A Ilegitimidade dos Direitos de Propriedade Intelectual

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A Ilegitimidade dos Direitos de Propriedade Intelectual
Adriel Santos Santana
1
Resumo
Este artigo questiona a suposta legitimidade dos direitos de propriedade
intelectual, perfazendo para tanto uma análise da sua origem histórica, suas
implicações econômicas e as violações aos direitos de outrem que esse ramo do
direito produz. Por meio de um olhar crítico, são apontados os vários conceitos
ligados a este ramo e a fundamentação para seu banimento do nosso arcabouço
jurídico. Ao final, se aponta as consequências benéficas que seriam provocadas
para a sociedade graças à extinção desses privilégios concedidos pelo Estado.
Palavras chave: Propriedade Intelectual. Direito. Monopólio.
1. Introdução
Justamente no momento em que se discute no Congresso Nacional a revisão da
lei nº 9.6102, que aborda sobre os direitos autorais, é de suma importância
compreender e analisar criticamente a natureza dos direitos de propriedade
intelectual, assim como os resultados gerados por este monopólio concedido pelo
Estado a determinadas pessoas, sejam físicas ou jurídicas.
Entender os aspectos econômicos envolvidos nesse ramo do direito também se
faz necessário, dado as enormes confusões sobre termos da ciência econômica e
do direito, além da ignorância sobre as consequências provocadas por esta
intervenção governamental no mercado. Busca-se, portanto, compreender o
funcionamento da economia livre e como a intervenção estatal em prol de
determinados grupos e pessoas produzem não só distorções na concorrência de
mercado, como criam privilégios empresariais em detrimento da benfeitoria
gerada aos consumidores numa sociedade livre.
Importante também conhecer os reais significados e efeitos dos monopólios, do
livre mercado, do conceito de propriedade, de direito e da soberania do
consumidor, além de provocar um processo de desmistificação sobre outros
termos, como pirataria e o mercado negro, compreendo seus papéis dentro da
estrutura da sociedade.
1
UESC. Faculdade de Direito. Departamento de Ciências Jurídicas. Estudante do 7º Semestre, turma 2008, do Curso de
Direito. E-mail: [email protected]
2
Ministério
da
Cultura
MinC.
Disponível
em:
http://www.cultura.gov.br/site/wpcontent/uploads/2011/03/Anteprojeto_Revis%C3%A3o_Lei_Direito_Autoral.pdf Consultado em 09/06/11
Amparado pelo extenso conhecimento desenvolvido por representantes da Escola
Austríaca de Economia, será mostrado como em um ambiente livre de
intervenções governamentais, sejam elas restritivas (via monopólios ou
concessões) ou fomentadoras (via subsídios e incentivos fiscais), o mercado tem
a possibilidade concreta de se maximizar. A não-intervenção estatal permite não
somente uma alocação mais racional dos limitados recursos econômicos, como
uma explosão da criatividade empresarial e a liberdade para que aqueles que
melhor atenderem aos desejos dos consumidores possam se tornar bem
sucedidos frente à competição.
Este artigo está organizado da seguinte forma: a seção dois oferece uma breve
revisão histórica sobre a história do direito de propriedade intelectual. A seção
três discute os conceitos em torno do direito e da propriedade, especificando a
natureza da assim chamada propriedade intelectual e sua suposta validade
jurídica e ética. A seção quatro apresentará as diferenças e consequências
econômicas geradas pelo monopólio, incluindo aí o de propriedade intelectual, e
do livre mercado na sociedade. A seção cinco apresenta a reunião dos
argumentos contrários à propriedade intelectual, sugerindo possíveis medidas
para sua revogação e traçando os desdobramentos futuros dessas medidas. Os
resultados aqui apresentados permitirão concluir que não há fundamento jurídico
nem econômico que valide as leis de proteção a propriedade intelectual.
2. História do Direito de Propriedade Intelectual
Uma das características históricas do Estado é o controle que ele exerce sobre a
sociedade. Esse controle, que ocorre das mais variadas formas, sempre teve por
objetivo manter tanto o poder estatal sobre seus cidadãos como uma coesão
social que interessa aos governantes. Uma dessas formas de controle é a
regulação, restrição e banimento da circulação de idéias. Manter sobre sua esfera
de domínio a propagação da informação é e sempre foi crucial ao Estado e aos
indivíduos que dele dependem3.
Quando o processo industrial foi implantado, no período da história conhecido
como Renascimento, o acesso ao conhecimento, a difusão de idéias e a
reprodução de bens se acelerou progressivamente, tornando os meios de controle
estatais defasados. Foi então que apareceu o conceito, entre os governantes, de
reconhecer “direitos exclusivos” a indivíduos sobre idéias, garantindo inicialmente
monopólios sobre elas, para em seguida elevá-las a categoria de propriedade.
Dessa maneira, foi cunhado o termo “propriedade intelectual”.
Não se sabe ao certo em que momento surgiu às primeiras leis de proteção a
propriedade intelectual, contudo, algumas medidas estatais nesse sentido
começam a aparecer eventualmente e sem ligação entre elas durante a Idade
Média4. A primeira legislação propriamente dita passa a existir de fato por volta do
3
4
Mill. John Stuart, Da Liberdade (São Paulo: IBRASA. 1963), pág. 21-23.
Em Bordeaux, eram concedidas licenças de até quinze anos para determinados processos de fabricação e pintura; Na
República da Veneza, por volta do século XV, aparecem as primeiras concessões de direitos sobre invenções. Tais
concessões e licenças eram dadas segundo avaliação do monarca de cada Estado.
século XVII, especificamente em 1623 na Inglaterra, por meio do “Estatuto dos
Monopólios”5.
Os termos presentes nesse estatuto faziam distinção entre monopólio e
concessão pública, criminalizando e anulando todo monopólio em vigor até aquele
momento na Inglaterra, os quais se mantinham por apoio da monarquia, mas
sustentando a validade das patentes concedidas anteriormente, que agora seriam
qualificadas como concessões estatais. Essas patentes delimitavam o período de
concessão do privilégio, conferindo ao autor o poder jurídico para impedir outros
competidores de copiar a sua invenção, garantindo a eles sua fatia do mercado.
