1 1. Dados epidemiológicos da DPOC no Brasil

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CONSENSO BRASILEIRO SOBRE DOENÇA PULMONAR OBSTRUTIVA CRÔNICA – DPOC
SOCIEDADE BRASILEIRA DE PNEUMOLOGIA E TISIOLOGIA – SBPT
REVISÃO DE ALGUNS ASPECTOS DE EPIDEMIOLOGIA E TRATAMENTO DA DOENÇA
ESTÁVEL - 2006
PREFÁCIO
O II Consenso Brasileiro de DPOC foi publicado em novembro de 2004, com o
compromisso de ser um documento vivo, sujeito a atualizações periódicas, em função da
velocidade alucinante com que são observadas novas evidências no mundo da medicina. Esta é a
primeira revisão, ou atualização, do Consenso de DPOC. Decidimos por fazer revisões periódicas,
de aspectos pontuais do documento que tivessem apresentado alterações significativas neste
período. Este documento contempla: 1) revisão da epidemiologia da DPOC no Brasil, à luz dos
dados apresentados no estudo PLATINO, recentemente publicado no Lancet e Cadernos de
Saúde Pública do Rio de Janeiro, 2) revisão da importância do volume expiratório forçado no
primeiro segundo (VEF1) na análise evolutiva e avaliação do tratamento da DPOC em contraste
com a observação da importância de novos desfechos clínicos e marcadores de evolução e
resposta ao tratamento, segundo Documento do GOLD, 3) revisão das recomendações de
tratamento da doença estável em função de novas evidências trazidas à tona recentemente, 4)
tratamento de reposição dos pacientes com deficiência de alfa1 antitripsina.
José Roberto Jardim, Júlio Abreu de Oliveira, Oliver Nascimento.
1. Dados epidemiológicos da DPOC no Brasil
2. Desfechos clínicos e marcadores na DPOC
3. Revisão das diretrizes de tratamento doença estável
4. Tratamento dos pacientes com deficiência de alfa1 antitripsina
1. Dados epidemiológicos da DPOC no Brasil
1.1 - Fontes
Os números apresentados a seguir foram extrapolados para todo o Brasil a partir dos
resultados do Projeto PLATINO - Projeto Latinoamericano de Investigação em Obstrução
Pulmonar (2005), realizado em São Paulo, e da pesquisa nacional do CEBRID - Centro Brasileiro
de Informações Sobre Drogas Psicotrópicas (2002). Os dados populacionais são oriundos do
1
censo de 2000 do IBGE. Os dados relativos à morbi-mortalidade foram extraídos do DATASUS..
1.2 - Estudo PLATINO
O Estudo PLATINO avaliou os indivíduos com 40 ou mais anos de idade residentes na
área metropolitana da Grande São Paulo. Ele foi um estudo transversal de base populacional,
criado para se avaliar a prevalência da DPOC e analisar o impacto desta doença nesta amostra. O
estudo constou de aplicação de questionários e espirometria pré e pós-broncodilatador em
pessoas vivendo em residências escolhidas por randomização, considerando como obstrução
brônquica o padrão internacional de “screening” a relação VEF1/CVF (capacidade vital forçada) <
0,70 pós-broncodilatador.
Nesse estudo a prevalência total da DPOC foi de 15,8%, sendo 18% nos homens e 14%
nas mulheres.. A distribuição dos pacientes de acordo com o estádio de gravidade da DPOC e
segundo a classificação do GOLD e da SBPT, mostrou os seguintes resultados de prevalência:
Estádio
Prevalência
I
10,1%
II
4,6%
III
0,9%
IV
0,2%
A distribuição de DPOC pela faixa etária foi : 40-49 anos, 8,4%; 50-59 anos, 16,2%; >60
anos, 25,7%. A distribuição de acometimento de DPOC foi diminuindo com o aumento do número
de anos de frequência à escola: 0-2 anos, 22,1%; 3-4 anos, 16,3%; 5-8 anos, 14,4%; > de 9 anos,
10,4%. Um dado interessante é que 12,5% dos pacientes diagnosticados como DPOC nunca
haviam fumado. No entanto, 16,2% dos pacientes com DPOC já haviam sido expostos à fumaça
de lenha e 22,1% ao carvão, como combustível para aquecimento ou cozinhar. Embora não
significantes, as razões de prevalência ajustada para exposição à pós em local de trabalho foi de
1,36 e para carvão de 1,40
Na população total estudada, a prevalência de tabagismo ativo foi de 24%, enquanto
33,1% eram ex-tabagistas e 42,9% foram considerados como nunca tendo fumado. Entre os
indivíduos fumantes com DPOC, o risco relativo ajustado foi de 2,04 e de 2,57 para os com
classificação II-IV. Utilizando a equação :
2
Fração etiológica : __frequência de exposição x (risco relativo - 1)___
1 + frequência de exposição x (risco relativo - 1)
Assim, é possível afirmar que o fator atribuível ao estado atual de fumante foi 26,2% para os
indivíduos com classificação GOLD II-IV. Isto quer dizer que o controle do tabagismo preveniria o
desenvolvimento da DPOC em pelo menos um em cada quatro fumantes.
1.3 - Estudo do CEBRID
O CEBRID publicou em setembro de 2002 dados que mostram os resultados de um
levantamento randomizado domiciliar sobre o tabagismo. Este levantamento refere-se às 107
cidades brasileiras com mais de 200 mil habitantes. De acordo com este inquérito, 51,5 % dos
brasileiros já fizeram uso alguma vez em sua vida do cigarro.
Das pessoas acima de 35 anos, 24% delas fumam regularmente (com intervalo de
confiança de 95% de 22 a 26%), sendo 28% (IC: 26-30%) dos homens e 20% (IC: 19-22%) das
mulheres.
Tabela 1 - Prevalência projetada de tabagistas, DPOC e número de
internações e óbitos nos estados do Brasil, segundo dados populacionais
do IBGE, CEBRID, Estudo PLATINO e SUS.
