A técnica das entrevistas iniciais partindo do seriado “Em terapia

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ESTUDO TEÓRICO
A técnica das entrevistas iniciais partindo do seriado
“Em terapia”
Initial interviews technique starting of the television series
“In treatment”
Leonardo Della Pasquaa1
Resumo: A partir do seriado americano “In treatment”, o autor utiliza um episodio da série para discorrer
sobre questões teóricas referentes às entrevistas iniciais em psicoterapia. As idéias apresentadas servem
para refletir criticamente sobre como a profissão é exercida. Apesar da dificuldade do caso, pode-se afirmar
que Paul Weston foi mobilizado por aspectos internalizados de conteúdo paterno. Convém lembrar, que,
no dia da entrevista, o pai do psicoterapeuta está hospitalizado, em estado terminal numa clinica geriátrica
e Paul, nunca foi visitá-lo. No decorrer da segunda temporada, o pai de Paul virá falecer e o terapeuta
não ficará indiferente ao fato. Esses aspectos transferenciais e contra-transferenciais comprometeram a
escuta e as intervenções do psicoterapeuta da série, que mostrou dificuldades em exercer sua função
terapêutica de modo eficaz.
Palavra-chave: Entrevistas iniciais; Tratamento psicoterápico; Transferência; Contratransferência
Abstract: From the American series In Treatment the author uses an episode of the series to discuss
theoretical issues related to the initial interviews in psychotherapy. The ideas presented serves to reflect
critically how the profession is exercised. Despite the difficulty of the case, one can say that Paul Weston
was mobilized by transference internal aspects of parental content. It should be remembered, that on the
day of the interview, the psychotherapist father is hospitalized, terminally ill in a geriatric clinic and Paul
never visited him. During the second season, Paul’s father died and the therapist will not be indifferent to
the fact. These aspects of transference and counter-transference committed to listening and interventions
of the psychotherapist in the series, which struggled to exert their therapeutic function effectively.
Keywords: Initial interviews.; Psychoterapy treatment; Transference; Countertransference
a Psicólogo; Psicanalista
*E-mail: [email protected]
Sistema de Avaliação: Double Blind Review
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In Treatment é um seriado americano dirigido por Rodrigo
García, filho do escritor colombiano Gabriel García Márquez. A
série televisiva é uma refilmagem da versão israelita Be’Tipul,
criada por Hagai Levi. Em palestra no Roma Fiction Fest 2010,
o criador do seriado conta que já existem 13 produções da série
sendo rodadas ao redor do mundo, desde simples transposições
dos episódios para o idioma do país, até as verdadeiras adaptações
culturais do roteiro, em relação a vida sócio-econômica-cultural
dos personagens. Os episódios em Israel eram submetidos à
supervisão de um reconhecido psicoterapeuta do país, que
auxiliava na construção do roteiro.
Na série americana, Hagai Levi serviu de consultor, um
produtor-executivo do programa. Os episódios duram em média
a metade do tempo de uma sessão clássica de terapia, ou seja,
23-24 minutos. Esse tempo é também a metade do tempo
de um episódio padrão dos seriados, que duram entre 40-45
minutos. A série se passa em um consultório de psicoterapia,
onde o terapeuta Paul Weston (interpretado por Gabriel Byrne)
atende seus pacientes. Cada dia da semana o psicoterapeuta de
orientação psicanalítica atende um paciente diferente. Na Sextafeira é o dia da supervisão-psicoterapia pessoal de Paul, com sua
antiga terapeuta Gina, interpretada por Diane Wiest.
O consultório de Paul é uma peça de sua própria casa, uma
espécie de santuário para ele, onde ninguém de sua família deve
tomar parte. Paul é casado e tem três filhos: um filho e uma
filha adolescente, além de uma menina pré-adolescente. Seu
isolamento profissional dentro da própria casa acaba gerando
uma crise conjugal que terminará em divórcio. Paul apresenta
dificuldades transferenciais e contra-transferenciais com seus
pacientes, o que influencia a sua prática clínica e sua vida pessoal.
A série americana tem três temporadas: as duas primeiras
são uma transposição da série israelita; a terceira e última
temporada é totalmente nova, transformando bastante o
produto original.
Na palestra de Hagai Levi em Roma, ele ressalta que a série
se transformou um sucesso somente após duas ou três semanas
de exibição, onde mais pessoas falavam do seriado do que os
que realmente o assistiam. Isso teve uma grande repercussão em
Israel, pois a procura por psicoterapia aumentou muito durante
a exibição da série. Mais pessoas falavam de psicoterapia, mais
pessoas resolveram procurar um psicoterapeuta.
Perguntado sobre o que pensava que Freud poderia dizer a
respeito da série, Levi diz que o método de terapia apresentado é
diferente do proposto por Freud, mas crê que ele ficaria satisfeito
com o que estaria representado. O que é questionável, pois Freud
nunca quis que a psicanálise fosse filmada, porque acreditava
ser impossível representar fielmente o que se passa numa sala
de análise (Lacoste, 1992). A série não apresenta exatamente o
que ocorre em psicoterapia, pois as sessões reais de terapia não
são um produto a ser vendido para a grande massa assistir. Nem
tudo é interessante e chama a atenção. Hagai Levi sabe bem
disso, afirmando que a série não é uma sessão de psicoterapia
filmada, mas se aproxima significativamente, cometendo
algumas distorções do método terapêutico.
