A Ilegitimidade dos Direitos de Propriedade Intelectual Adriel Santos Santana 1 Resumo Este artigo questiona a suposta legitimidade dos direitos de propriedade intelectual, perfazendo para tanto uma análise da sua origem histórica, suas implicações econômicas e as violações aos direitos de outrem que esse ramo do direito produz. Por meio de um olhar crítico, são apontados os vários conceitos ligados a este ramo e a fundamentação para seu banimento do nosso arcabouço jurídico. Ao final, se aponta as consequências benéficas que seriam provocadas para a sociedade graças à extinção desses privilégios concedidos pelo Estado. Palavras chave: Propriedade Intelectual. Direito. Monopólio. 1. Introdução Justamente no momento em que se discute no Congresso Nacional a revisão da lei nº 9.6102, que aborda sobre os direitos autorais, é de suma importância compreender e analisar criticamente a natureza dos direitos de propriedade intelectual, assim como os resultados gerados por este monopólio concedido pelo Estado a determinadas pessoas, sejam físicas ou jurídicas. Entender os aspectos econômicos envolvidos nesse ramo do direito também se faz necessário, dado as enormes confusões sobre termos da ciência econômica e do direito, além da ignorância sobre as consequências provocadas por esta intervenção governamental no mercado. Busca-se, portanto, compreender o funcionamento da economia livre e como a intervenção estatal em prol de determinados grupos e pessoas produzem não só distorções na concorrência de mercado, como criam privilégios empresariais em detrimento da benfeitoria gerada aos consumidores numa sociedade livre. Importante também conhecer os reais significados e efeitos dos monopólios, do livre mercado, do conceito de propriedade, de direito e da soberania do consumidor, além de provocar um processo de desmistificação sobre outros termos, como pirataria e o mercado negro, compreendo seus papéis dentro da estrutura da sociedade. 1 UESC. Faculdade de Direito. Departamento de Ciências Jurídicas. Estudante do 7º Semestre, turma 2008, do Curso de Direito. E-mail: [email protected] 2 Ministério da Cultura MinC. Disponível em: http://www.cultura.gov.br/site/wpcontent/uploads/2011/03/Anteprojeto_Revis%C3%A3o_Lei_Direito_Autoral.pdf Consultado em 09/06/11 Amparado pelo extenso conhecimento desenvolvido por representantes da Escola Austríaca de Economia, será mostrado como em um ambiente livre de intervenções governamentais, sejam elas restritivas (via monopólios ou concessões) ou fomentadoras (via subsídios e incentivos fiscais), o mercado tem a possibilidade concreta de se maximizar. A não-intervenção estatal permite não somente uma alocação mais racional dos limitados recursos econômicos, como uma explosão da criatividade empresarial e a liberdade para que aqueles que melhor atenderem aos desejos dos consumidores possam se tornar bem sucedidos frente à competição. Este artigo está organizado da seguinte forma: a seção dois oferece uma breve revisão histórica sobre a história do direito de propriedade intelectual. A seção três discute os conceitos em torno do direito e da propriedade, especificando a natureza da assim chamada propriedade intelectual e sua suposta validade jurídica e ética. A seção quatro apresentará as diferenças e consequências econômicas geradas pelo monopólio, incluindo aí o de propriedade intelectual, e do livre mercado na sociedade. A seção cinco apresenta a reunião dos argumentos contrários à propriedade intelectual, sugerindo possíveis medidas para sua revogação e traçando os desdobramentos futuros dessas medidas. Os resultados aqui apresentados permitirão concluir que não há fundamento jurídico nem econômico que valide as leis de proteção a propriedade intelectual. 2. História do Direito de Propriedade Intelectual Uma das características históricas do Estado é o controle que ele exerce sobre a sociedade. Esse controle, que ocorre das mais variadas formas, sempre teve por objetivo manter tanto o poder estatal sobre seus cidadãos como uma coesão social que interessa aos governantes. Uma dessas formas de controle é a regulação, restrição e banimento da circulação de idéias. Manter sobre sua esfera de domínio a propagação da informação é e sempre foi crucial ao Estado e aos indivíduos que dele dependem3. Quando o processo industrial foi implantado, no período da história conhecido como Renascimento, o acesso ao conhecimento, a difusão de idéias e a reprodução de bens se acelerou progressivamente, tornando os meios de controle estatais defasados. Foi então que apareceu o conceito, entre os governantes, de reconhecer “direitos exclusivos” a indivíduos sobre idéias, garantindo inicialmente monopólios sobre elas, para em seguida elevá-las a categoria de propriedade. Dessa maneira, foi cunhado o termo “propriedade intelectual”. Não se sabe ao certo em que momento surgiu às primeiras leis de proteção a propriedade intelectual, contudo, algumas medidas estatais nesse sentido começam a aparecer eventualmente e sem ligação entre elas durante a Idade Média4. A primeira legislação propriamente dita passa a existir de fato por volta do 3 4 Mill. John Stuart, Da Liberdade (São Paulo: IBRASA. 