Estado
Tabagistas
População
e
com 40 ou
de
total
mais
(estádios I a (estádio II a no SUS, ano ano de 2003,
anos
de idade
Portadores
de Nº de óbitos
Sexo
Portadores
DPOC de
IV)
IV)
Nº
por
DPOC internações
de 2004, por (indivíduos
DPOC
com
(indivíduos
anos)
com
>
40
anos)
AC
AL
Masc
53.682
15.030
9.662
270
33
Fem
50.988
10.197
7.138
205
29
Total
104.670
25.227
16.800
475
62
Masc
298.932
83.700
53.807
898
141
Fem
340.239
68.047
47.633
1.063
111
Total
639.171
151.747
101.440
1.961
252
5.966
36.432
DPOC,
3
>
40
AP
AM
BA
CE
DF
ES
GO
MA
MT
MS
MG
PA
Masc
39.733
11.125
7.151
104
21
Fem
38.336
7.667
5.367
73
15
Total
78.069
18.792
12.518
177
36
Masc
252.808
70.786
45.505
367
111
Fem
249.689
49.937
34.956
186
75
Total
502.497
120.723
80.461
553
186
Masc
1.526.270
427.355
274.728
5.561
578
Fem
1.692.917
338.583
237.008
4.707
320
Total
3.219.187
765.938
511.736
10.268
898
Masc
859.499
240.659
154.709
1.473
328
Fem
997.744
199.548
139.684
1.343
260
Total
1.857.243
440.207
294.393
2.816
588
Masc
214.493
60.058
38.608
605
129
Fem
253.416
50.683
35.478
532
87
Total
467.909
111.341
74.086
1.137
216
Masc
403.406
112.953
72.613
1.173
347
Fem
435.228
87.045
60.931
859
231
Total
838.634
199.998
133.544
2.032
578
Masc
624.818
174.949
112.467
6.107
731
Fem
640.442
128.088
89.661
5.275
540
Total
1.265.260
303.037
202.128
11.382
1.271
Masc
594.920
166.577
107.085
1.169
129
Fem
627.076
125.415
87.790
1.239
89
Total
1.221.996
291.992
194.875
2.408
218
Masc
301.845
84.516
54.332
2.906
255
Fem
267.827
53.565
37.495
1.986
129
Total
569.672
138.081
91.827
4.892
384
Masc
267.081
74.782
48.074
1.185
270
Fem
268.993
53.798
37.659
1.049
189
Total
536.074
128.580
85.733
2.234
459
Masc
2.440.072
683.220
439.331
14.160
2.449
Fem
2.680.729
536.145
375.302
11.763
1.530
Total
5.120.801
1.217.365
814.633
25.923
3.979
Masc
627.898
175.811
113.021
2.599
306
Fem
615.963
123.192
86.234
2.119
194
Total
1.243.861
299.003
199.255
4.718
500
4.449
28.642
183.493
105.862
26.670
47.802
72.119
69.653
32.471
30.556
291.885
70.900
4
PB
PR
PE
PI
RJ
RN
RS
RO
RR
SC
SP
SE
Masc
421.612
118.051
75.890
2.250
172
Fem
504.550
100.910
70.637
2.543
149
Total
926.162
218.961
146.527
4.793
321
Masc
1.294.837
362.554
233.070
12.541
1.814
Fem
1.394.017
278.803
195.162
12.971
1.378
Total
2.688.854
641.357
428.232
25.512
3.193
Masc
930.056
260.415
167.410
1.510
538
Fem
1.129.602
225.920
158.144
1.435
410
Total
2.059.658
486.335
325.554
2.945
948
Masc
330.294
92.482
59.452
734
131
Fem
366.757
73.351
51.345
695
87
Total
697.051
165.833
110.797
1.429
218
Masc
2.122.684
594.351
382.083
6.319
2.079
Fem
2.608.213
521.642
365.149
4.493
1.310
Total
4.730.897
1.115.993
747.232
10.812
3.390
Masc
328.447
91.965
59.120
374
102
Fem
379.475
75.895
53.126
415
89
Total
707.922
167.860
112.246
789
191
Masc
1.557.806
436.185
280.405
20.112
3.039
Fem
1.786.663
357.332
250.132
13.415
1.563
Total
3.344.429
793.517
530.537
33.527
4.602
Masc
152.380
42.666
27.428
567
136
Fem
132.913
26.582
18.607
358
68
Total
285.293
69.248
46.035
925
204
Masc
31.110
8.710
5.599
47
7
Fem
26.450
5.290
3.703
36
4
Total
57.560
14.000
9.302
83
11
Masc
727.943
203.824
131.029
9.096
1.089
Fem
779.765
155.953
109.167
6.370
514
Total
1.507.708
359.777
240.196
15.466
1.604
Masc
5.140.453
1.439.326
925.281
12.830
5.607
Fem
5.835.490
1.167.098
816.968
9.793
3.367
Total
10.975.943
2.606.424
1.742.249
22.623
8.974
Masc
191.374
53.584
34.447
482
101
Fem
219.120
43.824
30.676
504
67
Total
410.494
97.408
65.123
986
168
52.791
153.264
117.400
39.731
269.661
40.351
190.632
16.261
3.280
85.939
625.628
23.398
5
TO
BRASIL
Masc
133.110
37.270
23.959
444
70
Fem
121.455
24.291
17.003
371
39
Total
254.565
61.561
40.962
815
109
Masc
21.867.563
6.122.917
3.936.161
105.883
20.713
Fem
24.444.017
4.888.803
3.422.162
85.798
12.844
Total
46.311.580
11.011.720
7.358.323
2.639.760
191.681
33.560
Sexo
População
Tabagistas
Portadores
Portadores
Nº
e
com 40 ou
DPOC
de
total
mais
(estádios I a (estádio II a no SUS, ano ano de 2003,
anos
de idade
IV)
14.510
IV)
de Nº de óbitos
DPOC internações
por
DPOC,
de 2004, por (indivíduos
DPOC
com
(indivíduos
anos).
com
>
40
anos).
Apesar da DPOC ser uma doença altamente prevalente, ela é, geralmente, subestimada e
sub-diagnosticada. Há situações em que os doentes com DPOC não são identificados pela equipe
de saúde e outras em que o indivíduo sem DPOC recebe tal diagnóstico. No primeiro fato, os
casos em que há presença de obstrução do fluxo aéreo e eles não são identificados, são descritos
na literatura como não-diagnosticados ou sub-diagnosticados; no caso daqueles que são
diagnosticados como portadores de DPOC e que não apresentam obstrução do fluxo aéreo
caracteriza-se o diagnóstico errôneo. No Estudo PLATINO, aproximadamente 88% do pacientes
com DPOC não tinham o diagnóstico prévio.
Para a saúde pública, é de suma importância determinar o número de indivíduos doentes
que correspondem à real prevalência da doença na comunidade. O diagnóstico de DPOC deve ser
considerado em qualquer indivíduo com tosse, expectoração, ou dispnéia e/ou história de
exposição a fatores de risco. A espirometria deve ser considerada na definição diagnóstica dos
casos de DPOC visto que outras condições podem apresentar quadro clínico bastante semelhante
ao desta condição, como é o caso da asma, da bronquiectasia e da insuficiência cardíaca.
Referências
1 - Jardim J, Oliveira J, Nascimento O. II Consenso Brasileiro de Doença Pulmonar Obstrutiva
Crônica (DPOC). J Bras Pneumol 2004; 30: S1-S42.