É interessante pararmos para pensar sobre esse ponto: em
1926 Karl Abraham e Oliver Sachs, membros do grupo seleto
de Freud, serviram de supervisores ao diretor alemão Georg
Wilhelm Pabst, para a realização do filme Geheimnisse einer Seele
- Os Mistérios da Alma. Freud jamais aprovou o projeto. Eram
os anos do cinema mudo e o paciente era um sujeito com uma
série de obsessões e compulsões. Os sonhos do paciente foram
representados plasticamente, sem a presença da palavra, só com
imagens. Nesses anos – anos do nascimento do surrealismo
– Freud negou a André Breton a relação existente entre o
surrealismo e a psicanálise. “Um Cão Andaluz”, de Luis Buñel e
Salvador Dali é de 1929 e é inegável a relação existente entre
os dois movimentos. Um procura representar o inconsciente, o
outro – a Psicanálise – procura analisá-lo. O filme é mudo e
apresenta elementos oníricos em sua forma mais pura, isto é, de
forma visual, sem as palavras.
Qual a diferença do enquadre psicanalítico freudiano para o
enquadre apresentado na série? Em primeiro lugar a freqüência
semanal das sessões. Freud via os pacientes diariamente,
descansando somente no Domingo. Paul Weston atende todos
os pacientes, sem exceção, uma vez por semana. Além disso, a
técnica utilizada por Paul apresenta elementos de outras escolas
de terapia, como a humanístico-existencial, tão famosa nos
Estados Unidos e difundida por autores célebres como Irvin D.
Yalom. No método psicanalítico propriamente dito, o utilizo
do divã é indicado. Porém análise e psicoterapia de orientação
psicanalítica não são a mesma coisa. A análise implica em alta
freqüência semanal de sessões e uma atenção à regra básica da
psicanálise: a associação livre, o que transforma a comunicação
entre analista e paciente diferente das formas cotidianas de
comunicação (Etchegoyen, 1989). Apesar das semelhanças na
técnica, a utilização das mesmas é diferente – assim como os
resultados.
Outro aspecto importante a ser ressaltado na fala de Hagai
Levi é sua preocupação com o rosto dos personagens. Conforme
ele mesmo diz: “como nos episódios acontece pouca coisa de
concreto, apenas uma pessoa sentada frente à outra, em uma
sala de psicoterapia, eu precisava que o rosto dos personagens
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capturasse o espectador”1. Já na psicoterapia, é o método
de trabalho que captura o paciente, não o rosto carismático
do terapeuta. Na análise propriamente dita ele é tirado de
cena. Entra em ação o divã, a introspecção, a regressão. É-lhe
possível utilizar produtivamente a própria neurose: a análise vai
ensinar-lhe a se auto-analisar. Os sonhos e sua interpretação
são fundamentais neste ofício. Freud e sua auto-análise nos
mostraram que o homem pode ser mais livre, desde que tenha
motivação e interesse em se auto-conhecer, enfrentando e
aprendendo com os próprios conflitos, não fugindo deles pelo
medo da dor psíquica (Jones, 1975).
A série serve para pensarmos alguns aspectos técnicos da
psicoterapia, em seus acertos e em seus erros. Para exemplificar
essas questões, proponho trazer para análise um único episódio
do seriado: a 1ª entrevista com um paciente, para pensarmos
sobre a técnica das primeiras entrevistas em psicoterapia de
orientação psicanalítica. O paciente em questão é um adulto
maduro de nome Walter (interpretado por John Mahoney), o 4°
paciente do seriado na 2ª temporada.
Todas as conclusões tiradas nesse artigo foram o produto
da análise dos episódios de todas as temporadas. Aqui é
apresentado apenas o 4º episodio da segunda temporada,trf por
questão de espaço e praticidade na apresentação do material.
Descrição do episódio e comentários iniciais
O tema exposto faz referencia ao Seriado “Em Terapia –
In Treatment”, 2ª temporada, 4º episódio através da primeira
entrevista com Walter, diretor-executivo de uma grande empresa
e veterano da guerra do Vietnã.
O episódio começa com Paul Weston (o terapeuta), deixando
um recado na secretária eletrônica do telefone de Rosie, sua filha
adolescente. Quem acompanhou a série sabe que o personagem
interpretado pelo ator Gabriel Byrne separou-se da mulher e
mudou-se de Washington para o Brooklyn, em Nova York, onde
cresceu.
Após a vinheta do seriado, Walter entra, dá a mão à Paul e
reclama da falta de elevador no prédio. Em seguida pergunta onde
deixar o casaco. Paul diz que pode deixá-lo na sala de espera. Walter
não aceita, preferindo apoiar o casaco, com bastante cuidado, no sofá
e ir sentar-se numa das poltronas da sala.
Walter: “É o problema de se ter coisas boas: você tem que se
preocupar com elas!”
Já neste primeiro fragmento de sessão podemos levantar
1
Entrevista coletiva sobre a série In treatment. Romafictionfest 2010.
