33º Encontro Anual da ANPOCS GT 12: Desafios e Dimensões

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33º Encontro Anual da ANPOCS
GT 12: Desafios e Dimensões Contemporâneas do Desenvolvimento
A crise financeira e o Brasil, em perspectiva comparada
- Argentina, Brasil, Coréia do Sul e Espanha Angelita Matos Souza
Outubro de 2009
2
Resumo:
O texto está dividido em três tópicos. O primeiro com considerações breves sobre a crise
iniciada nos EUA; no segundo discorremos sobre as reformas econômicas a partir dos
anos 1980 nos quatro países em foco, abordando o tema da internacionalização
econômica; no último tópico, concluiremos com um balanço rápido do trabalho
apresentado.
I. Breves considerações sobre a crise atual1
Uma olhada nos jornais/revistas ao longo do último ano não deixa de surpreender. Diante
dos assustadores setembro e outubro de 2008, prosperaram as profecias em torno do fim
iminente da supremacia mundial do dólar e do poder global dos EUA, ou, do próprio
capitalismo. Mas da crise do subprime à crise global, crise estrutural do capitalismo, crise
de superprodução, fim da hegemonia americana, passamos para o discurso atual em torno
da superação da crise que se iniciou no setor imobiliário norte-americano. A crise foi,
sobretudo, uma crise do subprime? O pior já passou? Ou, em função do enorme aporte de
recursos públicos despejados nos mercados, a crise piora mais lentamente? A próxima
onda já estaria a caminho e, na medida em que não se construiu ―diques e barragens‖,
seria mais catastrófica?
Assim como há um ano, hoje também predominam os palpites sobre o futuro da crise
―superada‖. Da nossa parte, acreditamos que a crise do subprime está articulada às
contradições do padrão de acumulação consolidado nas últimas décadas, atingindo a
economia real norte-americana e aproximando-se de uma crise financeira mundial devido
ao centro da sua origem/ocorrência. Encontra-se aparentemente contida pela ação dos
Estados, mormente o norte-americano; porém, mesmo que controlada, os EUA sairão
menos poderosos desta 1ª década do século XXI e, novas ―ondas‖ sempre estarão a
caminho, na medida em que não se constrói ―diques e barragens‖ para contê-las (se é que
é possível fazê-lo efetivamente). A seguir, gostaríamos de tecer algumas observações
breves sobre as causas da crise, antes da abordagem dos casos que propomos analisar
(Argentina, Brasil, Coréia do Sul e Espanha).
1
Algumas das poucas citações realizadas não trazem a página por serem extraídas de textos
curtos, na maioria via internet, de fácil localização; já as citações extraídas de livros contêm as
páginas.
3
A crise do subprime foi gerada pelo ―novo padrão sistêmico de riqueza‖, consolidado
após o colapso do mundo socialista/fim da guerra fria - decorrentes das contradições
internas ao bloco socialista e impulsionado pela política militar expansiva dos EUA nos
anos 1980. Desde então, assistimos à articulação crescente entre militarismo norteamericano e economia ―financeirizada‖, com o financiamento da política de poder
(militar) dos EUA passando por Wall Street, pelo financiamento do endividamento
público americano por parceiros asiáticos, europeus, latino-americanos. Os investimentos
no setor bélico-industrial serviram tanto à liderança político-militar mundial dos EUA
como à sua liderança em setores tecnológicos de ponta, estimulando os investimentos em
bens de capital e na investigação e desenvolvimento de produtos e criação de novas
indústrias.
A elevação dos juros pelo governo americano em 1979 (que, entre 1978-1981, foram de
8,7% para 17%) deteve a tendência à desvalorização do dólar e redirecionou o fluxo do
capital financeiro para os EUA, permitindo o financiamento de despesas militares que
contribuíram para o colapso do mundo socialista, elevando o país a um poderio militar e
financeiro sem paralelo. O influxo de capitais para os EUA e a valorização do dólar
(reafirmando seu papel de moeda padrão internacional), após breve recessão, permitiram
um novo ciclo de crescimento econômico a partir de meados dos anos 1980. De lá para
cá, a combinação de despesas militares em alta com o dólar-flexível, abertura da
economia americana à China, importação barata estimulando o consumo, compra de
insumos importados, redução de impostos, foi tudo muito estimulante para a maior
economia do mundo, a despeito de um crescimento contínuo do déficit americano (ou
graças a este). (Fiori e Tavares, 1997; Fiori, Serrano e Medeiros, 2008)
E a articulação de interesses capitalistas globais – fundamentalmente, financeiros - passa
pelo financiamento dos déficits americanos, seja por meio das reservas em moeda forte
aplicados em parte nos títulos do Tesouro americano e/ou das altas taxas de juros
praticadas em mercados emergentes. Eis o ponto central da articulação entre o Estado
norte-americano e o capital financeiro internacional: precisamente, sua posição de maior
devedor do mundo. Praticamente todos os países capitalistas relevantes têm acumulado
reservas em dólar, em parte aplicadas em ações, obrigações e títulos americanos; além
dos juros altos praticados em mercados periféricos, cuja contribuição ao funcionamento
do sistema é fundamental.
4
Dessa forma, se a possibilidade de guerras constitui o princípio ordenador do sistema
internacional de Estados, como defende exaustivamente José Luís Fiori (2007; 2008); é
igualmente importante o seu papel ―estimulador‖ à economia interna dos EUA. Sem o
crescimento significativo das despesas militares, seguramente, não assistiríamos ao boom
do setor imobiliário naquele país (nem à sua crise). Como argumenta Fred Magdoff
(2006), na ausência do enorme orçamento militar, seria preciso um aumento significativo
nos investimentos diretos do setor privado para impedir um quadro recessivo neste início
de século. Sendo que mesmo com o aumento nas despesas militares e aquecimento do
mercado imobiliário, a falta de crescimento da economia real, comparada aos seus níveis
de endividamento foi surpreendente. Conforme Magdoff (2006): (...) Na década de 1970
a dívida ativa era cerca de 1,5 vezes a dimensão da atividade econômica anual do país
(PIB). Em 1985, era o dobro do PIB. Em 2005, a dívida total dos EUA era quase 3,5
vezes o PIB do país (...), e não longe dos US$ 44 milhões de milhões de PIB do mundo
todo.
Por sua vez, o processo de finaceirização global e a consolidação do novo padrão
sistêmico da riqueza, conforme Braga (1997), o modo de ser da riqueza contemporânea,
traz para o centro da acumulação capitalista o capital a juros e a institucionalização do
rentismo. A financerização – que se traduz, na prática, num sistema global de
especulação financeira – é sistêmica porque intrínseca ao sistema tal como ele foi se
configurando, sendo parte constitutiva e fundamental da dinâmica do seu funcionamento
atual. Para o autor, este modo de ser do capital financeiro atualmente só pode ser
apreendido tendo em vista as transformações recentes da economia mundial, que, a partir
dos EUA, foram se difundindo globalmente.
Sem dúvida, nas últimas décadas, um intenso processo de internacionalização do capital
marcou o funcionamento da economia mundial, permitido pelo nível de desenvolvimento
das forças produtivas e conferindo um caráter eminentemente novo à internacionalização
capitalista atual, sob a égide do capital financeiro. A atividade financeira assume uma
proeminência mundial sem precedentes – possibilitada pelo nível de desenvolvimento
nas áreas de informática e telecomunicações em geral. Proeminência que tem se
traduzido na (1) superioridade das taxas de crescimento da riqueza financeira comparada
às de crescimento do produto e do estoque de capital, com a ampliação das funções
financeiras no interior das grandes corporações e a expressiva participação dos lucros
5
financeiros nos lucros totais destas; (2) formação dos grandes ―conglomerados de
serviços financeiros‖ e acirrada concorrência entre eles,
intensificada pelas
desregulamentações dos mercados nacionais; (3) expansão dos déficits públicos,
acompanhada da maior interdependência entre governos e mercados financeiros, com
estes últimos ―dirigindo‖ as variações interdependentes das taxas de juros e câmbio no
interior das formações sociais, influenciadas pela economia e moeda americana. (Braga,
1997)
Claramente, o efeito mais perverso deste novo padrão de acumulação é o desemprego
estrutural - seja em decorrência do declínio dos investimentos produtivos, seja devido aos
avanços no campo da informatização (no setor de serviços e no produtivo) ou à
preferência pela liquidez e pelo curto prazo (os excedentes financeiros das empresas são
em geral reaplicados nos mercados financeiros)2. A preferência pela liquidez e o curto
prazo implica no predomínio da lógica patrimonial sobre as demais esferas da economia,
reforçando a tendência ao domínio do capital a juros sobre o dinheiro e outras formas de
propriedade/capital (Belluzzo, 1997). E a financeirização, conforme Braga (1997:196),
não decorre apenas da práxis de segmentos e setores – o capital bancário, os rentistas
tradicionais – mas, ao contrário, tem marcado as estratégias de todos os agentes
privados relevantes, condicionando a operação das finanças e dispêndios públicos,
modificando a dinâmica macroeconômica.