6
>
40
2 - Jardim J, Camelier AA, Rosa FW, Perez-Padilla R, Hallal P, Victora C, Menezes A. A
population based study on the prevalence of COPD in São Paulo, Brazil. Am J Respir Crit Care Me
2004, 169: A222.
3 - Menezes A M B, Hallal P C , Perez-Padilla R, Jardim J R B, Muiño A, Lopez M V, Valdivia G, M
de Oca M , Talamo C. Chronic obstructive pulmonary disease in five Latin American cities (the
PLATINO study): a prevalence study. www.thelancet.com Published online November 4, 2005.
4 - Prevalence of chronic obstructive pulmonary disease and associated factors: the PLATINO
Study in São Paulo, Brazil. Cad. Saúde Pública, Rio de Janeiro, 2005; 21(5):1565-1573.
5 - CEBRID - Centro Brasileiro de Informações Sobre Drogas Psicotrópicas (2002).
6 – www.datasus.gov.br
2. Desfechos clínicos e marcadores na DPOC
2.1- Introdução
O VEF1 tem sido, ao longo do tempo, largamente utilizado como uma medida de
diagnóstico, de avaliação de gravidade e de estimativa de prognóstico na DPOC. Além disso, tem
sido utilizado também como uma medida de avaliação de desfecho de tratamento, ainda que uma
das características de definição da doença seja a ausência de reversibilidade completa da
obstrução do fluxo aéreo. Em função desta reversibilidade incompleta na DPOC, o VEF1 tem
pequena variação em períodos curtos de tempo, prestando-se mal para a avaliação de desfecho
de tratamento. Contudo, a despeito da baixa reversibilidade da obstrução do fluxo aéreo a
medicação básica para a DPOC são os broncodilatadores. Nos últimos anos, um melhor
conhecimento da fisiopatologia da DPOC permitiu que outros desfechos, além do VEF1 fossem
utilizados para o seguimento da doença.
O documento do GOLD (Global Initiative for Obstructive Lung Disease), em vista desses
novos conceitos, recebeu o acréscimo de um capítulo denominado “Desfechos e Marcadores em
DPOC”, que será sintetizado brevemente nos próximos parágrafos.
Está claro no documento do GOLD que é necessário olhar além do VEF1 para o
entendimento da DPOC e o seu adequado tratamento. Uma doença tão heterogênea, com
particularidades individuais, co-morbidades diferentes, taxas de perda de função não homogêneas
e processos inflamatório e enfisematoso tão distintos entre os pacientes, não pode ter um
parâmetro único que conduza o tratamento e oriente o prognóstico.
7
2.2 – Definições
Desfecho clínico - é uma conseqüência da doença sentida pelo paciente ( mortalidade, sintomas e
qualidade de vida, tolerância ao exercício, exacerbações e insuficiência respiratória aguda, perda
de peso mortalidade, uso de recursos da saúde).
Marcador - é uma medida associada com um ou mais desfechos clínicos. Os marcadores podem
definir diagnóstico, gravidade, progressão da doença, efeito do tratamento.
Um desfecho clínico pode estar associado a vários marcadores. Por exemplo, desfecho
mortalidade, pode estar associada aos marcadores VEF1, escala de dispnéia do MRC (Medical
Research Council), capacidade de exercício, IMC (índice e massa corpórea) e outros. Da mesma
maneira, um marcador pode estar associado a mais de um desfecho, por exemplo, a escala de
dispnéia do MRC, pode estar associada aos desfechos mortalidade e sintomas.
Algumas vezes é difícil fazer-se a distinção entre desfecho e marcador. Por exemplo,
alguns marcadores podem ser tão bem caracterizados e compreendidos que podem, efetivamente,
substituir um desfecho clínico, transformando-se ele próprio no desfecho. Nas doenças
cardiovasculares, a redução da pressão arterial, um marcador, se transformou em um desfecho
clínico, dado a sua intensa associação com o desfecho redução de morbidade e mortalidade. Na
DPOC, como dissemos antes, o VEF1, um marcador, muitos vezes é visto como desfecho,
comprometendo uma visão mais global da doença, que é conseguida quando utilizamos múltiplos
desfechos e marcadores.
2.3 – Os desfechos clínicos e seus marcadores na DPOC
Desfecho clínico - Mortalidade
A mortalidade é, obviamente, um importante desfecho e, clinicamente, altamente
relevante. No entanto, a dificuldade aqui observada é de que o diagnóstico de DPOC nem sempre
é colocado na certidão de óbito.
Esse desfecho é relevante quando utilizado por grupos de
pesquisa, com coortes de seguimento.
Marcadores
associados
–
Função
pulmonar
(VEF1,
CVF,
relação
capacidade
inspiratória/capacidade pulmonar total), gases arteriais, escalas de sintomas, capacidade de
exercício, freqüência de exacerbações.
Desfecho clínico - Sintomas e qualidade vida
Os sintomas mais freqüentes nos pacientes com DPOC são: dispnéia, tosse, expectoração
e fadiga. Os sintomas, além de constituírem um desfecho clínico, contribuem, ainda, em outros
8
desfechos como tolerância ao exercício e qualidade de vida. A qualidade de vida relacionada à
saúde é um importante desfecho clínico da DPOC.
Marcadores associados – O único sintoma que tem um método bem avaliado e validado de
avaliação é a dispnéia. As escalas mais utilizadas para a quantificação da dispnéia são a escala do
“Medical Research Council”, já apresentada no Consenso de DPOC de 2004 da SBPT, os índices
de dispnéia basal e “transitional” de Mahler (BDI e TDI) e a escala analógica visual de Borg. A
qualidade de vida é específica para cada paciente e a preferência é que se intitule qualidade de
vida relacionada ao estado de saúde. Os questionários de avaliação têm baixa especificidade para
avaliação individual, mas boa para grupos. Os questionários são divididos em específico para a
doença DPOC e genéricos. No Brasil, temos validado os questionários
“Saint George para
Doença Respiratória” e o “Vias Aéreas 20”, específicos para DPOC, e o “SF-36”, genérico.
Desfecho clínico - Tolerância ao exercício
A realização de atividade física está significativamente prejudicada em muitos pacientes
com DPOC, alterando de maneira importante a sua qualidade de vida, visto que há
comprometimento na realização das atividades da vida diária. Como é difícil fazer medições
confiáveis das atividades de vida diária dos pacientes, as medidas fisiológicas de capacidade de
exercício, realizadas em laboratórios, são, geralmente, utilizadas como marcadores deste
desfecho.
