Entrevista com Dario Djota Carvalho Jr. Dario Djota Carvalho Jr. é jornalista formado pela PUC Campinas e mestre em Educação pela Unicamp. É criador e responsável pelo site MundoHQ. Possui uma coluna no programa “Sexta Cultural”, da Rádio Educativa de Campinas. Como cartunista, publica desde 2002 as tiras “Só Dando Gizada”, no Correio Popular. Trabalha como jornalista na D&D Comunicação. É autor dos livros “A Educação Está no Gibi” e “Escola de Sacis”. Confira a entrevista feita por e-mail para o site da EFAP: Qual é a sua experiência com gibis em sala de aula? Sempre defendi a utilização das artes gráficas – tanto histórias em quadrinhos como tiras, charges, cartuns e caricaturas – como uma ferramenta útil nas salas de aula, seja como material paradidático ou utilizando a produção de quadrinhos como uma atividade multidisciplinar. Desde pequeno eu mesmo vivenciei os benefícios da leitura das HQs, já que ainda nos primeiros anos de escola os professores (e eu mesmo) notavam que meu vocabulário era mais amplo que o dos coleguinhas – lembro-me do espanto das crianças do pré-primário quando eu quis fazer um plano “infalível” e ninguém sabia o que a palavra significava (rs) –, bem como meus conhecimentos de geografia, que eram atiçados pelas aventuras do Tio Patinhas de Carl Barks e do Fantasma de Lee Falk. Enquanto aluno, do Fundamental à Universidade, sempre usei os quadrinhos em trabalhos escolares, bem como para melhorar a leitura e ampliar o vocabulário. Ainda fazia HQs para contar histórias e fatos, usando os quadrinhos como meio de comunicação, sempre com apoio da maioria dos professores. Quando me formei jornalista e fui me especializando na área, mesmo antes de ser professor universitário, comecei a dar palestras para professores, mostrando a eles como utilizar o recurso. Elaborei uma série de aplicações paradidáticas para as mais diversas disciplinas e também mostrei a eles como, para se fazer quadrinhos, era necessário utilizar praticamente todas as disciplinas lecionadas por eles, em geral propondo a eles que fizessem quadrinhos como atividade multidisciplinar. Ao mesmo tempo, ouvi e coletei inúmeras experiências relatadas pelos professores. Depois de dez anos palestrando para educadores de escolas públicas e privadas, e até mesmo para universidades, elaborei um livro – até mesmo a pedido dos que assistiam às palestras – com o conteúdo básico do que falava e o lancei pela Papirus Editora (“A Educação Está no Gibi”). Também como professor universitário, utilizei muito os quadrinhos junto a alunos de Jornalismo, Relações Públicas e Publicidade e Propaganda, em especial (mas não apenas) nas aulas de Teoria da Comunicação. E, quando fiz meu mestrado em Educação na Unicamp, claro, minha dissertação foi sobre histórias em quadrinhos (“A Morte do Herói”). De um outro lado ainda, como cartunista, faço uma tira chamada “Só Dando Gizada”, na qual abordo inúmeras situações de sala de aula, e constantemente editoras compram essas tiras para utilização em material didático, justamente por entender os benefícios da linguagem, creio eu. Você tem alguma dica de como o professor pode utilizar esse recurso? Vixe, várias (rs). É possível trabalhar todas as disciplinas utilizando as HQs, com todas as faixas etárias e estratos sociais. No livro “A Educação Está no Gibi”, trago alguns exemplos em cada disciplina (História, Geografia, Matemática, Física, Química, Português/Literatura e Inglês), mas o professor pode desenvolver ainda seus próprios exercícios. Alguns deles são bem fáceis, como, por exemplo, trocar o avião naquele tradicional exercício de Física sobre velocidade média pelo Super-Homem, o Ben-10 ou pelas Meninas Superpoderosas. O aluno fica mais interessado e o exercício, mais divertido. Mas você pode usar o conteúdo das histórias para discutir Física e Química, por exemplo. Os poderes dos super-heróis fornecem boas discussões nessas áreas, e até mesmo dá pra treinar potenciação a partir de uma historinha do Cebolinha ou ensinar como é o átomo real e o que as pessoas imaginam no senso comum a partir de histórias do Elétron. Ou ainda usar Níquel Náusea para falar de Biologia e de metáforas em Língua Portuguesa. Em História, temos quadrinizações de momentos históricos reais – como, por exemplo, Os 300 de Esparta. Também é possível mostrar como os quadrinhos refletiram e foram usados em