O volume atual de capitais movimentado no mercado financeiro global supera em muito
o do comércio internacional de mercadorias, envolvendo mais extensamente (direta ou
indiretamente) segmentos nada desprezíveis da ―sociedade civil‖ de todo o mundo no
mercado financeiro global. Este último aspecto é que torna ainda mais complicada
qualquer redução dos Estados a meros ―comitês executivos‖ dos negócios da burguesia
(financeira), pois além de condensação de forças dominantes heterogêneas, as políticas
estatais (a econômica em especial) também representam segmentos nada desprezíveis à
opinião pública nos Estados nacionais, não pertencentes à classe dominante (setores
médios A e B), mas atuantes nos mercados financeiros3.
2
Tendência agravada recentemente pelos desdobramentos da crise americana, mas neste caso o
aumento do desemprego é mais conjuntural que estrutural.
3
E se os conflitos de interesses dominantes têm mais chances de contemporização nos mercados
financeiros, o mesmo não se dá com os interesses/reivindicações de grande parte dos
trabalhadores assalariados, cuja dimensão político eleitoral pode não importar tanto aos
6
Este processo de internacionalização do capital avançou (e avança) sobre a periferia do
sistema por meio da incorporação das estruturas produtivas e de serviços existentes - as
aquisições e incorporações de empresas já existentes são preferíveis à criação de nova
capacidade produtiva. E por toda parte, as fusões e associações tornaram-se mais do que
nunca condições de sobrevivência no mundo (dos negócios) contemporâneo, pois o
acirramento da concorrência intercapitalista em termos mundiais supõe a forte
concentração de capitais. O mundo ―pertence‖, cada vez mais, a um estrito clube de
grandes empresas, localizadas, sobretudo, no Centro, onde se encontra o comando
capitalista sobre o fluxo de capitais financeiros, sobre as moedas e o progresso
tecnológico.
A crise do subprime é decorrência deste modelo de acumulação ―rentista‖, altamente
contraditório, cujo coração é Wall Street. O afluxo de recursos destinado ao
financiamento do endividamento público americano, articulado à política econômica
bélico-industrial, foi estimulante à economia americana ao ponto de gerar expectativas de
consumo, baseada em créditos baratos/juros baixos, acessíveis às classes menos
favorecidas. Num modelo altamente concentrador, plutocrático, de acumulação, a
inclusão social via crédito (pelo ―mercado‖) não poderia ter vida longa – basicamente,
quando o ―pobre‖ empresta muito (como os países pobres na década de 1970) gera-se
uma crise de desconfiança.
Eis o segredo da crise do subprime, o modelo é para poucos e foi indevidamente
expandido4. Se será possível reafirmá-lo em ―sua essência‖, é difícil responder. Por
enquanto é o que está se tentando. Rick Wolff (2009) chama atenção para os dados de
agosto de 2009 do Bureau of Labor Statistcs do Departamento do Trabalho dos EUA, que
relatou um ganho de 6,4% na produtividade do trabalho no país. Isto porque os
trabalhadores que não perderam seus empregos estão trabalhando mais arduamente e
depressa, efetuando tarefas de trabalhadores demitidos. O que o autor considera uma
combinação auto-derrotante que mina a recuperação real, pois enquanto o governo
representantes do capital financeiro (parecem seguros em qualquer governo), mas importa aos
governos e forças políticas locais. Argumento melhor desenvolvido por nós em Souza, 2009.
4
Ou seja, o ciclo de expansão econômica entre 1995-2008 apoiou-se muito mais na demanda dos
consumidores artificialmente promovida pelo crédito fácil do que em investimentos produtivos
dinâmicos, baseados num sistema financeiro articulado à economia real. Ver Gowan, 2009.
7
gasta muito para retirar a economia da recessão, a prática dos negócios deixa aos
trabalhadores menos para gastar:
Pelo seu trabalho mais árduo, mais rápido e portanto 6,4 por cento mais
produtivo, aqueles ainda empregados viram os seus salários monetários
subirem em somente 0,2 por cento entre o primeiro e o segundo trimestre de
2009. Quando o BLS levou em conta a ascensão dos preços que os
trabalhadores têm de pagar, os seus salários reais (os bens e serviços que
eles realmente poderiam comprar) caíram em 1,1 por cento. Tomado tudo
em conjunto, estes números mostram que o patronato obteve um enorme
aumento na produção por cada empregado, enquanto o que eles pagaram
aos seus empregados impôs-lhes uma redução nos bens e serviços que podem
comprar [além do medo (entre os que podem mais) de consumir, ao invés de
poupar] 5.
Quer dizer, os altos investimentos públicos, direcionados tanto ao setor financeiro como
à economia ―real‖, a fim de evitar o aprofundamento da crise financeira e da recessão,
não convergem com as práticas do setor privado. Neste sentido, a intervenção estatal para
impedir a quebra de grandes bancos norte-americanos reforçou a disposição de arriscar
dessas instituições - Wall Street e suas operações de alto risco, bônus generosos e lucros
sem base real ressurgem das cinzas. O Goldman Sachs, por exemplo, apresentou lucros
recordes em 2009 com operações arriscadas. O que é compreensível, segundo Myron
Scholes (2009), pois quando se é considerado grande demais para quebrar e se tem a
garantia do governo, a tendência é assumir mais riscos: Se você acerta, ganha muito
dinheiro. Se erra e perde, o governo injeta mais dinheiro para te proteger, diz Scholes6.
Por conseguinte, instituições fora da categoria dos grandes demais para quebrar, a fim de
se protegerem (as que podem), estão transferindo seu risco para bancos como o
Goldman Sachs, que faz dinheiro cobrando uma comissão alta (ibid.). Quer dizer, os
grandes - parte do sistema financeiro que conta com ―proteção‖ governamental - podem
arriscar mais às custas dos que não têm a mesma sorte. O que deve acabar, pois uma
regulamentação maior está a caminho e deve limitar as operações de risco pelo sistema
financeiro, prognostica Scholes. As dificuldades à sua implementação - para ser
5
O autor também chama atenção para a capacidade ociosa na indústria manufatureira norteamericana. Conforme dados apresentados por ele, em julho de 2009, a proporção da capacidade
utilizada em toda a indústria manufatureira era de aproximadamente dois terços: ―(...) lado a lado
aos 15 milhões de pessoas desempregadas hoje (sem falar nos subempregados), temos um terço
da nossa capacidade industrial também desempregada‖, escreve Wolff (2009).
6
Myron Scholes, nobel de economia em 1997, devido à fórmula que abriu caminho à expansão
do mercado de derivativos, em entrevista a Revista Exame de 09/09/2009. Sobre o ressurgimento
de Wall Street ver também Carta Capital de 23/09/2009.
8
finalizada e aprovada pelo Legislativo americano – devem ser tributadas ao ―grau de
incerteza‖ ainda muito elevado7. Mas se bem realizada, após a quebradeira e
concentração recente, o sistema financeiro americano pode sair da crise fortalecido.
Ademais, o lucro das grandes instituições nos últimos meses injeta ânimo e serve para
diminuir a desconfiança na recuperação da maior economia do mundo, o que depende da
capacidade de financiamento pelos EUA de seus crescentes déficits públicos. Eis aí o
problema, a China, que tem sido o maior investidor em títulos americanos nos últimos
anos, reduziu sua participação em 2008 e 2009, em prol dos investimentos na sua
economia interna. Se aumentarem as dificuldades de financiamento, expandir a emissão
de moeda seria a alternativa, já que cortes substantivos nos gastos públicos e/ou aumento
de impostos seriam politicamente difícil e economicamente arriscado na conjuntura atual.
No entanto, como a desvalorização da moeda americana teria efeitos muito ruins para a
China e todos os países com reservas altas em dólar (e a China é o maior deles), o mais
provável, conforme Fiori (2009), é que ocorra o aprofundamento da ―fusão financeira‖
entre a China e EUA, garantindo parte dos créditos que os norte-americanos precisam
para a superação da crise. Afinal:
Neste momento, não há perspectiva de superação do poder militar dos EUA,
do ponto de vista de suas dimensões atuais, da sua velocidade de expansão, e
da sua capacidade de inovação, apesar do seu insucesso no Oriente Médio.