Marcadores associados - A capacidade de exercício pode ser avaliada em laboratórios por meio
de medidas fisiológicas detalhadas (ventilação pulmonar, consumo de oxigênio, produção de gás
carbônico, saturação de oxigênio – todas em exercício) ou em testes mais simples onde a duração
do exercício ou a distância caminhada em um período determinado são registradas (teste da
caminhada de 6 ou 12 minutos e teste “shuttle”). As medidas da capacidade de exercício são
consideradas quase
como
marcadores ideais,
pois
têm boa
validade, especificidade,
confiabilidade, reprodutibilidade, capacidade preditiva, capacidade discriminatória e capacidade
evolutiva. Estes marcadores podem ser ainda utilizados como marcadores de sintomas, qualidade
de vida, utilização de recursos de saúde e mortalidade.
Desfecho clínico – Exacerbaçôes
Exacerbação é um piora persistente da condição basal estável do paciente, de surgimento
agudo e que pode exigir tratamento adicional. As exacerbações são caracterizadas tipicamente
pela acentuação da dispnéia, com ou sem tosse, aumento de volume de expectoração, purulência
do escarro e opressão torácica. As exacerbações são importante desfecho clínico da DPOC,
associadas à gravidade da doença.
Marcadores associados – A freqüência e gravidade das exacerbações são os marcadores
tipicamente associados a este desfecho. A freqüência e gravidade das exacerbações são também
9
marcadores associados à mortalidade e qualidade de vida. As maiores dificuldades encontradas
com relação às exacerbações como desfecho estão relacionadas a dificuldade de se definir
precisamente uma exacerbação e sua gravidade. Geralmente os estudos que avaliam
exacerbações baseiam-se em aumento de sintomas percebidos pelo paciente e que necessitem de
intervenção. Há, porém, intensa subjetividade nessa avaliação.
Desfecho clínico - Perda de peso
Pacientes com doença a partir de gravidade moderada podem apresentar uma depleção
de massa livre de gordura, particularmente às custas de musculatura esquelética, que é refletida
por perda de peso. A perda de peso é um preditor de mortalidade em pacientes com DPOC e a
sobrevida pode melhorar com o aumento do peso. A perda de peso pode também estar associada
à acentuação dos sintomas, piora da qualidade de vida, tolerância ao exercício e maior utilização
de recursos de saúde.
Marcadores associados – A determinação seqüencial do peso corporal é o marcador para perda
de peso. Perda de peso equivalente a 5% em um mês ou 10% em seis meses é considerada
clinicamente relevante. Depleção nutricional é geralmente e arbitrariamente definida como peso
abaixo de 90% do ideal.
Desfecho clínico – Utilização de recursos de saúde
A utilização de recursos de saúde pode ser um importante desfecho clínico, visto que 60 a
75% dos gastos com a DPOC são uma conseqüência direta das exacerbações. Assim, a utilização
de recursos reflete a falência do tratamento e a progressão da doença.
Marcadores associados – A determinação da freqüência da utilização dos recursos vai ser o
marcador deste desfecho.
Função pulmonar
Neste ponto, é importante destacarmos que no documento original do GOLD a função
pulmonar não é colocada na posição de desfecho clínico, mas de marcador de vários desfechos
clínicos tais como sintomas, qualidade de vida e tolerância ao exercício. Deve-se ressaltar que a
função pulmonar, quando expressa pelas medidas rotineiras de CVF e VEF1, se relaciona
fracamente com esses desfechos clínicos. A despeito deste fato, a determinação do VEF1 tem
sido utilizada em vários estudos clínicos como variável primária, chegando a ser confundida com
um desfecho. È importante frisar que o VEF1 é um marcador facilmente disponível e altamente
reprodutível, e que os
valores de VEF1 e VEF1/CVF, obtidos após uso de broncodilatador,
continuam sendo os marcadores essenciais no diagnóstico e determinação de gravidade da
DPOC. Outros elementos da função pulmonar, que não são medidos nas avaliações rotineiras, e
que melhor refletem a hiperinsuflação pulmonar, como a capacidade residual funcional e a
10
capacidade inspiratória, podem se correlacionar melhor com desfechos clínicos como dispnéia e
tolerância ao exercício.
RESUMO FINAL
Embora elementos da função pulmonar, representados principalmente pelo VEF1, sejam
importantes marcadores no diagnóstico e avaliação da gravidade da DPOC, outros aspectos
diretamente relacionados ao paciente são de suma importância na avaliação da resposta ao
tratamento e evolução da doença. Tais elementos são representados hoje pelos desfechos clínicos
acima citados e seus marcadores e podem nos dar uma visão mais adequada da doença frente
aos novos tratamentos que vêm surgindo, mostrando que, felizmente, a DPOC não é uma
condição irreversível, como nos fez crer por muitos anos a análise isolada do VEF1.
Referências
1 – Outcomes and markers in COPD. www.goldcopd.org
3. A posição das diretrizes atuais de tratamento da doença estável
3.1 – Considerações gerais
Um primeiro aspecto a ser considerado quando são analisadas recomendações
terapêuticas de diretrizes, quaisquer que sejam elas, a despeito de vivermos hoje a era da
atualização constante com a Internet, é definir quais foram as principais evidências que serviram
como fonte para tais recomendações e quando foram as mesmas publicadas, visto que evidências
recentes de novos procedimentos diagnósticos ou terapêuticos, que possam modificar de maneira
significativa a condução de uma determinada condição clínica, podem ter surgido entre a data de
publicação e a data de leitura de uma diretriz, alterando de maneira significativa recomendações ali
estabelecidas. Esta observação é ainda mais importante em condições clínicas que venham sendo
alvo de pesquisas recentes, como é o caso da DPOC, onde a adoção de novos fármacos ou novas
indicações de fármacos já existentes, vêm sendo implementadas de maneira quase continuada.
Com relação à DPOC, pode-se considerar que as principais diretrizes liberadas nos
últimos anos foram o II Consenso Brasileiro sobre Doença Pulmonar Obstrutiva Crônica, da
Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia (1), publicado em novembro de 2004, as
diretrizes conjuntas da Associação Torácica Americana (ATS) e Sociedade Respiratória Européia
(ERS) (2), publicadas em outubro de 2004 e as diretrizes do GOLD (Global strategy for the
diagnosis, management and prevention of chronic obstructive pulmonary disease publicadas
originalmente em 2001 (3).
11
Dessas três principais referências, a que até o momento vem mantendo-se mais atualizada
é a do GOLD, graças a revisões freqüentes realizadas pelo seu “Comitê Científico” e disseminadas
por meio do seu site na Internet, anualmente, desde julho de 2003. A última revisão liberada em
julho de 2005 inclui revisão da literatura até dezembro de 2004 (www.goldcopd.org) (3). A nova
publicação do GOLD será publicada em novembro de 2006
Pode-se ver que, mesmo a diretriz com maior freqüência de revisões apresenta um
intervalo de tempo considerável entre a divulgação de possíveis evidências de significado clínico
importante e a inclusão de tais resultados nas recomendações emanadas da mesma. Se
considerarmos a data de redação deste documento de atualização da SBPT como agosto de 2006,
teremos que as recomendações do GOLD não consideram a literatura dos últimos 17 meses. Se,
como ocorreu com o GOLD, os documentos que serviram como base para as diretrizes da
ATS/ERS foram publicados pelo menos seis meses antes da divulgação das mesmas, pode-se
concluir que tal documento não contempla evidências surgidas na literatura de DPOC nos últimos
dois anos. No consenso da SBPT, foi considerada a literatura publicada até janeiro de 2004.
