Marcelo Liparini Vieira1 Natã Yanez de Oliveira Rodrigues de Melo Jorgevaldo de Souza Silva 2 RESUMO: Desde os gregos antigos, há uma tentativa de classificar as classes gramaticais das palavras. Mesmo assim, teóricos contemporâneos não entram em consenso e, dessa forma, apresentam diferentes conceitos de uma mesma classe de palavra, que, por vezes, não contemplam os critérios mórfico, sintático e semântico conjuntamente. Desse modo, buscamos, por meio deste trabalho, realizar um estudo comparativo entre gramática normativa, manual linguístico e manual didático. Assim, objetivamos contribuir para o ensino de Língua Portuguesa de modo a ampliar a definição da classe gramatical pronome, a partir dos critérios apresentados e comparando as definições propostas por cada material analisado. Para tanto, tomamos como embasamento teórico principalmente, Camara Júnior (2011), Macambira (1982), Perini (2010) em linguística; Bechara (2009), Cunha e Cintra (2008), Rocha Lima (2012) na gramática normativa; Cereja e Magalhães (2009), Faraco e Moura (2002), Sarmento (2009) nos manuais didáticos.Esperamos que essa reconceituação complemente o ensino das classes de palavras, permitindo que esse seja mais didático e consistente, além de proporcionar um estudo mais sistemático e abrangente, para então termos uma ponte entre gramática normativa, manual linguístico e manual didático. MAIS ABRANGENTE. REVISTA DISCENTIS. 4ª EDIÇÃO. DEZEMBRO 2015. VIEIRA, Marcelo Liparini; MELO, Natã Yanez de Oliveira Rodrigues. PRONOME: UMA RECONCEITUAÇÃO PARA UM ENSINO PRONOME: UMA RECONCEITUAÇÃO PARA UM ENSINO MAIS ABRANGENTE PALAVRAS-CHAVE: Aprendizado. Ensino. Pronome. Reconceituação. INTRODUÇÃO A preocupação com o ensino e a compreensão da gramática não é recente. Conforme comenta Brito (2010), as primeiras preocupações com a língua surgiram através dos hindus, no I milênio a.C., por meio do sânscrito ─ como também na Grécia Clássica e no período alexandrino comoA arte de ler e escrever. Em relação ao sânscrito, Weedwood (2002) afirma que este idioma era considerado uma língua sagrada na Índia antiga e, por tal motivo, era intocável na sua escrita e pronúncia, pois não era permitida qualquer alteração. Este fato pode explicar o motivo de haver, atualmente, um enrijecimento no ensino das nossas gramáticas normativas e uma oposição a grandes mudanças. Historicamente, segundo Gurpilhares (2004, p.44), o estudo gramático na Grécia é dividido em três períodos: “(1) o que se iniciou com os filósofos pré-socráticos e os primeiros retóricos, e continuou com Sócrates, Platão e Aristóteles; (2) o período dos estoicos; e (3) o período dos alexandrinos”. Com os filósofos pré-socráticos, a língua foi concebida como 1 Graduandos do 5° semestre do curso de Letras-Português 2015.1 pela Universidade Federal de Campina Grande (UFCG). 2 Orientador. Professor Doutor em Linguística pela UFPB/ PROLING (2011). 138 de cada pensador. As reflexões sobre ela eram de cunho filosófico e concentravam-se, principalmente, nas questões da designação. Com os estoicos, os estudos sobre a linguagem foram tratados em obras independentes, porém continuaram parte da filosofia e da lógica, abordaramo estudo gramatical sem focarem na língua em si mesma, vista como expressão das experiências sensoriais e intelectuais do homem. A partir disto, a gramática ofereceu quatro classes de palavras: nome, verbo, conjunção e artigo. Por fim, com os alexandrinos, estudouse a língua em obras literárias e preocupou-se com o seu uso “correto” e a proteção do grego clássico, além do desejo de tornar as obras de Homero acessíveis. Conforme o que comentamos, esta preocupação com a língua ultrapassa milênios e em cada período são acrescentadas novas mudanças e concepções. O que é um fato importante, pois a sociedade muda constantemente e com essas mudanças surgem novas formas de utilizar a linguagem. E assim, seguindo esta linha de pensamento, surge a Linguística, área do conhecimento que aborda cientificamente a linguagem humana. E que, de acordo com MAIS ABRANGENTE. REVISTA DISCENTIS. 