desprezado e o que isso representa, mas não é capaz de entender que esse desprezo só
existe por ele ser diferente do “comum”, do convencionado “normal” socialmente;
Misticismo: Mais do que evidenciar a tese, contextualiza historicamente “O Enigma de Kaspar
Hauser”, em uma época positivista e extremamente normativa, conservadora e de “punição
espontânea” aos que não eram bons padrões vistos socialmente;
Lógica: Do grego, logos significa “palavra”, “expressão”, “pensamento”, “conceito”,
“discurso”, “razão”. Sendo assim, pode-se dizer que lógica é o pensamento racionalmente ordenado,
cuja expressão das palavras faça sentido a quem as diz, pois conhece o seu símbolo, significante,
significado e significação. Condiz então, com a evolução do protagonista em sua inserção à sociedade,
aprendizado da linguagem e posteriormente, com a evolução de seu aprendizado, do que
representavam e significavam as palavras.
Educação Moral: É aquela imposta pela sociedade em que se vive. Todos nascemos e devemos
crescer sobre a vigência de uma “tábua de leis morais”. São aquelas leis que coordenam a vida em
sociedade e levam à sanção espontânea se descumpridas, já que a moral “em sua essência, possui uma
qualidade social, manifestando-se somente em sociedade, respondendo às suas necessidades e
cumprindo uma função determinada” (http://www.ufrgs.br/bioetica/vasques.htm). Dessa forma, tendo
crescido alheio à sociedade, Kaspar Hauser desconhecia as normas morais vigentes, que lhes foram
sendo ensinadas depois dos dezoito anos. Foi ensinado a andar, a ter etiqueta à mesa e tentaram imporlhe como deveria comportar-se em público, o que poderia falar e o que deveria fingir. Não houve
muito sucesso nessa última, como visto na reunião social a que vai e, constrangido e não vendo
sentido algum naquela, prefere tricotar isolado.
Filtros sociais e Estereótipos: São conseqüências da inserção em sociedade e sujeição à
educação moral desde tenra idade. Cresce assim, a criança avaliando o que a cerca, criando tipos de
pessoas, de comportamento, de vida (estereótipos) através da observação e a partir dessa observação, a
julgar as pessoas e suas posses e modos como melhores ou piores, a valorar (já que o homem é valor
fonte, pois é intrínseco a sua natureza valorar – Miguel Reale), passando pelos seus “olhos” sociais
(filtros sociais).
Socialização: É um substantivo derivado do verbo socializar e significa "desenvolvimento do
sentimento coletivo da solidariedade social (explicado na análise sociológica em Durkeim) e do
espírito de cooperação nos indivíduos associados”. Tendo vivido isolado, Kaspar Hauser é inserido na
sociedade e lhe são impostas as normas de convivência em sociedade. Torna-se então, de um ser
sozinho, um ser sociável, ou seja, que pelo processo de sociabilização tenta se tornar um indivíduo
próprio para viver em sociedade, mesmo com sua idade já avançada para essa inserção e a dificuldade
para entender o porquê de cada norma e obedecê-las.
Práxis: Define-se pelo conceito Marxista, como o conjunto de atividades humanas tendentes a
criar as condições indispensáveis à existência da sociedade e, particularmente, à atividade material, à
produção.
Linguagem: Para referir-se à palavra e à linguagem, os gregos possuíam duas palavras: mythos
e logos. Diferentemente do mythos, logos é uma síntese de três palavras ou idéias: fala/palavra,
pensamento/idéia e realidade/ser. Logos é a palavra racional do conhecimento do real. É discurso (ou
seja, argumento e prova), pensamento (ou seja, raciocínio e demonstração) e realidade (ou seja, os
nexos e ligações universais e necessários entre os seres).
Do lado do logos desenvolve-se a linguagem como poder de conhecimento racional e as
palavras, agora, são conceitos ou idéias, estando referidas ao pensamento, à razão e à verdade.