Depois da Inglaterra, gradualmente outras nações começaram a incluir em seu
ordenamento jurídico leis similares ao Estatuto dos Monopólios, visando proteger
a propriedade intelectual dos seus inventores. Os Estados Unidos instituiu, em
1809, o “Patent Act”6. O Brasil, no mesmo ano, por meio do Alvará do príncipe
Regente D. João VI, cunhou a sua legislação própria7. Durante todo o século XIX,
vários países como Holanda (1809), Áustria (1810), Rússia (1812), Suécia (1819),
Espanha (1869) e Alemanha (1877) também criaram suas legislações sobre
propriedade intelectual8.
As primeiras regras internacionais a abordarem exclusivamente sobre
propriedade industrial foram formuladas em 1883, durante a Convenção de Paris.
Esta convenção é considerada um dos atos internacionais mais antigos de cunho
econômico multilateral, tendo se mantido durante duas grandes guerras
mundiais9.
O nome oficial da Convenção de Paris é “Convenção da União de Paris para a
Proteção da Propriedade Industrial”. Desde que ela foi assinada pela primeira vez,
seu conteúdo foi revisto sete vezes: em 1890, em Madri; em 1900, em Bruxelas;
em 1911, em Washington; em 1925, em Haia, em 1934, em Londres; em 1958,
em Lisboa; em 1967, em Estocolmo10, e em 1980, em Genebra.
A Convenção de Berna, assinada em 1886, seguindo o exemplo da CUP,
constituiu regras internacionais entre os seus membros versando sobre direitos
autorais, estes quais protegeriam as obras literárias, artísticas e as de caráter
científico. A CUB, no Brasil, tem efeitos jurídicos específicos para a forma de
expressão das obras, e não as idéias nelas contidas.
Um dos tratados mais recentes sobre propriedade intelectual em sua forma plena
é o GATT (General Agreement on Tariffs and Trade), que acumula normas sobre
propriedade industrial, direitos autorais e marcas. Ele foi instituído durante a
5
Que foi a única lei de patentes no Reino Unido até bem tarde no séc. XIX, e continua sendo invocado como elemento da
Constituição Inglesa.
6
U.S. Patent Act. Disponível em: http://www.law.cornell.edu/patent/patent.overview.html Consultado em 11/06/11.
7
Barbosa. Denis Borges, Uma Introdução à Propriedade Intelectual (São Paulo: Lumen Juris. 1997). 2ª Ed, pág. 11.
8
Abreu. Yolanda Vieira de, Reestruturação e privatização do setor elétrico brasileiro (Edición electrónica gratuita. 1999).
Disponível em: www.eumed.net/libros/2009a/486/ Consultado em 11/06/11.
9
Barbosa. Denis Borges, Uma Introdução à Propriedade Intelectual (São Paulo: Lumen Juris. 1997). 2ª Ed, pág. 146.
10
Essa revisão adentrou no ordenamento jurídico brasileiro por meio do Decreto 635 de 1992.
década de 40 do século XX. A atualização sobre o seu conteúdo, já na década de
80, foi denominado TRIPs (Agreement on Trade-Related Aspects of Intellectual
Property Rights)11, cujos efeitos se estendem até hoje, entre seus membros.
No Brasil, o ordenamento jurídico discorre sobre propriedade intelectual em várias
leis, decretos e medida provisória. São elas: Lei nº 9.610/98 (Direitos Autorais);
Lei nº 9.609/98 (Lei de Software); Lei nº 9.456/97 (Lei de Cultivares); Lei nº
9.279/96 (Lei de Patentes); Medida Provisória nº 2186-16/01; Decreto nº 3.945/01;
Decreto nº 3.551/00; Decreto nº 2.553/98; Decreto nº 5.459/05 12. Além destes, há
previsão constitucional no Art. 5º, XXVII, XXVIII e XXIX da CF de 1988.
3. Os Conceitos de Direito e Propriedade
Foi criada muita confusão ao longo das décadas em torno de conceitos que,
mesmo amplamente implantados em nossa sociedade, foram relativizados ao
ponto de perderem completamente os seus reais significados. Dois desses
conceitos, que atualmente encontram-se “nebulosos”, são o de direito e de
propriedade.
Segundo o economista e jurista Friedrich A. Hayek (2010), direito são normas que
se baseiam no costume comunitário e evoluem através das práticas judiciais. As
normas de direito se caracterizam por serem abstratas, iguais para todos os
cidadãos e aplicáveis num número incerto de casos futuros. São, portanto, gerais,
indistintamente aplicáveis, e prospectivas. O autor ainda distingue o conceito de
direito do de legislação, afirmando ser essa última mera criação do trabalho
legislativo, e que, portanto, não encontra ressonância na sociedade como um
todo, mas em geral serve apenas para suprir demandas de grupos específicos e
minoritários de pressão.13
Uma das primeiras teorias históricas sobre o princípio da justiça defendia a
concepção do direito natural, esta qual serviu de base aos sistemas jurídicos
ocidentais durante séculos. Essa concepção afirma que os direitos são inerentes
ao indivíduo como ser humano, e são necessariamente mantidos com ele durante
sua vida; e, embora possam ser desrespeitados, não podem desaparecer, ser
extintos, aniquilados, separados ou eliminados de sua natureza como ser
humano, ou destituído de suas autoridades ou obrigatoriedades inerentes14.
O propósito das normas do direito encontra razão no fato de que se não houvesse
conflitos interpessoais, nós não precisaríamos de normas nenhuma. A sociedade
precisa de normas sociais porque existem conflitos no mundo. Dessa forma, o
propósito das normas é evitar conflitos inevitáveis. Se uma norma termina por
gerar conflitos, ela é contrária ao próprio propósito de uma norma15.
11
Barbosa. Denis Borges, Uma Introdução à Propriedade Intelectual (São Paulo: Lumen Juris. 1997). 2ª Ed, pág. 155-170
12
Ministério da Ciência e Tecnologia: http://www.museu-goeldi.br/institucional/i_prop_legisla.htm Consultado em 24/06/11.
13
Hayek. Friedrich A. Direito, Legislação e Liberdade (São Paulo: Ordem Livre, 2010). pág. 81.
