Em interessante artigo sob o título PONTO-E

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Em interessante artigo sob o título PONTO-E-VÍRGULA, publicado neste importante
boletim em data de 06.05.2003, a eminente DESEMBARGADORA MARIA BERENICE
DIAS discorre acerca do que entende deva ser a correta interpretação do inciso I do
artigo 1.829 do Código Civil, mais especificamente no que se refere à hipótese em
que o cônjuge casado pelo regime da comunhão parcial de bens concorre com os
descendentes na herança. Sustenta, em suma, a ilustre articulista – pelos
fundamentos que lá invoca – que, contrariamente à interpretação que até agora se
tem dado, a concorrência do cônjuge com os descendentes somente se dá quando
inexistem bens particulares do autor da herança.
O ponto de vista de minha estimada colega, no entanto, colide com aquele que
sustentei em artigo anterior, já veiculado nesse SITE, razão pela qual, para
incrementar o debate que, por certo, somente propiciará o aprofundamento da
reflexão, é que passo a analisar os argumentos por ela expendidos.
Divirjo de sua interpretação gramatical fundamentada no fato de que, segundo
sustenta a autora, "o sinal de pontuação ponto-e-vírgula, que tem por finalidade
estabelecer o seccionamento entre duas idéias". Com a devida vênia, não é o que
ensinam os gramáticos.
ADALBERTO J. KASPARY (in HABEAS VERBA – PORTUGUÊS PARA JURISTAS – 1994
– Livraria do Advogado Ed. – p. 136 e segs.), depois de admitir que o "caráter
impreciso do ponto-e-vírgula dificulta sobremaneira qualquer tentativa de
normatizar-lhe o uso", passa a elencar diversas hipóteses de cabimento dessa
pontuação, ensinando que, entre outras situações, utiliza-se o ponto-e-vírgula "para
separar as partes, séries ou membros de frases que já estão interiormente
separados por vírgula". Em idêntico sentido é a lição de ROCHA LIMA (GRAMÁTICA
NORMATIVA DA LÍNGUA PORTUGUESA – 1963 – F. BRIGUIET & CIA. EDITORES – p.
548 e segs.).
E é bem esse o caso do inciso I do art. 1.829 do Código Civil, onde se tem uma
longa frase, em que já havia o emprego da vírgula em três oportunidades. Nada
mais natural, assim, que fosse, na quarta, empregado o ponto-e-vírgula, sob pena
de inviabilizar a compreensão da idéia expressada. Isso, no entanto, não significa
qualquer segmentação entre a primeira parte da frase e a última, o que somente
seria possível se utilizado fosse o ponto final. Assim, com a devida vênia, a
interpretação gramatical não favorece a tese de que há no dispositivo legal em foco
um seccionamento entre duas idéias, o que afastaria a dupla negação.
Ocorre, ademais, que essa DUPLA NEGAÇÃO (que resulta da associação do "SALVO
SE..." (...) com o "NÃO HOUVER DEIXADO BENS PARTICULARES") está evidenciada
também no emprego do OU – que é uma conjunção alternativa, que, por sua
própria natureza, relaciona, os elementos da frase (por isso, repito, não há como
segmentar a seqüência enumerativa). Ou seja, estão sendo explicitados ali quais são
os regimes de bens em que não há concorrência, e, dentre esses, em último lugar
na seqüência enumerativa, está o regime da comunhão parcial onde não haja bens
particulares. Contrariamente, havendo bens particulares, há concorrência.
Por fim, também a interpretação finalística do dispositivo legal não é favorável à
tese defendida pela aguerrida magistrada. De acordo com o que esclarece o PROF.
MIGUEL REALE, a razão determinante da concorrência do cônjuge com os
descendentes, no regime da comunhão parcial, é justamente prevenir o desamparo
em que ficaria o cônjuge sobrevivente na eventualidade de o autor da herança haver
deixado apenas bens particulares, circunstância em que, não fosse a regra da
concorrência, o sobrevivente, que não teria direito à meação, não seria também
herdeiro, ficando desta forma inteiramente desprotegido (salvo, é claro, a hipótese
de ser contemplado em testamento). Por esse motivo é que lhe foi assegurado
direito a concorrer com os descendentes, COMO HERDEIRO DOS BENS
PARTICULARES. Assim, é certo, com a devida vênia, que a concorrência
somente se justifica QUANDO HÁ BENS PARTICULARES, e não ao contrário,
como sustenta a brilhante articulista ! E isso também pela singela razão de que,
quanto aos bens comuns, o cônjuge já tem direito à meação, não havendo motivo
para uma dupla contemplação (meação mais direito à herança).
Em conclusão, tenho como evidenciado que a concorrência do cônjuge com os
descendentes, no regime da comunhão parcial, somente se dá quando há bens
particulares do autor da herança, e não o contrário.
(*) Desembargador do TJRS, Presidente do IBDFAM-RS e Professor das Escolas da Magistratura e do MP - E.mail:
[email protected]
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