4ª EDIÇÃO. DEZEMBRO 2015. VIEIRA, Marcelo Liparini; MELO, Natã Yanez de Oliveira Rodrigues. PRONOME: UMA RECONCEITUAÇÃO PARA UM ENSINO expressão do pensamento e não era uma preocupação independente, sempre esparsa na obra Martelotta (2011, p. 25), diferentemente da gramática tradicional, não é prescritiva nem normativa, uma vez que seu interesse não é ditar regras, já que “os linguistas [...] estão interessados no que é dito, e não no que alguns acham que deveria ser dito. Eles descrevem a língua em todos os seus aspectos, mas não prescrevem regras de correção” e propõem, por meio desta ciência, analisar e descrever a estrutura e o funcionamento dos sistemas da língua, sem prescrever regras a serem seguidas para o uso desse sistema. Assim sendo, buscamos uma abordagem ampla da língua e pretendemos realizar uma comparação entre três vertentes: gramática normativa, manual linguístico e manual didático, a fim de demonstrar que a classificação das classes de palavras, neste caso o pronome, é incompleta por não abordar os aspectos mórfico, sintático e semântico da língua, defendidos por Macambira (1982),sendo este motivo a causa da divergência entre os enunciados de cada vertente. Dessa maneira, poderemos elaborar um enunciado que contemple estes aspectos e, a partir desta premissa, colocar em pauta a discussão sobre a melhor didatização das classes de palavras. Portanto, para isto, apresentamos como fundamentação teórica a visão de autores que trabalham a temática em diferentes abordagens. Por meio da abordagem linguística de Camara Júnior (2011)sobre a estrutura da língua portuguesa, apoiamos nossa discussão sobre pronome no que diz respeito, principalmente, ao aspecto mórfico desta classe gramatical. A partir do aspecto mórfico, sintático e semântico apresentados pelo linguista Macambira (1982), buscamos observá-los no conceito de pronome apresentado por cada vertente estudada, para então levantar os que são contemplados ou 139 o viés linguístico, apresentamos a gramática de Perini (2010, p. 22) demonstrando que “os estudos gramaticais tradicionais tendem a passar a imagem de uma disciplina basicamente ‘pronta’ com no máximo alguns pontos controversos a acertar”. O que nos mostra que a gramática normativa ainda desempenha o papel de “suprema”, fazendo com que seja sempre um modelo a ser seguido. Seguindo o viés normativo, utilizamos Bechara (2009) por tratar-se de um importante nome entre os que estudam a língua portuguesa. Sua obra Moderna Gramática Portuguesa, oferece subsídios para que professores e alunos tenham um maior conhecimento sobre as normas do português brasileiro, trazendo fatos gramaticais da língua para a descrição normativa. Como gramáticos normativos também utilizamos Cunha e Cintra (2008), dois conhecidos gramáticos brasileiros que em sua Nova gramática do português contemporâneo apresentam conceitos histórico-culturais da língua portuguesa, preenchendo uma lacuna sobre como a língua se desenvolve. Complementando os gramáticos utilizamos Rocha Lima (2012), MAIS ABRANGENTE. REVISTA DISCENTIS. 4ª EDIÇÃO. DEZEMBRO 2015. VIEIRA, Marcelo Liparini; MELO, Natã Yanez de Oliveira Rodrigues. PRONOME: UMA RECONCEITUAÇÃO PARA UM ENSINO ignorados e reconceituar esta classe gramatical com uma definição adequada. Ainda seguindo por tratar-se de um importante nome dentro do uso da norma culta. Sua obra Gramática normativa de língua portuguesa ultrapassa diversas gerações contribuindo para o estudo linguístico. Visando dialogar com a atual abordagem didática das escolas sobre o pronome e analisar as lacunas de sua conceituação, utilizamos Cereja e Magalhães (2009) que, como demonstraremos, abordam apenas os aspectos semântico e sintático, deixando de lado o aspecto mórfico da palavra. Ainda na abordagem didática, usamos Faraco e Moura (2002), autores bastante conhecidos por seus livros pedagógicos voltados para o ensino mais explicativo e, como veremos, se diferenciaram dos demais manuais por uma pequena abordagem do aspecto mórfico da palavra. Finalizando esta abordagem, Leila Lauar Sarmento (2009), nos apresenta o seu conceito de pronome que, assim como a maioria dos atuais manuais, aborda apenas os aspectos semântico e sintático e isto nos ajudará a preencher essa lacuna por meio da reconceituação de pronome. 