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O rosto como expressão na filosofia de
Emmanuel Lévinas
José Joaquim Gomes Neto1
Resumo: Lévinas é conhecido como um pensador da alteridade, pois
propõe um resgate à subjetividade e à responsabilidade por outrem.
Pretendemos nessa pesquisa analisar o “rosto” levinasiano, um dos
elementos mais originais de sua filosofia. O rosto é a base de sua ética da
alteridade. O rosto é a abertura para o infinito do ser; é discurso, é nudez,
é expressão. A expressão do rosto é palavra viva, é o modo como o Outro
se apresenta a mim, nu e indigente. A expressão não se produz como a
manifestação de uma forma plástica, ligada a um sistema de comparação,
não se resume a características físicas, mas é o modo como o Outro se
apresenta a mim. O rosto é o que escapa a qualquer manifestação que
possa ser enquadrada por uma fenomenologia. Não há, em sentido
habitual, uma fenomenologia do rosto.
Palavras-chave: rosto ou expressão; ética; alteridade; Lévinas.
Graduado em Filosofia pela PUC-Goiás; graduando em Artes pela UFG; professor
de Filosofia da Secretaria Estadual de Educação de Goiás. E-mail: jjgneto@gmail.
com
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O rosto como expressão na filosofia de Emmanuel Lévinas
José Joaquim Gomes Neto
Filosofia Levinasiana
e insere o ser numa jornada rumo à objetivação, ou seja, anula o subjetivo
subjugando-o ao objetivo. Tal situação arrefece toda possibilidade de
alteridade, visto que a mesma só é possível entre subjetividades. Em suma,
“totalidade” é aquilo que não comporta o “infinito”, portanto, faz-se não
como negação de outrem, pois a isso já de imediato necessitaria de uma
aceitação da presença do rosto, no entanto, na totalidade, não há essa
negação, pois não há um outro. Na totalidade não há espaço para a ética,
pois aquela impossibilita a alteridade.
Totalidade
As motivações que levaram Lévinas a escrever Totalidade e infinito,
sua obra mais relevante, inserem-se numa tentativa de subverter uma
ordem que se estabelece por aquilo que nosso autor denomina totalidade.
Toda expressão do rosto lança-se como negação da violência e, portanto,
impõe uma radicalidade ética, um resgate à alteridade e uma oposição à
totalidade2. Mas o que é totalidade? Como podemos percebê-la? Totalidade
é tudo aquilo que não tem olhos para o particular. Na totalidade, o
indivíduo não é reconhecido como particular, único, mas torna-se uma
multidão sem rosto, sem identidade, sem particularidade. Vejamos:
Infinito e ideia do infinito
A ideia do infinito3 do ser torna-se o grande trunfo contra a
totalidade. É nela que se destrona a totalidade, devolve-se ao ser sua
responsabilidade, e o coloca diante do rosto. Por ser infinitamente
transcendente, o rosto expressa uma dinâmica que extrapola qualquer
mensura, objetivação ou conceituação. Na expressão, o outro é
infinitamente diverso e ao mesmo tempo próximo, a ele não há subversão
da palavra, não há domínio.
A face do ser que se mostra na guerra fixa-se no conceito
de totalidade. Os indivíduos reduzem-se aí a portadores de
formas que os comandam sem eles saberem. Os indivíduos
vão buscar a essa totalidade o seu sentido (invisível fora
dela). A unicidade de cada presente sacrifica-se a um futuro
chamado a desvendar o seu sentido objetivo. (LÉVINAS,
1988, p. 10).
Inúmeros exemplos de totalidade podem ser extraídos das páginas
de nossa história, entretanto, optamos por escolher um fato que marcou
sobremaneira nosso autor, além de influenciar sua filosofia de modo
decisivo: o antissemitismo. Quando se fala da intolerância aos judeus,
podemos perceber, a partir do termo “judeu”, uma totalidade, visto que
não se refere a um judeu específico, com um rosto específico, com uma
subjetividade, mas que é perfilado em um ponto fixo donde todo judeu
se enquadra. Os judeus tornam-se, assim, uma multidão anônima, que é
comandada pela forma que carrega. O ódio do Nacional-Socialismo aos
judeus não se refere a um judeu, ou a alguns judeus específicos, mas a todo
“judeu”. Eis porque a totalidade é tão perigosa. Ela sacrifica a unicidade
A crítica de Lévinas à totalidade tem um porquê. Ele mesmo disse: “a minha crítica da
totalidade surgiu, de fato, após uma experiência política que ainda não esquecemos”
(LÉVINAS, 2000, p.70). Nosso autor refere-se às políticas totalitárias que permearam
os conflitos da II Guerra Mundial.