E tampouco existe no horizonte a possibilidade de substituição dos EUA
como “mercado financeiro do mundo”, devido à profundidade e extensão
dos seus próprios mercados e do seu capital financeiro, e devido à
centralidade internacional da moeda americana. Basta olhar para a reação
dos governos e dos investidores de todo mundo que estão se defendendo da
crise do dólar fugindo para o próprio dólar, e para os títulos do Tesouro
americano, apesar de sua baixíssima rentabilidade, e apesar de que o
epicentro da crise esteja nos EUA. (Fiori, 2009)
Fuga paradoxal para o dólar que o autor explica recorrendo à especificidade do sistema
monetário internacional nascido à sombra da expansão do poder americano, após a crise
da década de 70. Desde então, diz Fiori, os EUA se transformaram no ―mercado
―O mercado imobiliário, onde tudo começou, deu sinais de melhora nos últimos dois meses,
mas segundo um relatório do Deutsche Bank, só atingirá o fundo do poço em 2011. Perdas com
empréstimos imobiliários comerciais só agora começam a ser contabilizadas. E, com o
desemprego crescendo, os calotes em cartões de crédtio podem chegar a 150 bilhoes de dólares
até o fim de 2010, segundo estudo da consultoria Oliver Wyman‖. Revista Exame, 09/09/2009, p.
56-57.
7
9
financeiro do mundo‖ e o FED passou a emitir a moeda de circulação internacional, sem
base metálica, administrada por meio das taxas de juros do próprio FED e dos títulos
emitidos pelo Tesouro americano, que atuam em todo mundo, como lastro do sistema
―dólar-flexível‖; num caso único em que o devedor estipula a taxa de juros da própria
dívida externa (Fiori, 2008)8. Como não existe nenhuma moeda capaz de substituir o
dólar neste papel de moeda internacional; e sendo os valores internacionalmente
expressos em dólares, as reservas e a poupança de muitas nações continuarão em dólar
e/ou títulos americanos. O autor é firme na sua ―aposta‖:
A crise atual começou na forma de um tufão, mas deverá se prolongar na
forma de uma “epidemia darwinista”, que irá liquidando os mais fracos, por
níveis sucessivos, nacionais e internacionais, e aprofundará a corrida
imperialista que começou nos anos 90. Na hora da volta do sol poucos
estarão na praia, mas com certeza os EUA ainda estarão na frente deste
grupo seleto. (Fiori, 2009)
Por certo que Fiori reconhece que, se a crise se prolongar (e as taxas de desemprego e
consumo não melhorarem), haverá resistências e tensões sociais nos EUA e alhures, mas
do seu ponto de vista não haverá uma mudança de “modo de produção” em escala
mundial, nem a superação do sistema internacional de Estados tal como está
caracterizado – basicamente, o autor defende os pressupostos ―realistas‖ da guerra como
possibilidade e a decorrente política de poder expansionista/militar. A ―aposta‖ na
capacidade de resistência dos EUA baseia-se, claro, em dados reais: no setor militar, os
Estados Unidos parecem isolados num patamar único e, no setor monetário/financeiro,
não há nenhuma moeda à vista capaz de substituir o dólar nas transações internacionais9.
E o país ainda responde sozinho por mais de 20% do PIB mundial; das 100 maiores
empresas do mundo, 29 são americanas; e, nos EUA, estão sediadas quase metade das 20
companhias mundiais que mais investem em inovação10.
8
Ver também artigos de Serrano e de Medeiros na mesma obra (Fiori, Serrano, Medeiros, 2008).
Logicamente, se pressupõe o bom andamento da economia chinesa, porém, há quem suspeite
disto, como David Smick, para quem a China pode ser a próxima ―bolha‖ da economia mundial.
(www.g1.globo.com/Economia_Negocios23/08/09) Bom, aí, realmente o mundo passaria pela
pior crise do capitalismo deste os anos 30. Mas por mais catastrófico que isso possa ser para os
EUA, também poderia conferir autonomia ao Estado norte-americano para implementar um
programa de reconstrução da indústria nacional e à ofensiva contra o domínio do capital
financeiro articulado à indústria bélica. No médio/longo prazo os resultados poderiam ser
positivos.
10
No que diz respeito à capacidade de inovação, Linda Weiss, em entrevista a FSP (14/09/2009),
afirmou que os EUA possuem um sistema formidável de inovação baseado nas encomendas
públicas que merece ser copiado. Embora, até aqui, predominantemente militar, com o Buy
9
10
Portanto, mais provável é que Fiori esteja certo; e que a regulamentação do sistema
financeiro americano avance, contribuindo para a continuidade do financiamento dos
déficits americanos por parte dos seus principais parceiros econômicos. O problema com
a análise de Fiori (2007; 2008; 2009) é sua ênfase ―realista‖ na política de poder,
segundo a qual o sistema internacional se alimentaria da possibilidade permanente de
novas guerras: (...) do nosso ponto de vista, o que estabiliza – sempre de forma
transitória – a ordem hierárquica do sistema mundial (...) é a existência de um conflito
central e latente e de uma guerra potencial entre as grandes potencias (2007:31). Quer
dizer, é a guerra como possibilidade que ordena o sistema e, no caso, por exemplo, das
relações contemporâneas entre EUA e China, segundo o autor, é possível que nunca
ocorra nenhuma guerra entre estes Estados - aliás, dispensável-, o que importa para a
acumulação do poder e do capital nos dois países é a existência da sua possibilidade.
(Fiori, 2007)
Da nossa parte, enfatizaríamos mais a submissão do ―ethos guerreiro‖ internacional,
como dínamo do funcionamento do sistema internacional de Estados, ao primado das
contradições entre atividade financeira e atividade produtiva, acirradas sob o capitalismo
financeiro liberalizado e, agora, ainda mais, pela crise ―americana‖. Assim, menos que à
possibilidade de guerras como dínamo do sistema, fomentadas e fomentadoras do
militarismo dos EUA; consideramos mais produtivo focar a análise sobre a dimensão
local, de ―fuga para o pleno emprego‖, e a contribuição do militarismo à manutenção do
ritmo de crescimento/capacidade de inovação na maior economia do mundo. Dessa
perspectiva, fundamental é a ênfase sobre os vínculos entre o avanço do militarismo e o
capitalismo liberalizado a fim de melhor entender a crise atual.
Finalmente, apostaríamos que tendências recentes, como a de expansão do ―ethos
guerreiro‖ americano, podem ser desaceleradas, por obra dos rumos políticos que vier
assumir a contradição determinante à dinâmica de funcionamento do capitalismo
contemporâneo, entre atividade produtiva e financeira (entre economia ―real‖ e
―especulativa‖). Do que Fiori (acreditamos) não discordaria, mas isto não alteraria o
fundamental no funcionamento do sistema internacional: o pressuposto da guerra como
possibilidade real (material/militar). Pode ser, mas a análise do sistema internacional tem
American (cláusula do pacote de estímulo econômico aprovado nos EUA no início deste ano), o
sistema vai ser estender ao âmbito ―civil‖. Sobre o poder militar americano ver Michael Mann
(2007); sobre a moeda ver Serrano (2009).
11
que estar mais articulada à dimensão ―societária‖ nacional (e internacionalmente), sendo
que o agravamento das tensões sociais nos países do centro e da periferia pode resultar
em limites ao funcionamento deste sistema internacional de Estados e suas políticas de
poder, coladas ao padrão sistêmico de riqueza consolidado nas últimas décadas.
O enfrentamento da crise, por sua vez, demanda maior convergência entre políticas
estatais e práticas do setor privado, o que o governo de Barack Obama terá de impor ou a
crise não será controlada nem ele reeleito 11. E mesmo que obtenha êxito em controlar a
crise, acreditamos que o poder mundial dos EUA sairá dela enfraquecido, todavia seguirá
entre as potências mundiais, muito provavelmente ainda como líder num mundo, cada
vez mais, multipolar - organizado em torno da América, Europa e Ásia12.