1963), pág. 21-23. Em Bordeaux, eram concedidas licenças de até quinze anos para determinados processos de fabricação e pintura; Na República da Veneza, por volta do século XV, aparecem as primeiras concessões de direitos sobre invenções. Tais concessões e licenças eram dadas segundo avaliação do monarca de cada Estado. século XVII, especificamente em 1623 na Inglaterra, por meio do “Estatuto dos Monopólios”5. Os termos presentes nesse estatuto faziam distinção entre monopólio e concessão pública, criminalizando e anulando todo monopólio em vigor até aquele momento na Inglaterra, os quais se mantinham por apoio da monarquia, mas sustentando a validade das patentes concedidas anteriormente, que agora seriam qualificadas como concessões estatais. Essas patentes delimitavam o período de concessão do privilégio, conferindo ao autor o poder jurídico para impedir outros competidores de copiar a sua invenção, garantindo a eles sua fatia do mercado. Depois da Inglaterra, gradualmente outras nações começaram a incluir em seu ordenamento jurídico leis similares ao Estatuto dos Monopólios, visando proteger a propriedade intelectual dos seus inventores. Os Estados Unidos instituiu, em 1809, o “Patent Act”6. O Brasil, no mesmo ano, por meio do Alvará do príncipe Regente D. João VI, cunhou a sua legislação própria7. Durante todo o século XIX, vários países como Holanda (1809), Áustria (1810), Rússia (1812), Suécia (1819), Espanha (1869) e Alemanha (1877) também criaram suas legislações sobre propriedade intelectual8. As primeiras regras internacionais a abordarem exclusivamente sobre propriedade industrial foram formuladas em 1883, durante a Convenção de Paris. Esta convenção é considerada um dos atos internacionais mais antigos de cunho econômico multilateral, tendo se mantido durante duas grandes guerras mundiais9. O nome oficial da Convenção de Paris é “Convenção da União de Paris para a Proteção da Propriedade Industrial”. Desde que ela foi assinada pela primeira vez, seu conteúdo foi revisto sete vezes: em 1890, em Madri; em 1900, em Bruxelas; em 1911, em Washington; em 1925, em Haia, em 1934, em Londres; em 1958, em Lisboa; em 1967, em Estocolmo10, e em 1980, em Genebra. A Convenção de Berna, assinada em 1886, seguindo o exemplo da CUP, constituiu regras internacionais entre os seus membros versando sobre direitos autorais, estes quais protegeriam as obras literárias, artísticas e as de caráter científico. A CUB, no Brasil, tem efeitos jurídicos específicos para a forma de expressão das obras, e não as idéias nelas contidas. Um dos tratados mais recentes sobre propriedade intelectual em sua forma plena é o GATT (General Agreement on Tariffs and Trade), que acumula normas sobre propriedade industrial, direitos autorais e marcas. Ele foi instituído durante a 5 Que foi a única lei de patentes no Reino Unido até bem tarde no séc. XIX, e continua sendo invocado como elemento da Constituição Inglesa. 6 U.S. Patent Act. Disponível em: http://www.law.cornell.edu/patent/patent.overview.html Consultado em 11/06/11. 7 Barbosa. Denis Borges, Uma Introdução à Propriedade Intelectual (São Paulo: Lumen Juris. 1997). 2ª Ed, pág. 11. 8 Abreu. Yolanda Vieira de, Reestruturação e privatização do setor elétrico brasileiro (Edición electrónica gratuita. 1999). Disponível em: www.eumed.net/libros/2009a/486/ Consultado em 11/06/11. 9 Barbosa. Denis Borges, Uma Introdução à Propriedade Intelectual (São Paulo: Lumen Juris. 1997). 2ª Ed, pág. 146. 10 Essa revisão adentrou no ordenamento jurídico brasileiro por meio do Decreto 635 de 1992. década de 40 do século XX. A atualização sobre o seu conteúdo, já na década de 80, foi denominado TRIPs (Agreement on Trade-Related Aspects of Intellectual Property Rights)11, cujos efeitos se estendem até hoje, entre seus membros. No Brasil, o ordenamento jurídico discorre sobre propriedade intelectual em várias leis, decretos e medida provisória. São elas: Lei nº 9.610/98 (Direitos Autorais); Lei nº 9.609/98 (Lei de Software); Lei nº 9.456/97 (Lei de Cultivares); Lei nº 9.279/96 (Lei de Patentes); Medida Provisória nº 2186-16/01; Decreto nº 3.945/01; Decreto nº 3.551/00; Decreto nº 2.553/98; Decreto nº 5.459/05 12. Além destes, há previsão constitucional no Art. 5º, XXVII, XXVIII e XXIX da CF de 1988. 3. Os Conceitos de Direito e Propriedade Foi criada muita confusão ao longo das décadas em torno de conceitos que, mesmo amplamente implantados em nossa sociedade, foram relativizados ao ponto de perderem completamente os seus reais significados. Dois desses conceitos, que atualmente encontram-se “nebulosos”, são o de direito e de propriedade. Segundo o economista e jurista Friedrich A. Hayek (2010), direito são normas que se baseiam no costume comunitário e evoluem através das práticas judiciais. As normas de direito se caracterizam por serem abstratas, iguais para todos os cidadãos e aplicáveis num número incerto de casos futuros. São, portanto, gerais, indistintamente aplicáveis, e prospectivas. O autor ainda distingue o conceito de direito do de legislação, afirmando ser essa última mera criação do trabalho legislativo, e que, portanto, não encontra ressonância na sociedade como um todo, mas em geral serve apenas para suprir demandas de grupos específicos e minoritários de pressão.13 Uma das primeiras teorias históricas sobre o princípio da justiça defendia a concepção do direito natural, esta qual serviu de base aos sistemas jurídicos ocidentais durante séculos. Essa concepção afirma que os direitos são inerentes ao indivíduo como ser humano, e são necessariamente mantidos com ele durante sua vida; e, embora possam ser desrespeitados, não podem desaparecer, ser extintos, aniquilados, separados ou eliminados de sua natureza como ser humano, ou destituído de suas autoridades ou obrigatoriedades inerentes14. O propósito das normas do direito encontra razão no fato de que se não houvesse conflitos interpessoais, nós não precisaríamos de normas nenhuma. A sociedade precisa de normas sociais porque existem conflitos no mundo. Dessa forma, o propósito das normas é evitar conflitos inevitáveis. Se uma norma termina por gerar conflitos, ela é contrária ao próprio propósito de uma norma15. 11 Barbosa. Denis Borges, Uma Introdução à Propriedade Intelectual (São Paulo: Lumen Juris. 1997). 2ª Ed, pág. 155-170 12 Ministério da Ciência e Tecnologia: http://www.museu-goeldi.br/institucional/i_prop_legisla.htm Consultado em 24/06/11. 13 Hayek. Friedrich A. Direito, Legislação e Liberdade (São Paulo: Ordem Livre, 2010). pág. 81. 