33º Encontro Anual da ANPOCS GT 12: Desafios e Dimensões Contemporâneas do Desenvolvimento A crise financeira e o Brasil, em perspectiva comparada - Argentina, Brasil, Coréia do Sul e Espanha Angelita Matos Souza Outubro de 2009 2 Resumo: O texto está dividido em três tópicos. O primeiro com considerações breves sobre a crise iniciada nos EUA; no segundo discorremos sobre as reformas econômicas a partir dos anos 1980 nos quatro países em foco, abordando o tema da internacionalização econômica; no último tópico, concluiremos com um balanço rápido do trabalho apresentado. I. Breves considerações sobre a crise atual1 Uma olhada nos jornais/revistas ao longo do último ano não deixa de surpreender. Diante dos assustadores setembro e outubro de 2008, prosperaram as profecias em torno do fim iminente da supremacia mundial do dólar e do poder global dos EUA, ou, do próprio capitalismo. Mas da crise do subprime à crise global, crise estrutural do capitalismo, crise de superprodução, fim da hegemonia americana, passamos para o discurso atual em torno da superação da crise que se iniciou no setor imobiliário norte-americano. A crise foi, sobretudo, uma crise do subprime? O pior já passou? Ou, em função do enorme aporte de recursos públicos despejados nos mercados, a crise piora mais lentamente? A próxima onda já estaria a caminho e, na medida em que não se construiu ―diques e barragens‖, seria mais catastrófica? Assim como há um ano, hoje também predominam os palpites sobre o futuro da crise ―superada‖. Da nossa parte, acreditamos que a crise do subprime está articulada às contradições do padrão de acumulação consolidado nas últimas décadas, atingindo a economia real norte-americana e aproximando-se de uma crise financeira mundial devido ao centro da sua origem/ocorrência. Encontra-se aparentemente contida pela ação dos Estados, mormente o norte-americano; porém, mesmo que controlada, os EUA sairão menos poderosos desta 1ª década do século XXI e, novas ―ondas‖ sempre estarão a caminho, na medida em que não se constrói ―diques e barragens‖ para contê-las (se é que é possível fazê-lo efetivamente). A seguir, gostaríamos de tecer algumas observações breves sobre as causas da crise, antes da abordagem dos casos que propomos analisar (Argentina, Brasil, Coréia do Sul e Espanha). 1 Algumas das poucas citações realizadas não trazem a página por serem extraídas de textos curtos, na maioria via internet, de fácil localização; já as citações extraídas de livros contêm as páginas. 3 A crise do subprime foi gerada pelo ―novo padrão sistêmico de riqueza‖, consolidado após o colapso do mundo socialista/fim da guerra fria - decorrentes das contradições internas ao bloco socialista e impulsionado pela política militar expansiva dos EUA nos anos 1980. Desde então, assistimos à articulação crescente entre militarismo norteamericano e economia ―financeirizada‖, com o financiamento da política de poder (militar) dos EUA passando por Wall Street, pelo financiamento do endividamento público americano por parceiros asiáticos, europeus, latino-americanos. Os investimentos no setor bélico-industrial serviram tanto à liderança político-militar mundial dos EUA como à sua liderança em setores tecnológicos de ponta, estimulando os investimentos em bens de capital e na investigação e desenvolvimento de produtos e criação de novas indústrias. A elevação dos juros pelo governo americano em 1979 (que, entre 1978-1981, foram de 8,7% para 17%) deteve a tendência à desvalorização do dólar e redirecionou o fluxo do capital financeiro para os EUA, permitindo o financiamento de despesas militares que contribuíram para o colapso do mundo socialista, elevando o país a um poderio militar e financeiro sem paralelo. O influxo de capitais para os EUA e a valorização do dólar (reafirmando seu papel de moeda padrão internacional), após breve recessão, permitiram um novo ciclo de crescimento econômico a partir de meados dos anos 1980. De lá para cá, a combinação de despesas militares em alta com o dólar-flexível, abertura da economia americana à China, importação barata estimulando o consumo, compra de insumos importados, redução de impostos, foi tudo muito estimulante para a maior economia do mundo, a despeito de um crescimento contínuo do déficit americano (ou graças a este). (Fiori e Tavares, 1997; Fiori, Serrano e Medeiros, 2008) E a articulação de interesses capitalistas globais – fundamentalmente, financeiros - passa pelo financiamento dos déficits americanos, seja por meio das reservas em moeda forte aplicados em parte nos títulos do Tesouro americano e/ou das altas taxas de juros praticadas em mercados emergentes. Eis o ponto central da articulação entre o Estado norte-americano e o capital financeiro internacional: precisamente, sua posição de maior devedor do mundo. Praticamente todos os países capitalistas relevantes têm acumulado reservas em dólar, em parte aplicadas em ações, obrigações e títulos americanos; além dos juros altos praticados em mercados periféricos, cuja contribuição ao funcionamento do sistema é fundamental. 4 Dessa forma, se a possibilidade de guerras constitui o princípio ordenador do sistema internacional de Estados, como defende exaustivamente José Luís Fiori (2007; 2008); é igualmente importante o seu papel ―estimulador‖ à economia interna dos EUA. Sem o crescimento significativo das despesas militares, seguramente, não assistiríamos ao boom do setor imobiliário naquele país (nem à sua crise). Como argumenta Fred Magdoff (2006), na ausência do enorme orçamento militar, seria preciso um aumento significativo nos investimentos diretos do setor privado para impedir um quadro recessivo neste início de século. Sendo que mesmo com o aumento nas despesas militares e aquecimento do mercado imobiliário, a falta de crescimento da economia real, comparada aos seus níveis de endividamento foi surpreendente. Conforme Magdoff (2006): (...) Na década de 1970 a dívida ativa era cerca de 1,5 vezes a dimensão da atividade econômica anual do país (PIB). Em 1985, era o dobro do PIB. Em 2005, a dívida total dos EUA era quase 3,5 vezes o PIB do país (...), e não longe dos US$ 44 milhões de milhões de PIB do mundo todo. Por sua vez, o processo de finaceirização global e a consolidação do novo padrão sistêmico da riqueza, conforme Braga (1997), o modo de ser da riqueza contemporânea, traz para o centro da acumulação capitalista o capital a juros e a institucionalização do rentismo. A financerização – que se traduz, na prática, num sistema global de especulação financeira – é sistêmica porque intrínseca ao sistema tal como ele foi se configurando, sendo parte constitutiva e fundamental da dinâmica do seu funcionamento atual. Para o autor, este modo de ser do capital financeiro atualmente só pode ser apreendido tendo em vista as transformações recentes da economia mundial, que, a partir dos EUA, foram se difundindo globalmente. Sem dúvida, nas últimas décadas, um intenso processo de internacionalização do capital marcou o funcionamento da economia mundial, permitido pelo nível de desenvolvimento das forças produtivas e conferindo um caráter eminentemente novo à internacionalização capitalista atual, sob a égide do capital financeiro. A atividade financeira assume uma proeminência mundial sem precedentes – possibilitada pelo nível de desenvolvimento nas áreas de informática e telecomunicações em geral. Proeminência que tem se traduzido na (1) superioridade das taxas de crescimento da riqueza financeira comparada às de crescimento do produto e do estoque de capital, com a ampliação das funções financeiras no interior das grandes corporações e a expressiva participação dos lucros 5 financeiros nos lucros totais destas; (2) formação dos grandes ―conglomerados de serviços financeiros‖ e acirrada concorrência entre eles, intensificada pelas desregulamentações dos mercados nacionais; (3) expansão dos déficits públicos, acompanhada da maior interdependência entre governos e mercados financeiros, com estes últimos ―dirigindo‖ as variações interdependentes das taxas de juros e câmbio no interior das formações sociais, influenciadas pela economia e moeda americana. (Braga, 1997) Claramente, o efeito mais perverso deste novo padrão de acumulação é o desemprego estrutural - seja em decorrência do declínio dos investimentos produtivos, seja devido aos avanços no campo da informatização (no setor de serviços e no produtivo) ou à preferência pela liquidez e pelo curto prazo (os excedentes financeiros das empresas são em geral reaplicados nos mercados financeiros)2. A preferência pela