INFORME ECONÔMICO Segunda-feira, 27 de agosto de 2007 / Nº 35 ARTIGOS Roupa suja se lava em casa As turbulências observadas nas últimas semanas demonstram a necessidade de melhorias na regulamentação do mercado de crédito americano. Palavras-Chave: Economia, Reformas, Crise Imobiliária. Matriz de Insumo-Produto: Um importante instrumento A MIPRS é um importante instrumento de análise das inter-relações da economia gaúcha. Palavras-Chave: Matriz de Insumo-Produto, Economia Gaúcha. FEDERAÇÃO DAS INDÚSTRIAS DO RIO GRANDE DO SUL Av. Assis Brasil, 8787 Fone: (051) 3347.8731 Fax: (051) 3347.8795 UNIDADE DE ESTUDOS ECONÔMICOS www.fiergs.org.br As opiniões emitidas nesta publicação são de exclusiva e inteira responsabilidade dos autores, não exprimindo, necessariamente, o ponto de vista desta Federação. É permitida a reprodução deste texto e dos dados contidos, desde que citada a fonte. Reproduções para fins comerciais são proibidas. I N F O R M E E C O N Ô M I C O F I E R G S Roupa suja se lava em casa As turbulências observadas nas últimas semanas demonstram a necessidade de melhorias na regulamentação do mercado de crédito americano. Os meses de julho e agosto, serão lembrados no ano de 2007 pela ebulição dos riscos provenientes do mercado de crédito imobiliário nos EUA, e que contaminaram diversos ativos e países, modificando o cenário de médio prazo. Sem procurar minimizar os impactos dessa crise, o que se verificou nas últimas semanas foi um movimento de ajuste nos preços de uma parte do mercado de crédito americano (o mercado imobiliário representa cerca de 25% do total de crédito no país), e que esteve concentrado em um determinado segmento, os clientes de maior risco. As empresas que atuam na oferta de crédito imobiliário nos EUA selecionam os seus clientes em basicamente dois segmentos, os devedores prime e os subprime, que são definidos pelo histórico de pagamento de dívidas, a razão dívida/renda individual, o tempo de abertura de conta e a capacidade de provar a renda anunciada. Todos esses itens são analisados e pontuados, de tal forma que cada pessoa obtém um escore onde, valores maiores significam menor risco de crédito. Ressalta-se que existem diversas empresas especializadas em fazer essa classificação e oferecer esse resultado para os bancos que vão emprestar recursos. Geralmente, esse diferencial de risco representa entre 2 e 3 pontos percentuais de juros para os clientes subprime, acima daqueles que são pagos pelos classificados como prime. O mercado de subprime, ou então, o crédito para clientes de maior risco, ganhou ímpeto a partir do início da década de 1990, quando os juros nos EUA eram muito baixos. Com isso, os proprietários de residências aproveitaram o cenário conjuntural favorável para refinanciar hipotecas, reduzindo a taxa de juros incidente ou então contratando novos empréstimos para financiar melhorias ou trocar de imóvel. Além disso, dois outros fatores permitiram que esse mercado evoluísse: a incorporação de tecnologia da informação, que auxiliou no controle de dados, e também a precificação dos clientes a partir dos escores de crédito. Com isso, ganhou-se em informação, tornando o mercado mais transparente e acessível para clientes de diversas classes sociais. A partir de 2001, as taxas de juros nos EUA iniciaram uma nova tendência de queda que atingiu a marca de 1% a.a. ao final de 2003. Esse cenário favorável contribuiu para mais um movimento de alavancagem no mercado de crédito, que hoje é de quase US$ 9 trilhões, dos quais cerca de 80% estão classificados como clientes prime. Destaca-se que somente no ano passado, cerca de 20% de todos os recursos destinados para crédito imobiliário foram adquiridos pelos clientes subprime. Um valor que se situava em 6% em 2002. Da mesma forma, os clientes optaram pelo crédito com taxas de juros flutuante, que resultavam em prestações menores no início do contrato. A princípio, esse movimento de crédito em direção ao mercado subprime, não ofereceria riscos