Guilherme Figueiredo - Centro de Memória da Unicamp

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Guilherme Figueiredo
Duílio Battistoni Filho
Volume 1
Número 9
Maio 2003
É uma aventura, ao mesmo tempo fascinante e perigosa, mergulhar
na vida de um grande homem. Fascinante pelo desdobramento de cada
etapa da existência da personalidade estudada, e perigosa pela sedução
que nos envolve de tal modo que passamos a ver tudo de elevado tom,
quase incompatível com a vulgaridade corrente.
É o caso de Guilherme Figueiredo. Jornalista, poeta, romancista,
dramaturgo, diplomata e reitor universitário, campineiro nascido a 13 de
fevereiro de 1915, na praça Luís de Camões, local de suas primeiras
travessuras infantis. Foram seus pais Euclides Figueiredo, mais tarde
general e herói da Revolução de 1932, e dª Valentina de Oliveira
Figueiredo. Um de seus irmãos, João Batista Figueiredo, foi, depois,
Presidente da República.
O menino foi crescendo e tomando gosto pelo Direito e pela
Literatura. Formou-se advogado pela Faculdade de Direito do Distrito
Federal, Rio de Janeiro. Naquela época, mais precisamente em 1937, ao
terminar o seu doutorado, a Faculdade, assim como a de São Francisco de
São Paulo, era o foco de agitação mais temido pelo governo Vargas. Dela
partiram as primeiras reações contra o Estado Novo, cuja Carta
Constitucional, elaborada por Francisco Campos inaugurou um regime,
escancaradamente ditatorial, sem qualquer preocupação em disfarçar seu
conteúdo autoritário.
Entretanto, a grande ambição de Guilherme era a literatura. Pela
vida inteira, sofreria as angústias da busca da forma literária ideal e do
termo preciso de linguagem. Todos os documentos constantes de seu vasto
arquivo possuem esta marca personalíssima do autor, contento rabiscos em
todas as páginas, palavras superpostas, cortes de frases inteiras e sua
repetição logo a seguir, numa atividade incessante para encontrar o ponto
de equilíbrio entre as idéias e sua mais apurada forma de expressão. Para
tanto, cercou-se de escritores e intelectuais renomados como foi o caso de
Mário de Andrade, com quem teve longa correspondência.
Nomeado Adido Cultural do Brasil em Paris, foi incansável em
divulgar a cultura brasileira da França, onde promoveu palestras,
espetáculos teatrais e inúmeros eventos artísticos, causando admiração na
sociedade parisiense. Grande andarilho, correu mundo fazendo palestras
ou acompanhando as estréias internacionais de sua obra mais famosa, A
raposa e as uvas. A crítica internacional não poupou elogios a essa obra,
considerada um dos grandes momentos da dramaturgia moderna.
Como autêntico príncipe do Renascimento, sempre foi, na sua
época, o mais relevante protetor e promotor do balé, do teatro e da música
clássica. Uma espécie de Lorenzo de Médici, o mecenas florentino.
Guilherme ajudou a popularizar essas artes no Brasil, e foi com uma peça
sua, Um Deus dormiu lá em casa, que Tônia Carrero e Paulo Autran,
nomes consagrados do nosso teatro, fizeram a sua estréia na ribalta.
Sua produção literária é enorme. Devemos mencionar o livro Trato
Geral dos Chatos, obra carregada de humor; As Excelências, relato ferino
de suas experiências de campanha como candidato à Academia Brasileira
de Letras, para a qual não foi eleito, apesar de ter participado de inúmeras
instituições culturais no país; 14 Rue de Tilsit, onde narra a saga de uma
família campineira em Paris, ao final do século XIX, e muitas outras.
No fim de sua vida publicou A bala perdida, livro de memórias,
notável documento de uma época e retrato de um intelectual que procurou
agir com coerência e autenticidade, mesmo quando isso pudesse provocar
descontentamento. Numa narrativa cheia de emoção, a obra revela, ao lado
de curiosíssimas observações históricas e culturais de um mundo que ele
conheceu tão bem, momentos íntimos vividos ao lado de membros de sua
família e de seus amigos. Em Guilherme Figueiredo, o homem está
nitidamente definido em três palavras: ameno, heleno, sereno. Ameno, pela
cordialidade e finura no trato; heleno, pelo apurado gosto ático das boasletras e das belas-artes; sereno, pela impassibilidade no sucesso ou no
revés. Faleceu em 24 de maio de 1997.
Volume 1
Número 9
Maio 2003
Duílio Battistoni Filho
Professor de história da arte
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