O Banco Central está “suicidando” o Brasil

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O Banco Central está “suicidando” o Brasil
Maria Lucia Fattorelli *
Sob o argumento de “controlar a inflação”, o Banco Central do Brasil tem
aplicado uma política monetária fundada em dois pilares: adoção de juros
elevados e redução da base monetária, que corresponde ao volume de
moeda em circulação. Na prática, tais instrumentos têm se mostrado um
completo fracasso.
Além de não controlar a inflação, os juros elevados têm afetado
negativamente não só a economia pública – provocando o crescimento
exponencial
da
dívida
pública,
que
exige
crescentes
cortes
em
investimentos essenciais –, mas também têm afetado negativamente a
indústria, o comércio e a geração de empregos. Por sua vez, a redução
da base monetária utiliza mecanismos que enxugam cerca de R$ 1 trilhão
dos bancos, instituindo cenário de profunda escassez de recursos, o que
acirra a elevação das taxas de juros de mercado e empurra o país para
uma profunda crise socioeconômica.
Segundo o famoso economista inglês Thomas Piketty, seria um suicídio
deixar de utilizar, em momentos de crise, o instrumento de emissão de
moeda e a prática de juros baixos. No Brasil, o Banco Central tem feito o
contrário e, adicionalmente, ainda alimenta o mercado com ração muito
cara: operações de swap cambial que têm gerado centenas de bilhões de
reais de prejuízos que são pagos à custa de emissão de mais títulos da
dívida pública!
Até quando nosso rico país, marcado pela abundância em todos os
aspectos, ficará submetido aos que usufruem e abusam do cenário de
escassez?
O Banco Central pratica uma política suicida, como escreveu Piketty em É
possível salvar a Europa?: “O poder infinito de criação monetária, detido
pelos bancos centrais, sem dúvida deve ser seriamente limitado.
Entretanto, diante de grandes crises, abrir mão de tal instrumento e do
papel essencial de credor de última instância seria um suicídio”. Essa
afirmação de Piketty decorre de observação baseada em fatos também
expostos em seu livro, e que merecem ser destacados: “Os Estados
Unidos, o Reino Unido e o Japão estão mais endividados ainda (com
respectivamente 100%, 80% e 200% do PIB em dívida pública, contra
80% na zona do euro), mas não conhecem a crise da dívida. E por uma
razão muito simples: o Federal Reserve americano, o Banco da Inglaterra
e o Banco do Japão emprestam a seus respectivos governos a taxas
baixas – menos de 2% –, o que permite acalmar os mercados e
estabilizar suas taxas de juros. Em comparação, o Banco Central Europeu
(BCE) emprestou muito pouco aos Estados da zona do euro, daí a crise”.
Diante disso, alguém poderia avisar a Alexandre Tombini e cia. que a
política monetária adotada por eles está “suicidando” o Brasil?
O Banco Central, administrado por Tombini, não só abriu mão do
instrumento de emitir moeda como tem enxugado todo e qualquer
volume de moeda que ultrapassa os míseros 5% do PIB. Na última
semana de 2015, quando o Tesouro Nacional efetuou o pagamento das
chamadas “pedaladas fiscais” e injetou dezenas de bilhões de reais no
sistema bancário, o que fez o Banco Central? Retirou mais de R$ 40
bilhões de circulação, enxugando esse volume de moeda dos bancos e
entregando-lhes títulos da dívida pública, pelos quais se pagam as mais
altas taxas de juros do mundo! Esse tipo de operação é chamado de
“compromissada ” ou “de mercado aberto”, e atinge volume escandaloso
de aproximadamente R$ 1 trilhão! E mais: os juros dessas operações são
pagos em dinheiro vivo, obtido por meio do rigoroso ajuste fiscal que
vem exigindo aumento de tributos sobre a classe trabalhadora e os mais
pobres, além de cortes de investimentos essenciais em todas as áreas
orçamentárias – exceto a financeira, que abastece os bancos nacionais e
estrangeiros.
O resultado dessa operação é extremamente danoso ao país, pois
provoca aumento da dívida pública sem contrapartida alguma, gerando
obrigação de pagar elevados juros além de esterilizar recursos no Banco
Central e amarrar o país. A título de exemplo, esses R$ 40 bilhões
enxugados pelo Banco Central recentemente poderiam estar sendo
empregados para solucionar as crises da saúde, da educação, da
assistência
social,
das
estradas
assassinas…,
mas
foram
retidos,
somando-se a quase R$ 1 trilhão estocado e regiamente remunerado!