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Infinito, ou transcendência do ser, designa uma realidade por
mim desconhecida, que está no ser de cada um, onde não posso ir; é
um segredo, uma realidade que está além da totalidade, que diverge
completamente da opinião. O infinito não pode dizer-se em verdades
objetivas. A objetivação é totalização porque conceitua, define de forma
fixa e inelutável. O infinito abraça o que se produz pelo pensamento, no
entanto, sempre o excede, pondo-se exterior a qualquer conceito de ideia
A origem da ideia de infinito em Lévinas provém da ideia de Deus postulada por
Descartes em Meditações, mais especificamente na terceira meditação, na qual o
rigor cartesiano interpela a existência de Deus. A ideia de Deus ou ideia de infinito
cartesiano “designa uma relação com um ser que conserva a sua exterioridade total
em relação àquele que o pensa” (LÉVINAS, 1988, p. 37). Descartes concluiu que:
“pelo nome Deus entendo uma substância infinita, eterna, imutável, independente,
onisciente, onipotente, e pela qual eu próprio e todas as coisas que são [...] foram
criadas e produzidas. Ora, essas vantagens são tão grandes e tão eminentes que [...]
me persuado de que essa ideia não possa tirar sua origem de mim tão somente”
(DESCARTES, 1983, p.100).
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formulado, “nesse extravasamento, produz-se precisamente a sua própria
infinição” (LÉVINAS, 1988, p.13).
Contudo, é
a ausência de pátria comum que faz do Outro – o
Estrangeiro; o Estrangeiro que perturba-o “em sua casa”.
Mas o Estrangeiro quer dizer também o livre. Sobre ele
não posso poder, porquanto escapa ao meu domínio num
aspecto essencial, mesmo que eu disponha dele: é que ele
não está inteiramente no meu lugar. Mas eu, que não tenho
conceito comum com o Estrangeiro, sou, tal como ele, sem
gênero. Somos o Mesmo e o Outro. A conjunção e não indica
aqui nem adição, nem poder de um termo sobre o outro
(LÉVINAS, 1988, p.26-27)4.
Se a ideia de infinito fosse uma representação do infinito, esta
perderia sua infinição, tornar-se-ia totalidade. A ideia de infinito “significa
por uma significância mais antiga que sua exibição, que não se esgota
na exibição, que não tira seu sentido de sua manifestação” (LÉVINAS,
2002, p.97), ou seja, apesar de eu ter a ideia de infinito, isto não significa
perceber na sua totalidade a que a ideia se aplica o infinito de fato, aquilo
como vimos, que se estende além de qualquer conceituação ou tentativa
de desvelamento.
A oposição ao Outro desmantelaria qualquer possibilidade de
relação ética, visto que na ética a relação torna-se indispensável. Essa
relação do Mesmo com Outrem não reduz a infinita distância existente
entre eles, tampouco se faz com oposição.
Mesmo e outro
Toda a filosofia de Emmanuel Lévinas ecoa na dimensão do
Outro; seu pensamento reaviva a figura do Outro, lhe devolve a palavra, o
direito de ser Outro, de não mais se exaurir em meio a uma multidão sem
face. Por isso, nosso autor é conhecido como o pensador da alteridade. O
Outro é, pois, alteridade absoluta.
Rosto
Sem dúvida, é no elemento do rosto que se encontra a intuição
mais original do pensamento levinasiano e a que mais acrescenta na
reflexão filosófica do século XX.
O Outro não constitui uma oposição ao Mesmo, ou seja, o Outro
não é aquilo que não é Mesmo. Não se pode colocar o Outro nessa
dimensão, pois, “se o Mesmo se identificasse por simples oposição ao
Outro faria já parte de uma totalidade englobando o mesmo e o Outro”
(LÉVINAS, 1988, p. 26). Não se pode integrar o Outro a mim, nem
mesmo na unidade do número. Não é pelo fato de ser possível dizer, ”eu”,
“tu”, que se pode logicamente inferir um “nós”. O Mesmo e o Outro
não fazem parte de um conceito comum. Há uma distância intransponível
entre eles, para que um conceito, mesmo que matemático, os una de forma
a reduzir o infinito no Outro.
