1558 Sexta-feira 23 DIÁRIO DO SENADO FEDERAL - SUPLEMENTO chegada de um furacão, para o fato de que a crise se avizinha de forma cada vez mais dramática, mas nós não devemos abrir mão de entender a crise, como os japoneses, muitas vezes, representam o conceito de crise, não só pelo lado negativo, mas pela oportunidade que a crise oferece, de a gente repensar o modelo. E aí eu gostaria de saudar a iniciativa do próprio Japão, que foi este ano gravemente atingido por um desastre ambiental. A primeira atitude política consequente do governo japonês foi a de não só pedir desculpas à sociedade, mas de fazer uma radical revisão de sua matriz energética baseada na energia nuclear. Sigamos com essa perspectiva japonesa para o enfrentamento da desigualdade social. Então, os limites de uma civilização estão colocados. Nós não podemos deixar de aceitar essa provocação, sobre a qual vários intelectuais vêm se manifestando, principalmente quando desnudam a face social da crise do capital. A face social da crise do capital hoje coloca em risco a sobrevida da civilização que nós convencionamos chamar de civilização moderna. Está em risco o nosso projeto ético, político, econômico e cultural. Pode passar. Quando isso acontece, de relacionarmos a crise à sua face social, nós chegamos, então, ao conceito, que não é de agora, já tem mais de dois séculos de existência, no campo principalmente das políticas sociais, que é o conceito da questão social. Quando nós tratamos a desigualdade do ponto de vista da interpelação da sociedade sobre o modelo de desenvolvimento que concentra muito mais do que distribui as riquezas produzidas pela maioria da sociedade, nós damos concretude, materializamos no espaço, como mostram as imagens aí colocadas, nos rostos, enfim, na indignação e na capacidade de ser sujeito dos movimentos sociais e questionar esse modelo. Nós temos esforços da ciência – é interessante isso – nessa linha de pensamento, de colocar a desigualdade do ponto de vista da concretude da questão social. Eu gostaria de citar o exemplo do hoje Presidente do Ipea, que está aqui representado pelo colega que vai apresentar sua conferência, o Marcio Pochmann liderou uma pesquisa interessante nesse sentido de não subordinar mais os índices de aferição de desenvolvimento ao PIB, pensar índices que realmente ampliem e mostrem a realidade concreta da questão social, portanto da desigualdade social. Então, a desigualdade social, no trabalho de Pochmann, entrou como um dos indicadores importantes para podermos visualizar no território, aí, no caso, global, a gravidade da situação social do atual modelo de desenvolvimento. Dezembro de 2011 Vocês vejam aí, na escala de Marcio Pochmann, as tonalidades avermelhadas, mais quentes, são as piores indicadoras de desigualdade social. As tonalidades indo para o verde são as de melhores condições sociais. Então, vejam que temos a maioria da população mundial hoje – dois terços da humanidade, podemos dizer – sob forte impacto e agravamento da questão social. E, na escala local, torna-se cada vez mais difícil reproduzirmos a ideologia que procura tornar a cidade real, que é uma cidade, segundo Emília Maricato, pesquisadora renomada da USP (Universidade de São Paulo), invisível, ilegal e informal, por trás dos muros, como a imagem representa. Está cada vez mais inabitável a relação que separa o 1% dos mais ricos da porcentagem maior, que é a dos pobres da sociedade brasileira. Mas não é um caso isolado do Brasil, como vimos na imagem anterior. Na escala local, as relação sociais estão cada vez mais subordinadas, nos retratos tirados, seja na mobilidade desigual do espaço das cidades, seja no desaparecimento de rios, seja no deslocamento violento de grandes parcelas da população para situações cada vez mais distantes das condições de habitabilidade. O trabalho de Mike Davis, chamado Planeta Favela, é um excelente trabalho de demonstração da gravidade da situação global, que se revela no local, que subordina o local que estamos chamando de “glocal”. O xis do “glocal” é a ultrapassagem hoje, pela população mundial urbanizada, da população anteriormente em condições rurais. Vejam o gráfico da esquerda: a tendência da população rural é cada vez mais diminuir; a da população urbanizada, de aumentar. Mas aumentar em que condições? Na tabela à direita, temos as multidões que se abrigam em condições de moradias insalubres, instáveis e inseguras. Então, a ultrapassagem dessas cidades se revela na mudança de um padrão de urbanidade que não existe mais. É um padrão novo e radicalmente desigual. Vejamos o exemplo de São Paulo. Temos fotos da gravidade do caso da região metropolitana de São Paulo. Vejam a tendência para 2030, o tamanho da área da mancha urbana e todas as suas consequências de segregação socioespacial. Então, o “glocal” é, ao mesmo tempo, degradação das fontes de vida – a expansão, no caso de São Paulo, é de ilhar a represa Billings, vulnerabilizar a represa Billings, que é o manancial principal da Grande São Paulo, de água potável. Além disso, o “glocal” significa a tendência à desindustrialização. Todo o aparato do Estado a serviço