Modalidade: Mesa Redonda GT: Artes visuais Eixo Temático: Múltiplas culturas, interculturalidade e inclusão: metamorfoses contemporâneas. Titulo da Mesa: ENSINO DE ARTE E DIVERSIDADE CULTURAL ARTE E ARTESANATO NAS AULAS DE TECELAGEM: RESSIGNIFICANDO OLHARES SOBRE A CULTURA POPULAR NO CONTEXTO MEXICANO. Vanessa Freitag (UGto, Guanajuato, México) RESUMO: O presente artigo objetiva discutir sobre a importancia de se construir olhares mais significativos em torno à cultura popular tomando como ponto de partida, a experiência prática de estudantes universitários com a linguagem têxtil. Nesse sentido, a base empírica deste texto se fundamenta nas aulas de tecelagem impartidas numa instituição de ensino superior da cidade de León, México e que forma gestores culturais. Durante dois semestres letivos (agosto de 2013 a junho de 2014), se trabalhou com dois grupos de 18 estudantes do bacharelado em Cultura e Arte da referida instituição, onde se abordou temáticas que relacionavam o fazer artesanal com o artístico através da linguagem têxtil. Além disso, se pretendeu ressignificar os modos de ver o oficio artesanal na formação dos futuros gestores culturais. Se realizou um exaustivo registro fotográfico sobre o processo criativo de cada estudante e um questionário para avaliar a percepção dos mesmos sobre as aulas de tecelagem e acerca do conceito de cultura popular construídos ao longo das sessões. Palavras-chave: arte e artesanato; linguagem têxtil; processo criativo; ARTE Y ARTESANÍAS EN LAS CLASES DE TELARES: RE-SIGNIFICANDO MIRADAS EN TORNO A LA CULTURA POPULAR EN EL CONTEXTO MEXICANO. RESUMEN: El presente artículo busca discutir sobre la importancia de construirse miradas más significativas en torno a la cultura popular tomando como punto de partida, la experiencia práctica con el lenguaje textil en el contexto universitario. En este sentido, la base empírica de este texto se fundamenta en las clases de telares tradicionales impartidas en una institución de enseñanza superior que forma a gestores culturales en la ciudad de León, México. A lo largo de dos semestres (agosto de 2013 a junio de 2014) se ha trabajado con dos grupos de 18 estudiantes de la licenciatura en Cultura y Arte de la referida institución, donde se ha abordado temáticas relacionadas con el quehacer artesanal y artístico a través del lenguaje textil. Además, se buscó re-significar los modos de concebir el oficio artesanal para la formación de los futuros gestores culturales. Se ha realizado un exhaustivo registro 1 fotográfico sobre el proceso creativo de cada estudiante y un cuestionario para evaluar la percepción de los mismos sobre las clases de telares y acerca del concepto de cultura popular construido a lo largo de las sesiones. Palabras-clave: arte y artesanía; lenguaje textil; proceso creativo. 1 Introdução Como trabalhar a cultura popular no contexto universitário? Quais são os olhares construídos pelos estudantes sobre a arte popular? Como ressignificar esses olhares em torno à diversidade cultural e artística durante a formação universitária? As respectivas interrogantes fundamentam a construção desse texto cujo propósito é refletir sobre a experiência didática realizada durante as aulas de tecelagem com estudantes do curso de Cultura y Arte. Com isso, busco compartilhar o processo de formação de olhares sobre as práticas artesanais no âmbito universitário mexicano. As aulas se caracterizaram pela aproximação gradativa dos estudantes à linguagem têxtil, às suas histórias de vida e sobretudo, à sua formação como profissionais no campo da arte e cultura. Grosso modo, a ideia do presente texto é gerar um espaço de diálogo e reflexão sobre o ensino da arte em contextos de diversidade cultural. Entendo como diversidade cultural as manifestações artísticas criadas por distintos grupos sociais e com múltiplos propósitos (Bourdieu, 1979; Chalmers, 2003; Eisner, 2003; Novelo, 2002; Barbosa, 2009). Entre