liquidez e o curto prazo implica no predomínio da lógica patrimonial sobre as demais esferas da economia, reforçando a tendência ao domínio do capital a juros sobre o dinheiro e outras formas de propriedade/capital (Belluzzo, 1997). E a financeirização, conforme Braga (1997:196), não decorre apenas da práxis de segmentos e setores – o capital bancário, os rentistas tradicionais – mas, ao contrário, tem marcado as estratégias de todos os agentes privados relevantes, condicionando a operação das finanças e dispêndios públicos, modificando a dinâmica macroeconômica. O volume atual de capitais movimentado no mercado financeiro global supera em muito o do comércio internacional de mercadorias, envolvendo mais extensamente (direta ou indiretamente) segmentos nada desprezíveis da ―sociedade civil‖ de todo o mundo no mercado financeiro global. Este último aspecto é que torna ainda mais complicada qualquer redução dos Estados a meros ―comitês executivos‖ dos negócios da burguesia (financeira), pois além de condensação de forças dominantes heterogêneas, as políticas estatais (a econômica em especial) também representam segmentos nada desprezíveis à opinião pública nos Estados nacionais, não pertencentes à classe dominante (setores médios A e B), mas atuantes nos mercados financeiros3. 2 Tendência agravada recentemente pelos desdobramentos da crise americana, mas neste caso o aumento do desemprego é mais conjuntural que estrutural. 3 E se os conflitos de interesses dominantes têm mais chances de contemporização nos mercados financeiros, o mesmo não se dá com os interesses/reivindicações de grande parte dos trabalhadores assalariados, cuja dimensão político eleitoral pode não importar tanto aos 6 Este processo de internacionalização do capital avançou (e avança) sobre a periferia do sistema por meio da incorporação das estruturas produtivas e de serviços existentes - as aquisições e incorporações de empresas já existentes são preferíveis à criação de nova capacidade produtiva. E por toda parte, as fusões e associações tornaram-se mais do que nunca condições de sobrevivência no mundo (dos negócios) contemporâneo, pois o acirramento da concorrência intercapitalista em termos mundiais supõe a forte concentração de capitais. O mundo ―pertence‖, cada vez mais, a um estrito clube de grandes empresas, localizadas, sobretudo, no Centro, onde se encontra o comando capitalista sobre o fluxo de capitais financeiros, sobre as moedas e o progresso tecnológico. A crise do subprime é decorrência deste modelo de acumulação ―rentista‖, altamente contraditório, cujo coração é Wall Street. O afluxo de recursos destinado ao financiamento do endividamento público americano, articulado à política econômica bélico-industrial, foi estimulante à economia americana ao ponto de gerar expectativas de consumo, baseada em créditos baratos/juros baixos, acessíveis às classes menos favorecidas. Num modelo altamente concentrador, plutocrático, de acumulação, a inclusão social via crédito (pelo ―mercado‖) não poderia ter vida longa – basicamente, quando o ―pobre‖ empresta muito (como os países pobres na década de 1970) gera-se uma crise de desconfiança. Eis o segredo da crise do subprime, o modelo é para poucos e foi indevidamente expandido4. Se será possível reafirmá-lo em ―sua essência‖, é difícil responder. Por enquanto é o que está se tentando. Rick Wolff (2009) chama atenção para os dados de agosto de 2009 do Bureau of Labor Statistcs do Departamento do Trabalho dos EUA, que relatou um ganho de 6,4% na produtividade do trabalho no país. Isto porque os trabalhadores que não perderam seus empregos estão trabalhando mais arduamente e depressa, efetuando tarefas de trabalhadores demitidos. O que o autor considera uma combinação auto-derrotante que mina a recuperação real, pois enquanto o governo representantes do capital financeiro (parecem seguros em qualquer governo), mas importa aos governos e forças políticas locais. Argumento melhor desenvolvido por nós em Souza, 2009. 4 Ou seja, o ciclo de expansão econômica entre 1995-2008 apoiou-se muito mais na demanda dos consumidores artificialmente promovida pelo crédito fácil do que em investimentos produtivos dinâmicos, baseados num sistema financeiro articulado à economia real. Ver Gowan, 2009. 7 gasta muito para retirar a economia da recessão, a prática dos negócios deixa aos trabalhadores menos para gastar: Pelo seu trabalho mais árduo, mais rápido e portanto 6,4 por cento mais produtivo, aqueles ainda empregados viram os seus salários monetários subirem em somente 0,2 por cento entre o primeiro e o segundo trimestre de 2009. Quando o BLS levou em conta a ascensão dos preços que os trabalhadores têm de pagar, os seus salários reais (os bens e serviços que eles realmente poderiam comprar) caíram em 1,1 por cento. Tomado tudo em conjunto, estes números mostram que o patronato obteve um enorme aumento na produção por cada empregado, enquanto o que eles pagaram aos seus empregados impôs-lhes uma redução nos bens e serviços que podem comprar [além do medo (entre os que podem mais) de consumir, ao invés de poupar] 5. Quer dizer, os altos investimentos públicos, direcionados tanto ao setor financeiro como à economia ―real‖, a fim de evitar o aprofundamento da crise financeira e da recessão, não convergem com as práticas do setor privado. Neste sentido, a intervenção estatal para impedir a quebra de grandes bancos norte-americanos reforçou a disposição de arriscar dessas instituições - Wall Street e suas operações de alto risco, bônus generosos e lucros sem base real ressurgem das cinzas. O Goldman Sachs, por exemplo, apresentou lucros recordes em 2009 com operações arriscadas. O que é compreensível, segundo Myron Scholes (2009), pois quando se é considerado grande demais para quebrar e se tem a garantia do governo, a tendência é assumir mais riscos: Se você acerta, ganha muito dinheiro. Se erra e perde, o governo injeta mais dinheiro para te proteger, diz Scholes6. Por conseguinte, instituições fora da categoria dos grandes demais para quebrar, a fim de se protegerem (as que podem), estão transferindo seu risco para bancos como o Goldman Sachs, que faz dinheiro cobrando uma comissão alta (ibid.). Quer dizer, os grandes - parte do sistema financeiro que conta com ―proteção‖ governamental - podem arriscar mais às custas dos que não têm a mesma sorte. O que deve acabar, pois uma regulamentação maior está a caminho e deve limitar as operações de risco pelo sistema financeiro, prognostica Scholes. As dificuldades à sua implementação - para ser 5 O autor também chama atenção para a capacidade ociosa na indústria manufatureira norteamericana. Conforme dados apresentados por ele, em julho de 2009, a proporção da capacidade utilizada em toda a indústria manufatureira era de aproximadamente dois terços: ―(...) lado a lado aos 15 milhões de pessoas desempregadas hoje (sem falar nos subempregados), temos um terço da nossa capacidade industrial também desempregada‖, escreve Wolff (2009). 6 Myron Scholes, nobel de economia em 1997, devido à fórmula que abriu caminho à expansão do mercado de derivativos, em entrevista a Revista Exame de 09/09/2009. Sobre o ressurgimento de Wall Street ver também Carta Capital de 23/09/2009. 8 finalizada e aprovada pelo Legislativo americano – devem ser tributadas ao ―grau de incerteza‖ ainda muito elevado7. Mas se bem realizada, após a quebradeira e concentração recente, o sistema financeiro americano pode sair da crise fortalecido. Ademais, o lucro das grandes instituições nos últimos meses injeta ânimo e serve para diminuir a desconfiança na recuperação da maior economia do mundo, o que depende da capacidade de financiamento pelos EUA de seus crescentes déficits públicos. Eis aí o problema, a China, que tem sido o maior investidor em títulos americanos nos últimos anos, reduziu sua participação em 2008 e 2009, em prol dos investimentos na sua economia interna. Se aumentarem as dificuldades de financiamento, expandir a emissão de moeda seria a alternativa, já que cortes substantivos nos gastos públicos e/ou aumento de impostos seriam politicamente difícil e economicamente arriscado na conjuntura atual. No entanto, como a desvalorização da moeda americana teria efeitos muito ruins para a China e todos os países com reservas altas em dólar (e a China é o maior deles), o mais provável, conforme Fiori (2009), é que ocorra o aprofundamento da ―fusão financeira‖ entre a China e EUA, garantindo parte dos créditos que os norte-americanos precisam para a superação da crise. Afinal: Neste momento, não há