II. Argentina, Coréia do Sul, Espanha e Brasil13
Neste tópico, abordaremos as vias de inserção internacional percorridas pela Argentina,
Coréia do Sul, Espanha e Brasil nos anos 1980/90; a fim de melhor compreender o caso
brasileiro. Neste sentido, privilegiaremos os casos da Espanha e Coréia do Sul; a
Argentina servirá apenas de ilustração da via dependente, em contraposição ao modelo
dependente-associado de inserção internacional. A distinção entre o dependenteassociado e o dependente diz respeito à capacidade de inserção internacional dos países
periféricos, sendo que a idéia de dependência subjacente remete diretamente à dimensão
política interna da dominação eminentemente financeira do Centro sobre a Periferia14.
São as formas de associação/articulação com o capital financeiro internacional que
permitem a distinção entre o dependente e o dependente-associado, formas essas
delimitadas internamente (pela luta política envolvendo dirigentes estatais, disputas entre
interesses econômicos diversos e a luta de classes), mas dentro do rol de possibilidades
11
Ou seja, não basta socorrer o grande capital, é preciso fazer concessões aos trabalhadores,
atacando o Estado anti-social nos EUA. É o que defendeu, por exemplo, Tony Judt, no caderno
Mais da FSP, em 13/09/2009. Para o autor, a reforma do sistema de saúde nos EUA representará
um ponto de inflexão neste sentido. Quer dizer, a inclusão social pelo mercado (via créditos)
deve ceder passo à inclusão pelo Estado (via políticas sociais).
12
Estamos entre aqueles que acreditam na emergência de um mundo multipolar com os EUA
menos poderosos. Ver, por exemplo, Zakaria, F.(2008); Gersh, A. (2008).
13
Apresentaremos neste tópico uma versão resumida e/ou ―colada‖, com algumas alterações, de
textos já apresentados em outros encontros acadêmicos: ANPOCS 2008; Congresso da SBS
2009; Congresso Brasileiro de História Econômica 2009. Não obstante, a tentativa de articulação
de idéias nestes textos à questão da crise será realizada pela 1ª vez, sendo a abordagem sobre o
Brasil distinta das anteriores.
14
Sobre a idéia de dependência ver Souza, 2001.
12
abertas pelas condições internacionais. O caso coreano e o espanhol foram mais exitosos
que o caso brasileiro e enquadrar-se-iam melhor a qualquer definição de ―capitalismo
dependente-associado‖. A despeito das diferenças, os dois países conquistaram uma
inserção internacional mais privilegiada, se comparados ao Brasil (sem falar nas
diferenças substancias em termos de ganhos sociais à população).
Entretanto, adiantamos que num ponto são convergentes os processos de modernização
tardia nos quatro países em foco: foram insuficientes para retirar estes países da lista das
nações dependentes por meio da construção de um verdadeiro capitalismo financeiro
moderno. E se entre os países do Centro predominam as relações de interdependência
complexa15, este não é o caso das relações (de dependência) que mantém a Espanha e a
Coréia do Sul com o centro capitalista. Diferentemente, por exemplo, do caso chinês: as
relações EUA-China podem ser caracterizadas como de interdependência complexa, o
que significa que a ―via nacional-estatal‖ de desenvolvimento capitalista na China
escapou às relações de dependência ―tradicionais‖ para com os centros capitalistas, ou
seja, não se trata de um ―modelo‖ dependente ou dependente-associado de
desenvolvimento capitalista tardio.
A Espanha enveredou pelo caminho da conformação de um capital financeiro e sua
internacionalização sem contar com uma estrutura produtiva capaz de sustentar um
verdadeiro capitalismo financeiro, no modelo das corporações americanas, das grandes
empresas alemãs, ou dos conglomerados japoneses. A Coréia do Sul também não teve
êxito neste sentido, inspirada na experiência japonesa de monopolização da economia
(das grandes empresas familiares do século XIX, os zaibatsu, aos conglomerados
produtivo-financeiros no século XX, os keiretsu), construiu corporações produtivas
bastante competitivas internacionalmente. Mas ao contrário da experiência japonesa, na
qual a articulação entre atividades produtiva e financeira daria origem ao moderno capital
Utilizamos aqui a expressão ―interdependência complexa‖, extraída de Robert Keohane e
Joseph Nye (1989), alterando um pouco o seu sentido. Os autores a utilizam no campo do debate
realismo versus liberalismo, contrapondo política de poder (político-militar) e econômica
(interesses econômicos comuns). Já nós a utilizamos para caracterizar as relações de
interdependência num mundo de poderes assimétricos no qual a ―interdependência complexa‖
definiria as relações entre os países centrais (marcada tanto pela interdependência como pela
competição intercapitalista entre eles); já em se tratando dos interesses da semiperiferia, se
confrontados com os dos países centrais, tendencialmente predominarão os destes últimos; o que
normalmente acontece nas relações entre a periferia e os países centrais. Claro que tudo depende
das conjunturas, dos negócios em jogo e das alianças realizadas; estamos nos referindo às
tendências dominantes.
15
13
financeiro, o caso coreano, por mais exitoso que possa ser considerado, ainda não
alcançou este resultado. Já o Brasil, onde o processo de monopolização da economia foi
intenso, não logrou nem a competitividade internacional da indústria coreana, nem a
internacionalização ―financeirizada‖ à espanhola. Vejamos a seguir o caso argentino.
1. Argentina
O processo de industrialização argentino não avançou o suficiente, no sentido de legar à
Argentina uma burguesia local e/ou uma burocracia capaz de opor resistências às
reformas neoliberais dos anos 1990. A classe média (média/alta), relativamente forte na
Argentina, sempre foi mais afinada com os interesses ―cosmopolitas‖ que com interesses
―nacionalistas‖ e o liberalismo visto com simpatia, pois associado ao auge da economia
agro-exportadora no início do século XX. Neste sentido, a re-especialização produtiva se
impôs quase como uma ―vocação‖ face à globalização (devido mesmo a fatores
histórico-culturais). Com as reformas dos anos 1990, o circuito financeiro como espaço
de lucros e expansão/conservação patrimonial favoreceu ainda mais o apoio às reformas
neoliberais pelas classes privilegiadas.
Resumidamente: ampla privatização das empresas públicas e abertura comercial
(desindustrialização); liberalização financeira (desnacionalização do sistema bancário);
reformas trabalhistas de cunho neoliberal, ataque aos direitos sociais (à previdência); e
um programa de estabilização, baseado numa taxa de câmbio assentado na paridade com
o dólar - Currency Board. Sob o impacto da crise econômica ao final de 1994 no México,
surgiram os primeiros sinais de vulnerabilidade, agravados na segunda metade dos anos
1990 por novas adversidades no front externo - crise asiática (1997-98); crise da Rússia
(1998); desvalorização da moeda brasileira (1999). Os efeitos negativos sobre as
exportações argentinas, o peso crescente das taxas de juros sobre as finanças públicas,
conjugados à manutenção da Lei da Conversibilidade levariam à derrocada da economia
- déficits crescentes, aumento da desconfiança e fuga de capitais. A moratória viria em
dezembro de 2001.
Ao ―modelo‖ seguido pela Argentina, acima resumido, denominaremos dependente,
marcado
pela
aposta
na
re-especialização
produtiva,
desindustrialização
e
desnacionalização da economia. E sem defender as formas assumidas pela abertura
econômica/privatizações, o fato é que não havia muita alternativa além da re-
14
especialização produtiva e o país terá de atuar nos limites das ―vantagens comparativas‖,
tentando extrair o máximo de vantagens da concorrência capitalista mundial e/ou
regional – mais difícil no momento, com a crise econômica diminuindo seu poder de
barganha.
2. Coréia do Sul
A Coréia do Sul tem sido apontada como um caso exitoso de desenvolvimento capitalista
tardio, resultando na conformação de grandes conglomerados produtivos, os chaebols
(Samsung, Hyundai, Daewoo, LG etc.). Estes evoluiriam da produção industrial mais
simples, nos anos 1960, à indústria pesada e química nos 1970 (crescendo a taxas
expressivas nos setores de máquinas, ferramentas, indústria naval e automobilística),
ganhando significativa importância, a partir dos anos 80, o setor eletrônico e de
telecomunicações16.
A peculiaridade da experiência coreana foi, por meio de estatização do sistema bancário
(entre 1961/80) e do controle/gerenciamento do acesso ao crédito externo e interno, o
Estado selecionar e premiar empresas/setores prioritários às políticas de desenvolvimento
em curso, sendo os investimentos diretos estrangeiros orientados à associação com
empresas coreanas (joint-ventures). Entre 1981-83, os bancos seriam privatizados e quem
assumiria o controle acionário seriam os chaebol maiores. A privatização dos bancos
comerciais, embora não tenha afetado o papel do Estado de bancador ―em última
instância" da expansão econômica (dos grandes projetos, setores estratégicos, P&D),
fortaleceria a tendência à autonomia financeira pelos grandes conglomerados, visando
diminuir a dependência dos empréstimos sob crivo governamental. E ainda que a
atividade financeira estivesse subordinada aos projetos expansionistas da atividade
produtiva, mantendo-se em alta os níveis de endividamento, acreditamos que a economia
coreana caminhava para a conformação de um capitalismo financeiro moderno, não fosse
atropelada pela crise asiática de 1997/98.
