Botânica: registros científicos para conhecer

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Prática pedagógica
Botânica: registros
científicos para conhecer
Explore ao máximo o estudo das plantas e oriente o
desenho científico
Bruna Escaleira
Ariane Alves
Uma das experiências mais clássicas do início da vida escolar é plantar uma
semente de feijão em um pequeno recipiente e presenciar seu
desenvolvimento. A escolha do feijoeiro não é apenas tradição. "O feijão é
uma semente bem acessível em todo o país, faz parte da alimentação do
brasileiro e tem um ciclo de vida rápido e curto, fácil de observar em sala de
aula", explica Thais Lucy Ogeda, tutora da Abramundo.
Mas, para que os alunos aprendam o processo de germinação, o ciclo de vida
das plantas e suas características morfológicas, apenas a observação não é
suficiente. O papel do professor é estimular a construção do pensamento
científico, propondo atividades que desenvolvam competências como a
coleta e a comparação de dados, bem como a articulação de relações de
causa e efeito.
Em um semestre de trabalho consistente, a professora Luciana Sayuri
abordou o conteúdo de botânica com os alunos de 2º ano da escola HeiSei,
na Zona Norte de São Paulo. Tudo começou com uma roda de conversa sobre
os feijões trazidos pela professora. A intenção era levantar hipóteses sobre o
nascimento da planta para compará- las com o que seria observado na
prática.
Ela conta que as crianças já sabiam que o feijoeiro nasce de uma semente,
mas não conheciam a germinação. Uns achavam que havia uma planta
pequena dentro da semente esperando para sair, outros propunham que
algo mágico na terra a faria brotar - provavelmente, uma alusão a história de
João e o Pé de Feijão. Então, os alunos abriram os feijões e, com a ajuda de
uma pequena lupa, observaram atentamente seu interior. Luciana mostrou a
pequena estrutura que daria origem à planta, o embrião.
"O embrião não é exatamente uma miniatura da planta, mas o raciocínio
intuitivo da criança não estava tão longe da realidade", comenta Monique
Deheinzelin, doutora em Psicologia e Educação pela Universidade de São
Paulo (USP). É importante que o
professor considere a hipótese do
aluno e aprofunde o conteúdo,
para que ele desenvolva o
pensamento científico, criando um
conhecimento mais abrangente e
embasado.
O levantamento de hipóteses e a
observação são essenciais para o
estudo científico, mas não se deve
parar por aí. "É possível ver que a
semente se transforma numa
planta, porém, o processo da
germinação não é visível a olho nu.
O que precisa acontecer para que
o embrião se desenvolva?",
questiona Monique. Para
responder a perguntas como essa,
ela indica que o professor realize
uma pesquisa com a turma. Uma
boa fonte de informação é o vídeo
do fotógrafo Daniel Csobot que
coloca em evidência detalhes da
germinação por meio de imagens
ampliadas.
Na aula seguinte, as crianças
botaram a mão na massa.
Divididas em trios, plantaram as
sementes em vasos com terra e
ficaram responsáveis por regá-los.
Depois de quatro dias, já era
possível observar a germinação
dos feijoeiros no parapeito da
janela. Como sua flor é muito pequena e Luciana pretendia estudar a
reprodução vegetal, também foram plantadas açucenas, que têm uma flor
maior, com estruturas mais evidentes.
Ao plantar as açucenas, a professora mostrou seu bulbo e explicou que a
semente não é a única estrutura que origina uma nova planta. "Vendo que as
características morfológicas do bulbo e da semente são diferentes, os alunos
aprofundam o conhecimento sobre a reprodução das plantas", diz Luisiana
Carneiro, doutora em Biodiversidade Vegetal pelo Instituto de Botânica de
São Paulo.
Registro visual
Durante todo o semestre, o
registro visual foi importante
para que as crianças
acompanhassem o
desenvolvimento das plantas.