elas, podemos destacar os grupos folclóricos, os artistas populares, a arte urbana e os coletivos de artistas, entre outros. Me interessa discutir especialmente, o papel da arte que se produz em contextos não formais, sua incidência e recepção nas aulas de artes e para a formação integral do aluno. Se defende a postura de que tanto a arte contemporânea, portanto, erudita e legitimada, como a arte popular (muitas vezes desqualificada pelos alunos e professores) devem ser problematizadas e trabalhadas seriamente em espaços não formais assim como, em espaços escolares e universitários. Como qualquer outro campo do saber, a arte também está socialmente construída e reflete ideologias, experiências e valores que são próprios de uma determinada cultura. Neste sentido, é importante questionar esses saberes e valores que muitas vezes são trabalhados de forma irreflexiva no ensino de arte e com isso, ampliar o olhar sobre as produções artísticas que lidam com outros códigos que dialoguem com a pluralidade cultural. O contexto deste estudo se refere à minha atuação como professora universitária no curso de “Cultura e Arte” cujo propósito é formar estudantes para atuarem como gestores culturais. Como tal, a escola tem uma série de ateliês cuja finalidade é a sensibilização dos alunos nas linguagens artísticas e artesanais. Durante seis semestres, os mesmos podem conhecer e praticar diversas linguagens e aprender técnicas e princípios básicos de cada ateliê. A intenção desses ateliês nao é formar artistas, muito menos professores de arte (embora alguns trabalhem como tal), mas a de “sensibilizar” o futuro gestor nas linguagens artísticas. Portanto, a estrutura do texto está constituida da seguinte forma: num primeiro momento, se fará uma breve contextualização sobre o panorama artesanal no México (algumas problemáticas vividas pelos produtores e as possibilidades do artesanato neste contexto); posteriormente, se apresentará algumas características da linguagem têxtil; finalmente, se discutirá alguns resultados da pesquisa e o trabalho desenvolvido no ateliê de tecelagem propriamente dito. 2 2 Breve panorama sobre o trabalho artesanal mexicano. El artesano representa la condición específicamente humana del compromiso (Sennett, 2009). Sendo uma das práticas mais conhecidas e reconhecidas no contexto mexicano, o artesanato conserva suas características tradicionais apesar do tempo e das dificuldades enfrentadas pelos seus criadores. Neste sentido, se pode dizer que no México o trabalho artesanal vive uma paradoxa: por um lado, pobreza, doenças, carências e exclusão são sinônimos dessa atividade de raiz tão antiga; por outro, se glorifica e se enaltece com orgulho as mãos criativas do povo mexicano capaz de traduzir em cores, formas e materiais, tradições que resistem ao tempo e às novas tecnologías. O certo é que sobreviver com tantas dificuldades para manter o ofício ativo e vivo entre as novas gerações de artesãos tem sido um dos principais desafios dos artesãos atualmente. Nesse país, de norte a sul, se observam tipos de artesanatos muito variados que exploram as características climáticas e a matéria-prima de cada contexto, sem contar a hibridização de crenças religiosas e profanas que também servem como referentes para criar trabalhos inventivos. De acordo com Novelo (2002), os artesãos mexicanos pertecem ao extrato mais baixo dessa sociedade, já sejam indígenas ou mestiços; camponeses ou citadinos; homens e mulheres; adultos e anciãos. Ser artesão e ser indígena significa viver duplamente a exclusão social, os olhares que recriminam, minizam e ridicularizam as raízes mexicanas. Considerado desde a Revolução Mexicana (1910) como um dos “símbolos” que identificam este povo, o trabalho artesanal somente é visto com orgulho quando convêm a uma determinada clase social (especialmente, com propósitos políticos). Mas para entender um pouco mais a dimensão do ofício neste contexto