influência do comportamento sedentário sobre o

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Anais do IV Encontro de Iniciação em Desenvolvimento Tecnológico e Inovação – ISSN 2237-0420
23 e 24 de setembro de 2014
INFLUÊNCIA DO COMPORTAMENTO SEDENTÁRIO SOBRE O
PADRÃO ALIMENTAR DE ADOLESCENTES
Beatriz Guerra Lucchini
Carla C. Enes
Faculdade de Nutrição
Centro de Ciências da Vida
[email protected]
Grupo de Pesquisa: Epidemiologia e Saúde
Centro de Ciências da Vida
[email protected]
Resumo: O objetivo foi investigar a associação entre o
tempo de televisão e o consumo alimentar de
adolescentes escolares. Participaram do estudo 815
adolescentes de ambos os sexos, selecionados
probabilisticamente em escolas da rede pública de
Piracicaba-SP.
Foram
obtidos
dados
sociodemográficos,
antropométricos,
maturação
sexual, consumo alimentar habitual (QFA) e tempo
despendido em frente à TV. Avaliou-se a adequação do
consumo médio (porções/dia) de sete grupos
alimentares conforme recomendação do Guia
Alimentar Brasileiro. O tempo de TV foi obtido a partir
do total de horas diárias dedicadas a assistir televisão
durante a semana e aos finais de semana e os
adolescentes foram classificados em duas categorias
(<2 horas/dia e >2 horas/dia). Utilizou-se o teste tstudent para avaliar a diferença de médias. A relação
entre variáveis independentes e tempo de TV foi
testada pela análise bivariada e a regressão logística
foi utilizada para ajustar fatores de confusão e
identificar interações. A força de associação foi
mensurada usando-se odds ratio (OR) e seus
intervalos de confiança de 95%. Os adolescentes que
permanecem mais tempo em frente à TV consomem
mais leite e derivados (p=0,03), açúcares e doces
(p=0,01) e refrigerante (p=0,02). Na análise bivariada
observou-se que o baixo consumo de frutas, consumo
excessivo de doces, açúcares e refrigerantes e a
menor idade, estavam associados ao maior tempo de
TV. Na análise multivariada, hábitos alimentares não
saudáveis como a baixa ingestão de frutas (0,007) e
consumo elevado de doces e açúcares (0,048)
permaneceram independentemente associados ao
tempo de TV. Os adolescentes que permanecem
tempo excessivo em frente à TV devem ser
encorajados a adotar uma prática alimentar mais
saudável, já que a alimentação inadequada e o
sedentarismo, sobretudo em associação, aumentam o
risco para o desenvolvimento de doenças crônicas
ainda na adolescência.
Palavras-chave: televisão, consumo
adolescentes, comportamento
alimentar,
Área do Conhecimento: Ciências da vidaSub-Área: Análise nutricional de população
1. INTRODUÇÃO
A redução do nível de atividade física entre os
jovens, resultado do maior tempo dedicado a assistir
televisão, jogar videogame e usar o computador, é
reconhecida como um fator de risco para a
1-3
obesidade entre crianças e adolescentes .
Alguns mecanismos têm sido propostos na
tentativa de explicar como a TV influencia o ganho
de peso. A redução do gasto energético pode ser
destacada, tendo em vista que se trata de uma
atividade sedentária, além de reduzir o tempo
dedicado a outras atividades físicas ativas. Outro
mecanismo é o efeito que a televisão exerce sobre
4
o consumo alimentar .
Durante o tempo dedicado a assistir televisão,
os adolescentes não apenas reduzem seu gasto
5
energético , mas são expostos a inúmeros
comerciais e anúncios que podem influenciar as
preferências alimentares e o consumo em curto
3,6
prazo .
Estudos comprovam que o hábito de assistir
televisão está associado à adoção de padrão
alimentar não saudável entre crianças e
adolescentes, incluindo o consumo de alimentos
industrializados com elevado teor de sódio, açúcar e
gordura, além do baixo consumo de frutas, legumes
7-9
e verduras .
O objetivo desse estudo foi investigar a
associação entre o tempo de televisão e o consumo
alimentar de adolescentes escolares.