1. A linguagem é um sistema, isto é, uma totalidade estruturada, com princípios e leis
próprios, sistema esse que pode ser conhecido;
2. A linguagem é um sistema de sinais ou de signos, isto é, os elementos que formam a
totalidade lingüística são um tipo especial de objetos, os signos, ou objetos que indicam outros,
designam outros ou representam outros. Por exemplo, a fumaça é um signo ou sinal de fogo, a cicatriz
é signo ou sinal de uma ferida, manchas na pele de um determinado formato, tamanho e cor são signos
de sarampo ou de catapora, etc. No caso da linguagem, os signos são palavras e os componentes das
palavras (sons ou letras);
3. A linguagem indica coisas, isto é, os signos lingüísticos (as palavras) possuem uma função
indicativa ou denotativa, pois apontam para as coisas que significam;
4. A linguagem tem uma função comunicativa, isto é, por meio das palavras mantemos relação
com os outros, dialogamos, argumentamos, persuadimos, relatamos, discutimos, amamos e odiamos,
ensinamos e aprendemos;
5. A linguagem exprime pensamentos, sentimentos e valores, isto é, possui uma função de
conhecimento e de expressão, sendo neste caso conotativa, ou seja, uma mesma palavra pode exprimir
sentidos ou significados diferentes, dependendo do sujeito que a emprega, do sujeito que a ouve e lê,
das condições ou circunstâncias em que foi empregada ou do contexto em que é usada. Assim, por
exemplo, a palavra água, se for usada por um professor numa aula de química, conotará o elemento
químico que corresponde à fórmula H2O; se for empregada por um poeta, pode conotar rios, chuvas,
lágrimas, mar, líquido, pureza; se for empregada por uma criança que chora pode estar indicando uma
carência ou necessidade como a sede;
A definição nos diz, portanto, que a linguagem é um sistema de sinais com função indicativa,
comunicativa, expressiva e conotativa.
Os signos são os elementos da língua. São valores e não coisas ou entidades, isto é, são o que
valem por sua posição e por sua diferença com relação aos demais signos. O signo é o elemento verbal
material da língua (r, l, p, b, q, g), enquanto o significado são os conteúdos ou sentidos imateriais
(afetivos, volitivos, perceptivos, imaginativos, evocativos, literários, científicos, retóricos, filosóficos,
políticos, religiosos) veiculados pelos signos; o significante é uma cadeia ou um grupo organizado de
signos (palavras, frases, orações, proposições, enunciados) que permitem a expressão dos significados
e garantem a comunicação;
(Convite à Filosofia – de Marilena Chaui; Ed. Ática, São Paulo, 2000 - Unidade 4: O
conhecimento; Capítulo 5: A linguagem)
Portanto, a linguagem é o centralizador da tese principal exposta no filme Kaspar Hauser, já
que é o que determina a socialização do indivíduo, pois permite que ele expresse o que pensa e sente e
entenda o que os outros tentam expressar. Sem essa compreensão do significado das palavras (signos)
não há comunicação e não há, portanto, um processo de sociabilização incluindo o indivíduo no que
conhecemos hoje por sociedade.
5) FRASES E/OU CENAS DE RELEVO QUE EXPLICAM A(S) TESE(S)
As cenas foram mais marcantes, particularmente, mas as frases de maior relevância já têm
suas palavras-chave nas da(s) tese(s). Foram cenas marcantes, então:

No início do filme, o comportamento de Kaspar Hauser, preso, e seus ruídos e
ronronares como se fosse um animal irracional (um “bicho”);

Também, ainda no início do filme, ao demonstrar pequena desobediência, leva um
tapa e se comporta, assim como fazem os pais com crianças muito teimosas e desobedientes, que por
essa repressão, aprendem que sua atuação foi errada e passam a não mais fazê-la. Assim, mesmo com
dezoito anos, Kaspar Hauser ainda se comporta e reage como uma criança, devido à inexistência de
convívio social que lhe permitiria ter-se desenvolvido normal e adequar sua idade física à mental;

Quando passa seu dedo pela vela e cria sua noção de “perigo” ao queimar seu dedo.