1. O CONCEITO DE PRONOME SEGUNDO OS TEÓRICOS Segundo Bechara (2009), o discurso é composto por três pessoas gramaticais, sendo que apenas a primeira e a segunda são determinadas ─ quem fala (primeira); com quem se fala (segunda); de que ou de quem se fala (terceira) ─ e que essas pessoas do discurso podem 140 fala que a noção gramatical de pessoa ocorre por heteronímia, em vez de flexão. Porque, ao invés do vocábulo se desdobrar para outros usos, ocorre apenas uma mudança de nome. Da mesma maneira, Lima (2012) afirma que o pronome é a palavra que denota o ente ou a ele se refere, considerando-o como pessoa do discurso. Pessoas do discurso se chama o indivíduo que fala, o indivíduo com quem se fala e o indivíduo ou a coisa de que se fala. E, como dito por Bechara (2010), de modo geral a referência é feita a um objeto substantivo considerando-o apenas como pessoa localizada do discurso. Desse modo, podemos dizer que pronome é a classe gramatical que substitui ou acompanha o substantivo e, assim, relaciona-se às pessoas do discurso. Portanto, apresentamos abaixo as divisões de pronome: MAIS ABRANGENTE. REVISTA DISCENTIS. 4ª EDIÇÃO. DEZEMBRO 2015. VIEIRA, Marcelo Liparini; MELO, Natã Yanez de Oliveira Rodrigues. PRONOME: UMA RECONCEITUAÇÃO PARA UM ENSINO estar tanto no singular quanto no plural. Complementando a afirmativa, Camara Júnior (2011) Pessoais eu, tu, ele, nós, vós, eles. Possessivos meu, minha; teu, tua; seu, sua. Demonstrativos esse, essa, isso; este, esta; aquele aquela, aquilo. Indefinidos alguém, ninguém, tudo, nada. Interrogativos quem, qual, quantos. Relativos o qual, as quais, cujo, onde. De acordo com Perini (2010), através destas pessoas gramaticais, temos os pronomes pessoais: eu, tu, ele/ela no singular; nós, vós, eles/elas no plural, seguidos por suas variantes, os pronomes retos e oblíquos. Câmara Júnior ressalta que as formas pronominais retas são os pronomes usados em frases isoladas ou como o sujeito de um verbo. E, tratando das formas oblíquas, distingue duas classes: (1) adverbal - usada como forma dependente junto do verbo e que pode se dar por meio de partículas proclíticas ou enclíticas: me, nos; te, vos; o, a, ou lhe; os, as,ou lhe;(2) outra série de pronomes oblíquos - que funcionam sobre a subordinação de uma preposição e estão limitadas às formas de primeira e segunda pessoa do singular/plural: (co)migo, (con)tigo, (co)nosco, (con)vosco. Além disso, o linguista ressalta também que dentre as pessoas do discurso se destaca uma diferença entre as formas primeira e segunda do singular e plural (eu, tu; nós, vós) e as formas de terceira pessoa do singular e plural (ele, ela; eles, elas), pois apenas as de terceira pessoa possuem plural e feminino e, desse modo, os nomes são enquadrados a essas pessoas através do tema nominal em -a ou em -e: mestre, mestra, por exemplo. A partir disto, temos o seguinte sistema para os pronomes pessoais da língua portuguesa: 141 Forma oblíqua Eu. Me, mim, -migo. Tu. Te, (-tigo), (ti), (lhe). Ele, Ela. - Nós. Nos, -nosco. Vós. - Eles, Elas. - Por meio dessa categorização a gramática normativa tenta estabelecer a concordância entre formas retas e oblíquas. Uma diferença que pode ser observada como destaca Câmara Júnior é a mudança que ocorre na 2° pessoa do plural (nós) se diferenciando da segunda pessoa do singular (tu): contigo/convosco, respectivamente. Tal diferença se deve ao fato da questão de tratamento em hierarquia, sendo que a segunda pessoa do plural é usada quando se MAIS ABRANGENTE. REVISTA DISCENTIS. 4ª EDIÇÃO. DEZEMBRO 2015. VIEIRA, Marcelo Liparini; MELO, Natã Yanez de Oliveira Rodrigues. PRONOME: UMA RECONCEITUAÇÃO PARA UM ENSINO Forma reta exige um grau de formalidade maior. Por isto, o pronome pode funcionar como adjetivo e também como substantivo: [...] se distinguem na prática essas duas classes de pronomes, porque os PRONOMES SUBSTANTIVOS aparecem isolados na frase, ao passo que os PRONOMES ADJETIVOS se empregam sempre junto de um substantivo, com o qual concordam em gênero e número. (CUNHA E CINTRA, 2008, p. 289). Portanto, a partir desta abordagem, podemos exemplificar estes pronomes, conforme Bechara (2009, p. 196), da seguinte forma: Pronomes substantivos:tomam o lugar do substantivo. Ex.: Este é melhor que aquele. Na frase acima, percebemos que os pronomes este e aquele nãoestão fazendo referência a nenhum substantivo, mas sim o substituindo. Pronomes adjetivos:acompanham um substantivo. Ex.: Meu livro é melhor que o teu. Meu e teu são pronomes que exprimem a ideia de posse em referência às pessoas do discurso. Meu referencia a primeira pessoa, o falante (pessoa que fala); teu referencia a segunda pessoa, o ouvinte (pessoa com quem se fala). Os dois pronomes