2. MÉTODOS
Trata-se de um estudo transversal realizado com
815 adolescentes de ambos os sexos, com idade
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entre 10 e 19 anos, selecionados probabilisticamente,
de escolas públicas de Piracicaba-SP. Pesquisadores
treinados realizaram as entrevistas, usando um
questionário estruturado com perguntas sobre os
aspectos sociais, demográficos e de estilo de vida dos
participantes. Ao final da entrevista, procedeu-se a uma
avaliação clínica que incluiu medidas antropométricas
(peso corporal, estatura e circunferência da cintura
[CC]). O projeto foi aprovado pelo comitê de ética em
pesquisa da Faculdade de Saúde Pública da USP.
Participaram do estudo somente os adolescentes que
devolveram o termo de consentimento livre e
esclarecido assinado pelos pais ou responsáveis.
Medidas de peso, altura e circunferência da cintura
foram aferidas. O estado nutricional dos adolescentes
foi avaliado a partir do índice de massa corporal (IMC)
2
(IMC = peso (kg)/altura (m)) e classificado segundo os
pontos de corte estabelecidos pela Organização
Mundial da Saúde10. Os adolescentes foram
classificados em eutróficos e com excesso de peso
(sobrepeso + obeso). A obesidade abdominal foi
avaliada pela circunferência da cintura. O ponto de
corte utilizado para a classificação da circunferência da
11
cintura foi o recomendado por Taylor e cols. , que
define obesidade abdominal como CC ≥ percentil 80,
ajustado para idade e sexo. O consumo habitual foi
avaliado a partir de um Questionário semiquantitativo
de
Freqüência
Alimentar
Simplificado
para
Adolescentes (QFASA). O QFASA inclui perguntas
relativas à freqüência usual de consumo de 58 itens
alimentares referente a um período de três meses. Os
itens alimentares foram classificados em oito grupos
12
presentes no Guia Alimentar Brasileiro . Os grupos
alimentares utilizados para esta análise com o seu
consumo recomendado foram: verduras e legumes (≥ 3
porções diárias); frutas (≥ 3 porções diárias); leite e
derivados (≥ 3 porções diárias); açúcar e doces (≥ 1
porção diária); refrigerante tradicional (≤ 1 porção
diária); sucos industrializados adoçados (≤ 1 porção
diária); salgados e fast food (≤ 1 porção diária). Os
adolescentes foram questionados quanto ao tempo
despendido diariamente (em horas) assistindo televisão
durante a semana e nos finais de semana. Calculou-se
a média de horas diárias dedicadas a esse tipo de
atividade [(horas totais no final de semana + horas na
semana x 5)/7]. Em seguida os adolescentes foram
classificados em duas categorias: < 2 horas/dia e > 2
horas/dia (American Academy of Pediatrics, 2001). As
médias foram comparadas pelo teste “t” de Student. As
possíveis relações entre o tempo de TV e as
covariáveis de interesse foram examinadas por meio
de análises bivariadas; todas as covariáveis com
significância inferior a 0,20 (p < 0,20) foram incluídas
no modelo final. As variáveis foram ajustadas por meio
de regressão logística multivariada passo a passo. A
Odds Ratio (OR) e o seu respectivo intervalo de
confiança [IC (95%)] foram calculados para
determinar a força de associação entre uma
covariável e o tempo de TV. As análises estatísticas
foram realizadas no STATA versão 12.0 e o nível de
significância foi estabelecido em 5%.
3.RESULTADOS
As análises do presente estudo incluíram
815 adolescentes com média de idade de
13,7anos±1,8. A maioria dos adolescentes
entrevistados era do sexo feminino (57,7%) e
praticamente metade (44,2%) pertencia à classe
socioeconômica C1.
Na Tabela 1 estão indicadas as porções
médias consumidas de cada grupo alimentar
segundo o tempo de televisão. Pode-se observar
que os adolescentes que permanecem mais tempo
em frente à TV consomem mais leite e derivados
(p=0,0299), açúcares e doces (p=0,0100) e
refrigerante (p=0,0251). Para os demais grupos de
alimentos não se observou diferença significativa
entre o grupo de adolescentes que permanecia mais
tempo em frente à TV. A proporção de adolescentes
que permaneciam mais de 2h/dia assistindo
televisão foi de 55,3% e o tempo médio foi de
2,7h±2,1h/dia.
Conforme indicado na Tabela 2 as
covariáveis idade, consumo de frutas, açúcares e
doces e refrigerantes estavam associadas ao tempo
de TV. Na análise bivariada observa-se que os
adolescentes mais jovens, que consomem menos
frutas, mais doces e açúcares e refrigerantes
permanecem mais tempo em frente à TV.