14
Spooner. Lysander, Direito natural, ou A ciência da justiça (Rio de Janeiro: Libertyzine, 2009) Cap. II, Seção IV.
15
Hoppe. Hans-Hermann, Queremos uma Sociedade com Leis Estatais ou Privadas? (Porto Alegre: Instituto Ludwig von
Mises Brasil, 2011).
Nos tempos do Estado Social que se instalou nos países ocidentais, o direito
terminou sendo substituído gradualmente pela legislação, o que provocou uma
mescla imprópria em torno do sentido desses termos. Essa mistura fez com que o
sentido do direito fosse deturpado, dando a entender que direitos podem ser
criados via atividade legislativa, distanciando-se da concepção histórica de direito
natural, antes em voga. Como bem afirmou o historiador Thomas Woods,
criticando tal processo legislativo, um direito:
Só pode ser considerado como legítimo ou válido – isto é, um
direito natural, um direito que todos nós como seres humanos
usufruímos pela simples virtude de sermos humanos – se for
possível afirmar que todos nós somos capazes de usufruir dele, ao
mesmo tempo e da mesma maneira. Se o direito em questão
estiver de acordo com essa premissa, então ele é genuíno, já que
seu usufruto não pode levar a nenhum conflito ou a nenhuma
contradição lógica (MISES INSTITUTE, 2009).
Qualquer “direito” que exija que para que sua efetivação se dê haja a violação da
propriedade de outros, que são obrigados a arcar financeiramente com estes, não
pode ser considerado um direito de fato. Não se pode assim considerar um direito
algo que determine que um ou mais indivíduos sejam forçados ou impostos a agir
contra a sua vontade para que ele se efetive. Essa lógica se aplica a qualquer
bem ou serviço de uma economia, seja segurança, saúde, educação, judiciário,
cultura etc. No que tange aos direitos de propriedade intelectual, não há lógica em
acusar outro de “roubar” uma idéia, dado que copiar a idéia de uma pessoa não a
impede de usufruir da mesma idéia. Curioso perceber que tendo em vista o fato
de que não há uma única idéia atual que não tenha sua origem em alguma outra
idéia anterior, se o direito de propriedade intelectual fosse realmente válido, ele se
estenderia até tempos imemoriais, tornando a sociedade escrava do passado.
Como foi posto anteriormente, os direitos de propriedade intelectual,
historicamente, foram criados por meio da atividade legislativa, visando beneficiar
não só alguns indivíduos como manter sobre controle do Estado a propagação da
informação e do conhecimento. Esses direitos não existiam naturalmente, ou seja,
sem a necessidade de uma chancela estatal que lhes conferissem certa
legitimidade. De fato, os direitos de propriedade intelectual são caracterizados por
impedir e violar os direitos de outrem, já que eles limitam a liberdade de cópia e
reprodução dos demais e transferem aos seus autores o poder de propriedade
parcial sobre os indivíduos, afinal a cópia e a reprodução são, seguramente,
propriedades do copiador e/ou reprodutor, não se confundindo com o original.
Tendo em vista o exposto até aqui, nota-se que os direitos de PI (propriedade
intelectual) não são direitos genuínos, já que não são direitos que todos podem
usufruir igualmente, ao mesmo tempo e da mesma maneira.
Por sua vez, a propriedade pode ser conceituada como um bem escasso que
esteja sobre o controle exclusivo de um indivíduo ou de um número determinado
deles16. O direito de propriedade caracteriza-se por dá ao proprietário a faculdade
de usar, gozar (fruir) e dispor da coisa, além do direito de reavê-la de quem
16
Rothbard. Murray N., A Ética da Liberdade (São Paulo: Instituto Ludwig von Mises Brasil, 2010), pág. 106-108.
injustamente a possua ou detenha.17 Usar sua propriedade é utilizá-la como bem
quiser. Fruir é ter para si os frutos dessa propriedade, sendo o fruto aquilo que é
produzido por essa propriedade sem destruir a mesma. Dispor de uma
propriedade, por sua vez, é o poder de vendê-la, destruí-la ou abandoná-la.
Portanto, o direito de propriedade é direcionado a recursos tangíveis, como bens
imóveis e bens móveis, e, mais recentemente, recursos intangíveis, como
reputação e idéias (propriedade intelectual).18 A propriedade está amparada pelo
princípio da apropriação original, que afirma que a propriedade pertence àquele
que encontra, ocupa e a transforma através do seu trabalho. Não se pode falar de
propriedade quando nos referimos a bens não escassos, afinal se um bem for
superabundante não haverá conflito e, por conseguinte, nenhuma necessidade de
estipular quem pode disponibilizar dele19.
O princípio da não-agressão20 é estritamente compatível e interdependente do
princípio da apropriação original. Tal princípio afirma que um indivíduo pode fazer
o que quiser com o seu próprio corpo e sua propriedade, desde que ele, ao agir
assim, não agrida o corpo de outra pessoa e sua propriedade. Como argumenta o
filósofo Hans-Hermann Hoppe (1993), a validade desta compatibilidade de
princípios mostrasse dado que se ninguém tivesse o direito de adquirir e controlar
qualquer coisa exceto seu próprio corpo, e aceitássemos que outras pessoas
tenham o direito de desconsiderar a propriedade desse indivíduo sobre bens em
que elas jamais trabalharam ou puseram para algum uso em particular, então se
está dizendo que é correto adquirir títulos de propriedade não por meio do
trabalho, mas simplesmente por declaração verbal, por decreto, impossibilitando
assim qualquer sobrevivência. Conclui-se, dessa forma, que o objetivo do
estabelecimento da propriedade é evitar conflitos sociais.
O jurista belga Boudewijn Bouckaert (1990) argumenta que é a escassez natural
de um bem que dá origem a necessidade de regras de propriedade, e que leis de
PI criam uma escassez artificial, injusta. Ele afirma:
Escassez natural é o que se segue da relação entre o homem e a
natureza. A escassez é natural quando é possível concebê-la
perante qualquer arranjo contratual, institucional humano. Escassez
artificial, por outro lado, é o resultado de tais arranjos. Escassez
artificial dificilmente pode servir como uma justificativa para o
arcabouço legal que causa escassez. Tal argumento seria
completamente circular. Pelo contrário, a escassez artificial em si
precisa de uma justificativa (CONTRA A PROPRIEDADE
INTELECTUAL, 2010).