Created by Amos – Entrevista a H. Levi. http://youtu.be/LxK-CTfmQb4.
hipóteses sobre o que trouxe o paciente até Paul. Podemos
também ver sinais sobre o tipo de relação tranferencial que o
paciente estabelece, que tipo de imagos parentais Paul será
solicitado a representar.
Walter diz logo o que lhe está acontecendo: ele está sempre
preocupado, agora a níveis que não consegue mais suportar. A
angústia o paralizou, impedindo que ele produzisse o necessário
para a sua posição. Walter é um homem maduro, em final de
carreira. Mostra-se imediatamente vigil e crítico com o que está
a sua volta (falta de elevador no prédio) e é demandante em
relação ao terapeuta. O pedido sobre onde por o casaco bom e
caro pode demonstrar o quanto ele está preocupado em saber se
ali vai ser ajudado, se pode confiar no terapeuta, se ali vai ser um
local onde ele pode deixar as suas coisas boas e ruins. Além disso
tem a questão de sua idade e o fato de estar no fim da carreira.
Será que Walter está preocupado com a aposentadoria e o que
fazer com o tempo livre que terá? Como será reorganizada sua
energia pulsional? É importante fazer perguntas nesse momento,
sem a ânsia de encontrar as respostas imediatamente. O paciente
já funciona desta maneira, não devemos nos sugestionar por seu
modo de funcionar.
Após relatar a conversa com sua mulher Connie, sobre os
motivos de comprar um casaco tão caro, Walter ajeita-se na
poltrona. A esposa pensa que um diretor-executivo deva usar
roupas condizentes com a própria função. Ficam ambos alguns
segundos em silêncio...
Walter: “por onde começamos?”
Depois de dizer que é necessário saber algumas coisas do
paciente, o terapeuta faz uma pergunta comum na 1ª entrevista:
Paul, o terapeuta pergunta “O que o trouxe aqui?”, utilizando
essa intervenção para abrir a entrevista. Como terapeuta, faz-se
uso dessa quando o paciente não fala e precisa de auxílio para tal.
Neste caso pode ser útil, mas na maioria das vezes é dispensável.
Ele poderia assinalar o fato do paciente estar preocupado, pois
já tinha indícios sobre o que poderia ser investigado. Isso seria
possível somente se Paul tivesse percebido esse aspecto naquele
momento. O que seria possível se sua mente estivesse esperta ou
mesmo, alguns anos de prática em psicoterapia.
Se não ocorreu a Paul a relação entre a preocupação e o
motivo da consulta, ele precisa primeiro ter uma idéia do que
pode estar acontecendo e precisa que o paciente fale sobre sua
experiência emocional naquele momento de vida, antes de
levantar alguma hipótese. Uma verbalização simples, como “e
então... (?)”, pode ajudar o paciente a começar a falar.
É importante recordar que, já em 1913, Freud em seu artigo
técnico “Sobre o início do tratamento” pergunta: “em que ponto e
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com que material deve o tratamento começar?(...) Deve-se deixar
que o paciente fale e ele deve ser livre para escolher em que ponto
começará. Desta maneira dizemos-lhe: ‘Antes que eu possa lhe
dizer algo, tenho de saber muita coisa sobre você; por obséquio,
conte-me o que sabe a respeito de si mesmo’” (Freud, 1988, p.
149).
Com a pergunta “o que te trouxe aqui?”, sabe-se algo mais
sobre Walter: ele fica surpreso em saber que Paul não sabe quem
é ele! Sendo este, o segundo paciente onde tal situação ocorre na
série. Alex – o piloto que se suicidou na 1ª temporada – também
ficou perplexo porque Paul não sabia quem ele era. Como Alex
procurava o “the Best”, o melhor deveria saber quem ele era.
Com Walter essa situação volta a ocorrer. São esses exemplos
de pacientes narcisistas? Vejamos: Walter: “nunca lê a sessão
de negócios? Folha em branco? Sério?” – fica decepcionado: “se
acham superiores aqueles que não lêem a sessão de negócios”.
Paul percebe a desconfiança de Walter e diz corretamente
que tudo o que ele disser sobre seu trabalho será sigiloso. Walter
pergunta se pode ter isso por escrito – depois dizendo que não
era necessário. Testa as reações de Paul e diz também sentir-se
em uma reunião constante.
Sabe-se então que a preocupação de Walter produziu
um sintoma: a insônia. O que será que está produzindo tanta
ansiedade? Porque ele não consegue mais dormir nem sonhar?
Walter reage de modo persecutório quando Paul assinala o
quanto ele gosta da mulher, Connie: “o que mais descobriu sobre
mim?” – pergunta desconfiado.
Diz ter tentado tomar Xanax e Ambien, receitados pelo
médico da família, em nome de Connie. Isso foi feito para que
ninguém pudesse rastrear o fato dos remédios serem para ele.
Desistiu de tomá-los, pois não funcionavam ou o deixavam
confuso: “Não posso ficar assim. Devo ser capaz de acordar
a qualquer hora e estar em alerta! (...) Estou acostumado com
estresse e com crises.” Sua mulher Connie brinca com ele,
chamando-o de super-homem. O paciente parece tomado por
pensamentos persecutórios. Ao que o terapeuta pergunta: Paul:
“quando a insônia começou?”.