A Tabela 3 apresenta os resultados da
análise multivariada. Baixo consumo de frutas
[OR=1,70; IC (95%) = 1,16 – 2,51] e o consumo
excessivo de doces e açúcares [OR=1,45; IC (95%)
= 1,00 – 2,10] continuaram associados de maneira
independente com o tempo de TV na análise
multivariada. O consumo elevado de refrigerantes
[OR=1,40; IC (95%) = 0,99 – 1,97] e a idade
apresentou uma associação marginal com o tempo
de TV [OR=0,77; IC (95%) = 0,57 – 1,03].
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Tabela 1- Ingestão alimentar (porções/dia) dos adolescentes segundo tempo de TV. Piracicaba, SP, 2013.
Tempo de TV
≤2horas/dia
(n=364)
Média
IC (95%)
Frutas
1,96
1,75-2,18
Verduras e legumes
1,68
1,51-1,85
Leite e derivados
1,46
1,34-1,58
Açúcares e doces
2,48
2,30-2,66
Refrigerante
0,73
0,66-0,80
Bebidas artificias
1,31
1,19-1,43
adoçadas
Fast food
0,82
0,73-0,90
IC(95%): intervalo de confiança de 95%; *Teste t Student
>2horas/dia
(n=451)
Média
IC (95%)
1,75
1,56-1,93
1,59
1,44-1,75
1,62
1,50-1,74
2,77
2,61-2,93
0,83
0,76-0,90
Valor de p*
0,0608
0,2313
0,0299
0,0100
0,0251
1,30
1,19-1,41
0,4335
0,86
0,77-0,94
0,2467
Tabela 2 - Variáveis demográficas e grupos alimentares associados ao tempo de TV. Piracicaba, SP, 2013.
População (%)
OR
IC (95%)
Idade
10-14
65,0
1,00
15-19
35,0
0,77
0,58-1,03
Sexo
Masculino
42,3
1,00
Feminino
57,7
1,07
0,81-1,41
Frutas
Adequado
15,5
1,00
Inadequado
84,5
1,62
1,10-2,37
Verduras e legumes
Adequado
16,7
1,00
Inadequado
83,1
1,01
0,70-1,46
Leite e derivados
Adequado
10,2
1,00
Inadequado
89,8
0,84
0,53-1,34
Açúcares e doces
Adequado
17,2
1,00
Inadequado
82,2
1,44
1,00-2,07
Refrigerante
Adequado
77,8
1,00
Inadequado
22,2
1,41
1,01-1,98
Bebidas artificias adoçadas
Adequado
53,0
1,00
Inadequado
47,0
0,98
0,74-1,29
Fast food
Adequado
70,7
1,00
Inadequado
29,3
1,04
0,77-1,41
OR: odds ratio; IC(95%): intervalo de confiança de 95%; *indica valor de p para análise bivariada
Valor de p*
0,078*
0,651
0,013*
0,961
0,474
0,050*
0,045*
0,894
0,787
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Tabela 3 - Modelo final de regressão logística de
variáveis associadas ao tempo de TV.
Idade
10-14
15-19
Frutas
Adequado
Inadequado
Açúcares
doces
Adequado
Inadequado
Refrigerante
Adequado
Inadequado
e
OR
IC
p
1,00
0,77
0,57-1,03
0,078
1,00
1,70
1,16-2,51
0,007
1,00
1,45
1,00-2,10
0,048
1,00
1,40
0,99-1,97
0,055
4- DISCUSSÃO
Um percentual elevado dos participantes (55,3%)
excedeu o limite de 2 horas/diárias em frente à
televisão e o tempo médio despendido com essa
atividade foi de 2,7h/dia. Esse resultado é comparável
8,9
a outros estudos realizados na Europa e nos Estados
13
que também evidenciaram um tempo
Unidos
excessivo de TV entre os jovens.
Os resultados deste estudo indicam que o
tempo de TV exerce uma influência negativa sobre as
escolhas alimentares dos adolescentes. O consumo
médio de doces e açúcares, refrigerantes e leite e
derivados foi maior entre os jovens que despendiam
mais de 2 horas diárias em frente à TV. Na análise
multivariada o consumo de açúcares e doces
permaneceu associado ao tempo de TV, enquanto o
consumo de refrigerante associou-se marginalmente,
independente das demais variáveis.