O advogado especialista em direitos de PI, Stephan Kinsella (2010) chega à
conclusão, dado os estudos de Bouckaert, que apenas entidades naturalmente
escassas sobre as quais controle físico é possível são candidatas a proteção por
17
Art. 1228 do atual Código Civil brasileiro.
18
Kinsella. Stephan, Contra a Propriedade Intelectual (São Paulo: Instituto Ludwig von Mises Brasil, 2010), pág. 2-3.
19
Um exemplo extremamente didático de bem superabundante é o ar que respiramos.
20
Rothbard. Murray N., Por Uma Nova Liberdade (Rio de Janeiro: Libertyzine, 2009), pág. 13.
direitos de propriedade reais21. Dessa forma, os direitos que protegem bens
imateriais não são passíveis de proteção. Apenas recursos escassos, tangíveis,
são objetos possíveis de conflito interpessoal, então é apenas para eles que as
regras de propriedade são aplicáveis.
Dessa forma, patentes e direitos autorais são somente monopólios injustificáveis
garantidos por legislação governamental. Não é de surpreender que, como nota
Tom Palmer (1989), privilégios monopolísticos e censura estão baseadas na raiz
histórica de patentes e direitos autorais22. E esse privilégio monopolístico que cria
uma escassez artificial onde não havia antes.
O jurista Denis Borges, ao conceituar propriedade intelectual, afirma:
De acordo com a Organização Mundial de Propriedade Intelectual
(OMPI), a propriedade intelectual pode ser definida como o
conjunto de direitos ligados às obras literárias, artísticas e
científicas, às interpretações dos artistas intérpretes e às
execuções dos artistas executantes, aos fonogramas e às emissões
de radiodifusão, às invenções em todos os domínios da atividade
humana, às descobertas científicas, aos desenhos e modelos
industriais, às marcas industriais, comerciais e de serviço, bem
como às firmas comerciais e denominações comerciais, à proteção
contra a concorrência desleal e todos os outros direitos inerentes à
atividade intelectual nos domínios industrial, científico, literário e
artístico (UMA INTRODUÇÃO À PROPRIEDADE INTELECTUAL.
1997).
Dado o conceito de propriedade posto anteriormente neste artigo, conclui-se que
idéias — receitas, fórmulas, declarações, argumentações, algoritmos, teoremas,
melodias, padrões, ritmos, imagens etc. — certamente são bens, mas não são
bens escassos. Tão logo as idéias são formuladas e enunciadas, elas se tornam
bens não escassos, abundantes23. Além disso, a cópia e a reprodução não se
configuram como uma violação de propriedade, visto que ao se copiar ou
reproduzir um bem, não se expropria do dono absolutamente nada, afinal ele
continuará em posse do seu bem. A realidade mostra que a única forma segura
de idéias não serem copiadas é somente se elas forem mantidas na consciência
de seus idealizadores, não sendo jamais expressadas. Compreende-se aqui que
não é correto chamar de propriedade o que for intangível; nem tão pouco faz
sentido argumentar que proteger a propriedade intelectual é similar a proteger
propriedades materiais, já que uma propriedade só é real quando ela é escassa.
O economista Ludwig von Mises (1990), baseado na lei dos rendimentos24, afirma
que como idéias, fórmulas, receitas, teoremas, imagens e padrões rendem
serviços ilimitados, ou seja, não se esgotam após terem sido utilizadas, elas não
21
Kinsella. N. Stephan, Contra a Propriedade Intelectual (São Paulo: Instituto Ludwig von Mises Brasil, 2010) pág. 22.
22
Kinsella. N. Stephan, Contra a Propriedade Intelectual (São Paulo: Instituto Ludwig von Mises Brasil, 2010), pág. 23.
23
Hoppe. Hans-Hermann, Daily Bell (Los Angeles, 27
http://www.mises.org.br/Article.aspx?id=941 Consultado em 08/06/11.
24
de
março
de
2010).
Disponível
em:
Essa lei da economia afirma que um bem econômico produz efeitos quantitativamente definidos, em se tratando de bens
de primeira ordem (bens de consumo), quando uma quantidade “a” de causa produz – seja de uma só vez, seja em
diversas vezes num determinado período de tempo – uma quantidade “A” de efeito.
podem ser consideradas bens econômicos. Dado que logo após terem sido
trazidas ao mundo concreto, elas também não se tornam escassas, não podem
sequer ser vistas como propriedade.
Portanto, idéias, fórmulas e receitas são bens livres uma vez que sua habilidade
de produzir certos efeitos é ilimitada. Elas apenas podem se tornar bens
econômicos caso sejam monopolizadas e seu uso seja restringido. Qualquer
preço pago pelos serviços gerados por uma receita sempre será um preço
monopolístico. Não importa se a restrição ao uso da receita seja possibilitada por
condições institucionais – tais como patentes e leis de direitos autorais – ou pelo
fato de que a fórmula é mantida em segredo e outras pessoas não são capazes
de descobri-la25.
Entretanto, existem fortes contra-argumentos26 sobre essa questão, como as do
jurista Denis Borges:
Em um regime econômico ideal, as forças de mercado atuariam
livremente e, pela eterna e onipotente mão do mercado, haveria a
distribuição natural dos recursos e proveitos.
No entanto, existe um problema: a natureza dos bens imateriais,
que fazem com que, em grande parte das hipóteses, um bem
imaterial, uma vez colocado no mercado, seja suscetível de
imediata dispersão. Colocar o conhecimento em si numa revista
científica, se não houver nenhuma restrição de ordem jurídica,
transforma-se em domínio comum, ou seja, ele se torna absorvível,
assimilável e utilizável por qualquer um. Na proporção em que esse
conhecimento tenha uma projeção econômica, ele serve apenas de
nivelamento da competição. Ou, se não houver nivelamento,
favorecerá aqueles titulares de empresas que mais estiverem aptos
na competição a aproveitar dessa margem acumulativa de
conhecimento.
Mas a desvantagem dessa dispersão do conhecimento é que não
há
retorno
na
atividade
econômica
da
pesquisa.