Walter: “que diferença faz?” – fica em silêncio por alguns
instantes e fala do livro “Blink –­ A decisão num piscar de olhos”,
de Malcolm Gladwell (2005), onde a teoria de fundo é sobre
um especialista que pode identificar um problema num piscar de
olhos. É como se dissesse: se você é um especialista, já sabe o que
tenho, mas não quer me dizer e fica perdendo tempo com todo
esse falatório. Não vim aqui para expor minha vida para você. Vim
para resolver meu problema.
Paul fala que o processo terapêutico leva tempo, mas Walter
não acredita e é ainda mais explícito: “Você tem muita experiência.
Use-a! Não fique enrolando. Diga qual é o meu problema e o que
eu devo fazer! Se precisar pagar um extra, ok!” – diz o paciente
incomodado e irritado com o terapeuta. Está amedrontado. Quer
uma solução imediata. É um sujeito do mundo contemporâneo,
tem pressa. Esse modo de viver aumenta a sua já elevada
ansiedade.
Walter: “o que acontece é que preciso estar no meu melhor
nível e não consigo isso, uma vez que não consigo dormir. Não
sei como o meu problema pode ser mais claro que isso!” – diz o
paciente.
O que ele não sabe é que a questão não é tão simples assim.
Temos que entender o que está acontecendo ao paciente para
podermos ajudá-lo. Ele também precisa disso para melhorar.
Não é possível começar pelo fim. Walter tem que sofrer uma
desilusão em relação ao tipo e tempo de intervenção. Vai ser
frustrado na demanda de resultados imediatos. “Na verdade, a
pergunta em relação à duração do tratamento é irrespondível”
(Freud, 1988, p.143). Se sua experiência emocional não tivesse
afetado seu trabalho, provavelmente ele jamais estaria ali, tendo
que dizer coisas muito difíceis para um desconhecido. É um
baque ao narcisismo de Walter ter que estar naquela sala com
Paul.
Em relação à seleção de pacientes, Freud [1913] refere que
quando conhece pouco um paciente, aceita vê-lo apenas por um
período de uma ou duas semanas, numa espécie de ‘tratamento
de prova’. “Se se interrompe o tratamento dentro deste período,
poupa-se ao paciente a impressão aflitiva de uma tentativa
de cura que falhou. Esteve-se apenas empreendendo uma
sondagem, a fim de conhecer e decidir se ele é apropriado para
a psicanálise” (Freud, 1988, p.140).
Etchegoyen (1989) nos ensina que uma norma básica da
entrevista, que também faz parte de sua técnica, é a de facilitar
a livre expressão dos processos mentais do paciente, o que não
se consegue com um enquadre formal de perguntas e respostas.
Como nos diz Bleger (1980), é bom diferenciar anamnese,
interrogatório e entrevista.
A entrevista pretende ver como funciona o indivíduo e não
como ele diz que funciona. O que aprendemos com Freud é,
justamente, que ninguém pode dar uma informação fidedigna
de si mesmo. “Se pudesse, a entrevista não teria razão de ser”
(Etchegoyen, 1989, p.28). A entrevista psicológica quer averiguar
o que o entrevistado não sabe sobre si mesmo. Sem desqualificar
o que ele possa dizer, vai nos ilustrar o que podemos observar no
curso da interação.
Paul intervém desde o começo da entrevista, tendo a
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rejeição do paciente. Ele acertadamente passa a investigar a
relação de Walter com o trabalho e insiste em saber quando
a insônia começou. Walter não lembra. Passa a falar da filha
Natalie, a caçula, que tem grande diferença de idade em relação
aos irmãos. Walter refere-se a ela dizendo que desde cedo ela
tinha pressa: nasceu prematura, falou cedo, andou cedo. Agora
ela está numa clínica na Ruanda, país do continente africano.
Neste momento Walter pensa ter achado o motivo: “é
esse seu diagnóstico rápido? Natalie?” – diz o paciente. O
comportamento reticente e cauteloso de Paul, faz com que Walter
pergunte, com um chiste, se o terapeuta não está tentando
mantê-lo ali para ganhar mais dinheiro em consultas adicionais.
Walter não conhece a relação entre a insônia, as preocupações
de seu trabalho e os pensamentos que envolvem sua filha
Natalie, vivendo em Ruanda. Pensa ter achado a resposta para
seus problemas: trazer a filha de volta da África! Desconfia que
Paul seja um charlatão, que quer roubar seu dinheiro. Freud
aponta em relação duração do tratamento: “Se se propôs um
tratamento experimental de algumas semanas, pode-se evitar
fornecer resposta direta a essa pergunta, prometendo-se fazer
um pronunciamento mais fidedigno ao final do período de
prova” (Freud, 1988, p.143).