Então, além de compreender pós sua experiência o que significavam “dor” (ao sentir, quando encosta
o dedo na chama e o queima), “fogo” (aquilo que se encostar, causa a dor, pois queima) e “queimar”
(que causa a sensação de dor), aprende também a não mais agir assim (passar a mão nas chamas) pela
conseqüência acarretada (queimar-se);

No momento em que tenta repassar seu conhecimento ao gato, ensinando-o a andar.
Como fora ensinado a andar, tenta repassá-lo, pois vê que o gato se locomove como ele locomovia-se,
em quatro apoios, e deduz que deveria então ensiná-lo a andar sobre dois apoios, como o tinham
ensinado. Isso porque, aprendera também que os seres humanos repassam o conhecimento que
adquirem, pois o menininho que o ensina a andar (não somente como lhe ensinara seu “criador”)
aprendera com seu pai e estava repassando seu aprendizado;

Quando conclui que as maçãs são espertas, como se todas as coisas pensassem,
inclusive as inanimadas, apesar de seres vivos (mesmo que não tivesse essa intelecção). Quando a
maçã é jogada no chão para provar que pararia no pé que é posto a sua frente para freá-la e provar que
ela não age por vontade própria, não se movimenta voluntariamente e muito menos pensa, a maçã rola
e quica, ultrapassando o pé. Kaspar Hauser conclui assim, que as maçãs pensam, movimentam-se e
que estava certo, portanto, sobre a voluntariedade das coisas que os demais consideravam inanimadas;

No momento em que há a exposição dos “Quatro Enigmas do Universo” também me
chamou atenção, pois evidencia o comportamento preconceituoso em julgar por estereótipos
(apreendidos em sociedade) os indivíduos, discriminando os diferentes do que era considerado normal,
padrão. Assim, o anão, o autista, o índio e Kaspar Hauser são expostos como “curiosidades” somente
por serem diferentes do padrão vigente. Mostra então, o julgamento do homem e discriminação
acentuada no período regulado, centrado, positivista;

Chamou-me atenção a ausência de noção de perspectiva de Kaspar Hauser ao olhar
uma torre de perto e crer que o homem que a construíra era do tamanho de sua construção, por
desconhecer a possibilidade de fazer cálculos para a realização de obras e os instrumentos nessas
utilizados;

Quando em uma reunião da alta sociedade prefere recolher-se e passar seu tempo
isolado, tricotando, pois não via sentido naquele aglomerado e nem em seus assuntos e motivações
para reunir-se daquela forma;

Ao aprender a noção de cheio/vazio na caneca, compreendendo o significado das
palavras por seus antônimos, como nas características do valor (visão do Direito) em que “a todo valor
corresponde um desvalor, que permite sua melhor compreensão” – (Bipolaridade);

Quando passa a diferenciar sonho de realidade ao dizer que sonhou, pois percebe que
não há concretização no mundo real do que “vira ou vivenciara” enquanto dormia, diferenciando
assim, sonho da realidade presente.
6) ANÁLISE SOCIOLÓGICA
A socialização é a interação com outros indivíduos (significantes), pela qual se aprende e
utilizam os códigos culturais (sinais e gestos) que transmitem crenças, valores, técnicas e, portanto,
influem na formação da personalidade de cada um. Os códigos culturais são impostos pelas estruturas
de socialização (família, igreja, escola) que seguem a “tábua da moral vigente” e reprimem
espontaneamente (censura, olhares repressores) os que as desrespeitam. Contam também com a ajuda
do Estado para evitar “desvios” do comportamento exigido sob a ameaça de uma pena (punição), já
que o Direito é a mais clara manifestação de Poder (na visão da Ciência Política – Ciência Afim do
Direito).
Para Guy Rocher, socialização é “o processo pelo qual ao longo da vida, a pessoa humana
aprende e interioriza os elementos sócio-culturais do seu meio, integrando-os na estrutura de sua
personalidade sob a influência de experiências de agentes sociais significativos, e adaptando-se assim
ao ambiente social em que deve viver”.