é importante resgatar algumas definições de “arte popular” e “artesanato” na perspectiva de alguns pensadores mexicanos. No México, artesanato não é, necessariamente, sinônimo de manualidades. No entanto, é sim um trabalho manual, na maioria das vezes familiar, transmitido de uma geração a outra (de famílias com cinco ou mais gerações dedicadas ao ofício), que mantém a memória coletiva de um grupo ou sociedade e que serve de catalizador de tradições esquecidas. Para Scheffer (1987), como cultura popular se refere a um determinado povo produtor de elementos culturais diversos, criativos, expresivos e artísticos. Além do mais, se refere aos costumes que se transmitem de uma geração à outra de maneira não institucionalizada (ou seja, a través da experiência direta com a prática artesanal) e finalmente, a tudo aquilo que se aprende de modo espontâneo como resultado da vivência do individuo com o seu meio. Neste sentido, os artesãos costumam ter um refinado sentido estético no trabalho que realizam: cada nova peça, cada nova linha artesanal, cada cor e material utilizado, imprimem uma função que supera a necessidade inicial de responder à uma utilidade prática ou cotidiana. Caso contrário, que sentido tem decorar cada nova peça? desenhar formas diversas sobre a superficie dos objetos, inundar de cores e texturas a simplicidade das coisas feitas a mão? Para Pomar 3 (2008:29, tradução livre da autora), os objetos denominados como “arte popular” possuem quatro características, a saber: A concepção que tem o seu criador de acordo com a cultura da qual provêm; Os materiais que pode ter ao seu alcance e que são provenientes do entorno em que vivem; A capacidade criativa do artesão; A demanda que eles possuem na comunidade onde se manufaturam. Enquanto os artesãos imprimem um caráter estético y representativo de uma dada cultura a objetos criativos e inovadores, o artesanato possui, além do mais, uma função social específica: conservação e preservação das costumes tradicionais de um povo, traduzido na indumentária tradicional e festiva, na produção de utensílios domésticos, na simbología cerimonial e nas festividades de uma determinada sociedade ao longo do tempo. De acordo com Franco Frías (2005, p. 16) a arte popular é “o trabalho tradicional do artesão que agrega um elemento de beleza o de expressão artística ao carácter utilitario do objeto ou sua função na vida social”. Isto quer dizer que a arte popular é uma expressão artística de carácter utilitário, mas não se trata de uma regra. Dentre a diversidade de objetos criados pelos artesãos, me interessa dedicar algumas linhas à produção têxtil. No próximo apartado, se apresentam brevemente as principais características dessa linguagem, aspectos históricos e a situação do trabalho artesanal no contexto mexicano. 2.1 Linguagem têxtil: entre arte e artesanato. A linguagem têxtil é considerada um dos elementos mais significativos da cultura mexicana onde se vê refletida sua extraordinaria diversidade cultural. A tradição têxtil neste país remonta à época pré-hispânica com a produção de diferentes tecidos e tapetes através do tear de cintura. A maioria dos materiais utilizados para tecer provinham de fibras vegetais tais como, algodão e palmas, além disso, de algumas plumas de aves, peles e pelos de animais, com a finalidade de complementar os adornos e estrutura do tecido. A finalidade dos teares era a produção de tapetes, cobertores, banderas e especialmente, a confecção da indumentária de diversas clases sociais: a maioria da população usava um traje simples, feito de fibras naturais e sem adornos; já os guerreiros, sacerdotes e dirigentes tinham o direito de vestir-se com certa sofisticação e usavam trajes com brocados muito coloridos, com plumas e adornos de pedras preciosas, além de bordados com um importante conteúdo cultural (YLLADES, 2009, p.09). Um dos teares mais antigos e tradicionais que ainda se usam em muitas regiões do México, é o tear de cintura. A eficiência técnica e a facilidade de transportá-los para qualquer lugar consiste numa de suas principais características. Nesses teares, a largura do tecido não podia ultrapassar a extensão dos braços de quem os tecia. Os tecidos ocupavam uma posição importante nas sociedades préhispânicas caracterizadas por conteúdos simbólicos, ritualísticos e religiosos. 