14 Spooner. Lysander, Direito natural, ou A ciência da justiça (Rio de Janeiro: Libertyzine, 2009) Cap. II, Seção IV. 15 Hoppe. Hans-Hermann, Queremos uma Sociedade com Leis Estatais ou Privadas? (Porto Alegre: Instituto Ludwig von Mises Brasil, 2011). Nos tempos do Estado Social que se instalou nos países ocidentais, o direito terminou sendo substituído gradualmente pela legislação, o que provocou uma mescla imprópria em torno do sentido desses termos. Essa mistura fez com que o sentido do direito fosse deturpado, dando a entender que direitos podem ser criados via atividade legislativa, distanciando-se da concepção histórica de direito natural, antes em voga. Como bem afirmou o historiador Thomas Woods, criticando tal processo legislativo, um direito: Só pode ser considerado como legítimo ou válido – isto é, um direito natural, um direito que todos nós como seres humanos usufruímos pela simples virtude de sermos humanos – se for possível afirmar que todos nós somos capazes de usufruir dele, ao mesmo tempo e da mesma maneira. Se o direito em questão estiver de acordo com essa premissa, então ele é genuíno, já que seu usufruto não pode levar a nenhum conflito ou a nenhuma contradição lógica (MISES INSTITUTE, 2009). Qualquer “direito” que exija que para que sua efetivação se dê haja a violação da propriedade de outros, que são obrigados a arcar financeiramente com estes, não pode ser considerado um direito de fato. Não se pode assim considerar um direito algo que determine que um ou mais indivíduos sejam forçados ou impostos a agir contra a sua vontade para que ele se efetive. Essa lógica se aplica a qualquer bem ou serviço de uma economia, seja segurança, saúde, educação, judiciário, cultura etc. No que tange aos direitos de propriedade intelectual, não há lógica em acusar outro de “roubar” uma idéia, dado que copiar a idéia de uma pessoa não a impede de usufruir da mesma idéia. Curioso perceber que tendo em vista o fato de que não há uma única idéia atual que não tenha sua origem em alguma outra idéia anterior, se o direito de propriedade intelectual fosse realmente válido, ele se estenderia até tempos imemoriais, tornando a sociedade escrava do passado. Como foi posto anteriormente, os direitos de propriedade intelectual, historicamente, foram criados por meio da atividade legislativa, visando beneficiar não só alguns indivíduos como manter sobre controle do Estado a propagação da informação e do conhecimento. Esses direitos não existiam naturalmente, ou seja, sem a necessidade de uma chancela estatal que lhes conferissem certa legitimidade. De fato, os direitos de propriedade intelectual são caracterizados por impedir e violar os direitos de outrem, já que eles limitam a liberdade de cópia e reprodução dos demais e transferem aos seus autores o poder de propriedade parcial sobre os indivíduos, afinal a cópia e a reprodução são, seguramente, propriedades do copiador e/ou reprodutor, não se confundindo com o original. Tendo em vista o exposto até aqui, nota-se que os direitos de PI (propriedade intelectual) não são direitos genuínos, já que não são direitos que todos podem usufruir igualmente, ao mesmo tempo e da mesma maneira. Por sua vez, a propriedade pode ser conceituada como um bem escasso que esteja sobre o controle exclusivo de um indivíduo ou de um número determinado deles16. O direito de propriedade caracteriza-se por dá ao proprietário a faculdade de usar, gozar (fruir) e dispor da coisa, além do direito de reavê-la de quem 16 Rothbard. Murray N., A Ética da Liberdade (São Paulo: Instituto Ludwig von Mises Brasil, 2010), pág. 106-108. injustamente a possua ou detenha.17 Usar sua propriedade é utilizá-la como bem quiser. Fruir é ter para si os frutos dessa propriedade, sendo o fruto aquilo que é produzido por essa propriedade sem destruir a mesma. Dispor de uma propriedade, por sua vez, é o poder de vendê-la, destruí-la ou abandoná-la. Portanto, o direito de propriedade é direcionado a recursos tangíveis, como bens imóveis e bens móveis, e, mais recentemente, recursos intangíveis, como reputação e idéias (propriedade intelectual).18 A propriedade está amparada pelo princípio da apropriação original, que afirma que a propriedade pertence àquele que encontra, ocupa e a transforma através do seu trabalho. Não se pode falar de propriedade quando nos referimos a bens não escassos, afinal se um bem for superabundante não haverá conflito e, por conseguinte, nenhuma necessidade de estipular quem pode disponibilizar dele19. O princípio da não-agressão20 é estritamente compatível e interdependente do princípio da apropriação original. Tal princípio afirma que um indivíduo pode fazer o que quiser com o seu próprio corpo e sua propriedade, desde que ele, ao agir assim, não agrida o corpo de outra pessoa e sua propriedade. Como argumenta o filósofo Hans-Hermann Hoppe (1993), a validade desta compatibilidade de princípios mostrasse dado que se ninguém tivesse o direito de adquirir e controlar qualquer coisa exceto seu próprio corpo, e aceitássemos que outras pessoas tenham o direito de desconsiderar a propriedade desse indivíduo sobre bens em que elas jamais trabalharam ou puseram para algum uso em particular, então se está dizendo que é correto adquirir títulos de propriedade não por meio do trabalho, mas simplesmente por declaração verbal, por decreto, impossibilitando assim qualquer sobrevivência. Conclui-se, dessa forma, que o objetivo do estabelecimento da propriedade é evitar conflitos sociais. O jurista belga Boudewijn Bouckaert (1990) argumenta que é a escassez natural de um bem que dá origem a necessidade de regras de propriedade, e que leis de PI criam uma escassez artificial, injusta. Ele afirma: Escassez natural é o que se segue da relação entre o homem e a natureza. A escassez é natural quando é possível concebê-la perante qualquer arranjo contratual, institucional humano. Escassez artificial, por outro lado, é o resultado de tais arranjos. Escassez artificial dificilmente pode servir como uma justificativa para o arcabouço legal que causa escassez. Tal argumento seria completamente circular. Pelo contrário, a escassez artificial em si precisa de uma justificativa (CONTRA A PROPRIEDADE INTELECTUAL, 2010). O advogado especialista em direitos de PI, Stephan Kinsella (2010) chega à conclusão, dado os estudos de Bouckaert, que apenas entidades naturalmente escassas sobre as quais controle físico é possível são candidatas a proteção por 17 Art. 1228 do atual Código Civil brasileiro. 