→ A Fofoca é Nociva? “Fofoca não é apenas um comentário tendencioso sobre alguém. Para a psicanálise a fofoca nunca é uma banalidade, pois é da ordem da agressividade e há duas possibilidades: ou se trata de rivalização dissimulada que visa a anulação de outrem, ou se trata de perversidade. O “fofoqueiro” investe-se de causa da causa como se fora causa alheia, para deste lugar pretendido (de objeto a), investir-se perversamente do lugar de Outro (como se quisesse ocupar o lugar de todos). Sua forma mais branda é a rivalização, que é da ordem da histeria e, toma a forma de denegrição do Outro, lá se busca de outrem algo ou alguém sobre quem se faz à fofoca. Isto foi despertado por uma relação de inveja, seja pelo sucesso consistente, seja pela suposição de que outrem obtenha sucesso. E a angústia frente à pequena imortalidade na melhor das hipóteses, mas se o coletivo der crédito ao dito, configura-se como perversão. Sua forma mais grave é a calúnia, a fraude, pois são da ordem da perversidade, são centradas na anulação do superego ou no desmentido do ideal-de-ego, e busca-se a morte civil, ou seja, a denegrição em vida do Outro. É uma transgressão de aparente caráter moral, mas na realidade é uma violação ética, uma violação da lei que aniquila não física, mas moralmente alguém. Não se mata fisicamente ninguém, mata-se a imagem de alguém. Alguns poderão se levantar em defesa da fofoca, salientando que os comentários são verdadeiros, que partem de fatos verídicos. A fofoca não remete ao fato “verídico ou não”, senão como álibi que disfarça a intenção do contar, que travestida de moralidade, de exercício da virtude, da apologia da inocência moral, não passa de dissimulação do perversismo (pequenas perversões). Mata-se pelo descrédito usando no lugar da arma, a pena (caneta), no lugar do mando do crime, a fala. Realmente, um comentário aparentemente não é fofoca, mas não deixa de ser outro desvio ético, é uma inconfidência, e no campo em que o silêncio garante a verdade e a inviolabilidade do dito, como o da psicanálise, isto é da ordem da perversão. Comentários ainda que partam de fatos verdadeiros, são aumentados a cada vez, que são recontados e, caracterizam-se ora como uma violação de um pacto de silêncio, pois se trata da exposição da privacidade de alguém, ora assemelha-se a razão cínica que “sabe” mas mesmo assim diz, em nome do culto a morte de outrem. Concluindo, do ponto de vista da agressividade não há distinção entre quem ouve ou quem gera a fofoca, uma vez que o gozo-a-mais está presente nas duas formas e principalmente na gratuidade do crédito dado aquilo que deveria ter sua verdade estabelecida. Sendo assim, recontála não ter sequer o álibi da condescendência da imotivação de Otelo, peça shakespereana onde a fofoca leva a morte. Se Hamlet (outra peça shakespereana) está diante da vendeta psicótica, Iago representa a perversão que ao chegar ao também psicótico “ouvido” do rejeitado Otelo, leva-o ao crime. Logo, ser condescendente com a fofoca é utilizar um álibi agressivo em relação a algo que o falante não consegue dar conta. Sendo assim, continuam a fofocar, pois sabem, mas mesmo assim...” Márcia Tolotti