4 Figura 01. Diosa Xochiquétzal. Figura 02. Telar de cintura, Zinacatán, Chiapas. Fonte: http://www.mexicodesconocido.com.mx/fotossemana-artesanias-zinacantan-chiapas.html Figura 03. Estructura del telar de cintura. Fonte: http://www.arts-history.mx Tecer era uma atividade que desde a época pré-hispânica estava associada ao gênero feminino. Ainda na infância, as meninas eram incentivadas e incorporadas pouco a pouco, na arte têxtil. Aos quatro anos de idade, já sabiam os primeiros passos do ofício ao brincar com os instrumentos relacionados com o tear. Quando completavam 16 anos, já estavam preparadas para realizar qualquer labor no tear e consequentemente, estavam prontas para contrair matrimônio. De acordo à cosmovisão da cultura mexica, Xochiquétzal (Xochi=flor; Quetzal= hermosa) é considerada a deusa protetora dos tecedores e a primeira entidade a tecer e a transmitir os saberes do ofícios aos homens. Também é considerada a deusa da fertilidade, representando a íntima relação desta prática com a chuva e o surgimento de uma nova vida. Tecer era uma 5 atividade predominantemente feminina e que se realizava no seio familiar (YLLADES,2009). Devido a fragilidade dos materiais usados para tecer e das inconstâncias climáticas, lamentávelmente contribuiram no processo de deterioração da maioria dos têxteis mexicanos. Grande parte da história desses tecidos se encontram nos murais de sítios arqueológicos, nas figuras de alguns objetos cerâmicos, nos códices e esculturas pré-hispânicos. A linguagem têxtil possibilita a apropriação de materiais diversificados e com isso, a construção de tecidos para diferentes usos e significados. É interessante observar como alguns artistas contemporâneos usam esta linguagem e suas técnicas para produzir objetos artísticos, caracterizados como arte contemporânea (a exemplo, se cita o trabalho da artista Joana Vasconcelos, Cecilia Martínez, Eliza Bennett, Sue Stone, entre outros). Muitas vezes, as obras criadas não ultrapassam os limites da bidimensionalidade do têxtil e se enfocam na pesquisa de diferentes texturas e materiais inovadores na criação de tapizes (específicamente para parede). Outros se interessam em explorar as possibilidades espaciais e a construção de cenários (instalações) mediados pelas peças criadas através da trama e urdumbre. Vejamos algumas experiências tidas durante as aulas de tecelagem no contexto universitário. 3 Aulas de tecelagem: modos de significar o olhar sobre o artesanato mexicano. Me parece importante dedicar este apartado para refletir sobre a experiência prática tida nas aulas de tecelagem com estudantes do curso de Cultura y Arte de uma instituição do ensino superior no México. Como responsável pela disciplina, meu propósito foi trabalhar a revalorização dos oficios artesanais através da experiência direta e investigativa numa linguagem em específico: a arte têxtil. Enquanto aos aspectos pedagógicos da disciplina, se buscou aproximar gradativamente os estudantes à linguagem têxtil, aos principios técnicos e terminologias que se usaria ao longo do curso, assim como, à construção de seus próprios teares (com bastidor de prego). Num primeiro momento, o domínio da técnica foi uma prioridade das aulas posto que só assim, os alunos poderiam criar e usar uma variedade de materiais para produzir suas peças. As sessões foram divididas em quatro módulos ao longo do semestre: cada nova etapa, se fazia uma introdução teórica e leituras específicas sobre diferentes tipos de possibilidades técnicas e expressivas no tear; exemplos