18 Kinsella. Stephan, Contra a Propriedade Intelectual (São Paulo: Instituto Ludwig von Mises Brasil, 2010), pág. 2-3. 19 Um exemplo extremamente didático de bem superabundante é o ar que respiramos. 20 Rothbard. Murray N., Por Uma Nova Liberdade (Rio de Janeiro: Libertyzine, 2009), pág. 13. direitos de propriedade reais21. Dessa forma, os direitos que protegem bens imateriais não são passíveis de proteção. Apenas recursos escassos, tangíveis, são objetos possíveis de conflito interpessoal, então é apenas para eles que as regras de propriedade são aplicáveis. Dessa forma, patentes e direitos autorais são somente monopólios injustificáveis garantidos por legislação governamental. Não é de surpreender que, como nota Tom Palmer (1989), privilégios monopolísticos e censura estão baseadas na raiz histórica de patentes e direitos autorais22. E esse privilégio monopolístico que cria uma escassez artificial onde não havia antes. O jurista Denis Borges, ao conceituar propriedade intelectual, afirma: De acordo com a Organização Mundial de Propriedade Intelectual (OMPI), a propriedade intelectual pode ser definida como o conjunto de direitos ligados às obras literárias, artísticas e científicas, às interpretações dos artistas intérpretes e às execuções dos artistas executantes, aos fonogramas e às emissões de radiodifusão, às invenções em todos os domínios da atividade humana, às descobertas científicas, aos desenhos e modelos industriais, às marcas industriais, comerciais e de serviço, bem como às firmas comerciais e denominações comerciais, à proteção contra a concorrência desleal e todos os outros direitos inerentes à atividade intelectual nos domínios industrial, científico, literário e artístico (UMA INTRODUÇÃO À PROPRIEDADE INTELECTUAL. 1997). Dado o conceito de propriedade posto anteriormente neste artigo, conclui-se que idéias — receitas, fórmulas, declarações, argumentações, algoritmos, teoremas, melodias, padrões, ritmos, imagens etc. — certamente são bens, mas não são bens escassos. Tão logo as idéias são formuladas e enunciadas, elas se tornam bens não escassos, abundantes23. Além disso, a cópia e a reprodução não se configuram como uma violação de propriedade, visto que ao se copiar ou reproduzir um bem, não se expropria do dono absolutamente nada, afinal ele continuará em posse do seu bem. A realidade mostra que a única forma segura de idéias não serem copiadas é somente se elas forem mantidas na consciência de seus idealizadores, não sendo jamais expressadas. Compreende-se aqui que não é correto chamar de propriedade o que for intangível; nem tão pouco faz sentido argumentar que proteger a propriedade intelectual é similar a proteger propriedades materiais, já que uma propriedade só é real quando ela é escassa. O economista Ludwig von Mises (1990), baseado na lei dos rendimentos24, afirma que como idéias, fórmulas, receitas, teoremas, imagens e padrões rendem serviços ilimitados, ou seja, não se esgotam após terem sido utilizadas, elas não 21 Kinsella. N. Stephan, Contra a Propriedade Intelectual (São Paulo: Instituto Ludwig von Mises Brasil, 2010) pág. 22. 22 Kinsella. N. Stephan, Contra a Propriedade Intelectual (São Paulo: Instituto Ludwig von Mises Brasil, 2010), pág. 23. 23 Hoppe. Hans-Hermann, Daily Bell (Los Angeles, 27 http://www.mises.org.br/Article.aspx?id=941 Consultado em 08/06/11. 24 de março de 2010). Disponível em: Essa lei da economia afirma que um bem econômico produz efeitos quantitativamente definidos, em se tratando de bens de primeira ordem (bens de consumo), quando uma quantidade “a” de causa produz – seja de uma só vez, seja em diversas vezes num determinado período de tempo – uma quantidade “A” de efeito. podem ser consideradas bens econômicos. Dado que logo após terem sido trazidas ao mundo concreto, elas também não se tornam escassas, não podem sequer ser vistas como propriedade. Portanto, idéias, fórmulas e receitas são bens livres uma vez que sua habilidade de produzir certos efeitos é ilimitada. Elas apenas podem se tornar bens econômicos caso sejam monopolizadas e seu uso seja restringido. Qualquer preço pago pelos serviços gerados por uma receita sempre será um preço monopolístico. Não importa se a restrição ao uso da receita seja possibilitada por condições institucionais – tais como patentes e leis de direitos autorais – ou pelo fato de que a fórmula é mantida em segredo e outras pessoas não são capazes de descobri-la25. Entretanto, existem fortes contra-argumentos26 sobre essa questão, como as do jurista Denis Borges: Em um regime econômico ideal, as forças de mercado atuariam livremente e, pela eterna e onipotente mão do mercado, haveria a distribuição natural dos recursos e proveitos. No entanto, existe um problema: a natureza dos bens imateriais, que fazem com que, em grande parte das hipóteses, um bem imaterial, uma vez colocado no mercado, seja suscetível de imediata dispersão. Colocar o conhecimento em si numa revista científica, se não houver nenhuma restrição de ordem jurídica, transforma-se em domínio comum, ou seja, ele se torna absorvível, assimilável e utilizável por qualquer um. Na proporção em que esse conhecimento tenha uma projeção econômica, ele serve apenas de nivelamento da competição. Ou, se não houver nivelamento, favorecerá aqueles titulares de empresas que mais estiverem aptos na competição a aproveitar dessa margem acumulativa de conhecimento. Mas a desvantagem dessa dispersão do conhecimento é que não há retorno na atividade econômica da pesquisa. Consequentemente, é preciso resolver o que os economistas chamam de falha de mercado, que é a tendência à dispersão dos bens imateriais, principalmente aqueles que pressupõem conhecimento, através de um mecanismo jurídico que crie uma segunda falha de mercado, que vem a ser a restrição de direitos. O direito torna-se indisponível, reservado,fechado o que naturalmente tenderia à dispersão (III ENCONTRO DE PROPRIEDADE INTELECTUAL E COMERCIALIZAÇÃO DE TECNOLOGIA, 2000). Ousamos discordar do grande jurista, por compreendermos que a propriedade intelectual não faz parte da ordem natural do mercado. Ela é produto de direito positivo e da legislação, imposta, historicamente, a mando dos poderosos do mercado como um meio de excluir a livre concorrência. Ela é um monopólio governamental e, como neste artigo tomamos um direcionamento pró-mercado27, somos contra este tipo de intervenção, pois ele eleva os preços, gera estagnação 25 Mises. Ludwig von, Ação Humana (Rio de Janeiro: Instituto Liberal. 