Entre 1990 e 1998, os investimentos no exterior superariam, em quantidade e em
montante, os investimentos estrangeiros no mercado doméstico; concentrando-se na
América do Norte e na Ásia. Nestes anos, os maiores chaebols foram se especializando e
16
Nos limites deste texto não há como discorrer devidamente sobre a história do
desenvolvimento na Coréia do Sul, gostaríamos apenas de indicar como, a despeito de seu êxito
internacional, trata-se de um modelo dependente-associado e/ou de uma semiperiferia.
15
monopolizando alguns poucos setores (eletrônicos, por exemplo, ficaram com os três
maiores— Samsung, Hyundai e LG). Tendência à concentração e especialização
acentuada nos anos pós-crise financeira de 1997/98, seguindo as orientações do FMI,
mas que vinha desde a integração na OCDE, em 1996. O crescimento no volume de
investimentos
no
exterior
deu-se
preferencialmente
no
setor
manufatureiro,
concentrando-se na própria Ásia (na China em especial), seguida da América do Norte e
da União Européia. E, se nos anos 1980, a parceria com o Japão foi fundamental, neste
início de século foram os negócios com a China e o crescimento da economia chinesa o
decisivo, permitindo a rápida recuperação da economia coreana pós-crise (a China
tornou-se o 1º destino dos investimentos diretos coreanos e o 1º parceiro comercial).
(Masiero, 2007; Oliveira, 2007)
Em 2001, quando a Coréia do Sul saldou antecipadamente seus débitos junto ao FMI, o
valor das exportações coreanas alcançou os 38% do PIB e, em 2005, já era de mais de
45%. Em 2004, a manufatura foi responsável pela absorção de 53% do total dos
investimentos no exterior e a Coréia do Sul investiu na China o equivalente a 37,8% dos
investimentos totais do país naquele ano, sendo que dois quintos aplicados no setor
manufatureiro; ao passo que a China passou a ser grande importador de produtos
intermediários da Coréia do Sul. No mesmo ano, os investimentos estrangeiros na Coréia
do Sul estavam distribuídos ―na proporção de 30% em portfolio e 70% em novas fábricas
e instalações‖ (Masiero, 2007).
Atraídos pela localização geográfica privilegiada, e incentivos diversos (fiscais e
creditícios), a participação estrangeira (valor das ações em trilhões de wons) na Bolsa de
Valores sul-coreana passaria de 10,45, em 1997; para 76,6, em 1999, e 88,2 em 2001.
Dados da participação estrangeira por empresas ao final de 2001 (% em
empresas/subsidiárias) dão uma dimensão do processo de desnacionalização pós-crise:
Kookmin Bank, 71,1%; Samsung Eletronics, 59,7%; Samsung Insurance, 51,6%; Posco,
61,9%; Hyundai Motors, 52,6%; SK Telecom, 32,4%. (Masiero, 2007)
Da participação majoritária do capital estrangeiro em algumas empresas não se deve
deduzir o controle do chaebol, pois em geral diz respeito a subsidiárias deste. E a
despeito da abertura econômica, segundo Masiero (2007), ainda é complicada (política e
burocraticamente) a entrada de recursos externos na Coréia do Sul. Mas não há dúvidas
que a economia coreana avançou para um modelo bem mais aberto nos anos 90 e início
16
deste século, estabelecendo associações/parcerias produtivas, comerciais e financeiras
com empresas/capitais de origem estrangeira. Indubitável é também o sucesso dessa
experiência de capitalismo tardio, elevando a Coréia do Sul a uma posição de periferia de
1ª classe17. Neste sentido, foram decisivos os investimentos em P&D18.
Não obstante, a Coréia do Sul continua dependendo fortemente da capacidade inovadora
– especialmente, nas TIC – dos países centrais. Sua economia é muito dependente das
exportações, sobretudo para os EUA e China, e, portanto, do bom andamento da
economia mundial e do crescimento nestes dois países 19. Além disso, as
parcerias/associações com a China não eliminam a concorrência internacional entre os
dois países, sendo que o diferencial entre qualidade/quantidade tem se reduzido em
detrimento do produto coreano (quantidade chinesa x qualidade coreana)20. Devemos
acrescentar ainda que, o trabalhador coreano, é caro e politicamente ativo comparado ao
chinês, sendo que num momento em que é preciso estimular o consumo interno, devido à
queda nas exportações, investir e/ou transferir estruturas produtivas para a China não é o
mais acertado. Ou seja, se a associação com a China tem ―segurado‖ a Coréia do Sul
nesta crise, as relações entre os dois países são bastante contraditórias, sendo provável
que a Coréia do Sul se torne, cada vez mais, dependente da China – contudo, podendo
Conforme Gilmar Masiero (2007): ―O seu setor de construção naval é o primeiro do mundo. O
de produção de semicondutores é o terceiro em escala mundial e o eletrônico o quarto. Os setores
automobilístico e siderúrgico estão na quinta posição do ranking mundial dos maiores
produtores. Esses são os principais setores responsáveis pelos mais de US $ 300 bilhões em
exportações em 2006‖.
18
Conforme Amaury Porto Oliveira (2007): ―(...) a participação dos gastos com P&D no PIB do
país. (...) era [em 2002], na Coréia do Sul, de 2,91%, cifra próxima da do Japão e maior do que a
dos EUA (2,82%). Na China, a cifra correspondente foi de apenas 1,23%, em 2002. O número de
estudantes de nível terciário, na Coréia do Sul, foi em média 23,2% da parcela da população de
idade correspondente, entre 1995 e 1997. De acordo com o PNUD (2001), somente a Finlândia e
Cingapura tiveram números maiores, no período. Todavia, em relação à totalidade da população,
a densidade de cientistas e engenheiros é bem menor, na Coréia do Sul, do que no Japão ou nos
EUA‖. Ver também Gilmar Masiero, 2007.
19
Depois de cair 5,1% no 4º trimestre de 2008, devido à queda nas exportações, o PIB sulcoreano cresceu 0,1% no 1º trimestre de 2009 e 2,3% no 2º trimestre, graças ao aumento das
exportações (para a China em especial) e do consumo interno.
20
Conforme Amaury Porto Oliveira (2007): ―A Coréia do Sul supera a China em matéria de
comercialização de tecnologias, mas a China tem muito conhecimento acumulado em ciência
básica e tecnologias de defesa, física nuclear, ciência dos materiais, sensoriamento remoto,
tecnologia aeroespacial e de satélites, tudo herdado da era maoísta. (...) A China já dispõe de
mais de um milhão de pessoas envolvidas com C&T, possuindo cinco vezes mais cientistas e
engenheiros do que a Coréia do Sul. Em anos recentes, a China vem obtendo avanços
impressionantes em vários indicadores de absorção e produção de C&T‖.
17
17
―jogar‖ com as disputas de poder entre chineses e japoneses no continente asiático e,
entre China, EUA e Japão no âmbito internacional.
Do ponto de vista monetário, a moeda coreana precisa equilibrar-se entre a moeda
chinesa e a americana e sua situação face à moeda japonesa também é subordinada (ou
seja, não se pode afirmar que detenha uma moeda forte). Os investimentos estrangeiros
indiretos, a despeito dos títulos americanos e dos fluxos para paraísos fiscais, seguem
subordinados aos investimentos produtivos. E como observou Dieter Ernst: ―um país
torna-se crescentemente vulnerável, se tem alta parcela de eletrônicos na sua pauta
exportadora, se está estreitamente integrado nas cadeias produtivas globais e se depende
de exportar para os EUA‖ (citado por Oliveira, 2007: 37).
3. Espanha
O segredo do ―sucesso‖ espanhol, indubitavelmente deve ser buscado na integração à
União Européia (e o enorme aporte de resursos europeus, sobretudo alemães, para a
economia espanhola), mas passa pelas ―opções‖ internas que foram decisivas à
consolidação de um capital financeiro espanhol. Interessa-nos destacar que políticas
econômicas empreendidas nos anos 1980/90 levaram à consolidação do ―núcleo duro‖ da
economia espanhola; sob a liderança do qual a Espanha (re) descobriu a América Latina.