de artistas e artesãos que se dedicavam a explorar a linguagem têxtil e o contexto de produção dos principais representantes da cultura têxtil no México. As aulas eram complementadas com a pesquisa de materiais, desenhos e trabalhos por parte dos alunos, a fim de que investigassem sobre os diversos grupos indígenas produtores de têxteis no país e também, de artistas que se dedicavam à produção de tapizes. A fim de conhecer quais eram as expectativas iniciais dos estudantes antes de começar o curso e o que foi mais significativo para os mesmos ao terminar as aulas, se aplicou um breve questionário em que relatariam suas experiências durante as atividades realizadas. Entre algumas das respostas registradas, se mencionam: 6 As aulas de tecelagem sempre me chamaram muito a atenção, acho uma atividade realmente artística os trabalhos feitos com esta técnica. Minhas expectativas sempre foram poder aprender a realizar a técnica com as minhas próprias mãos, pra falar a verdade, nao pensei aprender a fazer mais de uma técnica e foi o que aconteceu, dado que realizei mais de cinco trabalhos com técnicas mistas” (Aluna 1, dezembro de 2013). Antes de começar as aulas tinha uma ideia sobre o que ia fazer, sabia que queria aprender e que ia servir como um exercício de distração e concentração. Depois do curso, posso dizer que definitivamente as aulas superaram minhas expectativas, posto que não somente levo comigo os conhecimentos que foram compartilhados, mas também levo uma maneira diferente de ver as coisas e uma maneira distinta de viver. Aprendi muito mais do que esperava e não só isso, pude refletir sobre o que acontecia comigo; a paciência é algo que levo e também aprendi a valorizar as coisas (Aluna 2, dezembro de 2013). Cuando comecei o curso minhas expectativas eram baixas, já que não tinha certeza que tipo de técnicas utilizaríamos nas aulas ou que tão complicadas seriam e conforme foi passando o semestre me senti muito conforme e feliz com as técnicas utilizadas nas mesmas, já que não aprendemos somente as técnicas básicas da tecelagem mas também nossa criatividade.(Aluna 3, dezembro de 2013). Comparado com a variedade de ateliês e linguagens artísticas que a escola possui, o Ateliê de Tecelagem acaba sendo uma opção menos atrativa para a maioría dos alunos (e especialmente, para os alunos do sexo masculino). A maioría dos estudantes que participam do mesmo são as meninas e geralmente chegam a se interessar pela técnica porque já tiveram alguma experiência prévia com crochê ou outras manualidades ou porque visitaram o ateliê num semestre anterior, onde puderam observar as atividades que se realizavam neste espaço. Um dos grandes desafios das aulas de tecelagem é ensinar a paciência e a capacidade de observação e planejamento sobre aquilo que se pretende tecer. Geralmente, os alunos começam de forma intuitiva e realizam trabalhos bastante espontâneos e outras vezes, cometem alguns equívocos que fazem parte do processo de aprendizagem da técnica (pular pontos, puxar demais os fios, cortar a urdumbre, entre outros). No entanto, se mostram muito exigentes sobre o que produzem e se inquietam com muita facilidade, e às vezes, se frustram diante de um trabalho que não ficou bem feito técnicamente. Como professora, preciso estar atenta aos sinais de desânimo dado que a aprendizagem do ofício requer tempo de maduração e exercício constante. Nesses momentos, costumo comentar sobre o tempo que um mestre artesão necessita para realizar trabalhos bem feitos e bonitos e que a experiência tida nas aulas de tecelagem, possam servir para que vejam as coisas desde outra perspectiva, desde um ritmo mais lento, que aprendam a apreciar as coisas feitas à mão, os detalhes e peculiaridades dos materiais usados pelos artesãos, como podemos observar nos testemunhos destas alunas: 7 Aprendi algo muito importante (quase esquecido) que é a paciência. Encontrei um espaço que gerava tranquilidade