Crescimento, se houver, não virá com distribuição de renda

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Portal Vermelho, 16 de maio de 2016
Crescimento, se houver, não virá com
distribuição de renda
Na avaliação do economista e professor da UFRJ, João Sicsú, a gestão de
Michel Temer aplicará um novo modelo econômico e social, cujos
componentes são “arrocho salarial, redução do Estado e de sua eficiência e
sequestro do Orçamento e de direitos sociais e trabalhistas”. Cético em
relação à aposta de Temer na recuperação via setor privado, ele alerta que,
mesmo que o país volte a crescer, isso acontecerá sem distribuir renda e
riqueza – como na ditadura de 1964, comparou.
Por: Joana Rozowykwiat
“Sabemos o que esse grupo que tomou o governo pela via do golpe pensa. É
um modelo de grande retrocesso para a sociedade, especialmente para os
trabalhadores e para a juventude”, disse, em entrevista ao Portal Vermelho.
De acordo com Sicsú, o novo ministro da Fazenda, Henrique
Meirelles, pauta seu trabalho pela ideia de que “quanto menos governo,
melhor”. Para ele, contudo, trata-se de uma visão “antiga e malsucedida”.
Segundo o professor, Meirelles prega “um Estado fraco e ineficiente, com
grandes empresas e bancos dominando a economia (...) Ele tem uma visão
em que o mercado é a instituição mais importante. Mais importante que o
governo, mais importante que a própria sociedade”, criticou.
O professor defendeu que economias fortes são aquelas que têm ao
seu lado também um Estado fortalecido. “Não devemos ter nenhuma
vergonha de dizer que queremos ter um Estado forte, porque um Estado forte
tem uma sociedade com direitos e uma economia mais dinâmica. É um tripé
de avanço”, opinou.
De acordo com ele, duas medidas anunciadas neste início de governo
Temer são indicações de que o Estado “vai definhar” e se tornar ineficiente.
“Dois exemplos básicos: vão cortar 4 mil cargos comissionados, que são
então 4 mil pessoas desempregadas. E vão tirar o caráter de independência
da Controladoria Geral da União”, citou.
Temer, na verdade, extinguiu a CGU, instância de governo
responsável por combater a corrupção no funcionalismo público. Em seu
lugar, criou o Ministério da Transparência, Fiscalização e Controle. Vários
especialistas têm alertado para o risco de a mudança enfraquecer a
independência do órgão no combate à corrupção e significar a perda do poder
de auditar instituições do governo federal.
Arrocho salarial
Para Sicsú, a dupla Temer-Meirelles atuará no sentido de desvalorizar
o salário mínimo, base de toda a política salarial para a população de baixa
renda. “Os rendimentos dos trabalhadores com até três salários mínimos são
muito importantes para economia a brasileira, do ponto de vista social. Mais
de 92 % dos trabalhadores brasileiros ganham até três salários mínimos.
Então desvalorizar o mínimo é o mesmo que promover arrocho salarial
generalizado”, condenou.
O economista afirmou que se trata de “uma cópia” do que foi feito no
modelo econômico da ditadura. “É uma novidade antiga que esse modelo
Temer-Meirelles quer trazer para a economia: arrocho salarial e fim de
direitos trabalhistas, para reduzir custos empresariais e sequestrar o
Orçamento, transferindo renda para grandes empresas e bancos”, disse.
Crescer o bolo, sem dividí-lo
Sicsú apontou ainda outra semelhança com as diretrizes aplicadas
durante a ditadura. Para ele o projeto de crescimento econômico do atual
governo, que se apoia na iniciativa privada, mesmo que seja bem-sucedido,
não deve ajudar a combater as desigualdades do país – da mesma forma que
ocorreu nos anos de chumbo.
O professor resgatou que, na ditadura, o crescimento veio
acompanhado de concentração de renda e riqueza. “É isso que pretendem.
Acho difícil conseguirem fazer economia crescer. Acho mais fácil
conseguirem que haja novo período de concentração de renda e riqueza”,
afirmou.
Nos primeiros pronunciamentos de Temer e Meirelles, na semana passada,
ambos definiram como prioridades as reformas trabalhista e previdenciária.
Para Sicsú, a principal ofensiva será para flexibilizar a CLT, o que pode
ocorrer caso o Congresso aprove projeto que coloca acordos trabalhistas
acima da legislação vigente.
“Se aprovada essa legislação nova, vamos ter custos trabalhistas e direitos
trabalhistas reduzidos na mesma proporção. É essa ideia de que empresário
tem que ter custo baixo. Grande empresas e bancos terão vida muito mais
fácial daqui para frente”, lamentou, em relação às prioridades do governo
atual.