Mas o dano de tal operação não para por aí. À medida que o Banco
Central retira a moeda dos bancos e lhes entrega títulos da dívida
pública, ele não só esteriliza os recursos que deveriam irrigar a economia
nacional, mas impede que os bancos reduzam as taxas de juros cobradas
da população e de empresas. Imaginem o que significaria para o país
esse volume de quase R$ 1 trilhão no caixa dos bancos. Evidentemente,
eles não deixariam esse dinheiro parado, sem render. O óbvio seria
destinar esses recursos para empréstimos à sociedade, aumentando a
oferta, o que sem sombra de dúvida provocaria uma forte queda nas
taxas de juros. Os bancos entrariam em competição para oferecer taxas
menores a pessoas e empresas, o que levaria a uma redução ainda maior
nas escorchantes taxas cobradas pelo setor financeiro no Brasil, que
chegaram a 415% ao ano em 2015, com anúncio de que vão subir ainda
mais em 2016 ! Mas a atuação do Banco Central impede que os bancos
fiquem pressionados pela sobra de caixa e tenham de baixar os juros. Ao
contrário: garante-lhes generosa e segura remuneração, trocando a
sobra de caixa por títulos da dívida pública, sem risco algum.
A justificativa que tem sido dada para essa atuação é o “combate à
inflação”, o que não se aplica, pois o tipo de inflação que temos no Brasil
decorre do abusivo aumento de preços administrados e alimentos: temos
a energia mais cara do mundo, a telefonia mais cara do mundo e a
gasolina mais cara do mundo; tarifas de transporte público e bancárias
exorbitantes, e o preço de alguns alimentos tem impactado na inflação
devido à sazonalidade e aos históricos equívocos da política agrícola
nacional,
que
privilegia
investimento
no
agronegócio
voltado
à
exportação de commodities e não à produção de alimentos. Em nenhum
desses casos o aumento de juros ou a redução da base monetária exerce
qualquer influência.
“A política adotada pelo Banco Central, com a desculpa de
controlar a inflação, tem se mostrado fracassada e lesiva ao país
e à sociedade”
As operações “compromissadas” ou “de mercado aberto” têm efeito
contrário ao indicado por Piketty. Cabe ressaltar que nos países onde
bancos centrais agiram em favor das finanças nacionais, irrigaram as
economias com moeda e estabilizaram as taxas de juros, emprestando a
seus respectivos governos a taxas baixas (2% ao ano ou até menos), a
crise tem sido controlada. É o caso dos Estados Unidos, do Reino Unido e
do Japão, onde a base monetária – que corresponde ao volume de
moeda em circulação no país – alcança 40%! No Brasil, além de manter a
base monetária ridiculamente baixa (em torno de apenas 5% do PIB), o
Banco Central incentiva a prática das taxas de juros mais elevadas do
planeta Terra – a taxa básica está atualmente em 14,25%, mas o Banco
Central tem leiloado títulos a taxas bem superiores, que ultrapassam
16% – e anuncia que deverá subir ainda mais em 2016.
Vivemos uma verdadeira ciranda financeira no Brasil. Em um dos países
mais ricos do mundo faltam recursos para áreas essenciais, como
educação, saúde, saneamento básico e infraestrutura, mas não faltam
recursos para os abundantes juros que tornam o país o local mais
lucrativo do mundo para os bancos, mas asfixiam a indústria, o comércio
e, logicamente, extinguem empregos e aprofundam injustiças.
Nada de discussão se existem recursos orçamentários para pagar os
elevados juros incidentes sobre os títulos da dívida pública, nem sequer
preocupação acerca de onde virão os recursos. As limitações da Lei de
Responsabilidade Fiscal não se aplicam à “política monetária”. Ou seja,
se os recursos existentes no orçamento federal não são suficientes para
pagar juros, são emitidos novos títulos da dívida e esses são utilizados
para pagar juros. Isso mesmo: estamos emitindo títulos para pagar
grande parte dos juros nominais incidentes sobre a dívida pública, o que
fere o artigo 167 da Constituição Federal, que proíbe a contratação de
dívida para pagar despesas correntes. E juros são despesas correntes,
como salários, despesas de manutenção e demais despesas de custeio
que se consomem durante o ano e não se caracterizam como
investimentos. E, se a política monetária gera prejuízo para o Banco
Central, tal prejuízo é transferido para o Tesouro Nacional e gera a
emissão de mais dívida ainda, como o escandaloso prejuízo de R$ 147,7
bilhões em 2009, por exemplo.