Na visão de Durheim, a linguagem e a moral vigente são fatos sociais, pois são externos ao
homem que interioriza seus elementos, aceitando-os e passa a segui-los, pois sabe do caráter coercitivo
e das conseqüências (sanções legais e espontâneas) se desrespeitá-los. Também, são gerais por se
aplicarem a todos a qualquer época (apesar das mudanças particulares, há língua e morais para
comunicação e serem seguidas em todo o mundo). Esses três fatores qualificam para Durkheim a
linguagem e moral vigentes, impostas e necessárias a vida em sociedade como fato social, portanto.
Além disso, a função de tais é explicar a sociedade e permitir o entendimento dos indivíduos que a
compõe, a fim de encontrar soluções para sua vida em conjunto. Cada indivíduo, deve assim, abrir
mão de seus “valores” pessoais e acatar aos impostos à vida em sociedade, pois esses existem por si
só, independente das vontades e valoração humana.
Outro item importante foi citado nas “Palavras-chave em relação à tese”: a solidariedade. Para
Durkheim, se cada indivíduo realizar sua atividade para o funcionamento da sociedade haverá uma
maior divisão do trabalho (determinada pela vocação individual) e conseqüente maior especialização.
Dessa forma, haverá uma maior interdependência entre os seres, já que cada um não realiza todo o
processo produtivo. Dessa interdependência, surgirá a integração e a união entre os indivíduos, que é
chamada de “solidariedade” e evita a crise social/moral.
Além disso, Durkheim aborda a coesão social, oriunda das diferenças entre os indivíduos, em
seu pensamento e ações, mesmo que sujeitados à moral vigente e às exigências sociais, pois apesar de
“normativas”, permitem ainda certa “liberdade” devido a grande divisão/especialização e então, baixa
consciência coletiva, que gera as diferenças, os então, pontos de atração entre os indivíduos, criando a
coesão social, pois se complementam em suas oposições.
Justifica as crises sociais como crises morais por fraca regulamentação Estatal e fragilidade
social (ANOMIA) e por fatos transitórios exacerbados, que põe em risco a vida em sociedade (FATO
PATOLÓGICO). Analisa também o suicídio como um fato social e não individual, dividindo-o em
EGOÍSTA (por baixa coesão social/integração), ALTRUÍSTA (por alta coesão social – exemplo: em
guerras) e ANÔMICO (por falta de limites e regras).
Assim, para evitar ou extinguir crises morais, a solução apontada é a educação, que é fim e
fonte da moralidade, pois faz o indivíduo conhecer e interiorizar as normas vigentes de
comportamento, linguagem, ação e compreender as conseqüências caso as descumpra.
Já para Weber, a ação social é a ação humana que a partir de suas significações subjetivas
passa a considerar e a ser afetada pelo comportamento alheio. Dessa forma, enquadra os valores
particulares como os motivadores das ações humanas. Diz haver quatro tipos de ação social:
TRADICIONAL (determinada por costumes), AFETIVA (determinada por sentimentos e sensações
atuais), RACIONAL (por valores, como a ética e moral – que deixa de ser só particular (ética), pois
quando o comportamento alheio interfere no particular e esse passa a considerá-lo, torna a ética
particular de um ser absorvida por vários, concretizando-se em moral vigente) e RACIONAL
(determinada por uma finalidade, por um objetivo).
Em sua tipologia da “Dominação Legítima”, o contexto histórico do filme Kaspar Hauser,
classifica-se na Dominação Racional-Legal, pois a burocracia é a vigente (positivismo), estatutária e
normativista, em que a racionalidade técnica pode levar à “gaiola de ferro” que é o aprisionamento à
exacerbação da burocracia prejudicando a socialização e atuação individual e por motivos particulares.
