Delfim Netto: O Brasil está em Recessão?

Propaganda
ENTREVISTA
20
REVISTA RI
Setembro 2014
DELFIM
NETTO
O economista Antonio Delfim Netto recebeu a equipe de
reportagem da Revista RI em seu escritório no bairro do
Pacaembu, na cidade de São Paulo, onde mantém uma rotina
agitada. Aos 86 anos, com muita disposição, bom humor e
inúmeros compromissos na agenda, Delfim conta seu segredo:
“Eu não trabalho, me divirto. Gosto muito do que faço.”
por DANIELA ROCHA
Setembro 2014
REVISTA RI
21
ENTREVISTA | ANTONIO DELFIM NETTO
Sobre a economia brasileira, Delfim
avalia que está estagnada e enfrenta
problemas desconfortáveis, mas não é o
“apocalipse”. Seja quem for o próximo
presidente da República, o ajuste fiscal
e os investimentos em produtividade
devem ser os itens mais importantes da
agenda. O economista destaca ainda que
o orçamento precisa ser minuciosamente
revisado, a partir de uma “base zero”.
Em relação à polêmica sobre a nota divulgada pelo
Santander, e a análise da consultoria Empiricus, o exministro da Fazenda, afirma que a reação do governo
foi exagerada. Ele defende a liberdade de atuação
dos analistas de mercado. Acompanhe a seguir, a
entrevista exclusiva concedida à Revista RI:
de contas. É uma forma intempestiva também de comunicar.
Os dois lados estavam equivocados - a forma da mensagem
do banco, não o conteúdo, e a reação exagerada do governo.
Houve erro na forma de comunicação, no instrumento de
comunicação. Se estou recebendo um informativo da minha
conta corrente, não tenho que receber uma mensagem como
aquela, mas o governo não deveria ter se incomodado. E, por
fim, a reação do banco foi estranha, colocou em dúvida a qualidade das análises.
RI: O senhor acredita que foi um problema pontual
ou agora haverá certo comedimento?
Delfim Netto: Eu até suspeito que cada analista se sentiu,
de certa forma, atingido e a reação das instituições para as
quais eles trabalham mudou porque sabem que o comportamento do Santander deu margem à muita crítica. Isso estimulou os analistas a um ataque até um pouco mais duro e
inibiu as instituições de restringirem a ação dos analistas. O
resultado final é a maior liberdade. Tenho notado que cada
analista que se supõe independente faz uma crítica mais
dura do que faria caso não tivesse existido o incidente.
RI: Qual é a sua avaliação sobre o caso Santander?
Delfim Netto: A reação governo foi muito intempestiva, completamente desproporcional ao que tinha acontecido. O analista tem liberdade para comentar o que quiser, por isso é classificado como analista. Se preparou, fez sua formação, de forma
que pode-se não concordar, mas não era necessário dar uma
resposta que inclui uma espécie de ameaça. Aquilo foi exagerado. Os analistas prestam serviço, caso contrário não existiriam. Eles dão visões alternativas. Algumas vezes têm razão,
em outras, caem em uma vereda, de certo modo, equivocada,
mas não fazem nenhum mal. Em minha opinião, foi um mal
entendido porque deu impressão que era uma posição política,
quando não era. O banco, por sua vez, ficou com a imagem um
pouco prejudicada porque as pessoas agora vão ter muitas dúvidas sobre os relatórios emitidos. Dá a impressão de que daqui
pra frente só irá fazer projeções que agradem o governo. Isso
não ajuda nem o governo. O mínimo que se faz com a crítica é
desconsiderá-la e, o máximo, prestar atenção nela e corrigir o
que se faz. A crítica não produz nenhum mal.
RI: Quais as considerações do senhor a respeito
da nota emitida aos correntistas do banco?
Delfim Netto: O que se pode criticar é o mecanismo de
comunicação do banco. Não foi em um relatório detalhado
elaborado pelo banco. Aquilo foi, no fundo, uma prestação
22
REVISTA RI
Setembro 2014
RI: A coligação de Dilma Rousseff entrou com uma
representação contra dois anúncios da consultoria
Empiricus. No entanto, o TSE rejeitou. A Empiricus
também foi criticada por um de seus relatórios.