O absolutamente Outro é Outrem; não faz número comigo.
A coletividade em que eu digo “eu” ou “nós” não é um plural
de “eu”. Eu, tu, não são indivíduos de um conceito comum.
Nem a posse, nem a unidade do número, nem a unidade do
conceito me ligam a outrem. (LÉVINAS, 1988, p.26)
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A ideia de infinito, como vimos, transcende qualquer pensamento
que a tenta abordar. O que isso tem a ver com o rosto levinasiano?
Nosso autor não quer que a ideia de infinito fique somente no crivo do
pensamento, mas que encontre no “concreto” o impulso para a relação
intra-humana. Como já apontamos, o eu tem desejo do infinito, desejo este
que não se esvai, mas pelo contrário suscita ainda mais desejo. Em suma,
o rosto de Outrem é a chave para o infinito, é o desejado se revelando e se
escondendo em uma forma física, e transcendendo essa forma. Vejamos:
O modo como o Outro se apresenta, ultrapassando a ideia de
Outro em mim, chamando-o, de fato, rosto. Esta maneira não
Para compreender a filosofia de Lévinas é necessário ater-se com exímia atenção aos
termos que durante a tematização mudam de nome, por exemplo: transcendência e
exterioridade referem-se ao infinito. Já os termos Estrangeiro, Outro, Outrem possuem
o mesmo significado.
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consiste em figurar como tema sob o meu olhar, em expor-se
como um conjunto de qualidades que formam uma imagem.
O rosto de Outrem destrói em cada instante e ultrapassa a
imagem plástica que ele me deixa à minha medida e à medida
do seu ideatum (LÉVINAS,1988, p.37-38).
O rosto é o Outro se apresentando a mim, mas na medida em que
isso acontece, já imediatamente, transcende a ideia de Outro em mim.
O rosto não se torna uma figura exposta, de qualidade e características
descritíveis e conceituáveis, mas vai além disso, o rosto destrói a cada
instante a imagem que dele, por ventura, poder-se-ia construir.
O rosto é fala; porque esta disposição faz com que a aparência não
seja o invólucro principal do rosto, sua característica essencial, mais que
isso, é o modo com que o Outro se revela ao Mesmo. Revelação que não
necessita de mediação; é sinceridade, é nudez.
Rosto como expressão
A figura do Outro, na obra de Lévinas, instaura uma nova
valoração, em que a ética tem primado em relação à metafísica e o Outro
ganha caráter transcendente. Sua filosofia é profundamente uma tentativa
de resgate; devolver ao Outro sua particularidade, combater a totalidade e
opor-se à violência física e conceitual, pela qual o outro não é dominado
somente no plano físico, mas no ontológico. Nosso itinerário, portanto,
converge para a mais original intuição levinasiana: o rosto. Sendo este a
expressão que significa e dá significado à ética da alteridade proposta por
nosso autor.
O Outro, enquanto rosto , é uma presença estrangeira que cria
uma cisão na consciência, colocando em cheque a liberdade irrestrita de
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Há divergências quanto à tradução da palavra “visage” por “rosto”. Carlos Susin
traduz esse termo por “olhar”, alegando que “esta palavra tem vantagem de denotar
um centro em si mesmo, do qual parte a relação a mim. Além disso, tem caráter
puramente espiritual e está ligado aos olhos que não são meus, à vista que me vê
desde a altura, que para Lévinas é a dimensão desde onde o rosto me visita” (SUSIN,
1984, p. 203).
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um eu transcendental. Não compreendamos o rosto como uma figura
plástica que se possa apreender enquanto uma imagem delineável,
mensurável ou cognoscível. O rosto contém o infinito, não como uma
distância a que os olhos são incapazes de percorrer, isso já instauraria
uma materialidade indigna do rosto. O rosto como abertura ao infinito é
justamente um extravasamento, uma impossibilidade de enquadramento
conceitual de um eu; é uma distância infindável, mas ao mesmo tempo,
pelo rosto como expressão, inicia-se um diálogo perene com o mesmo,
intimando-o à responsabilidade.