A análise sociológica mais geral sobre a sua inserção social é percebida nas cenas já citadas e
nas palavras-chave, também. (análise a seguir)
Ao buscar inserirem Kaspar Hauser na sociedade, lhe são apresentadas normas, oriundas da
educação moral vigente. São normas sob as quais todos nascemos e que devemos seguir, pois nos são
impostas e trazem consigo sansões (legais e espontâneas) se descumpridas. Dessa forma, cria-se pela
moral, estereótipos que levam a avaliação da vida das pessoas, suas ações, comportamentos e posses
pelos filtros sociais (olhares condicionados ao pré-estabelecido pela moral) e se não encaixarem-se no
considerado “normal” ou “padrão” por esses, a sanção é a discriminação pela diferença, como
mostrada na exposição dos “Quatro Enigmas do Universo” no filme (anão, autista, índio e Kaspar
Hauser) e sentido pelo protagonista, que diz a sua “mãe adotiva” que as pessoas o desprezam, mesmo
sem perceber ainda que agem assim por ele ser diferente do estipulado “comum”.
Tais normas apresentadas e os estereótipos “normais” são fruto da capacidade e necessidade
humana de valorar a si e ao que o cerca.
Também muito importante e abordada pelo texto “O Enigma de Kaspar Hauser: Uma
abordagem Psicossocial”, de Maria Clara Lopes Saboya é a linguagem, apresentada a Kaspar Hauser
já em idade adulta, pois este crescera até os dezoito anos sem comunicar-se por palavras, mas sim por
gemidos animalescos. A linguagem é ponto fundamental para a análise e compreensão do filme não
somente por ser a tese central deste, mas por ser pressuposto fundamental para o desenvolvimento da
vida em sociedade e para integração à vida em sociedade. Isso porque, é pela língua que os indivíduos
se comunicam e relacionam e essa língua (idioma) é expressa pela linguagem, síntese de fala/palavra
(argumento e prova), pensamento/idéia (raciocínio e demonstração) e realidade/ser (nexos,
compreensão).
As palavras (signos) são os elementos verbais materiais da língua e os significados são os
conteúdos desses signos, compreendidos pelos significantes (indivíduos). Mas essa compreensão, que
permite a comunicação entre os homens só é possível se houver intelecção pelo interlocutor e receptor
das palavras. Não basta conhecer as palavras sem compreender seu significado, e esse é o foco do
filme.
Kaspar Hauser é inserido, ainda que já crescido à língua, mas como não convivera com ela,
assim como toda criança, não compreende o significado real das palavras. Passa a compreendê-los por
suas experiências particulares, como ao passar o dedo pela chama da vela e queimar-se, criando em
sua mente a noção de perigo, de dor, o ato de queimar e, portanto, entendendo a significação de tais
signos. Apesar de sua inserção social, não compreende alguns comportamentos humanos, como na
reunião da alta sociedade (que por não entender sua função e motivação isola-se para tricotar), pois
inserir uma pessoa sem esta ter sofrido qualquer influência de criação (um bebê) é mais fácil do que
inserir aquele que já tivera influências ou crescera sobre outras leis (como Kaspar Hauser, que crescera
com seus instintos e leis “animalescas”), pela dificuldade de se eliminar o já estabelecido
anteriormente e impor novas ordens, contrastantes às anteriores sem que seja compreendido o porquê,
(que para quem é inserido desde criança na sociedade é natural e não uma imposição).
Assim, é através do processo de socialização (independente da idade, desde que ocorra) que
pelo conhecimento da linguagem (palavras e sua significação) permite-se a comunicação, que faz o
processo acontecer. Ou seja, socializar-se exige linguagem e a obediência de leis morais, assim como a
linguagem e as leis morais exigem a sociedade para existirem.