1990), pág. 505. 26 Barbosa. Denis Borges, Uma Introdução à Propriedade Intelectual (São Paulo: Lumen Juris. 1997), 2ª Ed, pág. 24-25. 27 Mises. Ludwig von, Ação Humana (Rio de Janeiro: Instituto Liberal. 1990), Cap. XV. econômica, inibe a inovação, prejudica os consumidores, e serve apenas para defender interesses especiais à revelia da sociedade. Importante ressaltar também a falta de parâmetros lógicos da legislação em torno da assim chamada “propriedade imaterial”. Não existem argumentos que justifiquem a caducidade dos direitos de propriedade intelectual, ao menos não da mesma forma que os da propriedade tangível, material (usucapião, abandono)28. Essa caducidade não passa de uma convenção estatal. Também não é inteligível o parâmetro que alicerça as leis que permitem que determinada obra possa ser copiada, reproduzida ou xerocada em uma porcentagem específica, ao invés de seu todo. Por meio de uma mera convenção estatal simplesmente foi imposto, sem um critério claro, que é cabível se apropriar de uma parte da “propriedade” de outrem, o que é além de um absurdo moral, uma violação de preceitos constitucionais29. Conclui-se, portanto, que a propriedade de um indivíduo não deve ser subtraída sem a necessária autorização ou permissão dele. Assim, é razoável afirmar que a cópia não subtrai ninguém dessa propriedade, apenas permite que outro(s) possa(m) usufruir de produtos assemelhados, quem sabe idênticos. Mesmo se for considerado que a escassez do bem concreto em questão será diminuída com a cópia, não se pode dizer o mesmo do valor comercial, afinal o valor é uma estimativa dada por outros subjetivamente, não estando relacionada à sua quantidade, mas a qualificação individual que lhe é conferida30. 4. Monopólio e Livre Mercado Visto que a propriedade intelectual é nada mais do que um monopólio estatal concedido a determinadas pessoas (físicas ou jurídicas), resta analisar se tal intervenção governamental é benéfica ou prejudicial à sociedade. Infelizmente, é comum a crença de que o mercado leva inevitavelmente ao monopólio, e que esse se configura quando há um ofertante único ou um ofertante esmagadoramente dominante, de um bem ou serviço. Na verdade, o monopólio seria adequadamente melhor definido como um recebimento de um privilégio estatal exclusivo sobre um bem ou serviço31. No livre mercado, uma empresa pode até deter uma enorme fatia do mercado, mas tal situação só se mantém enquanto ela for a mais eficiente em atender a demanda existente, podendo ser substituída a qualquer momento por uma empresa mais competente. No caso de monopólio real, nenhuma outra empresa pode ofertar o bem ou o serviço além daquela a quem foi garantido legalmente tal privilégio 32. 28 Código Civil Brasileiro, Capítulo II – Da Aquisição da Propriedade Imóvel. 29 Art. 170, II, IV e V da Constituição Federal do Brasil de 1988. 30 Constantino. Rodrigo, Economia do Indivíduo: O Legado da Escola Austríaca (São Paulo: Instituto Ludwig von Mises Brasil, 2009), pág. 18. 31 32 Rothbard. Murray N., Man, Economy, and State (Alabama: Ludwig von Mises Institute, 2009), Cap. 10. Constantino. Rodrigo, Economia do Indivíduo: O Legado da Escola Austríaca (São Paulo: Instituto Ludwig von Mises Brasil, 2009), Cap. XVI. A crítica que se faz ao livre mercado é que ele leva naturalmente à concentração de poder em monopólios ou oligopólios, cabendo ao governo proteger os consumidores de tal risco e coibir a concorrência desleal. Entretanto, tais medidas estatais costumam prejudicar exatamente os consumidores ao dificultar a vida das empresas mais eficientes. Uma consequência natural da eficiência de uma empresa é quando ela se torna maior do que as demais. Quando não existem impedimentos legais à entrada de novos concorrentes e há bens alternativos sendo ofertados, não há de se falar em monopólio. O verdadeiro monopólio ocorre somente quando barreiras legais são criadas e impedem o acesso de novos concorrentes33. Curiosamente, existem muitas corporações que apóiam a regulação e leis antitrustes, pois sabem que tais medidas tendem a beneficiá-las. O motivo pelo qual elas sempre se mostram ávidas por utilizar o poder estatal em seu próprio interesse é que a coerção solidifica sua posição de maneira muito mais efetiva do que o livre mercado, o único sistema em que os consumidores controlam os empresários, determinando quem será ou não bem sucedido. No livre mercado, essas empresas têm de servir o consumidor de maneira eficaz - caso contrário, elas irão a falência. São inclusive as corporações mais poderosas que se utilizam desse recurso. Quando uma empresa fracassa em servir bem o consumidor, o mercado a faz falir. É por isso que várias delas recorrem ao governo para protegê-las34. É o governo, com seus subsídios, privilégios especiais e restrições de concorrência - seja na forma de pacotes de socorro a empresas, na forma de obras públicas com empreiteiras privadas, ou ainda na forma de patentes, marcas e direitos autorais - quem promove o monopólio propriamente dito e que garante vantagens verdadeiramente injustas para alguns à custa de todo o resto. Importante analisar também o que configuraria a concorrência desleal, tratada como uma modalidade de crime econômico no Brasil35. Em regra, todas as práticas que envolvem abuso de poder, aumento arbitrário dos lucros, práticas predatórias, eliminação da concorrência ou domínio de mercado são definidas como concorrência desleal. A entidade responsável por fiscalizar o comportamento das empresas no país, coibindo assim essas práticas, é o CADE (Conselho Administrativo de Defesa Econômica)36. Contudo, entidades estatais como o CADE, visando proteger o consumidor e “melhorar” o funcionamento do mercado, impedem na verdade o funcionamento do comércio, o que pode ser confirmado dada a arbitrariedade das suas medidas. Segundo a lei, por exemplo, um empresário que coloca preços abaixo da concorrência pode ser enquadrado em “práticas predatórias”; um que coloca preços acima da concorrência pode ser em “preços abusivos”; e um que fixa 33 Constantino. Rodrigo, Economia do Indivíduo: O Legado da Escola Austríaca (São Paulo: Instituto Ludwig von Mises Brasil, 2009), pág. 197-198. 