Fundamentalmente, chamamos atenção para o fato das inversões estrangeiras - com a
democratização, abertura econômica, reorganização do mercado financeiro/acionário e
privatizações -, menos que à compra e controle acionário de empresas espanholas,
destinarem-se à sociedade/associação com o capital espanhol, favorecendo, política e
economicamente, o poder internacional de grupos nacionais.
Nos anos 1990, a maior adesão ao receituário liberal implicaria na consolidação do
―núcleo duro‖ da economia espanhola, com a venda das últimas participações estatais em
empresas do setor infra-estrutural e mais abertura/desregulamentação do mercado de
capitais. Este ―núcleo‖, unindo bancos e setores infra-estruturais, organizou-se em torno
de dois grandes grupos financeiros privados - o BSCH e o BBVA – e caixas de poupança
de capitais públicos. Com o controle destes grupos sobre os setores infra-estruturais
(nomeadamente eletricidade, gás natural, petróleo e telecomunicações), suas empresas
liderariam o processo de internacionalização da economia espanhola nos anos 1990. E
para além deste núcleo duro, predominantemente basco-catalão, existem ainda grandes
18
empresas, com bases setoriais diferenciadas conforme a região, que são fortemente
internacionalizadas.
No entanto, apesar do êxito expansionista, este deu-se sobre países, em geral, bastante
vulneráveis às crises econômicas internacionais e à instabilidade política nacional
(todavia, na crise atual, este não têm sido o problema); do ponto de vista científicotecnológico, a Espanha ocupa uma posição frágil, com pouco investimento em pesquisa e
domínio do processo de inovação científico-tecnológico – dependente das transferências
de países mais desenvolvidos. Sua posição face o Euro e à União Européia é muito mais
de dependência que de interdependência e a economia espanhola organiza-se
basicamente em torno do setor de serviços, contando com uma estrutura industrial
modesta e bastante dependente das ―revoluções‖ alcançadas nos países centrais.
Ademais, o crecimento econômico dos últimos anos, internamente, foi liderado pelo
boom no setor imobiliário, financiado pelas instituições financeiras, e já esgotou seu ciclo
expansionasta (e em crise, agravada pelo contexto internacional adverso).
No último 15/09, o jornal El País noticiou que, embora os principais países da zona do
euro já estejam, técnicamente, fora do quadro recessivo, a situação da Espanha
continuará difícil e só deve melhorar a partir de 2010. As previsões são que os
investimentos diretos estrangeiros continuem caindo (em mais de 30% este ano, contra os
14% em 2008) e as altas taxas de desemprego subindo (hoje em torno de 18,5%),
acentuando ainda mais a queda no consumo. Muitas empresas já quebraram e a redução
de crescimento do PIB deve superar as previsões do início do ano (que eram de
aproximadamente 3%), contudo a queda deve ser contrabalançada pelo balanço externo
mais favorável, com a redução das importações devido à recessão.
A boa notícia era que as grandes empresas espanholas, internacionalizadas, como o
Banco Santander e a Telefónica, não só sobrevivem à crise como devem terminar 2009
com bons resultados, graças aos investimentos na América Latina – e especialmente, no
Brasil. Internamente, investimentos públicos - o governo espanhol gastou em média o
dobro que outros países na zona do euro – também amorteceram as dificuldades,
privilegiando as grandes empresas. Enfim, um país periférico (ou semiperiferia), cujo
―subimperialismo‖ tem resultado produtivo nesta crise (e não só na crise).
4. Brasil
19
O processo de desenvolvimento capitalista no Brasil levou à concentração/centralização
do capital, tanto no setor produtivo como no bancário, mas independentemente um do
outro21. O que diz respeito também aos anos 1990. E muito se girou em torno da idéia de
capitalismo dependente-associado, mas os agentes do capital produtivo nacional e os do
capital estrangeiro nunca foram propriamente sócios, fizeram negócios, dividiram
mercados, estabeleceram alianças políticas, porém raras foram as fusões/associações
entre as empresas de capital forâneo e as nacionais22. O processo de abertura e
liberalização dos anos 1990 levaria mais à desnacionalização da economia brasileira que
à associação/fusão entre capital nacional e estrangeiro.
Nos anos 1980, com a crise da dívida e os programas de ajustamento orientados pelo
FMI, em meio à forte elevação das taxas de inflação, desorganização das finanças
públicas e redução nas taxas de investimento, o grande capital sobreviveu à crise,
conservando (e ampliando) suas margens de lucro, graças, sobretudo, ao endividamento
estatal. O processo de ―estatização da dívida externa‖ foi decisivo, mas a sobrevivência e
reestruturação da grande empresa privada não teria sido possível sem o recurso aos
títulos públicos. O endividamento público interno assegurou os lucros do grande capital,
permitindo a formação de posições líquidas credoras em favor do setor empresarial, do
contrário impossíveis nas condições recessivas dos anos 1980. (Belluzzo e Almeida,
2002)
As grandes empresas puderam preservar (e expandir) suas margens de lucros,
desendividarem-se (e/ou não se endividarem) e se reestruturarem. Os lucros bancários,
em especial, evoluíram de forma espetacular durante todos os anos 1980 (antes e depois
do ajuste recessivo). E o patrimônio da grande empresa privada em geral foi preservado e
ampliado; em princípio, estavam garantidas as condições para uma posição mais ativa
dos seus representantes no processo de privatizações das empresas públicas dos anos
1990. Processo que levaria a maior conglomeração tanto no setor bancário como no
21
Tema abordado por nós na tese de doutorado, cuja versão em livro - deus e o diabo na terra do
sol (estado e economia no Brasil)- foi publicada este ano pela Editora Annablume.
22
Idéia defendida por Maria da Conceição Tavares, segundo a autora, não houve associações
significativas entre o capital produtivo nacional e o estrangeiro ao longo do processo de
industrialização brasileiro e, sim, divisão do mercado (alguns ramos nas mãos do capital
nacional; outros na do capital estrangeiro e a indústria de base com o Estado); negócios em
comum, porém associações/fusões praticamente não ocorreram. Ver Tavares e Miranda, 1999.
20
produtivo, mas não à conformação de um capital financeiro nacional, confirmando-se o
modelo de acumulação herdado do regime militar, agora, sem a liderança das empresas
estatais.
À carência de condições políticas, mais que econômicas, pode ser debitado o não
aproveitamento da conjuntura internacional dos anos 1990. Dificuldades políticas
relacionadas ao padrão de acumulação assentado no endividamento público interno, com
a conversão do mercado financeiro em espaço privilegiado de acumulação e equalização
de interesses econômicos divergentes. O que não significa que fosse impossível, por
exemplo, levar os grandes bancos à incorporação das empresas públicas privatizadas,
limitando a participação do capital estrangeiro neste processo, obrigando-o às
associações com empresários nacionais. Ao contrário, entendemos que o Brasil tinha
condições de seguir um caminho ―associado‖, pelo menos à maneira da Espanha, e, por
meio da associação com o capital financeiro internacional, gerar ―núcleos duros‖
internacionalizados e organizados em torno das maiores instituições financeiras - Itaú e
Bradesco, no setor privado; e Banco do Brasil, no estatal.
No continente latino-americano, pela escala da sua economia, o Brasil era o único país
em condições de percorrer um caminho mais próximo ao dependente-associado à época
das grandes privatizações. Sendo que contava (e conta) com uma estrutura produtiva
capaz de garantir a expansão do mercado interno, de forma a não tornar a economia tão
dependente das exportações, como no caso coreano, nem transformá-la numa economia
de serviços como a espanhola, ou ainda numa mera economia de enclave, situações nada
condizentes com a dimensão populacional/continental do país. Porém, entre a via
dependente-associada ou apenas dependente, o Brasil permaneceu mais próximo da
segunda ―opção‖ e, ainda que em condições bem mais favoráveis que a Argentina, segue
sendo um país periférico.
As reformas econômicas dos anos 1990 foram empreendidas por lideranças carentes de
um ―projeto nacional‖, com a manutenção até o limite de uma política cambial que,
segundo Nassif (2007), serviu ao enriquecimento de membros da equipe econômica e
àqueles próximos aos governos FHC. Mesmo assim, a herança desenvolvimentista
dificultou ajustes neoliberais radicais, ao legar um parque industrial relativamente
integrado, um setor bancário robusto, uma diversificação comercial e um dinamismo
21
exportador sem paralelo no continente. O dissenso intra-governamental23, uma burguesia
local no setor financeiro, agrário, industrial e comercial; jornalistas, intelectuais,
economistas de oposição, bem como representantes da alta burocracia, conseguiram opor
resistências à radicalização das reformas à maneira argentina.