Além dessa inaceitável aberração, o Banco Central tem acumulado
prejuízos bilionários em questionáveis operações de swap cambial: no
período de setembro de 2014 a setembro de 2015, os resultados
negativos somaram R$ 207 bilhões. Nesse caso do swap cambial, o
Banco Central entende que deve atuar para conter a procura por dólares,
alegando que ela poderia provocar inflação. Assim, oferece contratos de
swap cambial que, na prática, correspondem à garantia da variação da
cotação do dólar. A perda bilionária tem sido transferida para a conta dos
juros da dívida e, consequentemente, para o seu estoque, já que os juros
têm sido pagos mediante a emissão de nova dívida. Os bancos privados
lucram e o país registra a dívida, apesar de não ter recebido nem um
centavo sequer.
Não há a menor transparência acerca de quem são os beneficiários
dessas operações de swap cambial ou as de mercado aberto. Operações
feitas por instituição pública, com dinheiro público, produzindo centenas
de
bilhões
de
prejuízos
que
são
arcados
pelo
público,
mas
os
beneficiários e as condições contratadas são “sigilosas”…
É evidente que a política monetária adotada pelo Banco Central, com a
desculpa de controlar a inflação, tem se mostrado completamente
fracassada e lesiva ao país e à sociedade, pois a prática de juros altos
não tem controlado a inflação, que já atinge dois dígitos, mas tem
provocado dano irreparável às finanças públicas, à indústria nacional, ao
comércio e às pessoas que dependem de crédito. Além disso, as
operações de mercado aberto não têm servido para controlar a inflação,
mas têm provocado insana redução da base monetária, garantindo
exagerada remuneração aos bancos, incentivando a elevação das taxas
de juro de mercado com impactos danosos às finanças públicas, à
indústria nacional, ao comércio e às pessoas que dependem de crédito.
As operações de swap cambial também não têm servido para controlar a
elevação do dólar e da inflação, prestando-se a gerar prejuízos de
centenas de bilhões de reais que têm sido transferidos para o conjunto
da sociedade por meio da dívida pública, que em seguida exige rigoroso
ajuste fiscal para o pagamento de seus elevados juros e encargos. E, por
fim, os principais pilares da política monetária – juros elevados e redução
da base monetária – têm provocado aumento acelerado da dívida pública
e exigido elevado volume de recursos para o pagamento de seu serviço,
comprometendo as finanças públicas atuais e as gerações futuras.
Tudo isso ocorre devido à atuação do Banco Central, a serviço do setor
financeiro nacional e internacional, subserviente à influência dos bancos
e organismos internacionais – FMI e Banco Mundial – que querem ainda
mais: exigem mandato para diretores do Banco Central, como uma
política monetária objetiva, independente do governo. Querem tornar
eterna, imutável e definitiva essa política monetária que “suicida” o Brasil
e transfere vultosos recursos para o setor financeiro privado, garantindolhes lucros escorchantes e crescentes, saindo de quase R$ 10 bilhões em
2000 para cerca de R$ 80 bilhões em 2014 – e em 2015, apesar da crise,
o lucro dos bancos bateu novos recordes!
Enquanto os bancos lucram assim, todos nós pagamos a estratosférica
conta da elevada carga tributária sem o devido retorno, entregamos
continuamente patrimônio público estratégico, além de conviver com as
inaceitáveis injustiças sociais vigentes em nosso potencialmente rico
país.
Até quando nosso rico país, marcado pela abundância em todos os
aspectos, ficará submetido aos que usufruem e abusam do cenário de
escassez? Até quando o Banco Central ficará à vontade para transferir
centenas de bilhões de prejuízos para todos nós, enquanto garante os
maiores ganhos do mundo para os bancos privados?
* Maria Lucia Fattorelli é coordenadora nacional da Auditoria
Cidadã da Dívida.
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