34 Woods. Thomas, Monopólio e Livre Mercado - Uma Antítese (São Paulo: Instituto Ludwig von Mises Brasil, 2010). 35 Art. 195 da Lei Nº 9.279/96. 36 Lei Nº 8.884 de 1994 – “Lei Anti-Truste”. preços iguais ao da concorrência pode ser enquadrado em “formação de cartel”37. No meio dessa insanidade jurídica, o empresário não tem como saber ao certo o que o Estado considera como um “preço justo”, o que termina invariavelmente prejudicando os mesmos consumidores que se buscava defender. A propriedade intelectual, por ser um monopólio, não se diferencia de nenhum dos pontos relacionados acima, sendo imputados a ela os mesmo males que as demais formas de monopólio estatal produzem. De forma a evitar repetições de argumentos, preferiu-se focar aqui em como o mercado e a sociedade, via consumidores, tendem a burlar naturalmente tal direito, dado que, como foi dito anteriormente, ele só existe artificialmente. Quanto à questão sobre se a propriedade intelectual é ou não um monopólio, a posição a favor do conceito de monopólio sempre foi a posição dominante no debate intelectual. O grande jurista Rui Barbosa chegou inclusive a definir o direito que protegia as marcas, patentes e direitos autorais da seguinte forma: Prescrevendo que aos inventores a lei dará "um privilegio temporário" sobre os seus inventos, convertem os inventos temporariamente em monopólio dos inventores; pois outra coisa não é o monopólio que o privilegio exclusivo, reconhecido a algum, sobre um ramo ou um objeto da nossa atividade (COMENTÁRIOS À CONSTITUIÇÃO BRASILEIRA DE 1891, 2009). Uma das consequências dos monopólios ou da proibição do consumo de determinados bens é o surgimento de um mercado paralelo e ilegal. Aliás, dois termos são comumente usados para definir os maiores inimigos da propriedade intelectual: o mercado negro e a pirataria. Cercados por preconceitos ou marcados por conceitos simplesmente mal formulados, é fundamental compreender o que eles são, quais são suas características e suas consequências na sociedade. O “mercado negro” é um termo pejorativo usado para se referir as atividades de compra e venda que surgem sem a autorização ou regulação do Estado. Nele costumam ser oferecidos bens e serviços de todos os tipos, desde drogas consideradas ilícitas a filmes e músicas pirateados. Dado que mercados são meros processos livres que envolvem a interação entre compradores e vendedores, argumenta o professor de economia Danny G. Leroy, todas as vezes que: Os governos interferem nos processos de mercado por meio de impostos, regulamentações e proibições, eles vão além de sua função de proteger os indivíduos e a propriedade privada contra agressões e roubos. Privilégios monopolísticos garantidos pelo governo na forma de cartéis ou patentes não protegem os direitos de propriedade; eles os agridem. O objetivo do intervencionismo governamental é (...) determinar o que você pode fazer com seu próprio corpo e quais as coisas você pode ter — tudo, obviamente, 37 Lei Nº 8.884 de 1994. Cap. II – Das Infrações. para o seu próprio bem (A ECONOMIA DO MERCADO NEGRO EM UMA PÁGINA, 2010). Quando algo se torna ilegal, as demandas dos consumidores não desaparecem. Ao contrário: os consumidores buscam alternativas, meios mais custosos e arriscados de satisfazerem seus desejos. Os preços tornam-se maiores do que seriam na ausência dessa proibição, e a diversidade, qualidade e quantidade demandada são menores. Como resultado dessa demanda suprimida e do potencial de se obter maiores lucros, aqueles indivíduos com talento especial para se esquivar das autoridades irão direcionar suas energias e recursos para satisfazer essa demanda. A ilegalidade da atividade permite aos intermediários cobrarem preços maiores dos consumidores e, ao mesmo tempo, exigirem preços mais baixos dos produtores ilegais38. Por sua vez, a pirataria pode ser definida como o ato de falsificação (cópia) de determinados produtos. Como sua principal característica são os preços mais baratos do que os originais, produtos pirateados costumam atrair o segmento do mercado que é mais guiado pelos preços, o que leva a conclusão de que seus compradores provavelmente não são o mesmo público consumidor dos produtos originais – seja porque eles não podem ou não querem pagar pelo preço mais elevado. O Estado Brasileiro, especificamente, busca conter os produtos pirateados por meio do Inmetro (Instituto Nacional de Metrologia, Normalização e Qualidade Industrial), entidade federal ligada ao Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, o qual tem por obrigação conferir, testar e medir a qualidade dos bens postos em comercialização no país. Outro órgão com função complementar é a RFB, mais conhecida como Secretária da Receita Federal, que é vinculada ao Ministério da Fazenda, cuja responsabilidade é de administrar e recolher impostos federais e manter o controle sobre a entrada e saída de produtos no país. O Inmetro e a Receita Federal, como quaisquer outras entidades estatais, são marcados pela burocracia ineficiente e pelo lobby dos interesses privados, que restringem o mercado a poucas empresas, que geralmente estão vinculadas ao governo. O que costuma se ignorar é que a maior garantia de qualidade só é conquistada pela competitividade do produto no mercado, já que os consumidores tendem a optar por produtos de maior qualidade. Outro ponto a se considerar é que os produtos que entram no país ilegalmente também são considerados “piratas”, independente da sua qualidade. Essa taxação ocorre porque o Inmetro tenta dissuadir os consumidores desses produtos que, ao burlarem os impostos de importação e as barreiras alfandegárias e burocráticas, possuem preços mais acessíveis, gerando enormes incentivos ao mercado negro nacional39. O economista Murray Rothbard, comentando sobre o que seria o livre mercado, definiu: 38 Leroy. Danny G., A Economia do Mercado Negro em uma Página. Instituto Ludwig von Mises Brasil, 2010. Disponível em: http://www.mises.org.br/Article.aspx?id=700 Consultado em 10/06/11. 