Consequentemente, é preciso resolver o que os economistas
chamam de falha de mercado, que é a tendência à dispersão dos
bens imateriais, principalmente aqueles que pressupõem
conhecimento, através de um mecanismo jurídico que crie uma
segunda falha de mercado, que vem a ser a restrição de direitos. O
direito torna-se indisponível, reservado,fechado o que naturalmente
tenderia à dispersão (III ENCONTRO DE PROPRIEDADE
INTELECTUAL E COMERCIALIZAÇÃO DE TECNOLOGIA, 2000).
Ousamos discordar do grande jurista, por compreendermos que a propriedade
intelectual não faz parte da ordem natural do mercado. Ela é produto de direito
positivo e da legislação, imposta, historicamente, a mando dos poderosos do
mercado como um meio de excluir a livre concorrência. Ela é um monopólio
governamental e, como neste artigo tomamos um direcionamento pró-mercado27,
somos contra este tipo de intervenção, pois ele eleva os preços, gera estagnação
25
Mises. Ludwig von, Ação Humana (Rio de Janeiro: Instituto Liberal. 1990), pág. 505.
26
Barbosa. Denis Borges, Uma Introdução à Propriedade Intelectual (São Paulo: Lumen Juris. 1997), 2ª Ed, pág. 24-25.
27
Mises. Ludwig von, Ação Humana (Rio de Janeiro: Instituto Liberal. 1990), Cap. XV.
econômica, inibe a inovação, prejudica os consumidores, e serve apenas para
defender interesses especiais à revelia da sociedade.
Importante ressaltar também a falta de parâmetros lógicos da legislação em torno
da assim chamada “propriedade imaterial”. Não existem argumentos que
justifiquem a caducidade dos direitos de propriedade intelectual, ao menos não da
mesma forma que os da propriedade tangível, material (usucapião, abandono)28.
Essa caducidade não passa de uma convenção estatal. Também não é inteligível
o parâmetro que alicerça as leis que permitem que determinada obra possa ser
copiada, reproduzida ou xerocada em uma porcentagem específica, ao invés de
seu todo. Por meio de uma mera convenção estatal simplesmente foi imposto,
sem um critério claro, que é cabível se apropriar de uma parte da “propriedade”
de outrem, o que é além de um absurdo moral, uma violação de preceitos
constitucionais29.
Conclui-se, portanto, que a propriedade de um indivíduo não deve ser subtraída
sem a necessária autorização ou permissão dele. Assim, é razoável afirmar que a
cópia não subtrai ninguém dessa propriedade, apenas permite que outro(s)
possa(m) usufruir de produtos assemelhados, quem sabe idênticos. Mesmo se for
considerado que a escassez do bem concreto em questão será diminuída com a
cópia, não se pode dizer o mesmo do valor comercial, afinal o valor é uma
estimativa dada por outros subjetivamente, não estando relacionada à sua
quantidade, mas a qualificação individual que lhe é conferida30.
4. Monopólio e Livre Mercado
Visto que a propriedade intelectual é nada mais do que um monopólio estatal
concedido a determinadas pessoas (físicas ou jurídicas), resta analisar se tal
intervenção governamental é benéfica ou prejudicial à sociedade.
Infelizmente, é comum a crença de que o mercado leva inevitavelmente ao
monopólio, e que esse se configura quando há um ofertante único ou um
ofertante esmagadoramente dominante, de um bem ou serviço. Na verdade, o
monopólio seria adequadamente melhor definido como um recebimento de um
privilégio estatal exclusivo sobre um bem ou serviço31. No livre mercado, uma
empresa pode até deter uma enorme fatia do mercado, mas tal situação só se
mantém enquanto ela for a mais eficiente em atender a demanda existente,
podendo ser substituída a qualquer momento por uma empresa mais competente.
No caso de monopólio real, nenhuma outra empresa pode ofertar o bem ou o
serviço além daquela a quem foi garantido legalmente tal privilégio 32.
28
Código Civil Brasileiro, Capítulo II – Da Aquisição da Propriedade Imóvel.
29
Art. 170, II, IV e V da Constituição Federal do Brasil de 1988.
30
Constantino. Rodrigo, Economia do Indivíduo: O Legado da Escola Austríaca (São Paulo: Instituto Ludwig von Mises
Brasil, 2009), pág. 18.
31
32
Rothbard. Murray N., Man, Economy, and State (Alabama: Ludwig von Mises Institute, 2009), Cap. 10.
Constantino. Rodrigo, Economia do Indivíduo: O Legado da Escola Austríaca (São Paulo: Instituto Ludwig von Mises
Brasil, 2009), Cap. XVI.
A crítica que se faz ao livre mercado é que ele leva naturalmente à concentração
de poder em monopólios ou oligopólios, cabendo ao governo proteger os
consumidores de tal risco e coibir a concorrência desleal. Entretanto, tais medidas
estatais costumam prejudicar exatamente os consumidores ao dificultar a vida das
empresas mais eficientes. Uma consequência natural da eficiência de uma
empresa é quando ela se torna maior do que as demais. Quando não existem
impedimentos legais à entrada de novos concorrentes e há bens alternativos
sendo ofertados, não há de se falar em monopólio. O verdadeiro monopólio ocorre
somente quando barreiras legais são criadas e impedem o acesso de novos
concorrentes33.
Curiosamente, existem muitas corporações que apóiam a regulação e leis
antitrustes, pois sabem que tais medidas tendem a beneficiá-las. O motivo pelo
qual elas sempre se mostram ávidas por utilizar o poder estatal em seu próprio
interesse é que a coerção solidifica sua posição de maneira muito mais efetiva do
que o livre mercado, o único sistema em que os consumidores controlam os
empresários, determinando quem será ou não bem sucedido. No livre mercado,
essas empresas têm de servir o consumidor de maneira eficaz - caso contrário,
elas irão a falência. São inclusive as corporações mais poderosas que se utilizam
desse recurso. Quando uma empresa fracassa em servir bem o consumidor, o
mercado a faz falir. É por isso que várias delas recorrem ao governo para
protegê-las34.