perspectiva de superação do poder militar dos EUA, do ponto de vista de suas dimensões atuais, da sua velocidade de expansão, e da sua capacidade de inovação, apesar do seu insucesso no Oriente Médio. E tampouco existe no horizonte a possibilidade de substituição dos EUA como “mercado financeiro do mundo”, devido à profundidade e extensão dos seus próprios mercados e do seu capital financeiro, e devido à centralidade internacional da moeda americana. Basta olhar para a reação dos governos e dos investidores de todo mundo que estão se defendendo da crise do dólar fugindo para o próprio dólar, e para os títulos do Tesouro americano, apesar de sua baixíssima rentabilidade, e apesar de que o epicentro da crise esteja nos EUA. (Fiori, 2009) Fuga paradoxal para o dólar que o autor explica recorrendo à especificidade do sistema monetário internacional nascido à sombra da expansão do poder americano, após a crise da década de 70. Desde então, diz Fiori, os EUA se transformaram no ―mercado ―O mercado imobiliário, onde tudo começou, deu sinais de melhora nos últimos dois meses, mas segundo um relatório do Deutsche Bank, só atingirá o fundo do poço em 2011. Perdas com empréstimos imobiliários comerciais só agora começam a ser contabilizadas. E, com o desemprego crescendo, os calotes em cartões de crédtio podem chegar a 150 bilhoes de dólares até o fim de 2010, segundo estudo da consultoria Oliver Wyman‖. Revista Exame, 09/09/2009, p. 56-57. 7 9 financeiro do mundo‖ e o FED passou a emitir a moeda de circulação internacional, sem base metálica, administrada por meio das taxas de juros do próprio FED e dos títulos emitidos pelo Tesouro americano, que atuam em todo mundo, como lastro do sistema ―dólar-flexível‖; num caso único em que o devedor estipula a taxa de juros da própria dívida externa (Fiori, 2008)8. Como não existe nenhuma moeda capaz de substituir o dólar neste papel de moeda internacional; e sendo os valores internacionalmente expressos em dólares, as reservas e a poupança de muitas nações continuarão em dólar e/ou títulos americanos. O autor é firme na sua ―aposta‖: A crise atual começou na forma de um tufão, mas deverá se prolongar na forma de uma “epidemia darwinista”, que irá liquidando os mais fracos, por níveis sucessivos, nacionais e internacionais, e aprofundará a corrida imperialista que começou nos anos 90. Na hora da volta do sol poucos estarão na praia, mas com certeza os EUA ainda estarão na frente deste grupo seleto. (Fiori, 2009) Por certo que Fiori reconhece que, se a crise se prolongar (e as taxas de desemprego e consumo não melhorarem), haverá resistências e tensões sociais nos EUA e alhures, mas do seu ponto de vista não haverá uma mudança de “modo de produção” em escala mundial, nem a superação do sistema internacional de Estados tal como está caracterizado – basicamente, o autor defende os pressupostos ―realistas‖ da guerra como possibilidade e a decorrente política de poder expansionista/militar. A ―aposta‖ na capacidade de resistência dos EUA baseia-se, claro, em dados reais: no setor militar, os Estados Unidos parecem isolados num patamar único e, no setor monetário/financeiro, não há nenhuma moeda à vista capaz de substituir o dólar nas transações internacionais9. E o país ainda responde sozinho por mais de 20% do PIB mundial; das 100 maiores empresas do mundo, 29 são americanas; e, nos EUA, estão sediadas quase metade das 20 companhias mundiais que mais investem em inovação10. 8 Ver também artigos de Serrano e de Medeiros na mesma obra (Fiori, Serrano, Medeiros, 2008). Logicamente, se pressupõe o bom andamento da economia chinesa, porém, há quem suspeite disto, como David Smick, para quem a China pode ser a próxima ―bolha‖ da economia mundial. (www.g1.globo.com/Economia_Negocios23/08/09) Bom, aí, realmente o mundo passaria pela pior crise do capitalismo deste os anos 30. Mas por mais catastrófico que isso possa ser para os EUA, também poderia conferir autonomia ao Estado norte-americano para implementar um programa de reconstrução da indústria nacional e à ofensiva contra o domínio do capital financeiro articulado à indústria bélica. No médio/longo prazo os resultados poderiam ser positivos. 10 No que diz respeito à capacidade de inovação, Linda Weiss, em entrevista a FSP (14/09/2009), afirmou que os EUA possuem um sistema formidável de inovação baseado nas encomendas públicas que merece ser copiado. Embora, até aqui, predominantemente militar, com o Buy 9 10 Portanto, mais provável é que Fiori esteja certo; e que a regulamentação do sistema financeiro americano avance, contribuindo para a continuidade do financiamento dos déficits americanos por parte dos seus principais parceiros econômicos. O problema com a análise de Fiori (2007; 2008; 2009) é sua ênfase ―realista‖ na política de poder, segundo a qual o sistema internacional se alimentaria da possibilidade permanente de novas guerras: (...) do nosso ponto de vista, o que estabiliza – sempre de forma transitória – a ordem hierárquica do sistema mundial (...) é a existência de um conflito central e latente e de uma guerra potencial entre as grandes potencias (2007:31). Quer dizer, é a guerra como possibilidade que ordena o sistema e, no caso, por exemplo, das relações contemporâneas entre EUA e China, segundo o autor, é possível que nunca ocorra nenhuma guerra entre estes Estados - aliás, dispensável-, o que importa para a acumulação do poder e do capital nos dois países é a existência da sua possibilidade. (Fiori, 2007) Da nossa parte, enfatizaríamos mais a submissão do ―ethos guerreiro‖ internacional, como dínamo do funcionamento do sistema internacional de Estados, ao primado das contradições entre atividade financeira e atividade produtiva, acirradas sob o capitalismo financeiro liberalizado e, agora, ainda mais, pela crise ―americana‖. Assim, menos que à possibilidade de guerras como dínamo do sistema, fomentadas e fomentadoras do militarismo dos EUA; consideramos mais produtivo focar a análise sobre a dimensão local, de ―fuga para o pleno emprego‖, e a contribuição do militarismo à manutenção do ritmo de crescimento/capacidade de inovação na maior economia do mundo. Dessa perspectiva, fundamental é a ênfase sobre os vínculos entre o avanço do militarismo e o capitalismo liberalizado a fim de melhor entender a crise atual. Finalmente, apostaríamos que tendências recentes, como a de expansão do ―ethos guerreiro‖ americano, podem ser desaceleradas, por obra dos rumos políticos que vier assumir a contradição determinante à dinâmica de funcionamento do capitalismo contemporâneo, entre atividade produtiva e financeira (entre economia ―real‖ e ―especulativa‖). Do que Fiori (acreditamos) não discordaria, mas isto não alteraria o fundamental no funcionamento do sistema internacional: o pressuposto da guerra como possibilidade real (material/militar). Pode ser, mas a análise do sistema internacional tem American (cláusula do pacote de estímulo econômico aprovado nos EUA no início deste ano), o sistema vai ser estender ao âmbito ―civil‖. Sobre o poder militar americano ver Michael Mann (2007); sobre a moeda ver Serrano (2009). 11 que estar mais articulada à dimensão ―societária‖ nacional (e internacionalmente), sendo que o agravamento das tensões sociais nos países do centro e da periferia pode resultar em limites ao funcionamento deste sistema internacional de Estados e suas políticas de poder, coladas ao padrão sistêmico de riqueza consolidado nas últimas décadas. O enfrentamento da crise, por sua vez, demanda maior convergência entre políticas estatais e práticas do setor privado, o que o governo de Barack Obama terá de impor ou a crise não será controlada nem ele reeleito 11. E mesmo que obtenha êxito em controlar a crise, acreditamos que o poder mundial dos EUA sairá dela enfraquecido, todavia seguirá entre as potências mundiais, muito provavelmente ainda como líder num mundo, cada vez mais, multipolar - organizado em torno da América, Europa e Ásia12. II. Argentina, Coréia do Sul, Espanha e Brasil13 Neste tópico, abordaremos as vias de inserção internacional percorridas pela Argentina, Coréia do Sul, Espanha e Brasil nos anos 1980/90; a fim de melhor compreender o caso brasileiro. Neste sentido, privilegiaremos os casos da Espanha e Coréia do Sul; a Argentina servirá apenas de ilustração da via dependente, em contraposição ao modelo dependente-associado de inserção internacional. A distinção entre o dependenteassociado e o dependente diz respeito à capacidade de inserção internacional dos países periféricos, sendo que a idéia de dependência subjacente remete diretamente à dimensão política interna da dominação eminentemente financeira do Centro sobre a Periferia14. São as formas de associação/articulação com o capital financeiro internacional que permitem a distinção entre o dependente e o dependente-associado, formas essas delimitadas internamente (pela luta política envolvendo dirigentes estatais, disputas entre interesses econômicos diversos e a luta de classes), mas dentro do rol de possibilidades 11 Ou seja, não basta socorrer o grande capital, é preciso fazer concessões aos trabalhadores, atacando o Estado anti-social nos EUA. É o que defendeu, por exemplo, Tony Judt, no caderno Mais da FSP, em 13/09/2009. Para o autor, a reforma do sistema de saúde nos EUA representará um ponto de inflexão neste sentido. Quer dizer, a inclusão social pelo mercado (via créditos) deve ceder passo à inclusão pelo Estado (via políticas sociais). 