39 Beltrão. Hélio, O Inmetro e a Pirataria (São Paulo: Instituto Ludwig von Mises Brasil, 2010). Disponível em: http://www.mises.org.br/Article.aspx?id=643 Consultado em 08/06/11. É um termo conciso para um arranjo de trocas que ocorrem na sociedade. Cada troca acontece como um acordo voluntário entre duas pessoas ou entre grupos de pessoas representados por agentes. Esses dois indivíduos (ou agentes) trocam dois bens econômicos, tanto commodities tangíveis quanto serviços nãotangíveis. Ambas as partes empreendem a troca porque cada parte espera ganhar com ela. Também, cada parte irá repetir a troca da próxima vez (ou se recusar a) porque sua expectativa se provou correta (ou incorreta) no passado recente. Comércio, ou troca, ocorre precisamente porque ambas as partes se beneficiam; se elas não esperassem obter ganhos, não concordariam em se envolver na troca. Assim, ao contrário do que afirmavam os mercantilistas, o livre comércio só existe dado que a vontade e até mesmo a ânsia de fazer trocas significa que ambas as partes se beneficiam. Portanto, no comércio, o “forte” não devora ou esmaga o “fraco”; pelo contrário: é precisamente o “fraco” que tira proveito das vantagens da produtividade porque é benéfico para o “forte” trocar com eles (O QUE É O LIVRE MERCADO? 2010). Uma empresa depende excepcionalmente das compras realizadas voluntariamente pelos consumidores para a continuação de sua existência, portanto não há um padrão definido arbitrariamente de qualidade para um empreendimento capitalista (incluídos os assim chamados padrão técnicos ou científicos de qualidade) elaborado por algum alegado “expert” ou comitê de “experts”. Porque há apenas a qualidade que é percebida e julgada pelos consumidores. Mais uma vez, este critério não garante que não haja produtos ou serviços com baixa qualidade ou superfaturados oferecidos no mercado porque a produção leva tempo e os testes das vendas chegam apenas depois que os produtos foram colocados no mercado, e isto tem de ser assim sob qualquer sistema de produção de bens. Não obstante, o fato de que toda empresa capitalista deve experimentar este teste de vendas para evitar ser eliminada do mercado garante uma posição de soberania aos consumidores e às suas avaliações. Somente se a qualidade do produto é constantemente melhorada e ajustada aos gostos do consumidor pode um negócio manter-se em operação e prosperar40. Monopólios e outras intervenções estatais sempre produzem prejuízo para todos, com exceção das partes diretamente beneficiadas com os resultados destas medidas (e.g., o recebedor do privilégio monopolista ou determinado grupo recebedor de subsídios). Resta concluir, indubitavelmente, que monopólios, sejam de qualquer natureza, são nocivos a economia, já que violam as regras básicas do livre mercado e solapam o poder dos consumidores. 5. Ilegitimidade da Propriedade Intelectual Como foi mostrado até aqui, os chamados “direitos de propriedade intelectual” não podem ser conceituados nem como direito nem como propriedade, tendo por essência unicamente seu caráter monopolístico, o qual foi não só explicado detalhadamente na seção anterior como fortemente rejeitado. 40 Hoppe. Hans-Hermann, Uma Teoria sobre Socialismo e Capitalismo (São Paulo: Instituto Ludwig von Mises Brasil, 2009), pág. 172. O temor que dar suporte a muitos dos defensores da PI é de que, sem a existência dela, os inventores e criadores ficariam a mercê do nível e velocidade pelo qual sua invenção se propaga no mercado, não permitindo que eles usufruam economicamente em absoluto das suas criações. Esse receio exige uma análise mais aprofundada. Como se sabe, as normas sobre patentes e direitos autorais tentam impedir os donos de propriedade tangível – recursos escassos – de usar sua propriedade como melhor entenderem. Dessa forma, segundo os direitos autorais, terceiros que não firmaram contrato com o autor são impedidos de copiar ou lucrar com o trabalho original do autor. Da mesma maneira, as pessoas são proibidas, sob os direitos de patente, de praticarem métodos patenteados, de usar suas propriedades, ou moldarem suas próprias propriedades sob a forma de aparelhos patenteados. É importante perceber que o grave problema do reconhecimento de novos “direitos” de propriedade, em especial os sobre bens não escassos, é que eles violam automaticamente os direitos de propriedade sobre bens escassos. Essa afirmação é confirmada dado que a aceitação de direitos efetivos de propriedade intelectual implicam necessariamente em um controle sobre os bens de todos os demais indivíduos e a forma pela qual eles podem usufruí-los41. Portanto, um “direito de propriedade” que transgride o direito de propriedade de outros não pode ser admissível, nem moralmente nem juridicamente. Ressalta-se aqui que existem normas de PI que poderiam ser mantidas no ordenamento jurídico atual, caso elas fossem eliminadas, necessitando somente de algumas alterações. Os segredos comerciais, por exemplo, estariam vinculados a direitos contratuais, permitindo que, em caso de violações, as partes possam obter reparações ou até mesmo mandados que previnam atos de apropriação indevida do segredo. As marcas registradas também se conservariam, dado que o uso de nomes idênticos entre duas empresas diferentes poderiam enganar os consumidores. A mudança nesse caso se daria quanto a quem teria legitimidade para mover processo contra o copiador. Segundo a lei atual, seria o dono da marca copiada, mas sem as leis de PI, seriam os consumidores que, levados a erro, teriam