comparativamente ao estoque precificado de residências no país, da ordem de US$ 17 trilhões. Ou seja, a possível garantia supera em quase 2 vezes o total de recursos financiados. Porém, é importante destacar que nem todos os clientes desse mercado apresentam as mesmas características e nem sofrem de maneira homogênea os impactos de modificações na política monetária. A partir de meados de 2004, o Fed (Banco Central Americano) iniciou um processo de aumento de juros que durou até o ano passado. Tal cenário, conjugado com a queda no preço das residências e condições financeiras mais fracas dos consumidores, resultaram em aumento da inadimplência dos devedores subprime. Cerca de 10% do total de clientes classificados nessa categoria, eram inadimplentes em 2005. Atualmente são 13%, muito acima dos 3% verificados no grupo prime. Além disso, dentre os clientes com crédito com juros flutuantes, a inadimplência é maior. Apesar da dificuldade em se determinar a magnitude da crise, as projeções dão conta de que a manutenção desse cenário pode representar um default de cerca de US$ 450 bilhões sobre o montante de crédito concedido. O detalhe é que a maior parte desse total está concentrada no mercado subprime, onde as empresas de crédito e os bancos alavancaram posições. As turbulências recentes tem muito a ver com a atuação dos hedge funds. Primeiro os recebíveis dos clientes subprime são agregados em uma carteira de crédito que posteriormente são lastreadas com a emissão de títulos. Os bancos adquirem esses títulos e os hedge funds ampliam essa corrente com o uso de derivativos. Quando cai o preço das residências, há um impacto imediato sobre a relação ativo/passivo, uma vez que a residência é usada como garantia no empréstimo. Com a necessidade de fazer depósitos para garantir os contratos, movimento conhecido como “chamada de margem”, há uma venda maciça de outros ativos, resultando em depreciação e falta de liquidez no mercado. Nesse momento, a crise está instalada. Os organismos internacionais sempre cobraram de outras economias ações mais duras no controle sobre o crédito fornecido pelos bancos e instituições financeiras, de tal forma a evitar que os chamados “créditos podres”, pudessem contaminar toda a economia. Foi assim na crise da Ásia em 1997, com as ações do FMI e na Rússia em 1998 com a ação dos hedge funds. Apesar dos alertas, as crises sempre vieram, seguidas de reformas. Esperamos que ocorra regras mais rígidas no controle do crédito imobiliário nos EUA para o futuro. Roupa suja se lava em casa. Unidade de Estudos Econômicos www.fiergs.org.br I N F O R M E E C O N Ô M I C O F I E R G S Matriz de Insumo-Produto: um importante instrumento A MIPRS é um importante instrumento de análise das inter-relações da economia gaúcha. Há pouco mais de uma semana, a FEE lançou um importante estudo sobre a conformação da economia gaúcha. A Matriz Insumo-Produto de 2003 (MIPRS2003) apresenta o retrato das relações de produção que se estabelecem entre os setores e entre os agentes econômicos, considerando tanto o contexto interno, quanto o externo, seja na sua perspectiva interregional quanto internacional. O trabalho já contava com uma versão anterior, datada de 1998. A MIPRS-1998 já havia sido considerada um importante instrumento regional de planejamento e dimensionamento de impactos de investimentos e outras políticas públicas (especialmente de natureza tributária). Porém a necessidade de novas estimativas se mostravam evidentes. O cenário macroeconômico sob o qual foi desenhada a matriz anterior já não fazia mais sentido. Tanto a economia gaúcha quanto a economia nacional haviam passado por mudanças significativas no período. No âmbito nacional, não figurava mais a política de câmbio fixo, muito pelo contrário, o câmbio flutuante, dede 1999 já se consagrava como uma das bases do tripé de sustentação da política nacional. Além disso, no âmbito regional, já havia maturado uma série de investimentos que constituíam elos importantes da