É o governo, com seus subsídios, privilégios especiais e restrições de
concorrência - seja na forma de pacotes de socorro a empresas, na forma de
obras públicas com empreiteiras privadas, ou ainda na forma de patentes, marcas
e direitos autorais - quem promove o monopólio propriamente dito e que garante
vantagens verdadeiramente injustas para alguns à custa de todo o resto.
Importante analisar também o que configuraria a concorrência desleal, tratada
como uma modalidade de crime econômico no Brasil35. Em regra, todas as
práticas que envolvem abuso de poder, aumento arbitrário dos lucros, práticas
predatórias, eliminação da concorrência ou domínio de mercado são definidas
como concorrência desleal. A entidade responsável por fiscalizar o
comportamento das empresas no país, coibindo assim essas práticas, é o CADE
(Conselho Administrativo de Defesa Econômica)36.
Contudo, entidades estatais como o CADE, visando proteger o consumidor e
“melhorar” o funcionamento do mercado, impedem na verdade o funcionamento
do comércio, o que pode ser confirmado dada a arbitrariedade das suas medidas.
Segundo a lei, por exemplo, um empresário que coloca preços abaixo da
concorrência pode ser enquadrado em “práticas predatórias”; um que coloca
preços acima da concorrência pode ser em “preços abusivos”; e um que fixa
33
Constantino. Rodrigo, Economia do Indivíduo: O Legado da Escola Austríaca (São Paulo: Instituto Ludwig von Mises
Brasil, 2009), pág. 197-198.
34
Woods. Thomas, Monopólio e Livre Mercado - Uma Antítese (São Paulo: Instituto Ludwig von Mises Brasil, 2010).
35
Art. 195 da Lei Nº 9.279/96.
36
Lei Nº 8.884 de 1994 – “Lei Anti-Truste”.
preços iguais ao da concorrência pode ser enquadrado em “formação de cartel”37.
No meio dessa insanidade jurídica, o empresário não tem como saber ao certo o
que o Estado considera como um “preço justo”, o que termina invariavelmente
prejudicando os mesmos consumidores que se buscava defender.
A propriedade intelectual, por ser um monopólio, não se diferencia de nenhum
dos pontos relacionados acima, sendo imputados a ela os mesmo males que as
demais formas de monopólio estatal produzem. De forma a evitar repetições de
argumentos, preferiu-se focar aqui em como o mercado e a sociedade, via
consumidores, tendem a burlar naturalmente tal direito, dado que, como foi dito
anteriormente, ele só existe artificialmente.
Quanto à questão sobre se a propriedade intelectual é ou não um monopólio, a
posição a favor do conceito de monopólio sempre foi a posição dominante no
debate intelectual. O grande jurista Rui Barbosa chegou inclusive a definir o
direito que protegia as marcas, patentes e direitos autorais da seguinte forma:
Prescrevendo que aos inventores a lei dará "um privilegio
temporário" sobre os seus inventos, convertem os inventos
temporariamente em monopólio dos inventores; pois outra coisa
não é o monopólio que o privilegio exclusivo, reconhecido a algum,
sobre um ramo ou um objeto da nossa atividade (COMENTÁRIOS
À CONSTITUIÇÃO BRASILEIRA DE 1891, 2009).
Uma das consequências dos monopólios ou da proibição do consumo de
determinados bens é o surgimento de um mercado paralelo e ilegal. Aliás, dois
termos são comumente usados para definir os maiores inimigos da propriedade
intelectual: o mercado negro e a pirataria. Cercados por preconceitos ou
marcados por conceitos simplesmente mal formulados, é fundamental
compreender o que eles são, quais são suas características e suas
consequências na sociedade.
O “mercado negro” é um termo pejorativo usado para se referir as atividades de
compra e venda que surgem sem a autorização ou regulação do Estado. Nele
costumam ser oferecidos bens e serviços de todos os tipos, desde drogas
consideradas ilícitas a filmes e músicas pirateados. Dado que mercados são
meros processos livres que envolvem a interação entre compradores e
vendedores, argumenta o professor de economia Danny G. Leroy, todas as vezes
que:
Os governos interferem nos processos de mercado por meio de
impostos, regulamentações e proibições, eles vão além de sua
função de proteger os indivíduos e a propriedade privada contra
agressões e roubos. Privilégios monopolísticos garantidos pelo
governo na forma de cartéis ou patentes não protegem os direitos
de propriedade; eles os agridem. O objetivo do intervencionismo
governamental é (...) determinar o que você pode fazer com seu
próprio corpo e quais as coisas você pode ter — tudo, obviamente,
37
Lei Nº 8.884 de 1994. Cap. II – Das Infrações.
para o seu próprio bem (A ECONOMIA DO MERCADO NEGRO EM
UMA PÁGINA, 2010).
Quando algo se torna ilegal, as demandas dos consumidores não
desaparecem. Ao contrário: os consumidores buscam alternativas, meios mais
custosos e arriscados de satisfazerem seus desejos. Os preços tornam-se
maiores do que seriam na ausência dessa proibição, e a diversidade, qualidade e
quantidade demandada são menores. Como resultado dessa demanda suprimida
e do potencial de se obter maiores lucros, aqueles indivíduos com talento especial
para se esquivar das autoridades irão direcionar suas energias e recursos para
satisfazer essa demanda. A ilegalidade da atividade permite aos intermediários
cobrarem preços maiores dos consumidores e, ao mesmo tempo, exigirem preços
mais baixos dos produtores ilegais38.
Por sua vez, a pirataria pode ser definida como o ato de falsificação (cópia) de
determinados produtos. Como sua principal característica são os preços mais
baratos do que os originais, produtos pirateados costumam atrair o segmento do
mercado que é mais guiado pelos preços, o que leva a conclusão de que seus
compradores provavelmente não são o mesmo público consumidor dos produtos
originais – seja porque eles não podem ou não querem pagar pelo preço mais
elevado.
O Estado Brasileiro, especificamente, busca conter os produtos pirateados por
meio do Inmetro (Instituto Nacional de Metrologia, Normalização e Qualidade
Industrial), entidade federal ligada ao Ministério do Desenvolvimento, Indústria e
Comércio Exterior, o qual tem por obrigação conferir, testar e medir a qualidade
dos bens postos em comercialização no país. Outro órgão com função
complementar é a RFB, mais conhecida como Secretária da Receita Federal, que
é vinculada ao Ministério da Fazenda, cuja responsabilidade é de administrar e
recolher impostos federais e manter o controle sobre a entrada e saída de
produtos no país.