12 Estamos entre aqueles que acreditam na emergência de um mundo multipolar com os EUA menos poderosos. Ver, por exemplo, Zakaria, F.(2008); Gersh, A. (2008). 13 Apresentaremos neste tópico uma versão resumida e/ou ―colada‖, com algumas alterações, de textos já apresentados em outros encontros acadêmicos: ANPOCS 2008; Congresso da SBS 2009; Congresso Brasileiro de História Econômica 2009. Não obstante, a tentativa de articulação de idéias nestes textos à questão da crise será realizada pela 1ª vez, sendo a abordagem sobre o Brasil distinta das anteriores. 14 Sobre a idéia de dependência ver Souza, 2001. 12 abertas pelas condições internacionais. O caso coreano e o espanhol foram mais exitosos que o caso brasileiro e enquadrar-se-iam melhor a qualquer definição de ―capitalismo dependente-associado‖. A despeito das diferenças, os dois países conquistaram uma inserção internacional mais privilegiada, se comparados ao Brasil (sem falar nas diferenças substancias em termos de ganhos sociais à população). Entretanto, adiantamos que num ponto são convergentes os processos de modernização tardia nos quatro países em foco: foram insuficientes para retirar estes países da lista das nações dependentes por meio da construção de um verdadeiro capitalismo financeiro moderno. E se entre os países do Centro predominam as relações de interdependência complexa15, este não é o caso das relações (de dependência) que mantém a Espanha e a Coréia do Sul com o centro capitalista. Diferentemente, por exemplo, do caso chinês: as relações EUA-China podem ser caracterizadas como de interdependência complexa, o que significa que a ―via nacional-estatal‖ de desenvolvimento capitalista na China escapou às relações de dependência ―tradicionais‖ para com os centros capitalistas, ou seja, não se trata de um ―modelo‖ dependente ou dependente-associado de desenvolvimento capitalista tardio. A Espanha enveredou pelo caminho da conformação de um capital financeiro e sua internacionalização sem contar com uma estrutura produtiva capaz de sustentar um verdadeiro capitalismo financeiro, no modelo das corporações americanas, das grandes empresas alemãs, ou dos conglomerados japoneses. A Coréia do Sul também não teve êxito neste sentido, inspirada na experiência japonesa de monopolização da economia (das grandes empresas familiares do século XIX, os zaibatsu, aos conglomerados produtivo-financeiros no século XX, os keiretsu), construiu corporações produtivas bastante competitivas internacionalmente. Mas ao contrário da experiência japonesa, na qual a articulação entre atividades produtiva e financeira daria origem ao moderno capital Utilizamos aqui a expressão ―interdependência complexa‖, extraída de Robert Keohane e Joseph Nye (1989), alterando um pouco o seu sentido. Os autores a utilizam no campo do debate realismo versus liberalismo, contrapondo política de poder (político-militar) e econômica (interesses econômicos comuns). Já nós a utilizamos para caracterizar as relações de interdependência num mundo de poderes assimétricos no qual a ―interdependência complexa‖ definiria as relações entre os países centrais (marcada tanto pela interdependência como pela competição intercapitalista entre eles); já em se tratando dos interesses da semiperiferia, se confrontados com os dos países centrais, tendencialmente predominarão os destes últimos; o que normalmente acontece nas relações entre a periferia e os países centrais. Claro que tudo depende das conjunturas, dos negócios em jogo e das alianças realizadas; estamos nos referindo às tendências dominantes. 15 13 financeiro, o caso coreano, por mais exitoso que possa ser considerado, ainda não alcançou este resultado. Já o Brasil, onde o processo de monopolização da economia foi intenso, não logrou nem a competitividade internacional da indústria coreana, nem a internacionalização ―financeirizada‖ à espanhola. Vejamos a seguir o caso argentino. 1. Argentina O processo de industrialização argentino não avançou o suficiente, no sentido de legar à Argentina uma burguesia local e/ou uma burocracia capaz de opor resistências às reformas neoliberais dos anos 1990. A classe média (média/alta), relativamente forte na Argentina, sempre foi mais afinada com os interesses ―cosmopolitas‖ que com interesses ―nacionalistas‖ e o liberalismo visto com simpatia, pois associado ao auge da economia agro-exportadora no início do século XX. Neste sentido, a re-especialização produtiva se impôs quase como uma ―vocação‖ face à globalização (devido mesmo a fatores histórico-culturais). Com as reformas dos anos 1990, o circuito financeiro como espaço de lucros e expansão/conservação patrimonial favoreceu ainda mais o apoio às reformas neoliberais pelas classes privilegiadas. Resumidamente: ampla privatização das empresas públicas e abertura comercial (desindustrialização); liberalização financeira (desnacionalização do sistema bancário); reformas trabalhistas de cunho neoliberal, ataque aos direitos sociais (à previdência); e um programa de estabilização, baseado numa taxa de câmbio assentado na paridade com o dólar - Currency Board. Sob o impacto da crise econômica ao final de 1994 no México, surgiram os primeiros sinais de vulnerabilidade, agravados na segunda metade dos anos 1990 por novas adversidades no front externo - crise asiática (1997-98); crise da Rússia (1998); desvalorização da moeda brasileira (1999). Os efeitos negativos sobre as exportações argentinas, o peso crescente das taxas de juros sobre as finanças públicas, conjugados à manutenção da Lei da Conversibilidade levariam à derrocada da economia - déficits crescentes, aumento da desconfiança e fuga de capitais. A moratória viria em dezembro de 2001. Ao ―modelo‖ seguido pela Argentina, acima resumido, denominaremos dependente, marcado pela aposta na re-especialização produtiva, desindustrialização e desnacionalização da economia. E sem defender as formas assumidas pela abertura econômica/privatizações, o fato é que não havia muita alternativa além da re- 14 especialização produtiva e o país terá de atuar nos limites das ―vantagens comparativas‖, tentando extrair o máximo de vantagens da concorrência capitalista mundial e/ou regional – mais difícil no momento, com a crise econômica diminuindo seu poder de barganha. 2. Coréia do Sul A Coréia do Sul tem sido apontada como um caso exitoso de desenvolvimento capitalista tardio, resultando na conformação de grandes conglomerados produtivos, os chaebols (Samsung, Hyundai, Daewoo, LG etc.). Estes evoluiriam da produção industrial mais simples, nos anos 1960, à indústria pesada e química nos 1970 (crescendo a taxas expressivas nos setores de máquinas, ferramentas, indústria naval e automobilística), ganhando significativa importância, a partir dos anos 80, o setor eletrônico e de telecomunicações16. A peculiaridade da experiência coreana foi, por meio de estatização do sistema bancário (entre 1961/80) e do controle/gerenciamento do acesso ao crédito externo e interno, o Estado selecionar e premiar empresas/setores prioritários às políticas de desenvolvimento em curso, sendo os investimentos diretos estrangeiros orientados à associação com empresas coreanas (joint-ventures). Entre 1981-83, os bancos seriam privatizados e quem assumiria o controle acionário seriam os chaebol maiores. A privatização dos bancos comerciais, embora não tenha afetado o papel do Estado de bancador ―em última instância" da expansão econômica (dos grandes projetos, setores estratégicos, P&D), fortaleceria a tendência à autonomia financeira pelos grandes conglomerados, visando diminuir a dependência dos empréstimos sob crivo governamental. E ainda que a atividade financeira estivesse subordinada aos projetos expansionistas da atividade produtiva, mantendo-se em alta os níveis de endividamento, acreditamos que a economia coreana caminhava para a conformação de um capitalismo financeiro moderno, não fosse atropelada pela crise asiática de 1997/98. Entre 1990 e 1998, os investimentos no exterior superariam, em quantidade e em montante, os investimentos estrangeiros no mercado doméstico; concentrando-se na América do Norte e na Ásia. Nestes anos, os maiores chaebols foram se especializando e 16 Nos limites deste texto não há como discorrer devidamente sobre a história do desenvolvimento na Coréia do Sul, gostaríamos apenas de indicar como, a despeito de seu êxito internacional, trata-se de um modelo dependente-associado e/ou de uma semiperiferia. 