É preciso avaliar antes de prescrever! Paul decide dizer a
verdade. Ainda não sabe o que está acontecendo com Walter. Sabe
que Walter está com um quadro de ansiedade e que conversar
pode ajudar a descobrir o que está causando a angústia. Walter
após perguntar se deve dizer o que lhe passa na cabeça dispara:
“vou dormir quando morrer”. Não percebe a importância do que
diz. Nesse exato momento, recebe uma mensagem via SMS,
fato este que interrompe o curso do discurso criado no campo
terapêutico. O paciente lê a mensagem e diz que sempre tem
que resolver tudo, que gostaria que alguém pudesse resolver
alguma coisa sem precisar dele. Como entender esse fenômeno
dentro da consulta? O que deve fazer o terapeuta? Ambos ficam
em silêncio. Walter fala que gosta de aviões porque lá pode estar
tranqüilo, em silêncio. Ele fica tranqüilo quando está em transito.
Interessante! Mais mensagens telefônicas chegam...
Paul: “está tudo bem?”
Walter: “nunca!”
Paul pergunta se Walter conta com alguém para falar de
seus problemas. Walter diz que não, que não quer preocupar
Connie, seus filhos não querem ouvir os problemas de um velho,
até porque não entenderiam: “ganharam tudo fácil!”. Só Natalie
é diferente, repete ele. Neste momento Walter pede para ler um
email da filha, desejando saber a opinião especializada de Paul
depois.
Em síntese, Natalie conta as dificuldades da vida em Kigali,
capital da Ruanda, do quanto sofre com as histórias difíceis dos
outros e o quanto está aprendendo com a experiência de ajudar
as pessoas.
Walter tem uma idealização das capacidades do
psicoterapeuta. Pensa que o terapeuta tenha poderes mágicos,
que sabe imediatamente quais são os problemas dele e o que ele
deve fazer para resolvê-los. Paul frustra as expectativas de Walter
e ainda diz que a filha parece perfeitamente saudável. Walter
não se sente apoiado em ir até Kigali buscar a filha e pergunta
indignado se Paul não ficaria preocupado com a filha lá. “Há
uma diferença tênue entre coragem e estupidez” – diz Walter
enfurecido. Pensa que Paul está agindo como estúpido. “Nada na
vida é tão caro quanto à doença – e a estupidez” (Freud, 1988,
p.148).
Na transferência, Paul transformou-se precocemente
numa das imagos de pessoas estúpidas a não serem levadas
em consideração. Em parte isso é devido ao modo do paciente
funcionar e em parte porque Paul interviu precocemente,
extrapolando suas funções na 1ª entrevista. O primeiro objetivo
do tratamento é fazer o paciente se ligar a ele e a pessoa do
terapeuta (Etchegoyen, 1989). Para isso é preciso dar-lhe tempo.
Alguns pacientes exercem intensa pressão para induzir a
direção das sessões, onde a abstinência tem que ser exercida
com firmeza. Paul precisa frustrar algumas expectativas de
Walter, mas acaba discutindo com ele e tem dificuldades em
lidar com a quantidade e intensidade dos conteúdos projetados
na sua mente. Coloca-se em oposição ao paciente. Walter não se
sente entendido. E tudo isso na primeira entrevista!
Freud (1988), em seu trabalho“Sobre o inicio do tratamento”,
refere que se o terapeuta demonstrar interesse genuíno pelo
paciente, se dissipar as resistências que vão ocorrendo no início
e evitar qualquer equívoco que possa surgir, o próprio paciente
fará a vinculação do terapeuta com uma das imagos das pessoas
por quem estava acostumado a ser tratado com afeição.
Ao invés disso Paul diz, “a sua filha parece estável. Você
deve confiar nela.”. O terapeuta já quer dizer o que Walter deve
fazer, sem apoiá-lo! Walter não gosta. Chegou até ali repleto de
resistências, apresentando um comportamento agressivo (de
tipo defensivo) desde o primeiro contato com Paul. Está em
estado de alerta, alarmado com o que possa acontecer.
Walter: “pago pela sua opinião.”
Paul: “me pergunto Walter por que é importante que eu
lhe apóie nisso?” – uma pergunta interpretativa de conteúdo
transferencial sem a autorização do paciente.
Precisa-se estabelecer um vínculo e uma aliança terapêutica
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com o paciente, para que essa intervenção tenha algum efeito
terapêutico. É importante não desvirtuar o sentido da entrevista.
Se dermos apoio e perguntamos em demasia, tipo interrogatório,
expressando simpatia manifesta, desvirtuamos o sentido da
entrevista, convertendo-a em um diálogo formal, às vezes até
em uma conversação tosca (Etchegoyen, 1989).
O paciente sente-se agredido pelas palavras de Paul e
diz: “não preciso da droga da sua permissão! Fiz uma simples
pergunta. Tenho insônia, um problema sério, que não me deixa
trabalhar. Eu cheguei a lhe perguntar o que fazer: exercícios
mentais, técnicas de respiração e você me faz ler o email pessoal
da minha filha! Eu nem te conheço!” – grita furioso enquanto se
levanta, perguntando o quanto deve, pois quer ir embora.
Neste momento, sente uma dor no peito e cai sentado na
frente do sofá. Paul se aproxima preocupado e pergunta se ele
está tomando alguma medicação específica, se quer que ele
ligue para algum médico. Walter acena negativamente. Mostra
concretamente através do corpo o quanto está mal.
Walter: “você está bem Walter... você está bem.” – diz
enquanto bebe um copo d’água. “Desculpe o susto. Eu sei que
passa. Sempre passa” – diz assustado.