na minha vida acelerada, além disso, a possibilidade de conviver com novas pessoas e inclusive chegar a estimá-las. Pude construir uma maior consciência sobre este trabalho, o fato de apreciar os distintos fios, o uso do tiempo, o esforço e inclusive as ideologias, crenças e imaginação que um artesão imprime num trabalho. O fato de ter a capacidade (como futura compradora) de não “pechinchar” o trabalho alheio, e difundir este trabalho que identifica o meu país e que forma parte das nossas tradições e costumes que não se deve perdê-las. (Aluna 4, dezembro de 2013). Aprendi a ser paciente, observadora. A valorizar trabalhos como este, saber todo o processo, tempo, material e esforço que representa. Sem dúvida, é uma forma de se comunicar, por este meio, podes transmitir muitas coisas e também muitas outras coisas sobre nossa cultura que se vê refletidas nesses trabalhos. Adorei poder ter a experiência de ver de perto o processo de um tear de cintura, o trabalho e a capacidade que consiste realizar uma única peça desta forma. Realmente, as pessoas não valorizam um trabalho tão delicado que se tem ao realizar artesanato. Tem toda uma carga cultural e tradicional atrás. Desde o processo inicial até o resultado final. Acho que no caso do artesanato não se paga o preço que se deveria pagar, dado que não se conhece os processos que implicam sua realização. No caso da tecelagem, não se tem a mínima ideia do tempo e esforço que se requer para criar um objeto e não só isso, simplesmente não se toma em conta que ao apoiar este tipo de manifestaçoes culturais, estamos resgatando parte das nossas tradições e a essência do nosso povo. (Aluna 5, dezembro de 2013). A intenção das aulas sempre foi a aprendizagem das técnicas e pontos básicos que caracterizavam a linguagem da tecelagem, para num segundo momento, fomentar a criação e experimentação de novas técnicas, texturas, formas e estruturas por parte do aluno. Como podemos observar nos relatos dessas alunas, a participação no ateliê propiciou o aprendizado de conhecimentos, actitudes e valores que foram construidos através da experimentação e significação dos exercícios vivenciados durante as aulas. Com cada novo ponto aprendido (peruano, duplo, tafetá, nós, enlaces, etcétera), os alunos tinham a liberdade para decidir quais materiais e estruturas usariam para criar seus projetos. Esse processo de aprender uma linguagem que era nova para muitos (embora a tradição têxtil seja conhecida entre os mexicanos), comprender a lógica de criação significou diretamente a valorização das práticas artesanais para cada estudante. Como comentado no início deste texto, as artes populares parecem ainda ser pouco trabalhadas no contexto educativo de um modo geral. Por este motivo, conhecer a linguagem se relaciona diretamente com o conhecimento e compreensão de um modo de vida: o artesanal. Neste sentido, Sayer (1998,p.64) reforça o anterior ao dizer que “as escolas governamentais deveriam respeitar as tradições artesanais locais e convidar os mestres artesãos para ensinar no contexto da sala de aula”. Uma das experiências bastante comentadas pelos alunos durante um dos semestres cursados foi a visita 8 de uma artesã indígena que nos brindou uma aula sobre o “tear de cintura”. A técnica em si é bastante rudimentar e usa poucas ferramentas para tecer, mas exige bastante habilidade técnica por parte do tecedor. Este contato com a história de vida da artesã foi importante dado que o tear de cintura é um tipo de trabalho que não se aprende de outra forma se não se tem um contato direto com os artesãos especialistas nesta técnica. Figura 04. Aluna trabalhando no tear de pregos. Junho de 2014, fotografia de Vanessa Freitag. Figura 05. Aluna trabalhando no tear de pregos. Dezembro de 2013, fotografia de Vanessa Freitag. Figura 06. Alunas trabalhando no tear de cintura. Dezembro de 2013, fotografia de Vanessa Freitag. 