fazem referência ao 142 referência estar clara para o ouvinte. Conforme Câmara Júnior (2010), os pronomes têm a função de substantivo e, desse modo, os adjetivos correspondentes são na verdade os pronomes possessivos. Os pronomes adjetivos (possessivos) podem atuar como determinantes de um nome ou pronome substantivo, assim, na frase “Meu livro é bom”, podemos perceber que esse pronome determina qual é o livro, trata-se assim do meu livro e não de qualquer livro. Sabemos que a classificação de um vocábulo é feita por meio de três critérios fundamentais, defendidos por Macambira (1982): o mórfico, o sintático e o semântico. De acordo com o critério mórfico, o pronome rejeita os sufixos aumentativos -ão, -zão e diminutivos -inho, -zinho, que são característicos do substantivo. Ex.: euzinho, euzão; nossinho, nossão; algunzinho, algunzão; ninguenzinho, ninguenzão. Alguns pronomes fogem à regra, pois possuem familiaridade com os sufixos -inho, -íssimoe -ão, porém como enfatiza o autor, -inho não quer dizer pouco, -íssimo não quer dizer muito e -ão não quer dizer grande. MAIS ABRANGENTE. REVISTA DISCENTIS. 4ª EDIÇÃO. DEZEMBRO 2015. VIEIRA, Marcelo Liparini; MELO, Natã Yanez de Oliveira Rodrigues. PRONOME: UMA RECONCEITUAÇÃO PARA UM ENSINO substantivo livro que, expresso no início, não precisa ser expresso no fim da frase, por a Ex.: tudinho, nadinha, mesminho, muitão. Sob o aspecto sintático, que se refere à função que o pronome desempenha em relação a outras palavras, temos o pronome substantivo e o pronome adjetivo, que já foram explicados anteriormente. Finalizando esta explanação temos o aspecto semântico, que aborda a divisão de cada uma das classes em que o pronome se divide e, como citado, se o pronome é definido, não pode ser interrogativo. Macambira (1982), também ressalta que não se pode negar que alguém seja pronome pessoal, porque isso fica evidente ao se fazer a pergunta “Quem bate aporta?”, que tem como resposta “Eu!” ou “Alguém!”. 1.1 OS MANUAIS LINGUÍSTICOS Com base na discussão linguística de Martelotta (2011), observamos que, divergindo da abordagem das gramáticas normativas, que são prescritiva se visam ensinar como os falantes podem ou não “usar a linguagem”, ou seja, prescrevem o que é certo ou errado, os manuais linguísticos se mostram muito mais abrangentes, por trabalharem com o uso real da língua pelos falantes, não se importando com “o que deve ser dito”, mas sim, com a linguagem em uso real e cotidiano pelo falante. Imediato, os linguistas entendem que a norma-padrão é importante para o ensino do português nas escolas, tendo consciência que um aprendizado precário pode provocar um insatisfatório desenvolvimento sociocultural. 143 direcionada a um público específico, por ser muito restrita e específica com suas regras que não abrangem toda a língua, mas apenas especificidades dela. Em geral, elas não são destinadas para alunos dos ensinos fundamental e médio. Como fala Perini (2010, p.26), em sua Gramática do Português Brasileiro ─ que utiliza uma abordagem descritiva, seu livro é “destinado a alunos e professores de Letras, assim como a professores de Línguas de todos os níveis ─ pessoas que já conhecem os rudimentos da gramática”. Refletimos, por esse direcionamento, que o papel da gramática é ser um instrumento para os professores e os alunos universitários que cursam licenciatura em Língua Portuguesa. Para que estes utilizem estes conceitos a partir do uso real da língua e possam reconceituar, juntamente com seus alunos, o que já está estagnado na gramática normativa. Logo, para Bechara (2009, p.50), “a gramática descritiva é uma disciplina científica que registra e descreve [...] um sistema linguístico em todos os seus aspectos (fonéticofonológico, morfossintático e léxico)”. Bechara explicita assim a diferença entre a gramática MAIS ABRANGENTE. REVISTA DISCENTIS. 4ª EDIÇÃO. DEZEMBRO 2015. VIEIRA, Marcelo Liparini; MELO, Natã Yanez de Oliveira Rodrigues. PRONOME: UMA RECONCEITUAÇÃO PARA UM ENSINO Através desta visão dos linguistas, observamos que a gramática normativa é normativa e descritiva, porque enquanto a primeira apresenta os assuntos de forma sintética se limitando a exemplos que muitas vezes são desconhecidos pelos falantes, a segunda apresenta conceitos reformulados, fazendo uso de frases com “linguagem real”, e não, com uma “linguagem ideal” como sugere a gramática normativa. Supomos que essa divergência, entre real e ideal, dificulta o aprendizado e que o melhor seria utilizar as duas maneiras de ensino. Mas não de forma aleatória e sim adequadas aos alunos e inseridas no contexto em que se demonstram eficazes para um ensino proveitoso. 