Neste tópico serão revistas, pois, as principais recomendações terapêuticas para a doença
estável dos três documentos citados acima, quais são os pontos em comum entre os mesmos, e
se existem pontos de divergência. Serão consideradas ainda quais evidências surgiram desde as
publicações destes documentos que possam indicar uma necessidade de mudança de suas
recomendações, para que seja definida uma proposta atualizada de tratamento hierarquizado da
DPOC. Foi estabelecido como data de início para revisão da literatura o mês de janeiro de 2005,
ponto em que terminou a última revisão do GOLD.
3.2 – Visão geral das recomendações terapêuticas
O documento do GOLD lista como principais medidas na condução da DPOC estável a
educação do paciente, o tratamento farmacológico e o tratamento não farmacológico. Os
documentos da SBPT e da ATS/ERS concentram-se no tratamento farmacológico e não
farmacológico.
A educação do paciente consiste, basicamente, em esclarecer o paciente sobre a natureza
da DPOC, considerando-se a sua causa, como ela afeta a vida do paciente e como este deve lidar
com o tratamento da mesma, sendo consideradas orientações extremamente práticas como uso
adequado de medicação inalada. Na última revisão de 2005 foi incluído no GOLD um novo trecho
baseado em evidência surgida em 2004 mostrando que sessões formais de orientação do paciente
levaram à melhora de desfechos clínicos e redução de custos em um período de acompanhamento
de um ano (3).
O tratamento farmacológico, pelo seu potencial de levar a melhora sintomática, percebida
pelo paciente, é um dos temas mais importantes na condução da DPOC. O GOLD considera como
12
principais elementos no tratamento farmacológico o uso de broncodilatadores e corticóides
inalados, mesma posição seguida pelos dois outros documentos.
O tratamento não farmacológico consiste em aulas de educação, apoio psicossocial e
reabilitação, incluindo exercícios físicos e técnicas de conservação de energia.
Em função de sua maior utilização na prática diária, esta revisão será centralizada no
tratamento farmacológico.
3.3 – Tratamento farmacológico: uso de broncodilatadores e corticóides inalados
A postura atual dos três documentos com relação ao uso de broncodilatadores e
corticóides inalados é bastante semelhante. Os principais pontos em comum são os seguintes:
- a terapêutica farmacológica é usada para prevenir e controlar sintomas, melhorar a
tolerância ao exercício, melhorar a qualidade de vida e reduzir a freqüência e gravidade das
exacerbações;
- os broncodilatadores são peças centrais na condução dos sintomas na DPOC;
- o tratamento regular com broncodilatadores de ação prolongada é mais efetivo e
conveniente do que o uso dos broncodilatadores de ação curta, embora mais caro;
- a teofilina e seus derivados, devido à baixa potência broncodilatadora e elevada
ocorrência de efeitos adversos, devem ser usados como segunda opção, quando não há
condições de uso de beta-dois adrenérgicos e anticolinérgicos, ou em associação a estes
em pacientes ainda sintomáticos com o uso dos mesmos;
- o uso de corticóides inalados deve ficar restrito a pacientes com VEF1< 50% e
exacerbações freqüentes;
- deve haver um incremento gradual na utilização dos recursos farmacológicos no
tratamento, de acordo com a gravidade da doença.
Em resumo, os três documentos citados recomendam a utilização gradual da terapêutica
farmacológica, em um formato ascendente (step up) em contraste com o tratamento descendente
(step down) da asma. Assim, progride-se do uso, se necessário, de broncodilatadores de curta
duração, para o uso continuado de um broncodilatador beta-dois adrenérgico ou anticolinérgico, de
preferência de longa duração, sem definir qual classe deva ser usada primeiramente, com
posterior associação de broncodilatadores e acréscimo de corticóide inalado. Esta recomendação
do tratamento ascendente usa como referência, primeiramente, o estadiamento da DPOC, que se
baseia na função pulmonar, e, em segundo, os sintomas, representados, principalmente, pela
dispnéia. O terceiro elemento utilizado na definição da terapêutica é a freqüência de exacerbações.
No entanto, outros desfechos clínicos de importância fundamental para o paciente na evolução da
doença, como tolerância ao exercício e qualidade de vida relacionada ao estado de saúde, não
13
são incluídos diretamente na definição da terapêutica, dado à dificuldade de sua utilização na
prática diária.
À luz das evidências bibliográficas surgidas recentemente, são revistos alguns pontos das
atuais recomendações terapêuticas:
-
com
qual
classe
de
broncodilatador
inalado,
beta-dois
adrenérgico
ou
anticolinérgico, deve-se iniciar a terapêutica broncodilatadora;
- qual a postura ideal com relação à utilização da combinação de broncodilatadores
inalados;
- qual o momento ideal para se iniciar o uso, e qual a importância real do uso de
corticóides inalados.
3.4-
Com
qual
classe
de
broncodilatador
inalado
deve-se
iniciar
a
terapêutica
broncodilatadora, beta-dois adrenérgico ou anticolinérgico?
A posição atual dos documentos de consenso é de que deve-se iniciar o uso continuado
de broncodilatadores nos pacientes com sintomas persistentes a partir do estádio de doença
moderada. Deve-se dar preferência aos broncodilatadores inalados, os quais permitem uso de
doses menores e apresentam menos efeitos colaterais, e aos de longa duração, visto que a
aderência do paciente ao tratamento tende a ser maior com uma menor freqüência de uso da
medicação; em acréscimo, os efeitos terapêuticos relacionados à desinsuflação são mais
acentuados quando a broncodilatação é mantida de maneira mais constante.
Para se atingir uma broncodilatação adequada com o uso de broncodilatadores de curta
duração, é necessário o uso da medicação a cada 4 horas. Com o uso dos broncodilatadores
beta-dois adrenérgicos de longa duração, salmeterol ou formoterol, necessita-se somente de duas
aplicações diárias; e com o uso do anticolinérgico de longa duração, o brometo de tiotrópio,
apenas uma aplicação diária. O custo da medicação de longa duração é maior do que a de curta
duração, mas a melhora dos múltiplos desfechos de avaliação da DPOC é maior com os
broncodilatadores de longa duração. Assim, o posicionamento atual da terapêutica ideal da DPOC,
no que diz respeito à broncodilatação, consiste no uso de broncodilatadores de longa duração.