É notadamente marcante que, a cada passo de sua reflexão,
Lévinas afasta da exterioridade do rosto a experiência presidida pelo
conhecimento. A fenomenologia, neste ponto, é abandonada por Lévinas,
que na obra Ética e infinito, afirma:
Não sei se posso falar de fenomenologia do rosto, pois a
fenomenologia descreve o que aparece. Da mesma forma, me
pergunto se posso falar de olhar voltado para o rosto, porque
o olhar é conhecimento, percepção. Penso antes que o acesso
ao rosto é liminarmente ético... O rosto é significação sem
contexto... O rosto tem sentido sozinho. Você é você. Por
isso, pode-se dizer que o rosto não é visto.... A significação
do rosto o faz sair do ser enquanto correlativo ao saber... O
rosto é o que não se pode matar, cujo sentido está em dizer:
“Tu não matarás”... A exigência ética não é necessidade
ontológica. A interdição de matar não torna impossível o
assassínio... A aparição no ser destas “estranhezas éticas”
(étranget és éthiques) – humanidade do homem – é uma ruptura
do ser (LÉVINAS, 2000, p. 78-80).
O rosto não é um fenômeno, não é um conjunto de informações
que podem ser acessadas e interpretadas dentro de uma lógica de
conhecimento objetivo. O rosto é, como afirma nosso autor, a forma com
que o Outro se apresenta, impelindo-me a um extravasamento da ideia de
outro em mim. Essa manifestação exprime-se como discurso e ao mesmo
tempo se ausenta. Não se encerra na manifestação. Em sua filosofia
fenomenológica, Lévinas critica a ontologia e afirma que o rosto traz uma
noção de verdade diferente do desvelamento do outro. Impessoal, o rosto
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traz consigo uma expressão; a sua condição de verdade é a sua palavra e,
ao mesmo tempo, sua expressão.
O rosto recusa-se a ser coisa, a ser conteúdo, nunca será apreendido,
porque a relação de Outrem comigo não leva a nenhum número nem a
conceitos teóricos. O Outro permanecerá sempre, para mim, infinitamente
transcendente, estranho; mas o seu rosto – lugar especial da sua epifania –
apela por mim e para mim, coloca-se diante do meu mundo, interpelandome. O rosto não aceita o meu poder sobre ele. Convida a uma relação
única, sem igual, com total ausência de apreensão, pois a expressão do
rosto desafia não só toda a minha capacidade de domínio e sede de poder,
mas o meu poder de poder. Linguagem e palavra são categorias próprias
do rosto levinasiano.
A manifestação do rosto é um excedente – um surplus – pois o
rosto fala, sua manifestação é o primeiro discurso. Portanto, o Outro – o
fenômeno da sua aparição – é rosto que me visita, é hóspede, é discurso,
é nudez. O rosto questiona a nossa consciência e por ser de uma ordem
irrecusável – um mandamento – converte o seu conteúdo; interpela-me
a responder, é uma ordem pela responsabilidade, um comprometimento
sem reservas, é alteridade.
A alteridade só é possível pela relação de não assimilação do outro
pelo eu. A visitação do rosto cria um rasgo na teia do sensível. É através
da palavra “rosto” que Lévinas traduz a noção de alteridade.
Nosso autor descreve a apresentação do rosto como expressão.
Expressão é a forma como o Outro se apresenta a mim, como infinitamente
transcendente. O rosto de Outrem é a chave para o infinito, é o desejado
se revelando e se escondendo em uma forma física, e transcendendo
essa forma. O rosto, segundo Lévinas, é justamente esse excedente,
esse extravasamento da ideia de Outro em mim. Rosto é o Outro se
apresentando a mim, é expressão, mas na medida em que isso acontece, já
imediatamente, transcende a ideia de Outro em mim.
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O primeiro chamado do rosto é a ética, é um chamado à
responsabilidade. Essa ética é sobremaneira o modo de acesso ao
rosto6. O rosto ou expressão, por negar-se à objetivação, rompe com o
desvelamento, renuncia a permitir-se desenhar numa plasticidade, mas
abre uma janela de recusa à paralisia própria da manifestação7. O rosto
é movimento, é expressão, é gerúndio. O rosto é a transgressão de toda
percepção objetiva.
Para Lévinas, o conteúdo primeiro da expressão é essa mesma
expressão. O discurso do rosto rompe o trágico silêncio da totalidade,
subverte toda possibilidade de dominação em mandamento ético. Lévinas
refere-se ao rosto como presença viva, “a vida da expressão consiste em
desfazer a forma em que o ente, expondo-se como tema, se dissimula
por isso mesmo” (LÉVINAS, 1988, p. 37-38). O rosto é fala porque esta
disposição faz com que a aparência não seja o invólucro principal do
rosto e sua característica essencial, por conseguinte, é o modo com que
o Outro se revela ao Mesmo. Revelação que não necessita de mediação, é
sinceridade, é nudez. Segundo Lévinas, a nudez do rosto não o é por um
desvelamento, por um desnudar, onde a partir de tal, oferece-se aos meus
poderes, à minha dominação, aos meus olhos, às minhas percepções numa
luz que lhe é exterior. A expressão é o modo como o outro me aborda, ou
seja, o rosto volta-se para mim, livre, intacto e é isso que define sua nudez8.