1.2 AS GRAMÁTICAS NORMATIVAS Ensinar gramática requer grande empenho, pois alunos e professores encontram dificuldades diante de questões relacionadas ao uso e ao registro formal da língua portuguesa. Estas questões são estabelecidas pelas gramáticas normativas e a maioria das dificuldades apresenta-se na modalidade escrita. Por isso, as noções atuais de ensino de gramática, nas escolas, são controversas, e levantam questionamentos que vão surgindo no intuito de chegarmos a um método prático do seu ensino nas escolas, as quais têm um papel fundamental na construção do conhecimento pelo aluno. Vemos, então, que o estudo da gramática, nas escolas, deveria partir da concepção descritiva e produtiva para então chegar a uma concepção normativa e prescritiva ─ forma 144 inicialmente, sobre as variações existentes na língua, estimulando-o a observar as opções possíveis e as implicações sociais do uso de uma ou de outra forma. Com isto, o ensino gramatical da língua padrão estará dando oportunidade aos alunos de realizarem suas escolhas durante uma produção textual ou conversação oral, por exemplo. Desta maneira, conforme Perini (2010), entre os diversos assuntos tratados nas gramáticas, citamos, como exemplo, os pronomes oblíquos, por notarmos uma dificuldade por parte das pessoas em identificá-los, vistos por alguns como “impossíveis de compreender”: Forma reta MAIS ABRANGENTE. REVISTA DISCENTIS. 4ª EDIÇÃO. DEZEMBRO 2015. VIEIRA, Marcelo Liparini; MELO, Natã Yanez de Oliveira Rodrigues. PRONOME: UMA RECONCEITUAÇÃO PARA UM ENSINO tradicionalista comumente imposta. Para isto, deveríamos levar o aluno a refletir, Forma oblíqua Eu. Me, mim, -migo. Tu. Te, (-tigo), (ti), (lhe). Ele, Ela. - Nós. Nos, -nosco. Vós. - Eles, Elas. - Os pronomes que não possuem formas oblíquas (ele, ela, eles, elas) são usados em todas as funções, sem mudança de forma: Eu encontrei ela no cinema. Vou convidar vocês para o meu aniversário. Perini (2010) ressalta que você tem a forma oblíqua te, mas esta é usada em contraponto com a forma reta. Dessa maneira, podemos dizer eu te amo ou também eu amo você. Também existem casos em que o pronome você (definido pela gramática normativa como pronome de tratamento) é usado como pronome pessoal reto e em alguns casos como pronome oblíquo. Assim, percebemos que, embora você seja um pronome de tratamento, este pode ser usado em outra categoria. Por estes motivos, a gramática é comumente considerada como um complicado manual de regras, pois ainda que dite regras de uso, acaba desprezando alguns casos isolados da língua. Por isso, algumas pessoas afirmam “não saber o português”. O que é uma afirmativa equivocada, por sabermos que todo falante de uma língua sabe usá-la, e o que traz complexidade a este uso são as inúmeras regras impostas para o uso adequado da língua, segundo os gramáticos prescritivos. 145 Os manuais didáticos são uma importante ferramenta para o aprendizado, uma vez que é um suporte dos conteúdos a serem estudados em sala de aula. Isto torna o professor em um mediador do conhecimento, para que o aluno tenha condições de aprender a pesquisar e a questionar. Para verificar e demonstrar como é a proposta de abordagem da classe de palavra pronome nos livros didáticos, utilizaremos como referência três exemplares do 6° ano do ensino fundamental. No livro Português: Linguagens, dos autores Cereja e Magalhães, podemos encontrar uma interessante proposta de abordagem, pois através de um gênero textual se trabalha primeiramente leitura e interpretação para, por meio desse trabalho inicial, abordar o conteúdo gramatical. Na abordagem da classe gramatical, primeiramente são retirados alguns exemplos de pronomes através de recortes do texto, em seguida é dada a definição em uma abordagem bem MAIS ABRANGENTE. REVISTA DISCENTIS. 