15 monopolizando alguns poucos setores (eletrônicos, por exemplo, ficaram com os três maiores— Samsung, Hyundai e LG). Tendência à concentração e especialização acentuada nos anos pós-crise financeira de 1997/98, seguindo as orientações do FMI, mas que vinha desde a integração na OCDE, em 1996. O crescimento no volume de investimentos no exterior deu-se preferencialmente no setor manufatureiro, concentrando-se na própria Ásia (na China em especial), seguida da América do Norte e da União Européia. E, se nos anos 1980, a parceria com o Japão foi fundamental, neste início de século foram os negócios com a China e o crescimento da economia chinesa o decisivo, permitindo a rápida recuperação da economia coreana pós-crise (a China tornou-se o 1º destino dos investimentos diretos coreanos e o 1º parceiro comercial). (Masiero, 2007; Oliveira, 2007) Em 2001, quando a Coréia do Sul saldou antecipadamente seus débitos junto ao FMI, o valor das exportações coreanas alcançou os 38% do PIB e, em 2005, já era de mais de 45%. Em 2004, a manufatura foi responsável pela absorção de 53% do total dos investimentos no exterior e a Coréia do Sul investiu na China o equivalente a 37,8% dos investimentos totais do país naquele ano, sendo que dois quintos aplicados no setor manufatureiro; ao passo que a China passou a ser grande importador de produtos intermediários da Coréia do Sul. No mesmo ano, os investimentos estrangeiros na Coréia do Sul estavam distribuídos ―na proporção de 30% em portfolio e 70% em novas fábricas e instalações‖ (Masiero, 2007). Atraídos pela localização geográfica privilegiada, e incentivos diversos (fiscais e creditícios), a participação estrangeira (valor das ações em trilhões de wons) na Bolsa de Valores sul-coreana passaria de 10,45, em 1997; para 76,6, em 1999, e 88,2 em 2001. Dados da participação estrangeira por empresas ao final de 2001 (% em empresas/subsidiárias) dão uma dimensão do processo de desnacionalização pós-crise: Kookmin Bank, 71,1%; Samsung Eletronics, 59,7%; Samsung Insurance, 51,6%; Posco, 61,9%; Hyundai Motors, 52,6%; SK Telecom, 32,4%. (Masiero, 2007) Da participação majoritária do capital estrangeiro em algumas empresas não se deve deduzir o controle do chaebol, pois em geral diz respeito a subsidiárias deste. E a despeito da abertura econômica, segundo Masiero (2007), ainda é complicada (política e burocraticamente) a entrada de recursos externos na Coréia do Sul. Mas não há dúvidas que a economia coreana avançou para um modelo bem mais aberto nos anos 90 e início 16 deste século, estabelecendo associações/parcerias produtivas, comerciais e financeiras com empresas/capitais de origem estrangeira. Indubitável é também o sucesso dessa experiência de capitalismo tardio, elevando a Coréia do Sul a uma posição de periferia de 1ª classe17. Neste sentido, foram decisivos os investimentos em P&D18. Não obstante, a Coréia do Sul continua dependendo fortemente da capacidade inovadora – especialmente, nas TIC – dos países centrais. Sua economia é muito dependente das exportações, sobretudo para os EUA e China, e, portanto, do bom andamento da economia mundial e do crescimento nestes dois países 19. Além disso, as parcerias/associações com a China não eliminam a concorrência internacional entre os dois países, sendo que o diferencial entre qualidade/quantidade tem se reduzido em detrimento do produto coreano (quantidade chinesa x qualidade coreana)20. Devemos acrescentar ainda que, o trabalhador coreano, é caro e politicamente ativo comparado ao chinês, sendo que num momento em que é preciso estimular o consumo interno, devido à queda nas exportações, investir e/ou transferir estruturas produtivas para a China não é o mais acertado. Ou seja, se a associação com a China tem ―segurado‖ a Coréia do Sul nesta crise, as relações entre os dois países são bastante contraditórias, sendo provável que a Coréia do Sul se torne, cada vez mais, dependente da China – contudo, podendo Conforme Gilmar Masiero (2007): ―O seu setor de construção naval é o primeiro do mundo. O de produção de semicondutores é o terceiro em escala mundial e o eletrônico o quarto. Os setores automobilístico e siderúrgico estão na quinta posição do ranking mundial dos maiores produtores. Esses são os principais setores responsáveis pelos mais de US $ 300 bilhões em exportações em 2006‖. 18 Conforme Amaury Porto Oliveira (2007): ―(...) a participação dos gastos com P&D no PIB do país. (...) era [em 2002], na Coréia do Sul, de 2,91%, cifra próxima da do Japão e maior do que a dos EUA (2,82%). Na China, a cifra correspondente foi de apenas 1,23%, em 2002. O número de estudantes de nível terciário, na Coréia do Sul, foi em média 23,2% da parcela da população de idade correspondente, entre 1995 e 1997. De acordo com o PNUD (2001), somente a Finlândia e Cingapura tiveram números maiores, no período. Todavia, em relação à totalidade da população, a densidade de cientistas e engenheiros é bem menor, na Coréia do Sul, do que no Japão ou nos EUA‖. Ver também Gilmar Masiero, 2007. 19 Depois de cair 5,1% no 4º trimestre de 2008, devido à queda nas exportações, o PIB sulcoreano cresceu 0,1% no 1º trimestre de 2009 e 2,3% no 2º trimestre, graças ao aumento das exportações (para a China em especial) e do consumo interno. 20 Conforme Amaury Porto Oliveira (2007): ―A Coréia do Sul supera a China em matéria de comercialização de tecnologias, mas a China tem muito conhecimento acumulado em ciência básica e tecnologias de defesa, física nuclear, ciência dos materiais, sensoriamento remoto, tecnologia aeroespacial e de satélites, tudo herdado da era maoísta. (...) A China já dispõe de mais de um milhão de pessoas envolvidas com C&T, possuindo cinco vezes mais cientistas e engenheiros do que a Coréia do Sul. Em anos recentes, a China vem obtendo avanços impressionantes em vários indicadores de absorção e produção de C&T‖. 17 17 ―jogar‖ com as disputas de poder entre chineses e japoneses no continente asiático e, entre China, EUA e Japão no âmbito internacional. Do ponto de vista monetário, a moeda coreana precisa equilibrar-se entre a moeda chinesa e a americana e sua situação face à moeda japonesa também é subordinada (ou seja, não se pode afirmar que detenha uma moeda forte). Os investimentos estrangeiros indiretos, a despeito dos títulos americanos e dos fluxos para paraísos fiscais, seguem subordinados aos investimentos produtivos. E como observou Dieter Ernst: ―um país torna-se crescentemente vulnerável, se tem alta parcela de eletrônicos na sua pauta exportadora, se está estreitamente integrado nas cadeias produtivas globais e se depende de exportar para os EUA‖ (citado por Oliveira, 2007: 37). 