Não está definido claramente nos documentos de consenso com qual classe de
broncodilatador inalado de longa duração deve-se iniciar o tratamento, no caso de uso isolado de
um destes fármacos. Em todos eles o uso do broncodilatadores de longa duração é citado como
“e/ou”, deixando ao médico a escolha final. Assim, não há uma imposição ou proibição do uso de
uma ou das duas classes. Aqui, novamente, deve-se considerar : a multiplicidade de desfechos
que devem ser levados em consideração no tratamento da DPOC; o surgimento de evidências
recentes contemplando tais desfechos com as diferentes classes de broncodilatadores; e se tais
14
evidências já podem dar uma orientação definida com relação a qual classe de broncodilatador
deva ser utilizada no início do tratamento do paciente com DPOC.
Na revisão da literatura da DPOC, de janeiro de 2005 a março de 2006, considerando-se
os três broncodilatadores de longa duração em estudos randomizados e não utilizados,
primariamente, em combinação, e publicados em língua inglesa, encontra-se: a) um estudo de
comparação de salmeterol com tiotrópio (4), b) um estudo de comparação de formoterol com
tiotrópio, onde havia também uma comparação dos esquemas isolados com a associação de
formoterol uma vez ao dia e tiotrópio (6), c) um estudo com adição de salmeterol ao esquema
habitual de tratamento para avaliar freqüência de exacerbações (7), d) um estudo com adição de
tiotrópio ao esquema habitual de tratamento para avaliar freqüência de exacerbações (8), e) e dois
estudos com tiotrópio, avaliando, primariamente, a tolerância ao exercício (9,10).
Com relação aos estudos comparativos, o de salmeterol com tiotrópio, tendo como
desfecho primário variáveis espirométricas em 12 semanas de uso, foi observada maior ação
broncodilatadora, estatisticamente significante, no grupo tiotrópio, na maioria das variáveis
avaliadas. Já no estudo de comparação do formoterol com tiotrópio, também com avaliação
espirométrica como desfecho primário, o tiotrópio mostrou broncodilatação durante o dia
significativamente maior do que o formoterol. Infelizmente, estes estudos se limitam à analise das
variáveis espirométricas, não considerando outros marcadores de desfechos importantes tais
como dispnéia, tolerância ao exercício e freqüência de exacerbações.
Os dois estudos de adição são interessantes, pois tentam se aproximar mais da prática
diária, ao permitirem o uso de qualquer medicação no grupo controle, à exceção de outro
broncodilatador beta-dois adrenérgico de longa duração no estudo com salmeterol e outro
broncodilatador anticolinérgico no estudo do tiotrópio. Deve-se notar que quando o estudo do
salmeterol foi realizado, o tiotrópio não estava ainda comercializado. No estudo do tiotrópio, 38%
dos pacientes em ambos os grupos usavam um beta-dois adrenérgico de longa duração.
Aproximadamente 60% dos pacientes estavam em uso de corticóide inalatório, tanto no estudo do
salmeterol quanto no estudo do tiotrópio. Com relação ao desfecho primário destes estudos,
freqüência de exacerbações em relação ao grupo controle, no trabalho do tiotrópio, foi observada
redução de exacerbações estatisticamente significante, enquanto que no do salmeterol não houve
diferença estatisticamente significante.
Neste período, dois estudos foram publicados avaliando como desfecho primário a
tolerância ao exercício, condição que traz importante limitação às atividades da vida diária do
paciente com DPOC (9,10). A evidência de melhora de tolerância à atividade física é um
importante objetivo clínico do tratamento broncodilatador. Os dois estudos em questão avaliaram o
uso do tiotrópio. O primeiro estudo avaliou a melhora da tolerância ao exercício com uso de
tiotrópio associado a um programa de reabilitação de oito semanas, mostrando que com o uso de
tiotrópio, em relação ao grupo controle com tratamento habitual sem uso de broncodilatadores de
15
longa duração, houve melhora significante da tolerância ao exercício, que foi mantida por pelo
menos três meses após o término do programa de reabilitação. O segundo estudo teve por
objetivo avaliar a melhora da tolerância ao exercício, após seis semanas de tratamento com
tiotrópio, avaliando-se tal efeito, no período diurno, duas horas e meia e oito horas após o uso do
tiotrópio. Os resultados mostraram que o tiotrópio apresentou melhora importante da tolerância ao
exercício, presente ainda oito horas após o uso do mesmo, sendo esta melhora tão significativa do
ponto de vista respiratório, que no grupo tiotrópio a intensidade de desconforto respiratório no
exercício foi menor que a intensidade por desconforto em membros inferiores, ao contrário do
grupo controle que apresentou maior intensidade de desconforto respiratório.
Os dados apresentados mostram, por meio de marcadores variados e alguns desfechos
clínicos, superioridade do tiotrópio em relação ao salmeterol e ao formoterol. Isto demonstra um
forte indício em direção à escolha inicial do tiotrópio, em um regime de broncodilatador isolado.
Porém, para que uma recomendação definitiva seja feita neste sentido são necessários novos
estudos com comparação mais ampla das duas classes envolvidas, principalmente no que
concerne aos desfechos de maior importância na vida diária dos pacientes tais como dispnéia,
tolerância ao exercício e exacerbações. Estudos são necessários, também, para a comparação de
esquemas isolados com esquemas combinados.
3.5- Qual a postura ideal com relação à utilização da combinação de broncodilatadores
inalados?
Os três documentos citados inicialmente consideram que existem evidências de que o uso
combinado de broncodilatadores apresenta melhores resultados que o uso de fármacos isolados :
são os estudos com a combinação de salbutamol e ipratrópio, salmeterol e ipratrópio e salmeterol
e teofilina. A despeito de tal observação, o tratamento com combinação de broncodilatadores tem
sido recomendado apenas quando não há controle com os fármacos isolados. Dentre os diversos
desfechos e marcadores a variável mais fácil de ser documentada é a variação espirométrica do
VEF1, mas esta, como mostrado no item relativo a desfechos e marcadores, não apresenta boa
correlação com desfechos importantes das atividades diárias do paciente, como dispnéia,
tolerância ao exercício e qualidade de vida. Embora os desfechos citados acima apresentem
importante repercussão para o paciente, poucos são os médicos que avaliam de maneira regular e
sistemática a dispnéia mediante o uso de escores simplificados como o do MRC (Medical
Research Counicl). A tolerância ao exercício é ainda menos avaliada, visto que a determinação
objetiva exige, pelo menos, um teste da caminhada de 6 minutos ou similar. Os questionários de
qualidade de vida são indicados para pesquisa, em função de seu amplo valor quando utilizados
em grupo, mas tem valor bastante restrito ao serem utilizados individualmente, além da dificuldade
técnica de serem utilizados em uma avaliação rotineira.
