A epifania do rosto Lévinas Porém, na filosofia levinasiana, o discute em sua obra “Totalidade rosto tem e é a manifestação e e Infinito”, sobre rosto e ética, as expressão da própria condição relações mais puras do hodierno do homem, na medida em que a partir de uma filosofia que trata ele, o rosto, esta presente na da relação do homem com si e sua recusa de ser conteúdo. com o outro, a partir do contato Não é o meu olhar que vai até o face-a-face da outro e retira tudo o que desejo é saber, mas este meu olhar é apresentar um caráter ético da atraído pelo outro e a mim basta expressão do outro que interpela responder, a princípio, o outro na relação de possibilidades que se manifesta. O Rosto é com o Mesmo. Para Lévinas, o interpelação, Mesmo, não é simplesmente um discurso da linguagem. Não é de “eu sou eu”, mas à relação de forma propriedade estabelecida entre o objetificado, Eu e o mundo e a minha manifestação participação significado e identidade. Emmanuel alteridade. pela O via objetivo como parte integrante desta propriedade e deste mundo. O rosto pode expressar e representar várias situações e acessado alguma pois pelo um ser em sua exprime O rosto fala, pergunta, interpela, grita e também responde. Não pode ser um objeto. sentimento. O discurso recebe um papel fundamental nesta conceituação de Lévinas. O uso da linguagem é o grande expoente que vigora na relação com o transcendente, quebrando a continuidade do ser ou da história. A linguagem desvela um além da totalidade do outro, uma particularidade ética que não parte do eu, mas por uma interpelação do outro. A partir do face a face, do eu responsável pelo interpelante, do rosto a rosto, do eu com o outro, que em sua pluralidade transcende ao infinito, aparece uma terceira pessoa, que se dá a partir do outro, o que Lévinas chama de Outrem1. É esse, outrem, que no fim deve ser enxergado, além do rosto, existe alguém que perpassa sua própria totalidade e que se apresenta. É nele que se dá a epifania do outro, a partir do seu rosto que clama a justiça. “Ouvir a sua miséria que clama justiça não consiste em representar-se uma imagem, mas em colocar-se como responsável, ao mesmo tempo como mais e como menos do que o ser que se apresenta no rosto. Menos porque o rosto em chama às minhas obrigações e me julga”. (LEVINAS. p. 193). O rosto, então, não é um determinada ação, fenômeno em sua complexidade mas não exprime o autor desta e nem busca ser compreendido, ação. Qual dos dois tem a ele se manifesta, face a face, capacidade de compartir com a sem intermédio, fala por si, alteridade? De fato, o dizer, pois invocando somente o interlocutor à ele possibilita a resposta de sua interpelação. linguagem em sua essência de Ele exprime significado. O outro, expressão. do face a face, nunca é reduzido Um fator interessante e que e não necessita ser interpretado. cabe ser discutido até mesmo É infinito, pois sua ideia de com maior ênfase, é o fato de o continuidade se mantém em sua rosto ser predominantemente exterioridade que rompe com o ético, na medida limite da totalização. atravessa a forma e a lógica do Lévinas apresenta o Dizer e 1 identificar o Dito, discurso e rasga o sensível, paralisa os poderes, o desejo de estabelecer o sentido e a função posse, pelo simples olhar que deste meio expresso na relação perpassa todas as condições de de alteridade. O Dizer é o possibilidades de objetificação. sentido e O discurso, por sua vez, exige incorpora no discurso como sinal significação, diálogo, de que o que exprime quem é o outrem, já objeto é incapaz, porque é pura o privação de fazer. dito, se forma que de que como em encontra é a mera função de Outrem, identifica a autêntica relação do rosto a rosto, como finalidade da existência humana, na medida em que assegura ao outro como um outro eu, sem violentar sua condição de ser e assegurando sua identidade. Por isso, o rosto também se dá como condição de objetividade e assimetria, pela sua pluralidade, que resulta no seu desprendimento entre sujeito e objeto. Lévinas apresenta uma ética em que o outro não é violentado por uma negação que viola sua liberdade a partir do Mesmo, mas que é capaz de proporcionar o sentimento de paz. Ética é relação do olhar com a capacidade de organizar os fatos racionalmente. O exercício da razão é sempre um exercício dialético, a pedagógica de ensino racional, que propõe o infinito. “A ideia de infinito em mim, que implica um conteúdo que transborda o continente, rompe com o preconceito da maiêutica sem romper com o racionalismo, dado que a ideia do infinito, longe de violar o espírito, condiciona a própria não-violência, ou seja, implanta a ética”2. A linguagem condiciona o funcionamento do pensamento como uma atitude do Mesmo em relação ao outrem. Este rosto, tantas vezes mencionado, convida e aceita a recusa de si mesmo e suspende no mesmo o seu poder de matar como mandamento ético: “não matarás”. Ele proporciona sentido, sem o interesse de apresentar sentido e, por isso, é ético, é desapegado. Segundo Pelizzoli3, em Levinas, a ética não é um saber bom ou moralista. Trata-se, porém, de uma estrutura que mantém a vida em cuja raiz se depende do outro e da alteridade revelada sempre pelo rosto. Ainda hoje, vivemos este desejo de desvendar o que de fato é a condição ética do homem, e se, é uma condição. A filosofia levinasiana nos dá a possibilidade de iniciar um deslocamento em direção ao outro a partir de uma relação ética. É de fato uma exigência inicial do homem enquanto um ser ético, a exigência de pedir e dar resposta, mesmo em meio às impossibilidades de compreender o outro, muitas vezes como outrem. Por Vilmar A. Barreto 2 LEVINAS, E. Totalidade e infinito. Trad. José Pinto Ribeiro. Lisboa: Edições 70, 1988, p. 182. Doutor em Filosofia e Pós-doutor em Bioética. Professor do Depto de Filosofia da UFPE. Membro do Grupo Cultura de Paz e Comissão de Direitos Humanos DHC da UFPE. 3