O Inmetro e a Receita Federal, como quaisquer outras entidades estatais, são
marcados pela burocracia ineficiente e pelo lobby dos interesses privados, que
restringem o mercado a poucas empresas, que geralmente estão vinculadas ao
governo. O que costuma se ignorar é que a maior garantia de qualidade só é
conquistada pela competitividade do produto no mercado, já que os consumidores
tendem a optar por produtos de maior qualidade. Outro ponto a se considerar é
que os produtos que entram no país ilegalmente também são considerados
“piratas”, independente da sua qualidade. Essa taxação ocorre porque o Inmetro
tenta dissuadir os consumidores desses produtos que, ao burlarem os impostos
de importação e as barreiras alfandegárias e burocráticas, possuem preços mais
acessíveis, gerando enormes incentivos ao mercado negro nacional39.
O economista Murray Rothbard, comentando sobre o que seria o livre mercado,
definiu:
38
Leroy. Danny G., A Economia do Mercado Negro em uma Página. Instituto Ludwig von Mises Brasil, 2010. Disponível
em: http://www.mises.org.br/Article.aspx?id=700 Consultado em 10/06/11.
39
Beltrão. Hélio, O Inmetro e a Pirataria (São Paulo: Instituto Ludwig von Mises Brasil, 2010). Disponível em:
http://www.mises.org.br/Article.aspx?id=643 Consultado em 08/06/11.
É um termo conciso para um arranjo de trocas que ocorrem na
sociedade. Cada troca acontece como um acordo voluntário entre
duas pessoas ou entre grupos de pessoas representados por
agentes. Esses dois indivíduos (ou agentes) trocam dois bens
econômicos, tanto commodities tangíveis quanto serviços nãotangíveis. Ambas as partes empreendem a troca porque cada parte
espera ganhar com ela. Também, cada parte irá repetir a troca da
próxima vez (ou se recusar a) porque sua expectativa se provou
correta (ou incorreta) no passado recente. Comércio, ou troca,
ocorre precisamente porque ambas as partes se beneficiam; se
elas não esperassem obter ganhos, não concordariam em se
envolver na troca. Assim, ao contrário do que afirmavam os
mercantilistas, o livre comércio só existe dado que a vontade e até
mesmo a ânsia de fazer trocas significa que ambas as partes se
beneficiam. Portanto, no comércio, o “forte” não devora ou esmaga
o “fraco”; pelo contrário: é precisamente o “fraco” que tira proveito
das vantagens da produtividade porque é benéfico para o “forte”
trocar com eles (O QUE É O LIVRE MERCADO? 2010).
Uma empresa depende excepcionalmente das compras realizadas
voluntariamente pelos consumidores para a continuação de sua existência,
portanto não há um padrão definido arbitrariamente de qualidade para um
empreendimento capitalista (incluídos os assim chamados padrão técnicos ou
científicos de qualidade) elaborado por algum alegado “expert” ou comitê de
“experts”. Porque há apenas a qualidade que é percebida e julgada pelos
consumidores. Mais uma vez, este critério não garante que não haja produtos ou
serviços com baixa qualidade ou superfaturados oferecidos no mercado porque a
produção leva tempo e os testes das vendas chegam apenas depois que os
produtos foram colocados no mercado, e isto tem de ser assim sob qualquer
sistema de produção de bens. Não obstante, o fato de que toda empresa
capitalista deve experimentar este teste de vendas para evitar ser eliminada do
mercado garante uma posição de soberania aos consumidores e às suas
avaliações. Somente se a qualidade do produto é constantemente melhorada e
ajustada aos gostos do consumidor pode um negócio manter-se em operação e
prosperar40.
Monopólios e outras intervenções estatais sempre produzem prejuízo para todos,
com exceção das partes diretamente beneficiadas com os resultados destas
medidas (e.g., o recebedor do privilégio monopolista ou determinado grupo
recebedor de subsídios). Resta concluir, indubitavelmente, que monopólios, sejam
de qualquer natureza, são nocivos a economia, já que violam as regras básicas
do livre mercado e solapam o poder dos consumidores.
5. Ilegitimidade da Propriedade Intelectual
Como foi mostrado até aqui, os chamados “direitos de propriedade intelectual”
não podem ser conceituados nem como direito nem como propriedade, tendo por
essência unicamente seu caráter monopolístico, o qual foi não só explicado
detalhadamente na seção anterior como fortemente rejeitado.
40
Hoppe. Hans-Hermann, Uma Teoria sobre Socialismo e Capitalismo (São Paulo: Instituto Ludwig von Mises Brasil,
2009), pág. 172.
O temor que dar suporte a muitos dos defensores da PI é de que, sem a
existência dela, os inventores e criadores ficariam a mercê do nível e velocidade
pelo qual sua invenção se propaga no mercado, não permitindo que eles
usufruam economicamente em absoluto das suas criações. Esse receio exige
uma análise mais aprofundada.
Como se sabe, as normas sobre patentes e direitos autorais tentam impedir os
donos de propriedade tangível – recursos escassos – de usar sua propriedade
como melhor entenderem. Dessa forma, segundo os direitos autorais, terceiros
que não firmaram contrato com o autor são impedidos de copiar ou lucrar com o
trabalho original do autor. Da mesma maneira, as pessoas são proibidas, sob os
direitos de patente, de praticarem métodos patenteados, de usar suas
propriedades, ou moldarem suas próprias propriedades sob a forma de aparelhos
patenteados.
É importante perceber que o grave problema do reconhecimento de novos
“direitos” de propriedade, em especial os sobre bens não escassos, é que eles
violam automaticamente os direitos de propriedade sobre bens escassos. Essa
afirmação é confirmada dado que a aceitação de direitos efetivos de propriedade
intelectual implicam necessariamente em um controle sobre os bens de todos os
demais indivíduos e a forma pela qual eles podem usufruí-los41. Portanto, um
“direito de propriedade” que transgride o direito de propriedade de outros não
pode ser admissível, nem moralmente nem juridicamente.