O rosto é a nudez sem ornamento, sem cobertura cultural, econômica; é
uma nudez sem formas. Sendo assim, podemos compreender a fragilidade
do rosto, sua humanidade. Pela sua impossibilidade de adequação a formas,
despoja-se e por tal, faz-se miséria, indigente, estrangeiro.
Não entendamos a nudez do rosto em referência a um sistema.
A nudez das coisas do mundo caracteriza-se por um rompimento, uma
invasão de um invólucro funcional. Desprovido dessas atribuições, o
desnudo pode ser acolhido ou esbofeteado. A nudez das coisas destaca Cf. LÉVINAS, 2000, p. 77
Cf. LÉVINAS, 1993, p. 51
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Cf. LÉVINAS, 1988, p. 37-38 e p. 61-62.
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se pelo que lhe sobressai ou pelo que lhe falta. A nudez do rosto é
completamente diversa, é uma nudez metafísica, não é um gesto do
mesmo para com o Outro. Contrariamente à ideia convencional, a nudez
do rosto é expressão, é o modo como o outro me aborda. O modo de
aparição do rosto é diferente do modo de aparição das outras coisas. O
rosto é por si só, e não por uma base comparativa. “O rosto mostra a sua
nudez de forma sempre ambígua; é juventude e velhice, pele enrugada e
vestígio de si mesmo, vestígio perdido num vestígio” (MELO, 2003, p. 93).
Ao se mostrar na vergonha da nudez, o rosto não se expõe como o
que coloca a subjugação, ao poder de outrem. “A nudez do rosto é penúria.
Reconhecer Outrem é reconhecer uma fome. Reconhecer Outrem – é
dar” (LÉVINAS, 1988, p. 37-38. p. 62). “[...] O rosto de Outrem está nu;
é o pobre por quem posso tudo e a quem tudo devo. E eu, que sou eu,
mas que enquanto ‘primeira pessoa’ sou aquele que encontra processos
para responder ao apelo” (LÉVINAS, 2000, p.80). O rosto debruça sobre
mim seu discurso, intimando-me à ação, a responder com prontidão com
tudo que tenho. O primeiro discurso promulgado pelo rosto é o “não
matarás”. Em suma, a primeira fala do rosto é convite à ética, é intimação
que não aceita que o Mesmo se apresente de mãos vazias, mas se ofereça
comprometidamente; responsável, empenhado em responder com vigor
ao apelo que o Outro lhe faz. Convida-me a uma relação não concomitante
com um poder que se exerce, seja como conhecimento, seja como fruição
(LÉVINAS, 1988, p. 176).
O movimento de percepção da transcendência em outrem, do
rosto, não é um movimento de mim para o outro, mas o rosto como
expressão é justamente a palavra que ecoa do Outro a mim, como uma
exterioridade caracterizada pela ideia de infinito, que aliás se diferencia de
sua referência cartesiana. Para Descartes, a ideia de infinito é interioridade,
já para nosso autor é caracterizada como exterioridade absoluta. O cogito
cartesiano expõe o conhecimento como interioridade – ideia colocada em
mim –, mas em Lévinas a transcendência é por si exterioridade.
José Joaquim Gomes Neto
O rosto na sua expressão, na sua epifania, recusa-se à dominação.
Lévinas crê que a “expressão que o rosto produz no mundo não desafia
a fraqueza dos meus poderes, mas o meu poder de poder” (LÉVINAS,
1988, p. 176). O rosto como expressão, na sua forma sensível, poderia
de alguma forma ser apreendido pela compreensão ou pela posse, mas
devido a sua resistência às investiduras do eu, vislumbra-se a abertura de
uma nova dimensão. Esta dimensão descreve o rosto como resistente,
não só à apreensão ou à apropriação, mas também ao poder de matar. É
uma resistência ética que se opõe à resistência ontológica. Não se trata de
apontar as fraquezas do eu diante de outrem, como se a relação se tratasse
de um jogo de forças onde os poderes são medidos. O rosto desafia e
coloca em questão o poder de poder do mesmo.