E, se nos anos 1990 desperdiçamos oportunidades expansionistas (face aos processos de
privatização no continente latino-americano, incluindo o Brasil), nos últimos anos tem
avançado a presença de empresas brasileiras sobre países da América do Sul, levando
alguns autores a identificarem, no governo Lula em especial, uma disposição
expansionista ―subimperialista‖ sobre a América do Sul, cujo objetivo seria elevar o país
à condição de ―semiperiferia‖24. É o caso do economista argentino, Claudio Katz (2009),
que, por exemplo, aponta o Brasil como o grande candidato a comandar uma
―multipolaridade opressiva‖ sobre os vizinhos do cone sul. Para o autor, tudo indica que
Brasil tentará ocupar (política e economicamente) espaços abertos pela crise americana,
ampliando a sua presença no continente, mas sem chocar-se com a potência:
A pesar del bajo crecimiento de últimos años, las empresas transnacionales
de ese origen se han consolidado en toda la región. Se apoderaron del 50% de
la principal actividad económica uruguaya (industria de la carne), comprando
tierras y controlando un tercio de la faena. Capturaron varias firmas
estratégicas de Argentina (especialmente Pecom y Loma Negra) y ya
manejan el 95% de la soja exportada desde Paraguay.
A principios de la década, Petrobrás se apropió del 45% del gas, el 39% del
petrolero y de toda refinación de Bolivia. En Perú dos conglomerados
brasileños controlan el grueso de las minas de zinc y fosfato. En Ecuador
gestionan varios yacimientos estratégicos y administran los principales
proyectos de obra pública.
La expansión sudamericana de las multinacionales brasileñas se ha sostenido
en la financiación oficial (BNDES). Esos créditos han crecido más que los
fondos aportados a la región por el FMI o el Banco Mundial. Las compañías
de Brasil sustraen materias primas, dominan fuentes de energía y abastecen
mercados de consumo. Su principal núcleo - Petrobrás, Gerdau, VM,
Oderbrecht, Friboi, Marfrig, Vale - opera con elevados niveles de
internacionalización. (Katz, 2009)
Segundo Katz, para sustentar a política expansionista de suas corporações, o Brasil se
militariza com tecnologia francesa, sendo que o correlato militar da expansão
multinacional não se limita aos vizinhos fronteiriços, estendendo-se à presença no Haiti.
23
Brasilio Sallum Jr. (2003) desenvolve uma análise interessante sobre os governos FHC, na qual
identifica duas tendências ―em luta‖: a liberal fundamentalista e a liberal desenvolvimentista.
24
Os termos ―semiperiferia‖ e ―subimperialismo‖ remetem a Giovanni Arrighi (1996) e Rui
Mauro Marini (1985) respectivamente.
22
Visando um assento no Conselho de Segurança da ONU, a presença no Haiti estaria
facilitando o ingresso de firmas brasileiras no Caribe25. E o governo Lula estaria
repetindo ―a política de lobby que desenvolveu Felipe González, a fim de posicionar
empresas espanholas no continente‖, inclusive condicionando à continuidade do
MERCOSUL à liderança do Brasil. Supostamente, o subimperialismo brasileiro contaria
com a anuência do governo Barack Obama, que teria no país um aliado contra as forças
hostis lideradas pela Venezuela. (Katz, 2009)
É inegável a crescente internacionalização de empresas brasileiras rumo à America do
Sul e, em menor dimensão, à América Central, que contam com o suporte financeiro do
BNDES26. Porém, não teríamos como desenvolver, nos limites deste artigo, uma análise
caso a caso sobre o expansionismo de empresas brasileiras na América Latina (por falta
de estudos da nossa parte a respeito)27; mas faremos algumas considerações sobre o caso
do gasoduto Bolívia-Brasil (já estudado por nós), a fim de introduzir considerações
breves sobre o subimperialismo brasileiro.
Em princípio, o ―negócio‖ foi ruim para os dois países: para a Bolívia, por ver retirado de
seu patrimônio uma parcela considerável do gás natural, mediante preços baixos; e ao
Brasil, por ter imposto a dependência de um combustível de origem estrangeira com
todas as implicações que esta situação oferece à economia e segurança de um país. Sem
falar na alteração da ênfase na matriz energética - das hidroelétricas para as
termoelétricas -, bastante questionável do ponto de vista dos interesses nacionais (embora
25
O que é contraditório com a afirmação anterior, pois o acordo com a França, se confirmado,
contraria interesses da 1ª potência. Todavia, a análise do autor sobre o ―subimperialismo‖
brasileiro é pertinente, talvez um pouco exagerada, sobretudo quanto ao militarismo brasileiro e à
presença no Haiti que, até agora, deu mais despesas que lucros e, politicamente, não tem sido
relevante para objetivo almejado - o Conselho de Segurança da ONU.
26
Segundo matéria da Folha de São Paulo, nos últimos sete anos, o valor liberado para
investimentos na região multiplicou por 3000%, contudo, o aumento da concorrência com a
China, imbatíveis no preço, é a principal dificuldade que empresas brasileiras enfrentam
atualmente: ―Com a crescente internacionalização das empresas brasileiras e o aumento da
concorrência com os asiáticos nos países vizinhos, a linha do programa BNDES-Exim para o
setor saltou de US$ 42 milhões em 2002 para uma estimativa de US$ 1,26 bilhão neste ano, dos
quais US$ 957 milhões já foram liberados até o mês passado. (.) Segundo levantamento da
consultoria Valora, o Brasil exportou US$ 5, 673 bilhões em serviços de engenharia para os
países latino-americanos em 2008, que representam uma participação de 50% a 60% do mercado
regional. A presença brasileira ocorre principalmente nas obras de infraestrutura de geração e
energia, transportes e saneamento.‖ (FSP, 27/09/2009, Caderno Dinheiro, B6)
27
Ver quadro mais preciso da expansão brasileira pela America do Sul, no trabalho citado por
Katz (2009), de Mathias Luce, ―La expansión del subimperialismo brasileño‖, Patria Grande, n 9,
diciembre 2008.
23
a importação de gás boliviano não fosse empecilho para os investimentos nas
hidroelétricas).
Não obstante, apesar dos problemas identificados e das nacionalizações pelo governo
Evo Morales, o investimento não foi economicamente (do ponto de vista da
lucratividade) prejudicial à Petrobrás. Além dos lucros já obtidos com o gasoduto, pelos
últimos acordos, à época das nacionalizações, a empresa brasileira receberá de volta o
valor dos investimentos28. E tendo em vista a instabilidade política do país (diríamos
―estrutural‖), a nacionalização e conseqüente conversão do Brasil em comprador
(praticamente, o único) do gás boliviano foi oportuna, ainda mais com perspectivas
futuras de produção em solo nacional. Neste sentido, com os acordos entre os governos
Lula e Morales e os avanços alcançados nas negociações de preços e definição de metas e
prioridades favoráveis aos dois países, cuja à carência nos acordos anteriores pode ser
debitada parte da responsabilidade pelos movimentos em prol das nacionalizações, é
possível afirmar que, ao final das contas, a obra é defensável: legou à Bolívia um grande
investimento produtivo e supriu uma carência energética brasileira.
Ou seja, o ―subimperialismo‖ do governo Lula não foi tão ruim para a Bolívia; e para o
Brasil, embora tenha criado dependência externa e novas necessidades com a alteração da
matriz energética, a integração maior com o país vizinho (rico em recursos naturais como
o lítio) pode ser promissora. Não estamos a defender que nossos vizinhos devem abraçar
o expansionismo brasileiro porque, em termos de (sub)imperialismo, o Brasil seria
melhor que os outros, mas é evidente que é mais fácil negociar/barganhar com um país
periférico, sem grande poder de imposição, que o contrário29. Razão pela qual, muitos
dos investimentos brasileiros na América Latina são bastante arriscados e, como já
indicamos, mesmo para os espanhóis.
À diferença que a Espanha é uma semiperiferia associada ao capital financeiro europeu e
norte-americano. Já o Brasil tem conduzido uma ação relativamente solitária, financiada
pelo BNDES, quando tem inúmeras carências infra-estruturais e um mercado em
Aliás, à época, a imprensa boliviana denunciou as indenizações ―generosas‖ do governo
Morales às empresas estrangeiras que ali atuavam.