Qual é sua opinião à respeito desta situação?
Delfim Netto: A Empiricus é uma consultoria sofisticada.
Não se deve tentar impedir a manifestação de opinião. Mesmo porque em se tratando de economia não existe uma lei
física a ser violada. É completamente despropositado esse
tipo de comportamento.
RI: As eleições devem ser tensas este ano. Como
ficam as análises econômicas nesse clima quente
de disputa entre os candidatos?
Delfim Netto: Não existe política sem economia e não
existe economia sem política. O economista que ignora
as circunstâncias políticas, não é economista. A economia quando não pretendia ser ciência se chamava economia política. Depois, ganhou a pretensão de ser uma
ciência matemática, porém, economia é uma ciência moral e histórica. Economia é uma disciplina e dá instrumentos para uma administração melhor. Separar a análise política da econômica é um equívoco mortal, nunca
se chegará a lugar nenhum.
Não existe política sem economia e não existe
economia sem política. O economista que ignora
as circunstâncias políticas, não é economista.
A economia quando não pretendia ser ciência
se chamava economia política. Depois, ganhou
a pretensão de ser uma ciência matemática,
porém, economia é uma ciência moral e histórica.
Economia é uma disciplina e dá instrumentos
para uma administração melhor. Separar a análise
política da econômica é um equívoco mortal,
nunca se chegará a lugar nenhum.
RI: Como caminha a economia brasileira?
O senhor avalia que o País já está em recessão?
RI: Então o modelo de política econômica precisa
ser alterado em alguns aspectos?
Delfim Netto: Por definição, a recessão ocorre se o País apresentar dois trimestres consecutivos de desempenho negativo
do PIB. O grande problema do PIB é que ele é recalculado três
vezes pelo menos, de forma que o que está negativo pode virar positivo, pode mudar com as correções. Mas há um sentimento de que a economia está estagnada. O crescimento
murchou, está muito próximo de zero e com uma inflação
desconfortável. Não acredito que se perderá o controle, mas
seguramente é uma inflação com a ideia de que o limite de
tolerância superior virou a meta e há um déficit em contas
correntes muito importante. Isso é um sintoma de que o País
está estagnado e com problemas complicados, mas não está
à beira do apocalipse. A política monetária está produzindo
seus efeitos. É de se estranhar que as pessoas não percebam
que o fim da política realmente é reduzir a tensão no mercado de trabalho. O que nós vivemos hoje é uma consequência
da política que tivemos até recentemente em que se estimulou aumentos dos salários reais acima da produtividade. Não
tem segredo, não é preciso ser físico quântico para saber que
quando se faz isso, migra-se para um déficit das contas correntes e inflação, o que está ocorrendo.
Delfim Netto: Sim. Aquele mecanismo que foi muito bem
sucedido na superação da crise e que foi muito ajudado no
passado por situação externa favorável com melhoria das relações de troca, não funciona mais, ficou para trás. O Lula pegou um vento de cauda. Em 2003, uma tonelada de exportação comprava uma tonelada de importação. Já em 2010, com
uma tonelada de exportação comprava 1,4 tonelada de importação, ou seja, ganhava-se de presente renda externa e ainda
se fazia déficit em conta corrente. De forma que se tinha uma
porção de recursos - de presente ou emprestados, que foram
aproveitados para distribuição de renda. Ocorreram melhorias e é uma tolice tentar esconder. Hoje, as pessoas moram
um pouco melhor do que moravam, as suas casas têm mais
conforto e contam com eletrodomésticos. No fundo, como
objetivo da economia, o consumo. Este mecanismo em que
nos encontramos, que distribuiu renda, melhorou o crédito,
foi fundamental, porque foram aproveitados recursos disponíveis durante alguns anos. Mas daqui para frente, a força de
trabalho não vai crescer mais de 1% ao ano, a população brasileira está envelhecendo muito depressa. Portanto, não vai
ter crescimento da oferta da mão de obra. Então, não haverá
Setembro 2014
REVISTA RI
23
ENTREVISTA | ANTONIO DELFIM NETTO
Chegamos a um ponto que
não se trata de um problema
econômico, mas sim,
ecológico. Aconteceu uma
falha de comunicação entre
o governo e a sociedade e
produziu-se uma ecologia, um
ambiente que não é favorável
aos empresários, à produção
e ao crescimento. A primeira
coisa a ser feita é mudar essa
expectativa. Há desânimo, as
pessoas acreditam que o Brasil
é irrecuperável, o que é falso.