o direito de processar a marca pirata42. Contudo, o direito de processar não se estenderia a marcas que lembrem ou se assemelhem a outras, dado que uma suposta confusão das marcas estaria a critérios subjetivos e, por conseguinte, individuais. Vale esclarecer que, ao contrário do senso comum, a força de um negócio não se encontra nos direitos de propriedade intelectual, mas na quantidade de criatividade, a disposição para assumir riscos e as decisões que são tomadas com base no mercado. De nada serve a pessoa (física ou jurídica) ter o monopólio sobre determinado bem ou serviço, se ela não fizer bons negócios, economizar, inovar constantemente, distribuir e propagandear. Óbvio que a revogação das normas de PI poderia criar um custo adicional para se fazer negócios, isto é, esforços para assegurar que os consumidores estejam 41 Kinsella. N. Stephan, Contra a Propriedade Intelectual (São Paulo: Instituto Ludwig von Mises Brasil, 2010), pág. 28 42 Kinsella. N. Stephan, Contra a Propriedade Intelectual (São Paulo: Instituto Ludwig von Mises Brasil, 2010), pág. 42-43 informados sobre as diferenças entre o produto genuíno e suas imitações, mas isso não destruiria os negócios principais43. Estudos também indicam que, em termos de marketing, a forma mais eficaz de disseminar novos produtos no mercado é por meio do uso de amostra grátis 44. A importância da amostra grátis é que ela faz o produto chegar às mãos dos consumidores, de modo que se possa testá-lo. Se os consumidores usam a amostra e gostam, é provável que eles acabem comprando o produto repetidas vezes, isto é, se tornem compradores assíduos; eles podem até mesmo recomendar o produto para outras pessoas, o que levaria a mais compras45. No que tange a pirataria, o aumento da venda das versões falsificadas de um produto é um sinal que o público consumidor envia para o fabricante original de que ele deve diminuir o preço ou produzir uma versão mais barata do produto oferecido. Contudo, pesquisas46 revelaram que compradores de produtos falsificados são os maiores influenciadores de clientes em potencial do produto original, incentivando-os a comprar os produtos legais. Outro ponto positivo que essas pesquisas apontam é que produtos piratas, em alguns cenários, ajudam a aumentar as vendas dos produtos originais. Assim, o produto pirateado funciona como uma amostra grátis que o criador do produto original não precisa financiar. Quando se trata das cópias grátis disponíveis na internet, a mesma lógica dos produtos piratas e das amostras grátis também se aplica47. 6. Conclusão Um sistema de direitos de propriedade sobre “objetos ideais” necessariamente requer violação de direitos de propriedade de outros indivíduos, por exemplo, de usar sua própria propriedade tangível como bem entender48. Esse fato aponta que o sistema atual requer uma nova regra de apropriação sobre a propriedade que não subverta tantos os princípios da apropriação original como o princípio da nãoagressão. Propriedade intelectual, ao menos na forma de patentes e direitos autorais, não pode ser justificada. Uma sociedade que é fundamentada nos mais básicos direitos humanos, não deve aceitar normas que atentem contra seus princípios morais norteadores. Tendo em vista os direitos fundamentais, não podemos tomar como dado o uso institucionalizado da força para aplicar direitos de propriedade intelectual. Deveríamos reafirmar a primazia dos direitos individuais sobre nossos corpos e bens escassos apropriados, retomando os reais conceitos de direitos e de 43 Atualmente, mesmo com leis de PI em vigor, cópias e produtos piratas estão disponíveis no mercado em larga escala, não provocando grandes perdas as empresas fabricantes dos originais. 44 Revista Forbes ASAP ("Faker's Paradise," 5 de abril de 1999), pág. 54. 45 Um exemplo do sucesso dessa estratégia é o da empresa Lever Brothers (Unilever), que distribuiu gratuitamente em 1979 a dois terços de todos os domicílios americanos seu novo produto Signal Mouthwash (um desinfetante bucal), o que garantiu a ela o domínio dessa fatia do mercado durante toda a década de 80. 46 Kirkpatrick, Jerry. A Pirataria como uma Função de Mercado (São Paulo: Instituto Ludwig von Mises Brasil, 2009). 47 Um exemplo é o do escritor de ficção científica Cory Doctorow, que por três anos distribuiu gratuitamente 700.000 cópias eletrônicas de seu livro Down and Out in the Magic Kingdom. Após isso, as vendas da versão impressa chegaram a seis edições e superaram as expectativas da editora. 48 Kinsella. N. Stephan, Contra a Propriedade Intelectual (São Paulo: Instituto Ludwig von Mises Brasil, 2010). propriedade. Qualquer regra que viole a liberdade, alicerce da economia, não pode ser considerada positiva ou necessária ao desenvolvimento humano. A popularização da Internet, similarmente ao processo ocorrido durante o período do Renascimento, marca uma nova fase na divulgação e compartilhamento de conhecimento, idéias e informações. As atuais normas de propriedade intelectual não mais se sustentam frente a essa nova forma de compartilhamento. Saber adaptar os negócios a esta nova era é mais fundamental ao mercado do que tentar coibir com regras obsoletas e injustificadas a liberdade dos indivíduos. Referências ABREU. Yolanda Vieira de, Reestruturação e privatização do setor elétrico brasileiro. Edición Electrónica Gratuita, 1999. BARBOSA. Denis Borges, Uma Introdução à Propriedade Intelectual. 2ª Ed, São Paulo: Lumen Juris. 1997. BELTRÃO. Hélio, O Inmetro e a Pirataria. Porto Alegre: Instituto Ludwig von Mises Brasil, 2010. CIVIL, Código. Vade Mecum. Rideel. 9ª Ed. 2010. CONSTANTINO. Rodrigo, Economia do Indivíduo: O Legado da Escola Austríaca. São Paulo: Instituto Ludwig von Mises Brasil, 2009. BRASIL, Constituição Federal. Vade Mecum. Rideel. 9ª Ed. 2010. HAYEK. Friedrich A. Direito, Legislação e Liberdade. São Paulo: Ordem Livre, 2010. HOPPE. Hans-Hermann, Daily Bell. Los Angeles, 27 de março de 2010. HOPPE. Hans-Hermann, Queremos uma Sociedade com Leis Estatais ou Privadas? 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