Paul: “já aconteceu antes?” – pergunta preocupado.
Walter: “isso vai embora.” – diz Walter enquanto sai da sala.
Paul senta-se atordoado com o que aconteceu e fica parado
pensando.Termina o episódio. Como entender esse último fenômeno?
O que estaria representado nesse ataque? É pânico? Perguntas que
nos fazemos, sem procurar respondê-las neste momento.
É importante aceitar e não interferir na angústia inicial da
entrevista. A situação é assimétrica, devido à função de cada
um: um terapeuta e um paciente (Etchegoyen, 1989). Uma
atitude reservada e cordial, contida e continente – não distante
– faz parte do papel do entrevistador. Pode-se iniciar solicitando
os dados de identificação do entrevistado, indicando o tempo
que durará a entrevista, da possibilidade que esta não seja a
única entrevista e que o paciente será convidado a falar.
É importante considerar o sujeito que procura psicoterapia,
não como paciente, mas como entrevistado, um paciente em
potencial. Ele só será realmente um paciente que faz psicoterapia
(no enfoque de orientação psicanalítica) após o estabelecimento
de um vínculo terapêutico e do contrato de trabalho, onde serão
discutidas as regras da terapia, número de sessões semanais,
honorários, faltas, férias, etc.
Uma questão que não foi discutida na entrevista
apresentada e jamais aparece na série é a contratação do tempo
e dos honorários do tratamento. “Pontos de importância no
início do tratamento são os acordos quanto a tempo e dinheiro”
(Freud, 1988, p.142). Falta toda a parte do contrato do
período de avaliação e da psicoterapia propriamente dita. Não
sabemos como foram contratadas as regras da terapia, nem
se foram contratadas. Em um episódio com outra paciente da
2ª temporada, sabemos que Paul colocou um anúncio numa
página da internet e que atende por convênios. Na 1ª temporada,
Alex joga US$ 150,00 em cima da mesa de Paul ao final de uma
sessão, e assim sabemos quanto custa a consulta. São as únicas
referências que temos na série em relação a honorários.
Freud (1988) se pergunta, em seu artigo de 1913 – “Sobre o
inicio do tratamento”, quando devemos começar a fazer nossas
comunicações ao paciente. Quando devemos revelar o significado
oculto de suas idéias? Quando iniciá-lo aos procedimentos técnicos
da análise? Etchegoyen (1989) e Zimerman (1997) consideram
útil utilizar interpretações de prova nas entrevistas iniciais, não para
modificar a estrutura do entrevistado, nem tampouco para induzir
ao insight. Isto não é o que o entrevistado precisa. Tampouco é nossa
função na primeira entrevista. O papel do profissional é“cumprir uma
tarefa que o informe sobre um tema concreto e circunscrito: se deve
fazer um tratamento e qual tratamento lhe convém” (Etchegoyen,
1989, p.32).
É interessante usar a interpretação na 1ª entrevista para
ver como o entrevistado reage. Uma interpretação simples e
genérica, unindo as verbalizações do entrevistado no estilo: “Isso
que acabas de dizer não lhe parece ter uma relação com...” pode
nos informar sobre a capacidade de insight do entrevistado.
Paul já havia tentado este tipo de intervenção quando referiu
a importância da esposa Connie para Walter, ocasionando uma
reação persecutória por parte do mesmo. Quando o terapeuta
investiga a relação com Natalie, Walter utiliza suas indagações
para achar uma solução rápida para seu caso. Não parece ter
grande capacidade de insight. Parece desejar apenas livrar-se do
sintoma da insônia (Etchegoyen, 1989; Zimerman, 1997).
Paul deveria ter terminado seus testes por aí, mas ao
invés disso utilizou uma pergunta interpretativa de conteúdo
transferencial. Intervenção inadequada, que nos mostra o
quanto Paul não utilize interpretações de prova, como nos
falam R. Horacio Etchegoyen e David E. Zimerman. Paul utiliza
verdadeiras interpretações desde as primeiras entrevistas, o que
é um erro técnico. Isso pode ocorrer pelo formato televisivo do
que é apresentado, pois o tempo televisivo deve ser rápido. Em
televisão, os segundos são preciosos, não há tempo a perder.
Porém pode ser também por que Paul não conseguiu conter
dentro de si os conteúdos que Walter coloca dentro da própria
mente, através da identificação projetiva. Paul está passando
por um momento existencial delicado, longe da família, com
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dificuldades de relacionamento com a filha Rosie.
Freud, em seu trabalho sobre o inicio do tratamento, nos diz
que é importante dar tempo ao paciente, para que ele vincule a
figura do analista a uma das imagos das pessoas que o tratavam
com afeição. Isso por um motivo bem específico: “É certamente
possível sermos privados deste primeiro sucesso se, desde o
início, assumir outro ponto de vista que não o da compreensão
simpática, tal como um ponto de vista moralizador, ou nos
comportarmos como representantes ou advogados da parte
litigante – o outro cônjuge, por exemplo” (Freud, 1988, p.154).
Outro fator a ser considerado é a motivação do possível
paciente. Keidann e Dal Zot (2005) levantam algumas questões
que podem nos orientar na definição da motivação das
entrevistas iniciais. Essas perguntas foram inspiradas no trabalho
de Peter Sífneos sobre psicoterapia breve, datado de 1976, que
podem auxiliar no caso de Walter.