4ª EDIÇÃO. DEZEMBRO 2015. VIEIRA, Marcelo Liparini; MELO, Natã Yanez de Oliveira Rodrigues. PRONOME: UMA RECONCEITUAÇÃO PARA UM ENSINO 1.3 OS MANUAIS DIDÁTICOS parecida com a do gramático Bechara (2009): “Pronomes são palavras que substituem ou acompanham um nome, principalmente o substantivo” (CEREJA E MAGALHÃES, 2009, p. 188). Dentre os aspectos mórfico, sintático e semântico apenas os dois últimos são trabalhados; o critério sintático, correspondente à função que a palavra desempenha dentro da oração, pode ser observado na diferenciação entre pronome adjetivo e pronome substantivo: Quando os pronomes são empregados no lugar de substantivos citados anteriormente no enunciado ou implícitos na situação, dizemos que eles são pronomes substantivos. Por exemplo, no texto lido, na frase “Mas, se eu te picar com meu veneno, [...] morro também.”, as palavras eu e te são pronomes substantivos, porque estão no lugar de escorpião e sapo, respectivamente. Já em “meu veneno”, pelo fato de acompanhar o substantivo veneno, a palavra meu é um pronome adjetivo. Os pronomes adjetivos transmitem a noção de posse, de quantidade indeterminada, de localização espacial ou temporal, etc. (CEREJA E MAGALHÃES, 2009, p. 188). Após essa explicação, os autores destacam a importância do pronome para a coesão e coerência textual, ressaltando que os pronomes tem a função de fazer referência ou retomar termos que já foram citados no enunciado, para que dessa forma haja uma ligação entre as frases e o texto possua ligação e não seja apenas um conjunto de frases isoladas. Sobre o aspecto semântico, que trata das variações dessa classe gramatical, os autores fazem toda a conceituação relacionada a classificação das seis classes em que se dividem: pessoais, possessivos, demonstrativos, indefinidos, interrogativos e relativos. Um ponto 146 pessoais, e isso se dá pelo fato dessas palavras estarem cada vez mais presentes em nosso cotidiano em substituição dos pronomes tu, vós e nós. Vale ressaltar que essa inclusão está voltada às gramáticas de uso do português no Brasil, uma vez que em Portugal o você ainda é usado como pronome de tratamento. Com uma abordagem semelhante, Leila Lauar Sarmento (2009), em seu livro Português: leitura, produção, gramática, conceitua que “as palavras que substituem ou acompanham um substantivo, situando-o no espaço ou no contexto, recebem o nome de pronomes” (p. 258). Como percebemos a sua definição de pronome contempla os aspectos sintático e semântico, evidenciando que os pronomes situam os substantivos no lugar que ocupam na frase ou no sentido que desempenham em determinado contexto. Através dos textos presentes no livro, a autora explica a função desempenhada pelos pronomes, ressaltando que estes são referentes às três pessoas do discurso. Outro ponto a ser grifado, assim como em Cereja e Magalhães (2009), é que a autora MAIS ABRANGENTE. REVISTA DISCENTIS. 4ª EDIÇÃO. DEZEMBRO 2015. VIEIRA, Marcelo Liparini; MELO, Natã Yanez de Oliveira Rodrigues. PRONOME: UMA RECONCEITUAÇÃO PARA UM ENSINO importante do livro é a abordagem da inclusão de você, vocês e a gente entre os pronomes explica que “na maior parte do Brasil se utiliza o pronome você(s), em vez de tu, com referência a segunda pessoa do discurso” (2009, p. 259) e que é um pronome de tratamento e não um pronome pessoal. E como metodologia de ensino, divide o estudo em Pronome (I) ─ substantivos; adjetivos; pessoais retos e oblíquos; de tratamento; possessivos; - e segue de forma independente com os pronomes: demonstrativos; indefinidos; interrogativos. Observamos que, apesar de sua abordagem contextualizada, há uma lacuna no aspecto mórfico, como na maioria dos manuais, fato que citamos. Finalizando a análise dos manuais didáticos, nos apoiamos na obra Linguagem Nova dos autores Faraco e Moura (2002), que apresenta uma abordagem um pouco mais explicativa que os demais. Além dos aspectos sintático e semântico, que também são abordados nos outros dois utilizados, aborda superficialmente o aspecto mórfico da palavra, mostrando algumas transformações sofridas pelos pronomes oblíquos com base no verbo a que eles estão ligados. De acordo com Faraco e Moura (2002), os pronomes oblíquos o, a, os, as podem assumir diferentes formas, com base na terminação do verbo ao qual se ligam: Ex.: (A) Vou chamar as meninas - Vou chamar + as. = Vou chamá-las. (B) Encontramos teu caderno - Encontramos + o. = Encontramo-lo. (C) Fiz a tarefa - Fiz + a = Fi-la. Os autores ressaltam que os pronomes oblíquos o, a, os, as só mudam para lo, la, los, las depois dos verbos terminados em r, z, e s. 147 terminações na, no. Ex: (A) Alimentara ratazana. - Alimentaram + a = Alimentaram-na. (B) Tirem esse animal daqui! - Tirem + o daqui!