3. Espanha O segredo do ―sucesso‖ espanhol, indubitavelmente deve ser buscado na integração à União Européia (e o enorme aporte de resursos europeus, sobretudo alemães, para a economia espanhola), mas passa pelas ―opções‖ internas que foram decisivas à consolidação de um capital financeiro espanhol. Interessa-nos destacar que políticas econômicas empreendidas nos anos 1980/90 levaram à consolidação do ―núcleo duro‖ da economia espanhola; sob a liderança do qual a Espanha (re) descobriu a América Latina. Fundamentalmente, chamamos atenção para o fato das inversões estrangeiras - com a democratização, abertura econômica, reorganização do mercado financeiro/acionário e privatizações -, menos que à compra e controle acionário de empresas espanholas, destinarem-se à sociedade/associação com o capital espanhol, favorecendo, política e economicamente, o poder internacional de grupos nacionais. Nos anos 1990, a maior adesão ao receituário liberal implicaria na consolidação do ―núcleo duro‖ da economia espanhola, com a venda das últimas participações estatais em empresas do setor infra-estrutural e mais abertura/desregulamentação do mercado de capitais. Este ―núcleo‖, unindo bancos e setores infra-estruturais, organizou-se em torno de dois grandes grupos financeiros privados - o BSCH e o BBVA – e caixas de poupança de capitais públicos. Com o controle destes grupos sobre os setores infra-estruturais (nomeadamente eletricidade, gás natural, petróleo e telecomunicações), suas empresas liderariam o processo de internacionalização da economia espanhola nos anos 1990. E para além deste núcleo duro, predominantemente basco-catalão, existem ainda grandes 18 empresas, com bases setoriais diferenciadas conforme a região, que são fortemente internacionalizadas. No entanto, apesar do êxito expansionista, este deu-se sobre países, em geral, bastante vulneráveis às crises econômicas internacionais e à instabilidade política nacional (todavia, na crise atual, este não têm sido o problema); do ponto de vista científicotecnológico, a Espanha ocupa uma posição frágil, com pouco investimento em pesquisa e domínio do processo de inovação científico-tecnológico – dependente das transferências de países mais desenvolvidos. Sua posição face o Euro e à União Européia é muito mais de dependência que de interdependência e a economia espanhola organiza-se basicamente em torno do setor de serviços, contando com uma estrutura industrial modesta e bastante dependente das ―revoluções‖ alcançadas nos países centrais. Ademais, o crecimento econômico dos últimos anos, internamente, foi liderado pelo boom no setor imobiliário, financiado pelas instituições financeiras, e já esgotou seu ciclo expansionasta (e em crise, agravada pelo contexto internacional adverso). No último 15/09, o jornal El País noticiou que, embora os principais países da zona do euro já estejam, técnicamente, fora do quadro recessivo, a situação da Espanha continuará difícil e só deve melhorar a partir de 2010. As previsões são que os investimentos diretos estrangeiros continuem caindo (em mais de 30% este ano, contra os 14% em 2008) e as altas taxas de desemprego subindo (hoje em torno de 18,5%), acentuando ainda mais a queda no consumo. Muitas empresas já quebraram e a redução de crescimento do PIB deve superar as previsões do início do ano (que eram de aproximadamente 3%), contudo a queda deve ser contrabalançada pelo balanço externo mais favorável, com a redução das importações devido à recessão. A boa notícia era que as grandes empresas espanholas, internacionalizadas, como o Banco Santander e a Telefónica, não só sobrevivem à crise como devem terminar 2009 com bons resultados, graças aos investimentos na América Latina – e especialmente, no Brasil. Internamente, investimentos públicos - o governo espanhol gastou em média o dobro que outros países na zona do euro – também amorteceram as dificuldades, privilegiando as grandes empresas. Enfim, um país periférico (ou semiperiferia), cujo ―subimperialismo‖ tem resultado produtivo nesta crise (e não só na crise). 4. Brasil 19 O processo de desenvolvimento capitalista no Brasil levou à concentração/centralização do capital, tanto no setor produtivo como no bancário, mas independentemente um do outro21. O que diz respeito também aos anos 1990. E muito se girou em torno da idéia de capitalismo dependente-associado, mas os agentes do capital produtivo nacional e os do capital estrangeiro nunca foram propriamente sócios, fizeram negócios, dividiram mercados, estabeleceram alianças políticas, porém raras foram as fusões/associações entre as empresas de capital forâneo e as nacionais22. O processo de abertura e liberalização dos anos 1990 levaria mais à desnacionalização da economia brasileira que à associação/fusão entre capital nacional e estrangeiro. Nos anos 1980, com a crise da dívida e os programas de ajustamento orientados pelo FMI, em meio à forte elevação das taxas de inflação, desorganização das finanças públicas e redução nas taxas de investimento, o grande capital sobreviveu à crise, conservando (e ampliando) suas margens de lucro, graças, sobretudo, ao endividamento estatal. O processo de ―estatização da dívida externa‖ foi decisivo, mas a sobrevivência e reestruturação da grande empresa privada não teria sido possível sem o recurso aos títulos públicos. O endividamento público interno assegurou os lucros do grande capital, permitindo a formação de posições líquidas credoras em favor do setor empresarial, do contrário impossíveis nas condições recessivas dos anos 1980. (Belluzzo e Almeida, 2002) As grandes empresas puderam preservar (e expandir) suas margens de lucros, desendividarem-se (e/ou não se endividarem) e se reestruturarem. Os lucros bancários, em especial, evoluíram de forma espetacular durante todos os anos 1980 (antes e depois do ajuste recessivo). E o patrimônio da grande empresa privada em geral foi preservado e ampliado; em princípio, estavam garantidas as condições para uma posição mais ativa dos seus representantes no processo de privatizações das empresas públicas dos anos 1990. Processo que levaria a maior conglomeração tanto no setor bancário como no 21 Tema abordado por nós na tese de doutorado, cuja versão em livro - deus e o diabo na terra do sol (estado e economia no Brasil)- foi publicada este ano pela Editora Annablume. 22 Idéia defendida por Maria da Conceição Tavares, segundo a autora, não houve associações significativas entre o capital produtivo nacional e o estrangeiro ao longo do processo de industrialização brasileiro e, sim, divisão do mercado (alguns ramos nas mãos do capital nacional; outros na do capital estrangeiro e a indústria de base com o Estado); negócios em comum, porém associações/fusões praticamente não ocorreram. Ver Tavares e Miranda, 1999. 20 produtivo, mas não à conformação de um capital financeiro nacional, confirmando-se o modelo de acumulação herdado do regime militar, agora, sem a liderança das empresas estatais. À carência de condições políticas, mais que econômicas, pode ser debitado o não aproveitamento da conjuntura internacional dos anos 1990. Dificuldades políticas relacionadas ao padrão de acumulação assentado no endividamento público interno, com a conversão do mercado financeiro em espaço privilegiado de acumulação e equalização de interesses econômicos divergentes. O que não significa que fosse impossível, por exemplo, levar os grandes bancos à incorporação das empresas públicas privatizadas, limitando a participação do capital estrangeiro neste processo, obrigando-o às associações com empresários nacionais. Ao contrário, entendemos que o Brasil tinha condições de seguir um caminho ―associado‖, pelo menos à maneira da Espanha, e, por meio da associação com o capital financeiro internacional, gerar ―núcleos duros‖ internacionalizados e organizados em torno das maiores instituições financeiras - Itaú e Bradesco, no setor privado; e Banco do Brasil, no estatal. No continente latino-americano, pela escala da sua economia, o Brasil era o único país em condições de percorrer um caminho mais próximo ao dependente-associado à época das grandes privatizações. Sendo que contava (e conta) com uma estrutura produtiva capaz de garantir a expansão do mercado interno, de forma a não tornar a economia tão dependente das exportações, como no caso coreano, nem transformá-la numa economia de serviços como a espanhola, ou ainda numa mera economia de enclave, situações nada condizentes com a dimensão populacional/continental do país. Porém, entre a via dependente-associada ou apenas dependente, o Brasil permaneceu mais próximo da segunda ―opção‖ e, ainda que em condições bem mais favoráveis que a Argentina, segue sendo um país periférico. As reformas econômicas dos anos 1990 foram empreendidas por lideranças carentes de um ―projeto nacional‖, com a manutenção até o limite de uma política cambial que, segundo Nassif (2007), serviu ao enriquecimento de membros da equipe econômica e àqueles próximos aos governos FHC. Mesmo assim, a herança desenvolvimentista dificultou ajustes neoliberais radicais, ao legar um parque industrial relativamente integrado, um setor bancário robusto, uma diversificação comercial e um dinamismo 21 exportador sem paralelo no continente. O dissenso intra-governamental23, uma burguesia local no setor financeiro, agrário, industrial e comercial; jornalistas, intelectuais, economistas de oposição, bem como representantes da alta burocracia, conseguiram opor resistências à radicalização das reformas à maneira argentina. E, se nos anos 1990 desperdiçamos oportunidades expansionistas (face aos processos de privatização no continente latino-americano, incluindo o Brasil), nos