cadeia automotiva. A MIPRS-2003 é bastante semelhante à versão brasileira de 1996, feita para a economia brasileira. No entanto, apresenta uma abertura mais detalhada para setores-chave da economia gaúcha. Na atual versão regional, estuda-se o comportamento de 45 setores de atividade e 80 produtos. Hoje, o IBGE apresenta uma versão de MIP com um número maior de setores de atividade e de produtos, porém a versão gaúcha parece ser mais adequada a realidade regional pelo tipo de atividade e produto avaliado. A MIPRS revelou um PIB cerca de 2,3% maior que o estimado para seu ano base, naquela ocasião. O PIB estimado pelo trabalho da FEE ficou em R$ 131,1 bilhões, com valor adicionado de R$ 119,6 bilhões e impostos sobre produtos contabilizando os demais R$ 11,5 bilhões. Do valor adicionado da economia gaúcha, a agropecuária participa com 14,3%, sendo que deste montante, 81,1% provém das atividades agrícolas, de sivicultura e extrativista vegetal e 18,9%, da pecuária e da pesca. A indústria participa com 29,8%, onde a indústria de transformação colabora com 84,1%, a construção civil com 8,9%, os serviços industriais de utilidade pública (SIUP) aparecem com 6,5% e a extrativa mineral com 0,5%. Os serviços apareceram com uma contribuição de 55,9% em que o maior destaque é a administração pública que apresenta 22,2%, seguida do aluguel de imóveis (21,9%), comércio (16,1%), serviços prestados às famílias (11,2%), instituições financeiras (9,3%), serviços prestados a empresas (6,7%), transportes (5,8%), serviços privados não mercantis (3,6%) e comunicações (3,2%). As informações da matriz de insumo-produto vieram novamente confirmar que a dinâmica da economia gaúcha está fortemente atrelada ao comportamento do complexo químico-petroquímico, da agroindústria e do setor metal-mecânico. Chama a atenção também a participação dos serviços. Apesar da mudança de participação ser marginal entre a MIPRS1998 e a MIPRS-2003, a maior diferença provém do que habitualmente vinha sendo utilizado em termos de contas regionais. Essa mudança certamente terá impactos sobre as expectativas de crescimento da economia gaúcha em 2007. Em novembro, provavelmente, o IBGE encaminhará a nova metodologia do cálculo do PIB regional. Como a matriz segue um dimensionamento muito semelhante a essa nova metodologia, é muito provável que os pesos utilizados para o cálculo do PIBRS de 2007 sejam bastante semelhantes aos divulgados pela MIPRS. E, nesse caso, como se espera que a agropecuária e a indústria sejam os motores da economia em 2007, o aumento do peso dos serviços há de repercutir negativamente sobre o crescimento. Quanto aos multiplicadores de impacto, a MIPRS2003 revela que os setores agroindústrias são aqueles que produzem os multiplicadores mais relevantes. Observando-se os 10 maiores multiplicadores setoriais, destacam-se: fabricação de óleos vegetais, abate e animais, indústria de laticínios, indústria do fumo e beneficiamento. Já no caso de multiplicadores de rendimentos, destaque para as atividades terciárias, em virtude das dimensões dos salários pagos nesses ramos. Outra abordagem interessante apurada pela MIPRS2003 é a perspectiva de ligações para frente e para atrás, mensurada a partir dos índices de HirschimanRasmussen. A partir desses índices é possível verificar cinco setores-chave na economia gaúcha: refino de petróleo, químicos diversos, transporte, pecuária e pesca, e comunicações. Os setores-chave são aqueles que apresentam efeitos multiplicadores sobre a produção, para atrás e para a frente, acima da média de todos os setores da economia. Enfim, o estudo se apresenta como um importante radiografia da economia gaúcha e de suas interrelações. O estímulo a esse tipo de estudo, e ao seu contínuo aperfeiçoamento, deve ser permanente. O Estado e a sociedade apenas poderão interagir definindo prioridades de investimentos ou seus arranjos tributários quando, de fato, conhecerem sua estrutura econômica. Unidade de Estudos Econômicos www.fiergs.org.br