O Brasil vai voltar a crescer,
não à taxas que já crescemos
antes porque isso depende
muito da acumulação de
capital, o que leva tempo.
Ocorreram intervenções,
todas elas bem intencionadas,
mas não funcionaram como
gostaríamos. A intervenção na
energia era necessária mas foi
feita de uma forma arbitrária
e foi punida por São Pedro,
com a crise hídrica. Isso
desintegrou as finanças
do setor elétrico.
24
REVISTA RI
Setembro 2014
melhoria na economia sem o aumento da produtividade de
cada cidadão. Um sujeito com uma enxada cultiva meio hectare, já um sujeito que opera um trator, cinco hectares. Ou
seja, é a quantidade de capital que se coloca a serviço de cada
sujeito que vai aumentar a produtividade. Mas como o capital
vai mudando e se sofisticando, o trabalhador precisa ser mais
capacitado. Isso é um processo.
RI: No entanto, o setor industrial apresenta baixo
desempenho. O presidente da CNI, Robson Andrade,
disse que a indústria crescerá menos de 1% este ano, um
dos piores momentos do setor. Por que isso acontece?
Delfim Netto: Infelizmente, se destruiu o setor industrial
devido à uma política equivocada de supervalorização do
real para controlar a inflação. Então se sacrificou no altar
antiinflacionário um setor inteiro. Isso não era necessário
porque a inflação não se cura com conversa, mas somente
com política monetária. A inflação precisa de uma combinação adequada de política fiscal porque o excesso de demanda
vem do governo.
RI: O que pode ser feito para ampliar os
investimentos privados?
Delfim Netto: Chegamos a um ponto que não se trata de
um problema econômico, mas sim, ecológico. Aconteceu
uma falha de comunicação entre o governo e a sociedade e
produziu-se uma ecologia, um ambiente que não é favorável
aos empresários, à produção e ao crescimento. A primeira
coisa a ser feita é mudar essa expectativa. Há desânimo, as
pessoas acreditam que o Brasil é irrecuperável, o que é falso.
O Brasil vai voltar a crescer, não à taxas que já crescemos
antes porque isso depende muito da acumulação de capital, o que leva tempo. Desde 2012, a presidente Dilma vem
tentando ampliar a quantidade de capital, principalmente,
com as concessões de infraestrutura. É que demorou muito o aprendizado. Ocorreram intervenções, todas elas bem
intencionadas, mas não funcionaram como gostaríamos. A
intervenção na energia era necessária mas foi feita de uma
forma arbitrária e foi punida por São Pedro, com a crise hídrica. Isso desintegrou as finanças do setor elétrico. No caso
dos portos, aquela intervenção era necessária, mas foi feita com tal arbitrariedade que só recentemente quando se
abandonou àquela primeira versão, que as coisas começam a
funcionar. Acho que só no segundo semestre do ano passado
é que o governo acertou nas concessões. Isso demorou muito
e produziu desânimo, mas o governo aprendeu.
ENTREVISTA | ANTONIO DELFIM NETTO
RI: Esses ruídos geraram desconforto relacionado
ao ambiente de negócios...
Delfim Netto: O que aconteceu é que se estabeleceu desde
o inicio dúvidas ideológicas dos dois lados. O setor privado
viu na Dilma, em minha opinião, equivocadamente, uma
trotskista que queria o lucro zero. Isso tudo por conta dos erros nas concessões de serviços públicos. No início, o governo
queria estradas de altíssima qualidade como as alemãs com
a taxa de retorno de apenas 5,5%. Isso não era possível. O
governo demorou para entender que é possível fixar um dos
dois. Se fixar uma “autobahn”, isto é, uma estrada alemã,
o mercado no leilão vai fixar a taxa de retorno necessária.