16
Com a recomendação atual de terapêutica gradual ascendente na DPOC, com certeza um
número considerável de pacientes está sendo sub-medicado. Neste aspecto, deve-se considerar
os dados da literatura, de janeiro de 2005 a agosto de 2006, em terapia broncodilatadora
combinada.
Cinco estudos apenas foram publicados nesta área. Três considerando tiotrópio e
formoterol (5,6,11), um considerando salmeterol associado à fluticasona e tiotrópio (12) e um
comparando o tiotrópio associado a beta dois de longa duração e corticóide inalatório. Todos os
estudos publicados têm como desfecho primário variáveis espirométricas.
O estudo de Cazzola et al. (11) avalia de maneira seqüencial cruzada o uso de tiotrópio em
pacientes que vinham em uso de formoterol, e de formoterol em pacientes que vinham em uso de
tiotrópio, mostrando que em ambas as situações houve melhora significativa da função pulmonar
com o acréscimo do segundo broncodilatador.
No estudo de van Noord et al. (5), também seqüencial cruzado, foi feita a comparação
entre tiotrópio e formoterol uma vez ao dia, contra tiotrópio uma vez ao dia isoladamente e
formoterol duas vezes ao dia isoladamente. A despeito do uso apenas uma vez ao dia do
formoterol no estudo combinado, a melhora espirométrica obtida também foi superior com a
combinação.
Em um segundo estudo, van Noord et al. (6) comparou, de modo também seqüencial,
tiotrópio contra tiotrópio e formoterol uma e duas vezes ao dia, tendo sido observada melhor
resposta na associação tiotrópio e formoterol 1 vez ao dia em relação ao tiotrópio isolado, e melhor
resposta da associação com formoterol 2 vezes ao dia em relação ao uso da associação uma vez
ao dia. Deve ser observado que nestes três estudos os pacientes mantinham o seu tratamento
habitual no que diz respeito ao uso de corticóide inalado.
No estudo de Villar (11), foram avaliadas as ações do salmeterol e fluticasona associados,
tiotrópio isolado e a combinação dos três fármacos. Os resultados se repetem, mostrando maior
melhora da função pulmonar quando do uso de salmeterol e fluticasona com tiotrópio.
Um estudo bastante recente, de Diahn-Warng et al (19), mostrou que a adição de tiotrópio
à associação de corticosteróide e beta dois de longa duração aumentou a capacidade inspiratória;
após a retirada do tiotrópio, a capacidade inspiratória voltou ao valor anterior. A conclusão dos
autores é que a adição de tiotrópio à associação esteróide–beta dois de longa duração, pode
trazer benefício à função pulmonar e melhorar a qualidade de vida dos pacientes com DPOC, uma
vez que as dois fármacos agem através de vias complementares diferentes para manter o calibre
das vias aéreas.
Os critérios espirométricos de inclusão referentes ao VEF1 utilizados foram: Cazzola et
al., VEF1 pós-broncodilatador < 80%; van Noord et al, nos dois estudos, VEF1 basal ≤ 60%; e
Villar et al., VEF1 basal < 70%. Ou seja, o critério de inclusão considerava os pacientes com
DPOC a partir do estádio de doença moderada.
17
Em relação ao uso da combinação de broncodilatadores, pode-se, pois, considerar que
existe, baseado nas evidências acima apresentadas dos desfechos espirométricos, um forte indício
de que o uso combinado de um broncodilatador beta-dois adrenérgico de longa duração ao
tiotrópio possa melhorar os desfechos clínicos da doença. Com base nesta premissa, e frente à
dificuldade de se definir quais pacientes vão se beneficiar ou não da associação, poder-se-ia
recomendar, na abordagem inicial de pacientes persistentemente sintomáticos, limitados nas suas
atividades diárias pela dispnéia, a adoção de terapia combinada inicial. Esta terapia combinada
seguiria o modelo de terapia descendente adotado na asma.
Após um período de 15 a 60 dias de utilização de fármacos associados, um dos dois
medicamentos seria suspenso, ou o anticolinérgico ou o beta-dois adrenérgico, sem preferência
inicial. O período de 15 dias, como período mínimo, é baseado nas considerações apresentadas
no segundo estudo de van Noord et al., relativas ao tempo necessário para se atingir o estado de
equilíbrio do tiotrópio. Estas considerações são baseadas, entretanto, em acompanhamento de
variáveis espirométricas, sendo que não se sabe se um maior tempo, ou até menor, de uso do
tiotrópio seria necessário para levar a alterações de outros marcadores de desfechos clínicos tais
como dispnéia, tolerância ao exercício e qualidade de vida.
Assim, pode-se deixar à escolha do médico que acompanha o paciente, um tratamento
com a associação tiotrópio e beta-dois adrenérgico de longa duração por um período mínimo de
15 dias e máximo de 60 dias, tendo este período máximo sido escolhido arbitrariamente,. Após a
suspensão, dever-se-ia fazer uma observação do paciente, por um outro período arbitrário de 15 a
60 dias e, caso houvesse a ocorrência de relato de piora de dispnéia e/ou de intolerância às
atividades físicas da vida diária, retornar-se-ia à medicação anteriormente retirada; caso não
houvese piora, manter-se-ia o esquema de fármaco isolado.
As críticas a esta conduta podem basear-se na necessidade de se esperar por uma maior
evidência de múltiplos desfechos com as combinações possíveis com os broncodilatadores de
longa duração existentes. Estes estudos demandarão ainda um tempo considerável até a sua
conclusão. A conduta aqui proposta é, porém, facilmente aplicável na prática diária, sem perfil de
eventos adversos significativos, e pode permitir que muitos pacientes com DPOC se beneficiem
mais precocemente de melhora sintomática significativa daintensa limitação que a DPOC acarreta.
3.6 - Qual o momento ideal para se iniciar o uso, e qual a importância real do uso de
corticóides inalatórios?
As diretrizes atuais são concordes sobre a recomendação do uso de corticóide inalatório
somente para os pacientes com DPOC com VEF1 < 50% e com exacerbações freqüentes. Existe
evidência que o uso de corticóide inalatório quando associado a um fármaco beta-dois adrenérgico
18
de longa duração apresenta melhores resultados do que o uso de qualquer das drogas
isoladamente.
Dúvidas existem, porém, com relação à gravidade e freqüência das exacerbações. Com
relação à gravidade, o documento da ATS/ERS é o único que a define, considerando tais
exacerbações como aquelas com necessidade de uso de corticóide ou antibiótico, ainda que esta
indicação fique a critério médico. Com relação à freqüência, a diretriz da SBPT adotou mais do que
uma exacerbação no ano precedente, enquanto que o GOLD não define claramente qual
freqüência, citando: “exacerbações repetidas, por exemplo, três nos últimos 3 anos”. O documento
da ATS/ERS incorre em um erro, tipográfico ou de revisão, ao indicar, em dois locais diferentes,
duas definições diferentes para o que seja “exacerbação freqüente”: em um, declara uma
exacerbação no ano anterior, e em outro , mais do que uma exacerbação no ano anterior.