certos momentos da História da Humanidade. A II Guerra Mundial é um prato cheio nesse sentido, com vários personagens criados com o propósito de elevar a moral americana, como o Capitão América e a Mulher Maravilha. Somem-se a isso verdadeiras reportagens em quadrinhos, que podem ser utilizadas tanto em História (como “Santô e os Pais da Aviação” e “Gen Pés Descalços”, sobre a bomba de Hiroshima) como em Geografia, especialmente a política (caso de “Palestina”, “Na Faixa de Gaza” e uma “História de Sarajevo”, todas do maltês-americano Joe Sacco, ou Persépolis, de Marjane Satrapi). Enfim, exemplos e formas de utilização não faltam. Fora isso, o “fazer quadrinhos” envolve todas as matérias, de forma multidisciplinar. É preciso saber matemática e proporção, para fazer os requadros; português, para fazer o roteiro, criar personagens e contar a história de maneira sucinta; geografia, para desenvolver cenários; história, para embasar argumentos; física, química e biologia são fundamentais se a HQ tiver super-heróis... enfim, para se fazer uma boa HQ é preciso muito conhecimento e é possível envolver toda uma escola em um projeto do gênero. Qual é a importância dos gibis para o ensino? O que desenvolve? Colabora com a leitura? Acredito que são uma ferramenta eficiente e fácil de usar, que apresentam resultados significativos a curto e médio prazo. Há desde um despertar de interesse e facilidade maior na compreensão nas mais diversas disciplinas que utilizam HQs como suporte quanto ganho efetivo em capacidades como leitura, interpretação de texto, rapidez de processamento de informações, habilidade de comunicação e até autoestima, já que muitos descobrem nessa linguagem um meio de expressão. E há os que se identificam com os personagens (em especial super-heróis), e a partir deles passam por um benéfico processo de projeção – Umberto Eco aborda bem esse aspecto em “Apocalípticos e Integrados”, ao falar do Super-Homem. Gibi é literatura? Sem dúvida alguma é, o que não significa de antemão que todo e qualquer título seja bom. Sem a intenção de fazer juízo de gosto, é fato que existem bons e maus livros, filmes ótimos e filmes péssimos, músicas adoráveis e músicas detestáveis. Não é e nem poderia ser diferente com os quadrinhos. Como você vê o movimento de lançamento de clássicos da literatura em formato de gibis? É uma iniciativa comprovadamente positiva, que ocorre há muito tempo e parece ter se intensificado nos últimos anos. É preciso deixar claro que uma quadrinização ou versão em quadrinhos de um livro não substitui a obra original, nem tem a pretensão de fazer isso. Tratase apenas de se usar uma outra linguagem para se contar a mesma história e, nesse caso, em muitas ocasiões, essa linguagem torna a obra mais atraente para diversos públicos. Engana-se quem pensa, porém, que um substitui o outro. Por observação e experiência própria, posso afirmar que, pelo contrário, um desperta o interesse pelo outro. Sei de muitos jovens que nunca haviam se interessado em ler “Dom Quixote” ou “A Relíquia”, por exemplo, que acabaram lendo a primeira obra nos quadrinhos do Bira Dantas ou do Caco Galhardo e a segunda nos do Marcatti. Gostaram tanto que foram atrás dos livros depois de lerem os quadrinhos – e efetivamente leram a obra de Cervantes e a de Eça de Queiroz – simplesmente porque tiveram a curiosidade aguçada por livros que até então não havia lhes chamado a atenção e dos quais, talvez, só se aproximassem (se muito) dos resumos prontos para vestibular. Em um exemplo pessoal e bastante recente, em 2009 chegou às minhas mãos a graphic novel “Capote no Kansas”, na qual Ande Parks e Chris Samnee contam, em uma espécie de jornalismo literário em quadrinhos, a história da investigação de Truman Capote que o levou a escrever o livro “A Sangue Frio”. Até então, eu sempre tivera curiosidade de ler o livro, mas nunca tinha feito isso por causa da correria do dia a dia – era um daqueles famosos projetos “para quando eu tiver tempo”. Pois bem, li os quadrinhos com certa avidez e gostei muito. No fim da edição havia uma entrevista com os autores, e um deles dizia: “Se você não leu “A Sangue Frio” ainda, o que há de errado com você?”. Resultado: obtive a motivação que faltava para ler o livro, o que fiz no dia seguinte e, diga-se de passagem, é um dos textos mais brilhantes que já tive a oportunidade de ler.