Se for fixada taxa de retorno de 5,5%, o mercado vai dizer
que por essa taxa só é possível entregar uma porcaria. Mas
o governo aprendeu. Tanto é verdade que os leilões têm terminado muito bem. O problema, no entanto, é que isso não
está resolvido ainda porque não há poupança para financiar
tudo isso. O BNDES não é capaz de financiar todas essas
obras. O dinheiro do banco vem de negociações de títulos do
Tesouro. E, quando o Tesouro paga para o investidor 11% e
empresta a 5% (BNDES), o aumento do investimento é menor
do que parece e o custo é gigantesco. No entanto, é inegável
que foi melhorando a administração. O que acontece é que
quando veio o aprendizado, a ecologia estava infeccionada,
o setor privado não se sentia capaz de viver naquele ambiente. O entendimento recíproco veio tarde demais.
RI: O senhor acha que para o Brasil superar essa
fase de baixo crescimento da economia, a teoria
Keynesiana é um caminho?
Delfim Netto: O Keynes é uma vitima dos seus asseclas
como o Marx, que é sempre perseguido por seus asseclas.
Aqui não tem nada de keynesiano ou neo-keynesiano. Trata-se de uma coisa absolutamente elementar. O Brasil precisa
aumentar a qualidade e volume de investimentos entregue
a um trabalhador cada vez mais preparado.
RI: O governo abandonou o chamado tripé
macroeconômico e adotou a nova matriz , que
segundo alguns analistas, não serve para os dias
de hoje. Qual é a sua opinião?
Delfim Netto: Isso é um conversa para boi dormir, não
tem matriz. O que existe é o normal, o que qualquer sociedade normal procura fazer. As políticas monetária, fiscal,
salarial e cambial devem ser compatíveis com o equilíbrio
interno, uma inflação parecida com a de seus concorren26
REVISTA RI
Setembro 2014
tes e o equilíbrio externo, ou seja, déficits muito moderados ou financiáveis em contas correntes. Não há formulas
novas. Não tem nada de novo.
RI: O que precisa ser feito pelo futuro governo?
Delfim Netto: Hoje, a definição correta para o Brasil é
uma situação desconfortável em diversos aspectos: fiscal,
inflação, câmbio e no déficit em contas correntes e será
necessário corrigir a política monetária. O País melhorou
dramaticamente. Mas agora são essenciais reformas muito
mais profundas. Por exemplo: tributária e previdenciária. É
preciso resolver os exageros que existem no seguro desemprego e pensões. O Brasil precisa de uma coisa fundamental que é o orçamento base zero. O novo presidente seja ele
quem for precisa chamar o Ministro do Planejamento, abrir
o orçamento inteiro e analisar cada item. O orçamento é
uma peça geológica e conta com projetos que Dom Pedro I
e Dom Pedro II deixaram (risos), assim como todos os outros
governos na história. A redução de ministério é importante,
mas não passando os funcionários do ministério A para o B.
Uma nova organização do orçamento é importante. Por que
o Brasil cresceu ao longo de 32 anos no passado a 7,5% ao
ano? O País tinha uma disponibilidade infinita de mão de
obra, carga tributária de 24% do PIB e o governo investia 5%
do PIB. Hoje, não tem mais disponibilidade de mão de obra,
uma carga tributária de 36% do PIB e, um buraco, um déficit
de 3,7% do PIB. Para complicar, o investimento do governo
não chega a 2%. O governo tem que fazer a sua parte pois
hoje consome a poupança do setor privado. O governo tem
que voltar a adicionar poupança.
RI: Neste contexto, não é importante
fortalecer o mercado de capitais?
Delfim Netto: Isso é evidente e é a milésima vez que vamos tentar. Nenhum país é capaz de voltar a crescer com
poupança de apenas 18% do PIB. Se a economia brasileira,
crescendo menos de 1% ao ano, tem um déficit em contas
correntes de 3,7% do PIB, caso a economia avançasse 3%, esse
buraco ia para 9%. Os investimentos e as exportações são os
dois vetores que levam ao crescimento econômico equilibrado. O Brasil perdeu esses dois vetores e precisa recuperar. O
mercado de capitais é fundamental porque não é possível
continuar com o BNDES funcionando como o principal instrumento. O BNDES tem papel importantíssimo, decisivo no
desenvolvimento econômico mas não pode viver com verba
do Tesouro produzida por dívida. Dívida não é recurso. Enfatizo que recurso é poupança do governo. RI
Download