CONCLUSÃO
Em consonância com o já dito anteriormente, na análise sociológica do texto, que contém
grande parte de minha conclusão sobre o filme e o texto, julguei como uma reflexão muito interessante
sobre a inserção do homem na sociedade. O considerado normal sempre foi que ocorresse logo quando
criança, aprendendo a comer, a falar, a andar, sempre com o convívio social (em igrejas, brincando
com outras crianças ou na escola). Até que surge uma personagem que não tivera esse contato social e
muito menos a educação lingüística e moral que permeiam a vida em sociedade. Tendo se
desenvolvido por instintos animais e emitindo grunhidos ao invés de palavras, portando-se e
alimentando-se como tais, Kaspar Hauser foi abandonado à sociedade e passa a trilhar, já em idade
adulta, o caminho que toda criança faz. Essa circunstância é o que causa estranhamento e ao mesmo
tempo um “encantamento” ou “dó” da personagem, exigindo foco para analisar a história, pela
empatia que aquele ser estranho nos causa, em oposição à repulsão que causara aos indivíduos do
filme, seguidores do normativista positivismo e que se guiavam pelos estereótipos oriundos da moral
vigente na sociedade.
Por tais estranhas condições o filme desperta reflexões e convence-nos da dificuldade de
inserir um ser já adulto, criado em situações adversas, em um mundo comum a todos e peculiar
somente a ele. Surgem questionamentos sobre a possibilidade de um adulto que jamais conhecera
palavras e seus significados aprender e compreendê-las (signo, significante, significado e
significação). A história diz que há essa possibilidade, mas que o processo não é ágil e exige
dedicação e perseverança tanto de quem ensina quanto do que precisa aprender, mas que pode ocorrer,
mesmo que seja longo o percurso até que descubra as reais significações das palavras, mais facilmente
por experiências próprias, o que me faz lembrar David Hume em sua “Investigação acerca do
Entendimento Humano. Hume dizia que as formas de ver e entender a realidade são mais evidentes à
luz das impressões (sensações reais e mais vivas) do que à da imaginação (que se baseia na lembrança
de sensações ou na descrição destas por outrem, que as tornam mais tênues). Porém, o outro
questionamento que veio a minha mente sobre a possibilidade de adaptação desse mesmo homem aos
costumes morais, que são advindos de uma ética individual que se disseminou e passou a ser aceita e
seguida por outros (segundo a definição de Durkheim, com a qual concordo plenamente), não é
inteiramente possível. Existe a concretização da adaptação à moral vigente por aquele indivíduo
(mesmo que não completamente – Kaspar Hauser não compreende o porquê das reuniões sociais e
nem suas funções – e com algumas recaídas), pois a vida em sociedade exige que essas regras
impostas sejam seguidas, mas em qualquer situação adversa, de pressão, humilhação, ou em que
aflorem as reações mais instintivas e naturais, aquele homem dificilmente conseguirá guiar-se pela
moral que lhe fora imposta e recorrerá a sua origem animalesca. Isso pode também acontecer com os
outros homens desde criança criados socialmente (pois o homem também tem instintos e os segue em
situações extremas), mas em raríssimas situações, já que mesmo agindo em ato falho contornará o
ocorrido com o que a própria sociedade lhe ensinou, mascarando seus reais pensamentos e opiniões
que foram expostos instintivamente e sem o controle moral, mas que serão sancionados por este, no
seu desdizer.
Assim, vejo comparações do texto e do filme mais razoáveis à sociologia de Durkheim (nos
aspectos abordados na própria análise sociológica) e, no aspecto do Direito, uma oposição de idéias e
comportamentos (instintivos) do Jusnaturalismo (em que o Direito é reduzido a valores, como o valor
do justo, já que é oriundo da própria natureza humana; seus princípios são imutáveis/irrevogáveis e
universais, pois independem de convenções humanas - do governante atual e de suas vontades; caso
seja descumprido, suas sanções serão espontâneas) e do Juspositivismo (em que o Direito é reduzido
às normas, que atendem às vontades humanas, seguindo as do governante da época e podendo ser
modificadas quando outro assumir, sendo assim mutáveis/revogáveis e particulares; caso seja
descumprido, suas sanções serão legais), assim como o abordado, obviamente de forma mais
evidenciada, na Tragédia Grega “Antígona”, de Sófocles.
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