Periodicamente, a professora
pedia aos alunos que
desenhassem os feijoeiros
exatamente como os viam. Eles
também mediam o crescimento
do caule e das folhas com a
régua e anotavam os valores
numa tabela. Luciana explicou
que, no universo científico, uma
análise baseada só em
desenhos pode ser imprecisa,
por isso é interessante legendar
as imagens com frases que
resumam o observado, por
exemplo: "Essa semana
nasceram mais duas folhas".
A ilustração científica não é útil
apenas em sala de aula. Na
história da ciência, os desenhos
são amplamente utilizados para
registrar e disseminar
descobertas. É interessante
expor as crianças a ilustrações
profissionais, mesmo que elas
ainda não dominem todos os seus detalhes.
Buscando aprimorar os registros, a professora questionava a função de cada
elemento desenhado. Se o aluno inventasse um detalhe a mais só por achá-lo
bonito, ela esclarecia que o objetivo do desenho científico é a coleta de
dados. Com o tempo, as crianças passaram a ter mais rigor ao desenhar e
legendar o que viam.
Depois de algumas semanas, o ritmo de crescimento do feijão, que não é
linear, começou a diminuir. Os alunos, então, se voltaram para as açucenas,
que já haviam florescido. A professora identificou as partes feminina e
masculina das flores, e a turma as desenhou no caderno, usando setas e
legendas para identificar suas estruturas.
O próximo passo foi estudar a polinização: com cotonetes, as crianças
retiraram pólen das anteras da flor (parte masculina) para depositá-lo no
estigma (parte feminina) de outra flor e induzir a reprodução. Para explicar
que a polinização não ocorre dessa maneira na natureza, a professora
passou um vídeo que mostra insetos realizando o mesmo processo e
acrescentou que o vento desempenha papel semelhante.
A riqueza do inesperado
O feijão de um dos grupos apodreceu e mofou. Diante do imprevisto, Luciana
convocou uma roda de conversa para levantar hipóteses sobre suas causas.
Alguns alunos lembraram que aquele vaso tinha sido regado com um copo
maior que os dos outros grupos. Assim, a turma associou o excesso de água à
morte da planta e aprendeu que o mofo é um ser vivo que se desenvolve em
ambiente úmidos, como o feijoeiro; ambos competiram pelos nutrientes do
solo e a planta morreu.
Para Thais, é importante que o professor discuta com o grupo que não é só
porque a planta morreu que a experiência falhou. "Qualquer coisa que
acontece é parte do experimento e merece investigação. Tudo tem um
porquê e pode servir para enriquecer a investigação", comenta.
Para avaliar o aprendizado, Luciana pediu que os alunos montassem o ciclo
de vida do feijoeiro colocando em sequência as fotos que ela tirou ao longo
do semestre. Para Thaís, também é importante que o professor faça rodas de
conversa. "Pelos comentários e pelo tipo de palavra que as crianças usam, é
possível ver quanto elas aprenderam", aponta. "Muitos alunos pensam que o
bulbo é uma semente gigante antes de entender seu conceito, por exemplo.
Ao final do ciclo, demonstram saber que sementes e bulbos são estruturas
diferentes, mas têm a mesma função", conta.
Desenho científico
No ensino de Ciências, é
fundamental que o professor
estimule o aluno a registrar aquilo
que observa durante as aulas.
"Muitos acham que o desenho só
serve para crianças que ainda não
escrevem, mas sua valorização
deve continuar por toda vida
escolar", aponta Thaís.
No entanto, não basta deixar o aluno desenhar por conta própria. Primeiro,
ele deve indicar se o desenho representa o que realmente vê ou uma
hipótese e indicar com um título, por exemplo: "Como eu imagino uma
semente por dentro". Outro aspecto importante é o uso da escala: a princípio,
o vaso será maior que a planta; depois, o contrário.
Endereço da página:
https://novaescola.org.br/conteudo/1992/botanica-registros-cientificos-para-conhecer
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Publicado em NOVA ESCOLA Edição 281, 01 de Abril de 2015
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