últimos anos tem avançado a presença de empresas brasileiras sobre países da América do Sul, levando alguns autores a identificarem, no governo Lula em especial, uma disposição expansionista ―subimperialista‖ sobre a América do Sul, cujo objetivo seria elevar o país à condição de ―semiperiferia‖24. É o caso do economista argentino, Claudio Katz (2009), que, por exemplo, aponta o Brasil como o grande candidato a comandar uma ―multipolaridade opressiva‖ sobre os vizinhos do cone sul. Para o autor, tudo indica que Brasil tentará ocupar (política e economicamente) espaços abertos pela crise americana, ampliando a sua presença no continente, mas sem chocar-se com a potência: A pesar del bajo crecimiento de últimos años, las empresas transnacionales de ese origen se han consolidado en toda la región. Se apoderaron del 50% de la principal actividad económica uruguaya (industria de la carne), comprando tierras y controlando un tercio de la faena. Capturaron varias firmas estratégicas de Argentina (especialmente Pecom y Loma Negra) y ya manejan el 95% de la soja exportada desde Paraguay. A principios de la década, Petrobrás se apropió del 45% del gas, el 39% del petrolero y de toda refinación de Bolivia. En Perú dos conglomerados brasileños controlan el grueso de las minas de zinc y fosfato. En Ecuador gestionan varios yacimientos estratégicos y administran los principales proyectos de obra pública. La expansión sudamericana de las multinacionales brasileñas se ha sostenido en la financiación oficial (BNDES). Esos créditos han crecido más que los fondos aportados a la región por el FMI o el Banco Mundial. Las compañías de Brasil sustraen materias primas, dominan fuentes de energía y abastecen mercados de consumo. Su principal núcleo - Petrobrás, Gerdau, VM, Oderbrecht, Friboi, Marfrig, Vale - opera con elevados niveles de internacionalización. (Katz, 2009) Segundo Katz, para sustentar a política expansionista de suas corporações, o Brasil se militariza com tecnologia francesa, sendo que o correlato militar da expansão multinacional não se limita aos vizinhos fronteiriços, estendendo-se à presença no Haiti. 23 Brasilio Sallum Jr. (2003) desenvolve uma análise interessante sobre os governos FHC, na qual identifica duas tendências ―em luta‖: a liberal fundamentalista e a liberal desenvolvimentista. 24 Os termos ―semiperiferia‖ e ―subimperialismo‖ remetem a Giovanni Arrighi (1996) e Rui Mauro Marini (1985) respectivamente. 22 Visando um assento no Conselho de Segurança da ONU, a presença no Haiti estaria facilitando o ingresso de firmas brasileiras no Caribe25. E o governo Lula estaria repetindo ―a política de lobby que desenvolveu Felipe González, a fim de posicionar empresas espanholas no continente‖, inclusive condicionando à continuidade do MERCOSUL à liderança do Brasil. Supostamente, o subimperialismo brasileiro contaria com a anuência do governo Barack Obama, que teria no país um aliado contra as forças hostis lideradas pela Venezuela. (Katz, 2009) É inegável a crescente internacionalização de empresas brasileiras rumo à America do Sul e, em menor dimensão, à América Central, que contam com o suporte financeiro do BNDES26. Porém, não teríamos como desenvolver, nos limites deste artigo, uma análise caso a caso sobre o expansionismo de empresas brasileiras na América Latina (por falta de estudos da nossa parte a respeito)27; mas faremos algumas considerações sobre o caso do gasoduto Bolívia-Brasil (já estudado por nós), a fim de introduzir considerações breves sobre o subimperialismo brasileiro. Em princípio, o ―negócio‖ foi ruim para os dois países: para a Bolívia, por ver retirado de seu patrimônio uma parcela considerável do gás natural, mediante preços baixos; e ao Brasil, por ter imposto a dependência de um combustível de origem estrangeira com todas as implicações que esta situação oferece à economia e segurança de um país. Sem falar na alteração da ênfase na matriz energética - das hidroelétricas para as termoelétricas -, bastante questionável do ponto de vista dos interesses nacionais (embora 25 O que é contraditório com a afirmação anterior, pois o acordo com a França, se confirmado, contraria interesses da 1ª potência. Todavia, a análise do autor sobre o ―subimperialismo‖ brasileiro é pertinente, talvez um pouco exagerada, sobretudo quanto ao militarismo brasileiro e à presença no Haiti que, até agora, deu mais despesas que lucros e, politicamente, não tem sido relevante para objetivo almejado - o Conselho de Segurança da ONU. 26 Segundo matéria da Folha de São Paulo, nos últimos sete anos, o valor liberado para investimentos na região multiplicou por 3000%, contudo, o aumento da concorrência com a China, imbatíveis no preço, é a principal dificuldade que empresas brasileiras enfrentam atualmente: ―Com a crescente internacionalização das empresas brasileiras e o aumento da concorrência com os asiáticos nos países vizinhos, a linha do programa BNDES-Exim para o setor saltou de US$ 42 milhões em 2002 para uma estimativa de US$ 1,26 bilhão neste ano, dos quais US$ 957 milhões já foram liberados até o mês passado. (.) Segundo levantamento da consultoria Valora, o Brasil exportou US$ 5, 673 bilhões em serviços de engenharia para os países latino-americanos em 2008, que representam uma participação de 50% a 60% do mercado regional. A presença brasileira ocorre principalmente nas obras de infraestrutura de geração e energia, transportes e saneamento.‖ (FSP, 27/09/2009, Caderno Dinheiro, B6) 27 Ver quadro mais preciso da expansão brasileira pela America do Sul, no trabalho citado por Katz (2009), de Mathias Luce, ―La expansión del subimperialismo brasileño‖, Patria Grande, n 9, diciembre 2008. 23 a importação de gás boliviano não fosse empecilho para os investimentos nas hidroelétricas). Não obstante, apesar dos problemas identificados e das nacionalizações pelo governo Evo Morales, o investimento não foi economicamente (do ponto de vista da lucratividade) prejudicial à Petrobrás. Além dos lucros já obtidos com o gasoduto, pelos últimos acordos, à época das nacionalizações, a empresa brasileira receberá de volta o valor dos investimentos28. E tendo em vista a instabilidade política do país (diríamos ―estrutural‖), a nacionalização e conseqüente conversão do Brasil em comprador (praticamente, o único) do gás boliviano foi oportuna, ainda mais com perspectivas futuras de produção em solo nacional. Neste sentido, com os acordos entre os governos Lula e Morales e os avanços alcançados nas negociações de preços e definição de metas e prioridades favoráveis aos dois países, cuja à carência nos acordos anteriores pode ser debitada parte da responsabilidade pelos movimentos em prol das nacionalizações, é possível afirmar que, ao final das contas, a obra é defensável: legou à Bolívia um grande investimento produtivo e supriu uma carência energética brasileira. Ou seja, o ―subimperialismo‖ do governo Lula não foi tão ruim para a Bolívia; e para o Brasil, embora tenha criado dependência externa e novas necessidades com a alteração da matriz energética, a integração maior com o país vizinho (rico em recursos naturais como o lítio) pode ser promissora. Não estamos a defender que nossos vizinhos devem abraçar o expansionismo brasileiro porque, em termos de (sub)imperialismo, o Brasil seria melhor que os outros, mas é evidente que é mais fácil negociar/barganhar com um país periférico, sem grande poder de imposição, que o contrário29. Razão pela qual, muitos dos investimentos brasileiros na América Latina são bastante arriscados e, como já indicamos, mesmo para os espanhóis. À diferença que a Espanha é uma semiperiferia associada ao capital financeiro europeu e norte-americano. Já o Brasil tem conduzido uma ação relativamente solitária, financiada pelo BNDES, quando tem inúmeras carências infra-estruturais e um mercado em Aliás, à época, a imprensa boliviana denunciou as indenizações ―generosas‖ do governo Morales às empresas estrangeiras que ali atuavam. 29 Tanto é assim que Eliane Cantanhêde, na FSP de 20/09/09, escreveu sobre os negócios militares entre Brasil e França que: ―Há suspeitas (...) de que a FAB prefere o pacote sueco, porque seria o de menor conseqüência política (a Suécia não é tão pesada, sob vários aspectos, como EUA e França) e o de maior alcance para troca de tecnologia, formação de mão de obra brasileira e irradiação para a indústria nacional‖. 