Previdência na berlinda
Para Sicsú, a incorporação da Previdência ao Ministério da Fazenda,
levada a cabo na reforma administrativa de Temer, é um símbolo muito
negativo. “Significa que o Orçamento da Previdência será visto apenas pela
ótica contábil e poderá ser sequestrado para outras finalidades que não sejam
a Previdência Social”, lamentou.
O professor defendeu que a Previdência está muito mais relacionada à
área social que à Fazenda e classificou a junção como um “grande
retrocesso”. Sicsú criticou ainda a “velha discussão” sobre se a Previdência
deve ser financiada apenas por aqueles que serão beneficiários ou por toda a
população.
“Previdência social de um país, para ser eficiente como instrumento de
estabilização e organização social, tem que ser financiada por toda a
sociedade e oferecer benefícios a todos, e não ser uma caixa contábil entre
quem paga e quem recebe. Isso aí é para os fundos de pensão privados”,
opinou.
Na sexta-feira (13), o novo ministro da Fazenda disse que a reforma
da previdência deve ser feita preservando direitos adquiridos, mas
reconheceu que, para ele, o conceito de direito adquirido “é impreciso”. Ele
também defendeu que se estabeleça uma idade mínima para a aposentadoria.
A proposta é criticada pelas centrais sindicais, inclusive, a Força Sindical,
do deputado federal Paulinho da Força (SD-SP), um aliado de Temer no
processo de impeachment.
A junção da Previdência com a Fazenda ocorreu no bojo da reforma
que reduziu número de ministérios de 32 para 25. Analistas e a mídia
especializada, contudo, têm informado que a mudança não deverá gerar
economia para os cofres públicos e servem mais para apontar como a nova
gestão enxerga as áreas do governo. “A rigor, o dinheiro poupado com as
medidas não irá além do salário das autoridades”, diz matéria da Folha de
S.Paulo.
Crescimento incerto
De acordo com Sicsú, a política econômica anunciada até então vai na
contramão daquilo que seria mais indicado para fazer o país voltar a crescer.
“A economia precisa agora de um Estado presente, de política econômicas
bem potentes, investimento público, distribuição de renda, geração de
emprego. E a economia brasileira não vai ter isso”, colocou.
Segundo ele, ao que tudo indica, o investimento público e as políticas
sociais serão reduzidos. A própria mídia já anunciou que Temer estuda que
o Bolsa Família tenha foco apenas nos 5% mais pobres do país, o que
significará diminuir o número de beneficiários do programa.
“Isso prejudica muito a economia, porque dinheiro do Bolsa Família, da
Previdência Social é dinheiro que vai para a economia, que dinamiza a
economia. Esse governo não tem nenhuma intenção de fazer políticas
econômicas via Banco do Brasil, Caixa Econômica, não vai realizar
investimentos. A economia vai ficar patinando. E os salários, que são
importantes para a economia, tendem a ser reduzidos”, criticou.
Setor privado medíocre
Crítico e descrente, então, da ideia encampada por Meirelles de que a
atividade econômica será recuperada a partir do investimento privado, Sicsú
avalia que, em um momento de crise, nada garante que empresários
terão ânimo de investir e fazer crescer a economia.
“O modelo [que será adotado] é de esperar a recuperação estimulada pelo
setor privado, mas o setor privado brasileiro é muito medíocre, jamais vai
colocar o seu dinheiro, antes de o governo ter colocado o seu. Não acredito
em recuperação. Mas desculpas não faltarão nos próximos meses e anos, para
dizer que é tudo responsabilidade do PT e de seus aliados”, previu.
Segundo ele, o setor privado investe sempre em busca de lucro e a
simples mudança de governo não dará confiança aos empresários. “Não
existe confiança em político, nem declaração mágica. Sempre facilita, claro,
ter uma liderança, um estadista. Uma coisa é ter um Lula como presidente.
Outra é ter Michel Temer. Já começa o governo fracassado. Mas isso poderia
ser amenizado, se o governo tivesse políticas econômicas potentes”, opinou.
Se o governo não investir, o setor privado certamente também não irá,
defendeu. “Eles vão em busca do lucro. E a economia está paralisada. Quem
é que vai realizar investimentos agora? Ninguém. Quem vai realizar
investimentos porque o Temer deu um golpe ou porque não deu? A economia
é movida pelo lucro e no momento não existe expectativa de lucro”, resumiu.
Se a possibilidade de crescimento é incerta, Sicsú não tem dúvidas, no
entanto, a respeito de quem seriam os beneficiários de uma eventual
recuperação. “Se vão realizar investimento ou não, se vão fazer a economia
crescer ou não isso não é garantido. Mas, se crescer, a ideia é crescer para
acumular mais riqueza para o andar de cima, e não para distribuir riqueza.
Crescimento, a partir de agora, é algo que não beneficiará mais a maioria da
população. Se acontecer, vai ser para beneficiar mais ainda grandes
empresários e banqueiros”, encerrou.
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