Estudo realizado com adolescentes de
diferentes países europeus mostrou que aqueles que
relataram assistir mais tempo de TV são mais
propensos a consumir doces e refrigerantes. Resultado
14
semelhante foi encontrado por Manios et al em um
estudo com pré-escolares gregos. As crianças que
permaneciam mais de 2 horas em frente à TV
consumiam mais alimentos marcadores de hábitos não
saudáveis como os ricos em gorduras e açúcares,
resultando em maior ingestão energética. Salmon et
15
al. , também encontraram associação significativa
entre o tempo excessivo em frente à TV e consumo de
bebidas altamente energéticas entre crianças e
adolescentes australianos.
Tais resultados poderiam ser explicados pela
interferência da publicidade relativa a alimentos de
baixo valor nutritivo, já que estudos anteriores
comprovam maior frequência de consumo de alimentos
altamente anunciados16,17. Um estudo também revelou
que apenas uma ou duas exposições a uma
propaganda de alimentos são suficientes para
18
influenciar as preferências alimentares de crianças .
Outra justificativa seria o fato de frequentemente os
jovens consumirem doces, salgadinhos, biscoitos e
19
refrigerantes enquanto assistem à televisão . Nesse
contexto explica-se, ao menos em parte, por que um
maior tempo de exposição à TV está relacionado a
hábitos alimentares não saudáveis.
Outro resultado que merece destaque é a
associação encontrada entre o baixo consumo de
frutas e o tempo de TV, o que corrobora os dados da
8,15,20,21
. A falta de associação entre o consumo
literatura
de legumes e verduras e a exposição à televisão pode
ser justificada pela baixa frequência de consumo desse
grupo alimentar pelos adolescentes investigados.
20
No estudo de Boynton-Jarret et al , a energia
proveniente do consumo de frutas e verduras
apresentou associação inversa com o hábito de assistir
à TV, em adolescentes americanos de 10 a 12 anos,
mesmo após ajuste para variáveis de confusão.
Assim como no presente estudo, Salmon et
15
al. observaram associação significativa somente entre
frutas e o tempo de TV, sendo menor o consumo desse
grupo alimentar entre os adolescentes que ficam mais
tempo em frente à televisão.
A associação entre o hábito de assistir
televisão e a baixa ingestão de frutas, legumes e
verduras pode representar um estilo de vida pouco
saudável, frequentemente adotado pelos adolescentes,
ou ainda uma consequência da substituição desses
alimentos saudáveis por aqueles mais comumente
anunciados pelas propagandas.
Os aspectos importantes deste estudo foram a
amostra representativa e a utilização de instrumentos
validados para coleta de dados. No entanto, algumas
limitações devem ser consideradas ao interpretar os
resultados. O desenho transversal do estudo não
permite a identificação de causa e efeito e pode levar a
causalidade reversa, embora seja mais provável que o
tempo excessivo em frente à TV contribua para uma
prática alimentar não saudável e não vice-versa. As
informações de consumo alimentar e do tempo de TV
auto relatadas também podem representar uma
limitação. Isto pela dificuldade que os adolescentes têm
de fornecer informações precisas, sobretudo os mais
jovens, podendo levar a subestimação das associações
entre tempo de TV e qualidade da dieta. Finalmente,
sabe-se que outros fatores como os hábitos de vida
dos pais/responsáveis, que não foram incluídos nesta
investigação, também podem influenciar o estilo de
vida e os padrões alimentares dos adolescentes.
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5- CONCLUSÃO
Os resultados evidenciaram que uma
proporção significativa dos adolescentes excedeu o
limite de duas horas diárias em frente à TV,
influenciando negativamente seus hábitos alimentares.
Considerando a associação entre o tempo de TV e o
baixo consumo de frutas e maior consumo de doces e
refrigerante identificada no presente estudo, fica clara a
necessidade de políticas públicas que regulamentem o
marketing de alimentos e que garantam que o
conteúdo das propagandas durante os programas de
TV destinados a crianças e adolescentes promova
escolhas alimentares saudáveis. Essas medidas são
urgentes se considerarmos que a alimentação
inadequada e o sedentarismo, sobretudo em
associação, aumentam o risco para o desenvolvimento
de doenças crônicas ainda na adolescência.
AGRADECIMENTOS
Os autores agradecem a Fundação de Amparo à
Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP) pelo apoio
financeiro (processo n. 2012/01283-3).
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