28 24 potencial que poderia ser expandido com investimentos em infra-estrutura no próprio país, buscando-se o crescimento interno como via preferencial para o fortalecimento externo. E essa crítica ao subimperialismo brasileiro não é contraditória com afirmação anterior de que o Brasil devia ter tentado, nos anos 1990, pelo menos a via espanhola, pois nos referíamos à formação de um capital financeiro privado em associação com o capital financeiro internacional como substrato do expansionismo espanhol - no setor de serviços, basicamente. Agora, a expansão externa de empresas brasileiras (públicas e privadas) tem se dado no campo das atividades primárias e/ou negócios no setor da construção civil, contando com financiamentos públicos. É certo que, no último ano, a distinção entre a via ―privatista‖ e a ―estatal‖ tornou-se um tanto irrelevante e, se o Brasil não tem um capital financeiro privado disposto a associar-se ao capital produtivo em expansão, tem o BNDES. Ademais, as atividades primárias – a exportação de commodities – estão em alta e talvez o país não precise mesmo de sócios internacionais ou aqueles que seriam interessantes como sócios não se interessem pelas atividades do subimperialismo brasileiro. Não obstante, ainda consideramos mais produtivo a formação de ―núcleos duros produtivofinanceiros‖, tendo o capital financeiro internacional como sócio (não majoritário), a fim de fortalecer a economia nacional e, por essa via, garantir melhores condições de internacionalização econômica. Não sendo assim, o mais acertado seria o BNDES priorizar a superação das carências infra-estruturais locais, estimulando a expansão do mercado interno com mais investimentos no país; e o Banco Central prosseguir baixando os juros (os bancos brasileiros, a fim de assegurar seus lucros, poderiam associar-se ao capital subimperialista)30. É 30 Mas se é para seguir a via do subimperialismo, melhor seria o Brasil buscar associações internacionais que o fortalecessem. Neste caso, talvez o mais acertado seja apostar num futuro multipolar e aproximar-se mais dos EUA de Barack Obama. Aí, sim, o Brasil seria um forte candidato para comandar uma expansão sobre o continente (quem sabe menos ―opressiva‖ que o previsto por Katz, 2009). E se associações/fusões não interessarem, é possível estabelecer parcerias que, indiretamente, articulem o expansionismo brasileiro às compras/negócios com a potência. Por essa via, o 1º passo talvez seja abandonar o acordo com a França para compra de produtos militares e transferência de tecnologia e fechar negócio os EUA, que se comprometem agora à transferência de tecnologia (mais moderna e melhor). Ou ao menos dividir a compra entre os países vendedores. O risco de não ter a transferência de tecnologia esperada existe também com a França e/ou a Suécia (embora neste último caso pareça menor). Claro que, por essa via, ao invés de ―semiperiferia‖, o Brasil pode tornar-se ainda mais periférico (à maneira do México, antes ―dependente‖ que ―dependente-associado‖, apesar ou por causa do NAFTA). Tudo 25 curioso que, só com a crise, tenha sido possível amenizar a ―ortodoxia‖ do Banco Central. Ou seja, devido à crise, o governo ganhou autonomia política para reverter (um pouco) a política de juros altos da Instituição – é isto, bem menos que o contrário: o governo Lula pôde driblar a adversidade externa atual graças à ortodoxia dos últimos anos. Da nossa parte, entendemos que o governo está fazendo o que deveria ter feito há tempos, como política de desenvolvimento. Agora, trata-se de uma política anticrise, via expansão dos gastos/investimentos estatais, o que costuma levar à dureza da ortodoxia mais adiante31. Enfim, o expansionismo financiado pelo Estado, combinado à redução dos juros e com maiores incentivos à economia interna via expansão dos gastos públicos, pode conter a crise, mas para elevar o país a posição de semiperiferia parece insuficiente e arriscado. III.Conclusão Tendo em vista o padrão de acumulação consolidado no Brasil durante os governos militares, a margem de manobra para decisões políticas mais autônomas, rumo à posição de semiperiferia era estreita, no contexto dos anos 1990. Entretanto, a ―herança desenvolvimentista‖ abria espaço para ações mais ousadas, tanto que limitou a radicalização à maneira argentina. O estreitamento diz respeito, sobretudo, às dificuldades políticas para se alterar o padrão ―financeirizado‖ assumido pelo processo de acumulação desde o final dos anos 1970; assentado na política de juros altos e endividamento público interno. Mas havia espaço (empresas em condições econômicas) para incentivos à fusão do grande capital bancário com o capital produtivo nacional, impondo ao mesmo tempo restrições à participação do capital estrangeiro nos grupos a serem gerados. Isto é, havia espaço para reformas orientadas à consolidação de um modelo mais dependente-associado de inserção internacional, ―associação‖ fundamental visando-se um processo de internacionalização econômica (com o Brasil conquistando mais espaço dependerá, obviamente, dos desdobramentos da crise para o poder mundial norte-americano e dos rumos da vida política brasileira nos próximos anos. Mas estamos apostando que os EUA saem menos poderosos da crise atual e mais dispostos às negociações/concessões num mundo organizado de forma, cada vez mais, multipolar. 31 Apesar de todas as previsões otimistas de crescimento da economia brasileira para 2010, ou por causa delas, Vinicius Torres Freire, na Folha de São Paulo (Caderno Dinheiro, 27/09/2009), aponta para a tendência à alta dos juros e, por conseguinte, à piora da dívida e do déficit públicos, que deve dobrar este ano – de 1,5% em 2008 para mais de 3% em 2009. 26 ao menos na América Latina). As associações de peso são importantes, entre outras razões porque, por exemplo, um embate contra um grande grupo coreano não se restringe ao capital e Estado coreanos; além disso, sem a associação com empresas dos países dominantes, são maiores os obstáculos impostos à internacionalização de economias periféricas pelo grande capital & Estados dos países centrais. Sem falar nas vantagens financeiras e científico/tecnológicas possíveis (mas não asseguradas) via capitalismo dependente-associado. O problema é que a política de juros altos/endividamento estatal constitui, por si só, um entrave às vias de internacionalização mais produtivas, por meio da fusão entre bancos e produção (o mercado financeiro como espaço de ampliação do lucro desestimula os investimentos produtivos). Mas não há dúvida que o governo Lula, a despeito da ausência de um capital financeiro nacional, tem praticado uma política de fortalecimento da burguesia nacional, incentivando a internacionalização do capital produtivo por meio do BNDES e garantindo os lucros bancários com a política de juros altos internamente (que mesmo com as reduções recentes continuam altos para os padrões internacionais). Uma combinação de ortodoxia liberal com desenvolvimentismo internacionalista financiado pelo Estado, que, nesta crise, tem sido contrabalançada pela redução dos juros e maiores incentivos à economia interna. Todavia, seja qual o resultado dessa política, não poderíamos deixar de anotar, a título de conclusão, o que nos parece ser o destino dos processos de modernização tardia, dependentes e/ou dependente-associados: são insuficientes para elevar os respectivos países à lista das economias centrais, a despeito da inserção internacional mais ou menos vantajosa que se possa alcançar. Considerações finais que nos levam a suspeitar de uma dificuldade ―estrutural‖ aos processos de desenvolvimento capitalista tardio: a incapacidade de gerar um capitalismo financeiro moderno32. O que só pode ser compreendido a partir de estudos sobre as relações construídas no interior de cada país, pela luta política envolvendo dirigentes estatais e disputas de interesses locais, dentro do rol de possibilidades abertas pelo movimento expansionista das economias capitalistas dominantes. 32 A China não seria uma exceção neste sentido, no modelo nacional-estatal de desenvolvimento capitalista chinês o capital financeiro é estatal, quer dizer, não se trata do moderno capital financeiro ―ocidental‖ (mesmo quando japonês). 27 Referências Bibliográficas: ANGOUSTURES, A. Historia de España en el siglo XX. Barcelona: Ariel, 1995. ARRIGHI, G. O Longo Século XX: dinheiro, poder e as origens do nosso tempo. Rio de Janeiro e São Paulo: Contraponto; UNESP; 1996. BELLUZZO, L.G.M. ―Dinheiro e as Transfigurações da Riqueza‖. In: Fiori e Tavares (orgs) Poder e Dinheiro: uma economia política da globalização. Petrópolis: Vozes; 1997. __________e ALMEIDA, J. G. Depois da queda. 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