Por expressar-se no sensível, o rosto rasga o sensível, pelo fato
de não ser enquadrado por ele. O rosto, por expressão, fornece a única
“matéria” possível ao assassínio. Como se pode assassinar o que não se
dá ao poder? O rosto não é desse mundo, é abertura ao infinito. O que
se pode negar são os reflexos da expressão do rosto. Pode-se assassinar
um homem, mas jamais poderá suprimir seu rosto, pois o rosto não é
mensurável, não é redutível, não é findável; o que se anula é o corpo. O
assassínio não pode pretender exercer poder ao que escapa a todo poder.
Opondo-se à dominação, o rosto é expressão; a palavra viva promulgada
dessa expressão culmina em um “não matarás”. Pelo seu caráter de infinita
transcendência, afirma nosso autor, esse infinito, mais forte do que o
assassino, resiste-o já no seu rosto; é a expressão original, é a primeira
palavra: “não cometerás assassínio”9.
Concluindo...
Para Lévinas, o acontecimento próprio da expressão consiste
em dar testemunho de si, garantindo esse testemunho. A atestação de
si só é possível como rosto, isto é, como palavra. Produz o começo da
inteligibilidade, a própria inicialidade, o principado, a soberania real,
9 Inquietude, Goiânia, vol. 2, n° 1, jan/jul - 2011
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Cf. LÉVINAS, 1988, p. 178.
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que comanda incondicionalmente. O princípio só é possível como
ordem. Procurar a influência que a expressão teria sofrido ou uma fonte
inconsciente donde ela emanaria suporia uma pesquisa que remeteria para
novos testemunhos e, por conseguinte, para uma sinceridade original de
uma expressão10.
si presenta a me, nudo e indigenti. L’espressione non si produce come una
manifestazione di una forma plastica, collegati a un sistema di confronto, non
limitato a caractteristiche fisiche, ma è come l’altro si presenta a me. Il volto è quello che sfugge a qualsiasi manifestazione che può essere
inquadrata dalla fenomenologia. Non c’è, nel senso abituale, una fenomenologia del volto.
A expressão não é uma irradiação que se espalha apesar do
desconhecimento do ser irradiante. O filósofo compreende que a
manifestação do rosto é, pois, aquilo que manifesta e ao mesmo tempo
assiste à sua manifestação e isso equivale a invocar o interlocutor, “exporse à sua resposta e à sua pergunta” (LÉVINAS, 1988, p. 179). Por
conseguinte, o ser que se exprime no rosto, impõe-se, mas não através
de uma imposição que me retira da minha liberdade, mas exprime-se
pela nudez, pela indigência; é súplica. Contrariamente, promove a minha
liberdade, suscitando a minha liberdade.
Parola-chiave: volto o espressione; etica; alterità; Lévinas.
Apesar de o homicídio ser possível, o clamor ético proferido
pelo rosto sempre que eu o vislumbro, faz com que haja uma esperança
no que concerne às relações humanas. O rosto olha para mim e chama
a minha atenção, suplica uma ação reparadora, uma defesa de si, uma
responsabilidade. Toda relação é iniciada por outrem; é ele que profere
o primeiro discurso. O rosto fala e é isso que torna possível iniciar uma
relação ética. O rosto torna fecundas as relações, faz com que tenhamos
sempre o que esperar. Ele se apresenta na nudez, na penúria e me intima
a responder com tudo que tenho e sou.
Riassunto: Lévinas è conosciuto come il pensatore dell’alterità,
propone un recupero della soggettività e della responsabilità per gli
altri. Proponiamo in questa ricerca analizzare il “volto” levinasiano,
uno dei elementi più originali della sua filosofia. Il volto è la base della sua etica dell’alterità. Il volto è l’apertura all’infinito, è discorso, è la nudità, è l’espressione. L’espressione del volto è una parola vivente, è come l’altro
Cf. LÉVINAS, 1988, p. 176
Referências
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paixões da alma; Cartas. Trad. J. Guisnburg e Bento Prado. 3. ed. São Paulo:
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PELIZZOLI, Marcelo Luiz. A relação ao outro: em Husserl e Lévinas. Porto
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SUSIN, Luiz Carlos. O homem messiânico: uma introdução ao pensamento
de Emmanuel Lévinas. Petrópolis: Vozes, 1984.
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