= Tirem-no daqui! (C) Dão alimento ao rato. - Dão+ o ao rato = Dão-no ao rato. (D) Põe o pão sobre a mesa. - Põe + o sobre a mesa. = Põe-no sobre a mesa. Quanto à abordagem sintática e semântica, no livro didático elas ocorrem de modo bem parecido com a dos outros livros analisados, e trazem atividades bem elaboradas para colocar em prática os conteúdos explicados. 2 RECONCEITUANDO O PRONOME Como discutido anteriormente e citado por Macambira (1982, p. 17), a classificação MAIS ABRANGENTE. REVISTA DISCENTIS. 4ª EDIÇÃO. DEZEMBRO 2015. VIEIRA, Marcelo Liparini; MELO, Natã Yanez de Oliveira Rodrigues. PRONOME: UMA RECONCEITUAÇÃO PARA UM ENSINO Em caso de verbos com terminações em am, em, ão, õe, podem assumir as das palavras deve se basear em três critérios: mórfico, sintático e semântico. O mórfico se refere à forma da palavra, o modo como se organiza, assim temos a flexão, que é a adequação às categorias de tempo, modo, número e pessoa; e de derivação, que corresponde à formação de novas palavras do léxico. O critério sintático aborda a função desempenhada pela palavra dentro da frase, o autor denomina “critério grupal”, ou seja, não o papel que a palavra desempenha isoladamente, mas como ela funciona dentro de uma frase, por exemplo. No caso do critério sintático podemos destacar os pronomes substantivos e os pronomes adjetivos, que já foram abordados anteriormente. Quanto ao terceiro aspecto, o semântico, este se refere ao sentido ou significado e nesse caso temos a subdivisão de classes, pronome pessoal, demonstrativo, possessivo etc., em que ambos possuem sentidos diferentes e não podem ser usados no lugar do outro sem que a frase faça sentido. Sobre a classificação e definição do conceito de pronome por parte das gramáticas, não há uma abordagem dos três critérios gramaticais. Bechara (2009, p.195), diz que o pronome “é a classe de palavras categoremáticas que reúne unidades em número limitado e que se refere a um significado léxico pela situação ou por outras palavras do contexto”. Desse modo, podemos entender que são palavras que têm significado apenas categorial, sem representar nenhuma matéria extralinguística. Um ponto importante é que seu significado na frase ocorre de acordo com a situação ou outras palavras do contexto, assim não possui significado isoladamente. 148 (elas), além de se. Algumas dessas palavras têm formas oblíquas, isto é, formas usadas quando o item está em determinada função sintática. E Cunha e Cintra (2008, p. 289), dizem que “os pronomes desempenham na oração as funções equivalentes às exercidas pelos elementos nominais. Servem, pois: a) para representar um substantivo [...]; b) para acompanhar um substantivo determinando-lhe a extensão do significado [...]”. Já para Faraco e Moura (1992) “pronome é a palavra que substitui ou determina um nome, relacionando esse nome a uma das três pessoas gramaticais”. O que podemos perceber é que há apenas uma abordagem do aspecto sintático da palavra, ou seja, a função desempenhada pelo pronome dentro do contexto de uma oração. Para que se tenha um processo ensino/aprendizagem proveitoso, uma reconceituação de pronome se faz válida. Desse modo, com base nas classificações e definições vistas neste trabalho, podemos chegar ao seguinte conceito: pronome é a palavra que substitui um nome, fazendo referência a uma das três pessoas do discurso. MAIS ABRANGENTE. REVISTA DISCENTIS. 4ª EDIÇÃO. DEZEMBRO 2015. VIEIRA, Marcelo Liparini; MELO, Natã Yanez de Oliveira Rodrigues. PRONOME: UMA RECONCEITUAÇÃO PARA UM ENSINO Perini (2010) diz que pronomes são os itens eu, você, tu, ele (ela), nós, vocês, eles Assim como o artigo e o numeral, a classe dos pronomes não admite o acréscimo dos aumentativos e diminutivos: -ão, -zão, -inho, -zinho. Vale ressaltar que, apesar de não se permitir esse acréscimo, na fala aparecem algumas vezes quando se quer dar ênfase, por exemplo: – Quem fez esse desenho Juninho? – Foi euzinho, professor! Assim, os pronomes podem funcionar como substantivos ou como adjetivos, o primeiro é aquele que substitui um substantivo: Ela saiu ontem, o segundo é aquele que acompanha o substantivo, determinandoo; Minha casa é muito longe; Aquele carro é muito bonito. Quanto ao aspecto semântico, os pronomes