29
Tanto é assim que Eliane Cantanhêde, na FSP de 20/09/09, escreveu sobre os negócios
militares entre Brasil e França que: ―Há suspeitas (...) de que a FAB prefere o pacote sueco,
porque seria o de menor conseqüência política (a Suécia não é tão pesada, sob vários aspectos,
como EUA e França) e o de maior alcance para troca de tecnologia, formação de mão de obra
brasileira e irradiação para a indústria nacional‖.
28
24
potencial que poderia ser expandido com investimentos em infra-estrutura no próprio
país, buscando-se o crescimento interno como via preferencial para o fortalecimento
externo. E essa crítica ao subimperialismo brasileiro não é contraditória com afirmação
anterior de que o Brasil devia ter tentado, nos anos 1990, pelo menos a via espanhola,
pois nos referíamos à formação de um capital financeiro privado em associação com o
capital financeiro internacional como substrato do expansionismo espanhol - no setor de
serviços, basicamente.
Agora, a expansão externa de empresas brasileiras (públicas e privadas) tem se dado no
campo das atividades primárias e/ou negócios no setor da construção civil, contando com
financiamentos públicos. É certo que, no último ano, a distinção entre a via ―privatista‖ e
a ―estatal‖ tornou-se um tanto irrelevante e, se o Brasil não tem um capital financeiro
privado disposto a associar-se ao capital produtivo em expansão, tem o BNDES.
Ademais, as atividades primárias – a exportação de commodities – estão em alta e talvez
o país não precise mesmo de sócios internacionais ou aqueles que seriam interessantes
como sócios não se interessem pelas atividades do subimperialismo brasileiro. Não
obstante, ainda consideramos mais produtivo a formação de ―núcleos duros produtivofinanceiros‖, tendo o capital financeiro internacional como sócio (não majoritário), a fim
de fortalecer a economia nacional e, por essa via, garantir melhores condições de
internacionalização econômica.
Não sendo assim, o mais acertado seria o BNDES priorizar a superação das carências
infra-estruturais locais, estimulando a expansão do mercado interno com mais
investimentos no país; e o Banco Central prosseguir baixando os juros (os bancos
brasileiros, a fim de assegurar seus lucros, poderiam associar-se ao capital subimperialista)30. É
30
Mas se é para seguir a via do subimperialismo, melhor seria o Brasil buscar associações
internacionais que o fortalecessem. Neste caso, talvez o mais acertado seja apostar num futuro
multipolar e aproximar-se mais dos EUA de Barack Obama. Aí, sim, o Brasil seria um forte
candidato para comandar uma expansão sobre o continente (quem sabe menos ―opressiva‖ que o
previsto por Katz, 2009). E se associações/fusões não interessarem, é possível estabelecer
parcerias que, indiretamente, articulem o expansionismo brasileiro às compras/negócios com a
potência. Por essa via, o 1º passo talvez seja abandonar o acordo com a França para compra de
produtos militares e transferência de tecnologia e fechar negócio os EUA, que se comprometem
agora à transferência de tecnologia (mais moderna e melhor). Ou ao menos dividir a compra entre
os países vendedores. O risco de não ter a transferência de tecnologia esperada existe também
com a França e/ou a Suécia (embora neste último caso pareça menor). Claro que, por essa via, ao
invés de ―semiperiferia‖, o Brasil pode tornar-se ainda mais periférico (à maneira do México,
antes ―dependente‖ que ―dependente-associado‖, apesar ou por causa do NAFTA). Tudo
25
curioso que, só com a crise, tenha sido possível amenizar a ―ortodoxia‖ do Banco
Central. Ou seja, devido à crise, o governo ganhou autonomia política para reverter (um
pouco) a política de juros altos da Instituição – é isto, bem menos que o contrário: o
governo Lula pôde driblar a adversidade externa atual graças à ortodoxia dos últimos
anos. Da nossa parte, entendemos que o governo está fazendo o que deveria ter feito há
tempos, como política de desenvolvimento. Agora, trata-se de uma política anticrise, via
expansão dos gastos/investimentos estatais, o que costuma levar à dureza da ortodoxia
mais adiante31. Enfim, o expansionismo financiado pelo Estado, combinado à redução
dos juros e com maiores incentivos à economia interna via expansão dos gastos públicos,
pode conter a crise, mas para elevar o país a posição de semiperiferia parece insuficiente
e arriscado.
III.Conclusão
Tendo em vista o padrão de acumulação consolidado no Brasil durante os governos
militares, a margem de manobra para decisões políticas mais autônomas, rumo à posição
de semiperiferia era estreita, no contexto dos anos 1990. Entretanto, a ―herança
desenvolvimentista‖ abria espaço para ações mais ousadas, tanto que limitou a
radicalização à maneira argentina. O estreitamento diz respeito, sobretudo, às
dificuldades políticas para se alterar o padrão ―financeirizado‖ assumido pelo processo de
acumulação desde o final dos anos 1970; assentado na política de juros altos e
endividamento público interno. Mas havia espaço (empresas em condições econômicas)
para incentivos à fusão do grande capital bancário com o capital produtivo nacional,
impondo ao mesmo tempo restrições à participação do capital estrangeiro nos grupos a
serem gerados.
Isto é, havia espaço para reformas orientadas à consolidação de um modelo mais
dependente-associado de inserção internacional, ―associação‖ fundamental visando-se
um processo de internacionalização econômica (com o Brasil conquistando mais espaço
dependerá, obviamente, dos desdobramentos da crise para o poder mundial norte-americano e dos
rumos da vida política brasileira nos próximos anos. Mas estamos apostando que os EUA saem
menos poderosos da crise atual e mais dispostos às negociações/concessões num mundo
organizado de forma, cada vez mais, multipolar.
31
Apesar de todas as previsões otimistas de crescimento da economia brasileira para 2010, ou por
causa delas, Vinicius Torres Freire, na Folha de São Paulo (Caderno Dinheiro, 27/09/2009),
aponta para a tendência à alta dos juros e, por conseguinte, à piora da dívida e do déficit públicos,
que deve dobrar este ano – de 1,5% em 2008 para mais de 3% em 2009.
26
ao menos na América Latina). As associações de peso são importantes, entre outras
razões porque, por exemplo, um embate contra um grande grupo coreano não se restringe
ao capital e Estado coreanos; além disso, sem a associação com empresas dos países
dominantes, são maiores os obstáculos impostos à internacionalização de economias
periféricas pelo grande capital & Estados dos países centrais. Sem falar nas vantagens
financeiras e científico/tecnológicas possíveis (mas não asseguradas) via capitalismo
dependente-associado.
O problema é que a política de juros altos/endividamento estatal constitui, por si só, um
entrave às vias de internacionalização mais produtivas, por meio da fusão entre bancos e
produção (o mercado financeiro como espaço de ampliação do lucro desestimula os
investimentos produtivos). Mas não há dúvida que o governo Lula, a despeito da
ausência de um capital financeiro nacional, tem praticado uma política de fortalecimento
da burguesia nacional, incentivando a internacionalização do capital produtivo por meio
do BNDES e garantindo os lucros bancários com a política de juros altos internamente
(que mesmo com as reduções recentes continuam altos para os padrões internacionais).
Uma combinação de ortodoxia liberal com desenvolvimentismo internacionalista
financiado pelo Estado, que, nesta crise, tem sido contrabalançada pela redução dos juros
e maiores incentivos à economia interna.
Todavia, seja qual o resultado dessa política, não poderíamos deixar de anotar, a título de
conclusão, o que nos parece ser o destino dos processos de modernização tardia,
dependentes e/ou dependente-associados: são insuficientes para elevar os respectivos
países à lista das economias centrais, a despeito da inserção internacional mais ou menos
vantajosa que se possa alcançar. Considerações finais que nos levam a suspeitar de uma
dificuldade ―estrutural‖ aos processos de desenvolvimento capitalista tardio: a
incapacidade de gerar um capitalismo financeiro moderno32. O que só pode ser
compreendido a partir de estudos sobre as relações construídas no interior de cada país,
pela luta política envolvendo dirigentes estatais e disputas de interesses locais, dentro do
rol de possibilidades abertas pelo movimento expansionista das economias capitalistas
dominantes.
32
A China não seria uma exceção neste sentido, no modelo nacional-estatal de desenvolvimento
capitalista chinês o capital financeiro é estatal, quer dizer, não se trata do moderno capital
financeiro ―ocidental‖ (mesmo quando japonês).
27
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