1. O paciente busca espontaneamente o tratamento? Walter
chegou até Paul por insistência da mulher.
2. Mostra capacidade de reconhecer que seus sintomas são
de natureza psicológica? Denota sofrimento? Walter pensa sofrer
porque tem insônia e esse sintoma afeta a sua produtividade
no trabalho. Não reconhece a natureza psicológica de seu
sofrimento...
3. Há tendência à introspecção e a relatar os problemas
de um modo honesto? Não parece ser introspectivo. Parece
tomar decisões importantes todo o tempo, sem ser honesto em
relação a seus problemas. Os remédios para ele são comprados
em nome da mulher...
4. Tem vontade de participar ativamente do processo de
tratamento? Indica querer saber somente a solução para seu
problema de insônia.
5. Expressa curiosidade e desejo em se conhecer? Não.
6. Assume a responsabilidade de modificar as dificuldades que
enfrenta, em vez de externá-las e projetá-las nos outros? Este aspecto
parece projetado no outros: após ler um sms, Walter diz que gostaria
que alguém resolvesse os problemas sem precisar dele, sem pensar
na sua responsabilidade pelo que acontece na própria experiência
emocional. Não é ele que centraliza as coisas ao redor de si mesmo,
são os outros que precisam dele o tempo todo.
7. Apresenta expectativas realistas em relação à psicoterapia?
Como afirmado acima, Walter espera resolver rapidamente seu
problema de insônia.
8. Há disposição de investir tempo e dinheiro nesta busca?
Parece que Walter tem mais disponibilidade financeira do
que tempo e investimento psíquico para o processo. “A força
motivadora primária na terapia é o sofrimento do paciente e o
desejo de ser curado que deste se origina” (Freud, 1988, p.157).
Mas o que se deve avaliar nas entrevistas iniciais? Com sua
usual didática, Zimerman (1999) nos diz o que o analista deve
levar em conta nos primeiros contatos com um paciente: 1) o
tipo de encaminhamento; 2) a aparência exterior do paciente;
3) a realidade exterior; 4) o histórico familiar; 5) o grau de
motivação; 6) a escolha e estilo de suas relações objetais reais, e;
6) a forma dele se comunicar – verbal e não-verbalmente.
Perrotti (2003) afirma que curar significa continuar a verificar,
a ver aquilo que os outros não vêem, na esperança que também
eles possam ver. Discorrendo sobre a vida de Freud e o método
terapêutico que o mesmo desenvolveu, o analista romano nos
fala da ‘produtividade positiva da neurose’. Produtividade positiva
quando essa se transforma em um instrumento direcionado ao
conhecimento e a criatividade, quando o hábito da análise limita
o dano no sujeito e inibe a agressividade nociva em relação aos
outros. Produção positiva da neurose quando pode transformarse em uma auto-análise – como no caso de Freud – ou em
uma análise bem conduzida pelo terapeuta, incrementando o
progresso científico e o conhecimento in senso lato.
Antes de intervir é preciso escutar, ouvir o que não é
dito, intuir o que não é verbalizado. Assim poderemos ajudar
o paciente a sentir as próprias sensações e sentimentos,
auxiliando-o a escutar a si mesmo. Voltando o olhar para o
mundo interno do paciente, sem esquecer do nosso mundo
interno enquanto terapeutas, poderemos ‘instruí-lo’, poderemos
auxiliá-lo a analisar o próprio funcionamento, estimulando-o
a utilizar sua energia psíquica em um modo menos conflitivo,
mais saudável e mais criativo para ele mesmo.
Considerações Finais
O criador do seriado, Hagai Levi, declarou em Roma
que, em função da exibição de In treatment, mais pessoas se
interessaram pela psicoterapia e muitas delas sentiram-se
estimuladas a procurar um psicoterapeuta. Esse fato isolado
já justificaria a realização da série. Numa profissão como a
nossa, repleta de fantasias e preconceitos sobre sua prática,
um programa televisivo sobre o assunto parece ter ajudado a
desmistificar o que acontece em um tratamento psicoterápico.
Nem o fato do terapeuta apresentar diversos conflitos e
dificuldades pessoais influiu negativamente sobre a visão das
pessoas sobre a psicoterapia. Pelo contrário, é possível que o
fato de ser apresentado de uma forma humana – com crises
existenciais e problemas pessoais, como qualquer pessoa –
tenha contribuído a estimular mais pessoas a procurar um
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Diaphora | Revista da Sociedade de Psicologia do Rio Grande do Sul 12(1) | Jan/Jul | 99-106
tratamento. Afinal, é conhecida a curiosidade das pessoas em
geral em relação a nossas vidas pessoais e o receio de serem
interpretadas quando estão em contato conosco em situações
sociais. Não é por acaso que existem 13 versões da série sendo
filmadas atualmente no mundo.