Ressalta-se aqui que existem normas de PI que poderiam ser mantidas no
ordenamento jurídico atual, caso elas fossem eliminadas, necessitando somente
de algumas alterações. Os segredos comerciais, por exemplo, estariam
vinculados a direitos contratuais, permitindo que, em caso de violações, as partes
possam obter reparações ou até mesmo mandados que previnam atos de
apropriação indevida do segredo. As marcas registradas também se
conservariam, dado que o uso de nomes idênticos entre duas empresas
diferentes poderiam enganar os consumidores. A mudança nesse caso se daria
quanto a quem teria legitimidade para mover processo contra o copiador.
Segundo a lei atual, seria o dono da marca copiada, mas sem as leis de PI,
seriam os consumidores que, levados a erro, teriam o direito de processar a
marca pirata42. Contudo, o direito de processar não se estenderia a marcas que
lembrem ou se assemelhem a outras, dado que uma suposta confusão das
marcas estaria a critérios subjetivos e, por conseguinte, individuais.
Vale esclarecer que, ao contrário do senso comum, a força de um negócio não se
encontra nos direitos de propriedade intelectual, mas na quantidade de
criatividade, a disposição para assumir riscos e as decisões que são tomadas
com base no mercado. De nada serve a pessoa (física ou jurídica) ter o
monopólio sobre determinado bem ou serviço, se ela não fizer bons negócios,
economizar, inovar constantemente, distribuir e propagandear. Óbvio que a
revogação das normas de PI poderia criar um custo adicional para se fazer
negócios, isto é, esforços para assegurar que os consumidores estejam
41
Kinsella. N. Stephan, Contra a Propriedade Intelectual (São Paulo: Instituto Ludwig von Mises Brasil, 2010), pág. 28
42
Kinsella. N. Stephan, Contra a Propriedade Intelectual (São Paulo: Instituto Ludwig von Mises Brasil, 2010), pág. 42-43
informados sobre as diferenças entre o produto genuíno e suas imitações, mas
isso não destruiria os negócios principais43.
Estudos também indicam que, em termos de marketing, a forma mais eficaz de
disseminar novos produtos no mercado é por meio do uso de amostra grátis 44. A
importância da amostra grátis é que ela faz o produto chegar às mãos dos
consumidores, de modo que se possa testá-lo. Se os consumidores usam a
amostra e gostam, é provável que eles acabem comprando o produto repetidas
vezes, isto é, se tornem compradores assíduos; eles podem até mesmo
recomendar o produto para outras pessoas, o que levaria a mais compras45.
No que tange a pirataria, o aumento da venda das versões falsificadas de um
produto é um sinal que o público consumidor envia para o fabricante original de
que ele deve diminuir o preço ou produzir uma versão mais barata do produto
oferecido. Contudo, pesquisas46 revelaram que compradores de produtos
falsificados são os maiores influenciadores de clientes em potencial do produto
original, incentivando-os a comprar os produtos legais. Outro ponto positivo que
essas pesquisas apontam é que produtos piratas, em alguns cenários, ajudam a
aumentar as vendas dos produtos originais. Assim, o produto pirateado funciona
como uma amostra grátis que o criador do produto original não precisa financiar.
Quando se trata das cópias grátis disponíveis na internet, a mesma lógica dos
produtos piratas e das amostras grátis também se aplica47.
6. Conclusão
Um sistema de direitos de propriedade sobre “objetos ideais” necessariamente
requer violação de direitos de propriedade de outros indivíduos, por exemplo, de
usar sua própria propriedade tangível como bem entender48. Esse fato aponta que
o sistema atual requer uma nova regra de apropriação sobre a propriedade que
não subverta tantos os princípios da apropriação original como o princípio da nãoagressão. Propriedade intelectual, ao menos na forma de patentes e direitos
autorais, não pode ser justificada.
Uma sociedade que é fundamentada nos mais básicos direitos humanos, não
deve aceitar normas que atentem contra seus princípios morais norteadores.
Tendo em vista os direitos fundamentais, não podemos tomar como dado o uso
institucionalizado da força para aplicar direitos de propriedade intelectual.
Deveríamos reafirmar a primazia dos direitos individuais sobre nossos corpos e
bens escassos apropriados, retomando os reais conceitos de direitos e de
43
Atualmente, mesmo com leis de PI em vigor, cópias e produtos piratas estão disponíveis no mercado em larga escala,
não provocando grandes perdas as empresas fabricantes dos originais.
44
Revista Forbes ASAP ("Faker's Paradise," 5 de abril de 1999), pág. 54.
45
Um exemplo do sucesso dessa estratégia é o da empresa Lever Brothers (Unilever), que distribuiu gratuitamente em
1979 a dois terços de todos os domicílios americanos seu novo produto Signal Mouthwash (um desinfetante bucal), o que
garantiu a ela o domínio dessa fatia do mercado durante toda a década de 80.
46
Kirkpatrick, Jerry. A Pirataria como uma Função de Mercado (São Paulo: Instituto Ludwig von Mises Brasil, 2009).
47
Um exemplo é o do escritor de ficção científica Cory Doctorow, que por três anos distribuiu gratuitamente 700.000 cópias
eletrônicas de seu livro Down and Out in the Magic Kingdom. Após isso, as vendas da versão impressa chegaram a seis
edições e superaram as expectativas da editora.
48
Kinsella. N. Stephan, Contra a Propriedade Intelectual (São Paulo: Instituto Ludwig von Mises Brasil, 2010).
propriedade. Qualquer regra que viole a liberdade, alicerce da economia, não
pode ser considerada positiva ou necessária ao desenvolvimento humano.
A popularização da Internet, similarmente ao processo ocorrido durante o período
do Renascimento, marca uma nova fase na divulgação e compartilhamento de
conhecimento, idéias e informações. As atuais normas de propriedade intelectual
não mais se sustentam frente a essa nova forma de compartilhamento. Saber
adaptar os negócios a esta nova era é mais fundamental ao mercado do que
tentar coibir com regras obsoletas e injustificadas a liberdade dos indivíduos.
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Electrónica Gratuita, 1999.
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