No período de revisão aqui considerado, desde janeiro de 2005, há apenas três estudos
significativos, dois deles considerando os efeitos da suspensão do corticóide inalatório do
esquema terapêutico de pacientes em uso do mesmo (12,13), e um estudo de comparação da
associação fluticasona e salmeterol com a associação salbutamol e ipratrópio (14). Os dois
estudos de suspensão do corticóide inalatório mostraram que tal conduta levou ao aumento de
intensidade dos sintomas e aumento da freqüência de exacerbações. Já o estudo comparativo da
associação fluticasona e salmeterol com o salbutamol e ipratrópio mostrou que a combinação com
corticóide inalatório proporcionou maior controle de sintomas e melhora mais acentuada da função
pulmonar. Tais estudos reforçam a idéia de que o corticóide inalatório tem um papel adjuvante
importante no tratamento da doença, mas não fornecem dados que possam levar à mudança da
conduta estabelecida até o momento.
Em resumo, em relação ao uso de corticóide inalatório não houve modificação em relação
às recomendações anteriores. No sentido de incorporar as pequenas variações das
recomendações existentes nos documentos da SBPT, ATS/ERS e GOLD, o seguinte texto poderia
ser adotado: “o corticóide inalatório está recomendado no tratamento da DPOC estável em
pacientes com VEF1 < 50% e com mais do que uma exacerbação no ano anterior ou uma por ano
nos últimos três anos”.
Estudos anteriores já haviam mostrado que a associação de corticóide e beta-dois
adrenérgico apresenta melhores resultados do que o uso dos fármacos isolados (15,16,17). Como
os pacientes quando têm indicação do corticóide inalatório já apresentam necessidade de uso
continuado de um broncodilatador, de preferência de longa duração, deve-se dar preferência ao
uso de dispositivos que apresentam tais medicações em forma combinada, para facilitar o uso das
mesmas. Não existem, ainda, estudos mostrando os efeitos da combinação do corticóide inalatório
com um anticolinérgico de longa duração. Assim, se o paciente já vem em uso de anticolinérgico
de longa duração e apresenta as indicações para uso de corticóide inalatório ainda não se sabe se
os resultados obtidos por tal associação serão semelhantes, piores ou melhores do que aqueles
19
obtidos com a associação beta-dois de longa duração e corticóide inalatório. Pode-se, ainda,
considerar a associação ao anticolinérgico de longa duração da associação beta-dois de longa
duração e corticóide inalatório, ressaltando-se que também ainda não existem evidências
coletadas da literatura com tal esquema de maneira sistemática.
3.7 – Tratamento farmacológico da DPOC estável: hierarquia de uso.
Em função das considerações apresentadas pode-se indicar, de maneira resumida, a
seguinte hierarquia no tratamento farmacológico da DPOC estável:
20
TRATAMENTO FARMACOLÓGICO DA DPOC ESTÁVEL
Sintomas eventuais
Broncodilatador
de
curta
duração
–
anticolinérgico ou beta-dois adrenérgico s.n
Sintomas persistentes
1) Broncondilatador beta-dois adrenérgico de
longa duração (formoterol ou salmeterol) e / ou
anticolinérgico de longa duração (tiotrópio);
Caso decida-se pela associação dos dois
broncodilatadores, administrar por
15 a
60
dias e suspender um dos medicamentos e
observar por outro período de 15 a 60 dias :
se o paciente se mantiver estável, manter o
esquema; se houver piora, retornar com o
broncodilatador suspenso;
2) Após etapa 1, se sintomas ainda estiverem
acentuados, associar xantina.
VEF1 < 50% e mais do que uma exacerbação
Acrescentar corticóide inalatório ao esquema
no ano anterior ou uma por ano nos últimos 3
acima
anos
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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4. Tratamento de reposição de alfa1 anti-tripsina
A α1antitripsina é uma proteína que circula no sangue, sendo uma das mais importantes
inibidoras de proteases humanas e é responsável por mais de 90% da capacidade
antiproteolítica do trato respiratório inferior. A sua deficiência é um transtorno hereditário e se
caracteriza por uma produção anormalmente baixa desta proteína.
A administração de α1antitripsina exógena permite o aumento de seu nível plasmático,
sendo a dose recomendada no adulto de 60mg/kg de peso corporal, em infusão endovenosa
semanal por um período de 90 minutos. O objetivo deste procedimento é manter a
concentração plasmática de α1antitripsina acima de 11mM.
Não existem estudos de
segurança com seu uso em grávidas, lactantes e menores de 18 anos de idade.
Como se trata de produto derivado do sangue humano, não se pode excluir a
possibilidade de transmissão de doenças infecciosas. Para se reduzir este risco devem ser
aplicadas medidas rigorosas na seleção dos doadores e do plasma. A seleção de doadores e a
sua purificação mediante uma série de procedimentos foi programada para minimizar este risco
tanto quanto possível.
Recomenda-se a vacinação contra hepatite A e B para pacientes que vão receber este
medicamento.
A reposição de α1antitripsina está indicada para tratamento de substituição em pacientes
portadores de enfisema pulmonar panacinar por deficiência de α1antitripsina (fenótipos PiZZ,
PiZ(null), Pi (null ) (null) e PiSZ).
Raramente tem sido observada a ocorrência de manifestações adversas como febre ou
reações alérgicas ou de hipersensibilidade na administração. Não se deve administrar a
medicação a pacientes com déficit seletivo de IgA ou com hipersensibilidade à substância
23
ativa.
Há 3 apresentações no mercado internacional e que podem ser obtidas por importação.
•
.Prolastina : apresentada sob a forma de pó liofilizado – 500 ou 1000mg . O medicamento deve
ser conservado em temperatura entre 2 e 8°C, sem congelamento. Prolastina deve ser
reconstituído com 20mL (500mg) ou 40 mL (1000mg) de água destilada para se obter uma
solução com concentração de 25mg de α1antitripsina por ml.
•
Respira : apresentada sob a forma de solução salina num frasco de 50ml contendo 1000mg de
α1antitripsina para administração endovenosa. Respira deve ser conservado entre 2 e 8°C sem
congelamento.
•
Trypsone : α1antitripsina humana sob a forma de pó com conteúdos de 500 e 1000mg e que deve
ser diluído em 25 ou 50 mL de água destilada, respectivamente. Deve ser conservado em
temperatura até 30°C, sem congelamento.
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