O seriado serve também para a discussão sobre a técnica
da psicoterapia, assim como aspectos clínicos de diferentes
situações psicopatológicas. Foi o que tentamos demonstrar neste
artigo. As possibilidades de escuta são imensas. Diversos vértices
de observação podem ser utilizados. As hipóteses levantadas
devem sempre ser comprovadas clinicamente. Sem buscar uma
compreensão imediata da totalidade da vida emocional do
paciente, precisamos ter uma idéia de como funciona a pessoa
que estamos recebendo em nosso consultório.
Walter é uma pessoa difícil de atender. Repleto de defesas
onipotentes, ele apresenta dificuldade em colocar-se em
discussão. A escuta do terapeuta deve ser neutra para não nos
misturarmos com os conteúdos do paciente. A impressão é que
Walter mobilizou aspectos transferenciais, de conteúdo paterno,
em Paul. O pai do terapeuta está internado em estado terminal
numa clínica geriátrica, onde ele nunca foi visitá-lo. Mais
adiante na temporada, irá morrer e Paul não será nem um pouco
indiferente a isso. Nenhum homem é indiferente a morte do
próprio pai. “O evento mais importante na vida de um homem”
– disse Freud. A relação de Paul com o pai nunca foi tranqüila.
Na segunda temporada, para complicar ainda mais a trama e
mantê-la interessante para o público, sabemos desde o primeiro
episódio que Paul está sendo processado pelo pai de Alex – seu
paciente da primeira temporada que supostamente cometeu
suicídio em um “acidente” com um avião da aeronáutica.
Conhecendo a série, tem-se a impressão que (no que se
refere a Walter) a escuta de Paul fica contaminada por questões
não elaboradas em relação a seu próprio pai. Além disso, tem
as questões referentes à própria filha de Paul, intencionalmente
ressaltadas no roteiro como pano de fundo para esse primeiro
episódio. Os roteiristas da série sabem o que fazem! Vê-se a
mão do supervisor-psicoterapeuta no roteiro. Basta lembrarmos
como o episódio começou: Paul deixava um recado telefônico na
caixa postal de Rosie, sua filha. Enquanto vemos ele fracassar na
tentativa de falar com ela, podemos notar a proteção de tela do
computador de Paul, um slideshow com fotos dos filhos.
Em relação ao contrato e as regras da terapia, costuma-se
dedicar as primeiras consultas para avaliarmos o quadro clínico
do paciente, como o mesmo funciona, se somos a pessoa mais
indicada para trabalhar com ele, se a dupla paciente-terapeuta
trabalha bem, se há empatia em relação a ele, e qual o melhor
tratamento para o mesmo.
Com um paciente como Walter, um enquadre a uma
sessão semanal parece insuficiente. Caso o paciente volte para
a segunda entrevista – e Walter volta – um período de prova,
a duas sessões por semana, pode ser útil para amenizar as
resistências e desconfianças do mesmo. As regras da terapia
devem ser trabalhadas com cautela, para não acionar questões
de conteúdo persecutório, em relação ao terapeuta e ao
tratamento. O mais importante neste primeiro contato é escutar
com respeito, interesse e empatia o que o paciente nos trás,
trabalhando primeiramente o vínculo entre terapeuta e paciente.
As idéias apresentadas neste texto servem somente para
introduzir alguns aspectos sobre a prática clínica. Um exercício
útil para se refletir criticamente como a profissão é exercida, como
é vista pelos outros e como é apresentada pela mídia. Diversos
outros comentários podem ser feitos em relação a Walter e sua
psicoterapia com Paul. A proposta deste artigo foi analisar um
episódio somente. Muitos outros vértices de observação podem
ser utilizados, mas isso é assunto para ulteriores discussões.
De modo algum se busca encerrar o assunto, sendo este texto
apenas um ponto de partida.
Referências
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Fontes Editora.
Etchegoyen, R. H. (1989). Fundamentos da técnica psicanalítica. Porto
Alegre: Artes Médicas.
Freud, S. (1913). Sobre o início do tratamento (Novas recomendações sobre
a técnica da psicanálise I). In Obras psicológicas completas de Sigmund
Freud: edição standard brasileira. Rio de Janeiro: Imago (Trabalho
original publicado em 1988)
Gladwell, M. (2005). Blink – a decisão num piscar de olhos. Rio de Janeiro:
Ed. Rocco.
Jones, E. (1975). A vida e a obra de S. Freud. (2ª ed.). Rio de Janeiro: Imago.
Keidann, C. E., & Dal Zot, J. S. (2005). Avaliação. In C. L. Eizirik, R. W.
Aguiar & S. S. Schestatsky (Orgs.), Psicoterapia de orientação analítica:
fundamentos teóricos e clínicos (pp. 193-205). Porto Alegre: Artmed.
Lacoste, P. (1992). Psicanálise na tela: Pabst, Abraham, Sach, Freud e o filme
os segredos de uma alma. São Paulo: Jorge Zahar Ed.
Perrotti, P. (2003). Freud e la terapia. In Collana Echi di Psicoanalisi: quaderno
1 – L’Attesa. Roma: Edizione Kappa.
Yalom, I. D. (2007). Os desafios da terapia. Rio de Janeiro: Ediouro.
Zimerman, D.E. Fundamentos psicanalíticos: teoria, técnica e clínica. Porto
Alegre: Artmed, 1997.
Recebido em agosto/2011
Revisado em novembro/2011
Aceito em dezembro/2011
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