9 Figura 07. Alunas conhecendo os princípios da tecelagem. Dezembro de 2013, fotografia de Vanessa Freitag. 4 Considerações Finais. Como se pode apreciar ao longo deste texto, embora México seja um país com uma grande riqueza cultural e artística, isso não significa que as mesmas sejam igualmente apreciadas e valorizadas pelos alunos no contexto educativo. Nas aulas de tecelagem, sempre busquei relacionar o trabalho artesanal com o artístico e que os alunos pudessem ver esta prática como uma atividade artística, que comunica, que encanta, que carrega consigo tradições e costumes de um povo, que têm muitas finalidades que não só a de ser útil ou fungir como adorno. Com isso, o maior objetivo das aulas de tecelagem foi o de conscientizar sobre a importância do trabalho artesanal para o povo mexicano e tornar o olhar dos estudantes, um pouco mais receptivo e aberto às diferentes manifestaçoes culturais: “É um setor pouco valorizado, sem dúvida, e que não consegue ser valorizado econômicamente de uma forma adequada e que isto talvez se deva em parte, às mudanças de estilo/estética das pessoas” (Aluna 5, junho de 2014). “Muitas vezes se desprestigia este tipo de trabalho e poderia dizer o mesmo do artesanato de um modo geral. Com este tipo de ateliês (de tecelagem) nos damos conta, de forma muito mais clara e próxima, sobre o trabalho que realmente implica realizar este tipo de atividades. Podemos ver desde uma 10 perspectiva muito mais objetiva e assim, ser mais críticos e apreciar muito mais o que temos” (Aluna 6, junho de 2014). O comentario da aluna 5 é bastante significativo dado que se refere às mudanças no modo como as pessoas veem os oficios artesanais em detrimento de outras linguagens artísticas: mudam-se as formas de ver, mudam-se os gostos e interesses por certos objetos. Desta forma, o ponto é sempre questionarmos sobre como aprendemos a ver e a reconhecer certos tipos de arte, o que influencia nosso olhar a respeito e ao contrário, como invisibilizamos algumas práticas artísticas e tradicionais. Mas isso também se refere à formação do olhar sobre as coisas, como bem reitera Efland (2003:168): “inclusive dentro da comunidade artística profissional, se pode entender as questoes de poder à luz da tendência do mundo da arte de relegar o artesanato ao patamar de arte decorativa e à arte popular ao mero kitsch ou entretenimento”. Neste sentido, quando conocemos, olhamos de modo distinto e cuando olhamos de outra forma, significamos mais intensamente as experiências e damos sentido a outras que nos passavam desapercebidas. Dejar-se seduzir pela arte popular nos permite lentificar a percepção para examiná-la atentamente, para saborear suas qualidades, para reconhecer seus valores e também as similitudes e diferenças com outras culturas. Espero que as experiências relatadas neste texto, possam motivar e contribuir para repensar as atividades artísticas populares nos diferentes espaços educativos de nosso país. 5 Referencias Bibliográficas BARBOSA, Ana Mae (2009) “Arte y Cultura”. Disponible en: Encuentro Nacional sobre Arte y Diversidad Cultural. Perú, 05 al 07 de noviembre de 2009 http://encuentroeducacionarte.blogspot.mx BOURDIEU, Pierre (1979) La Distinción. Criterios y bases sociales del gusto. Taurus: Argentina. CHALMERS, Graeme F. (2003) Arte, Educación y Diversidad Cultural. 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Vanessa Freitag - Doutora em Ciências Sociais com especialidade em Antropologia Social por CIESAS (Centro de Investigación y Estudios en Antropología Social), Sede Guadalajara, México. Mestre em Educação com especialidade em Arte e Educação (UFSM), especialista em Arte e Visualidade (UFSM), Bacharel e Licenciada em Desenho e Plástica (UFSM). Atualmente é professora pesquisadora da Universidad de Guanajuato, Campus León (Estado de Guanajuato, México) e pesquisa arte e cultura popular, arte e artesanato. http://buscatextual.cnpq.br/buscatextual/visualizacv.do?id=K4711524D9 12