se dividem em: pessoais, de tratamento, possessivos, demonstrativos, indefinidos, interrogativos e relativos. No caso dos pronomes adjetivos minha e aquele, além de funcionarem como adjetivos no contexto dessas frases, também são um pronome possessivo (minha) e um pronome demonstrativo (aquele). Dentro dessas categorias de subdivisão dos pronomes cada um desempenha uma função, pois, por exemplo, não podemos usar um pronome demonstrativo no lugar de um possessivo sem que a frase perca seu sentido. CONSIDERAÇÕES FINAIS O papel normativo e prescritivo desempenhado pelas gramáticas já não contribui completamente para um aprendizado significativo, pois muitos argumentos não se sustentam no uso real da língua e fazem com que muitas vezes o aluno não compreenda o que é 149 vimos no caso do pronome você, definido pela gramática normativa como pronome de tratamento, retrata bem essa questão, pois no contexto real de uso, grande parte das pessoas utiliza esse pronome como pessoal e não como pronome de tratamento. Assim, os manuais linguísticos surgem como uma forma de clarear alguns pontos, uma vez que não são prescritivos como as gramáticas normativas e, além disso, tratam o uso real da língua. Não como ela deve ser usada, mas como ela realmente se faz presente no contexto cotidiano.Por isso, eles são uma importante ferramenta para o ensino e a aprendizagem. Porém, apesar de estarem evoluindo, ainda apresentam lacunas,uma vez que, dos três aspectos gramaticais apresentados, apenas o aspecto sintático e o semântico são abordados, e o aspecto mórfico é somente citado no manual didático dos autores Faraco e Moura (2002),em uma pequena parte que aborda as mudanças de alguns pronomes oblíquos. Por isso, ressaltamos novamente que o pronome não permite o acréscimo dos sufixos diminutivo e aumentativo. E este é um ponto importante a se trabalhar, pois quando queremos dar ênfase, MAIS ABRANGENTE. REVISTA DISCENTIS. 4ª EDIÇÃO. DEZEMBRO 2015. VIEIRA, Marcelo Liparini; MELO, Natã Yanez de Oliveira Rodrigues. PRONOME: UMA RECONCEITUAÇÃO PARA UM ENSINO apresentado sobre determinada classe de palavra através de gramáticas normativas. Como podemos acabar usando-os na fala, caso este que não segue a regra da gramática normativa e passa a ser entendido como uma questão de ênfase pelos manuais linguísticos. Tratando dos pronomes adjetivos, de acordo com Camara Júnior (2011), apesar de funcionarem como adjetivos no contexto de algumas orações, também fazem parte das categorias de divisão dos pronomes. Portanto, na frase Minha casa é muito longe, o pronome minha além de funcionar como adjetivo nesse contexto, dando uma característica a casa, também é um pronome possessivo. A mudança refere-se apenas a sua nomenclatura, já que não mudou seu sentido de posse dentro dessa oração. Por fim, reafirmamos que a característica prescritiva das gramáticas normativas se deve ao fato da origem do sânscrito, uma língua antiga considerada sagrada. Ou seja, o caráter intocável desta língua influenciou a gramática normativa. Por isso, não queremos com esse trabalho modificá-la ou torná-la obsoleta, pois não revogamos a sua importância para o aprendizado,uma vez que o nosso objetivo é contribuir para um ensino mais abrangente por meio de uma reconceituação com todos os aspectos linguísticos discutidos. E para isto, nos baseamos no pressuposto divulgado pelos manuais linguísticos, que é o uso real da língua pelo falante. 150 BECHARA, Evanildo. Moderna gramática portuguesa: cursos de 1 e 2 graus. 35. ed. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1994. ____. Moderna gramática portuguesa. 37. ed. rev., ampl. e atual. Conforme o novo Acordo Ortográfico. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2009. BRITO, Ana Maria (Org.). Gramática: história, teorias, aplicações. Porto: Fundação Universidade do Porto - Faculdade de Letras, 2010. CAMARA JÚNIOR, Joaquim Matoso. Estrutura da língua portuguesa. 44. ed. Petrópolis, Rio de Janeiro: Vozes, 2011. MAIS ABRANGENTE. REVISTA DISCENTIS. 4ª EDIÇÃO. DEZEMBRO 2015. VIEIRA, Marcelo Liparini; MELO, Natã Yanez de Oliveira Rodrigues. PRONOME: UMA RECONCEITUAÇÃO PARA UM ENSINO REFERÊNCIAS CEREJA, W. Roberto; MAGALHÃES, T. Cochar. Português: linguagens. 5. ed. Reform. São Paulo: Atual, 2009. CUNHA, Celso; CINTRA, Luís F. Lindley. 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