Canta canta, minha gente: um estudo de caso sobre a

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Canta canta, minha gente: um estudo de caso sobre a musicoterapia
com pacientes portadores de insuficiência renal crônica em
hemodiálise
Fernanda Bissani Pivatto1
Lydio Roberto Silva2
Pierângela Nota Simões3
RESUMO - Esse estudo trata das alterações psicofisiológicas provocadas pela prática da
Musicoterapia durante as sessões de hemodiálise em pacientes portadores de insuficiência
renal crônica. Em relação aos objetivos, a pesquisa é um estudo de caso de caráter
exploratório e descritivo, realizado com um grupo de pacientes dialíticos da Clínica de
Doenças Renais - Evangélico / Ulisses que é parte do Grupo Pró-Renal Brasil. Do ponto
de vista da abordagem metodológica, o estudo caracterizou-se com uma investigação de
caráter misto, ou seja, quantitativa e qualitativa. Para a sustentação teórica da pesquisa,
buscaram-se autores como Leinig (1997), Bruscia (2000), McClellan (1994), Jourdain
(1998), Lopes (2004), Hagemann (2015), entre outros. Os resultados obtidos nesse estudo,
ainda que indiquem percentualmente questões relativas à Musicoterapia na sessões de
hemodiálise, tornaram-se mais expressivos quando do relato espontâneo dos pacientes,
em que a dimensão qualitativa pode ser evidenciada e refletida.
Palavras-chave - Musicoterapia. Hemodiálise. Efeitos Psicofisiológicos da Música.
Promoção de Saúde.
1
Graduada no Curso de Produtores e Músicos da Unisinos-RS (2010). Discente do quarto
ano de Bacharelado em Musicoterapia da UNESPAR – Campus de Curitiba II/FAP, e do Curso de
especialização em Psicopedagogia da PUCPR (2015). E-mail: <[email protected]>
2
Mestre em Mídia e Conhecimento (UFSC), músico, compositor, musicoterapeuta, professor
do Centro Universitário UniBrasil e da UNESPAR – Campus de Curitiba II/FAP. E-mail:<lydioroberto@
gmail.com>
3
Fonoaudióloga, Especialista em Distúrbios da Comunicação, Mestre em Educação, Professora
Assistente do curso de Bacharelado em Musicoterapia da UNESPAR – Campus de Curitiba II/FAP,
membro do Núcleo de Estudos e Pesquisas Interdisciplinares em Musicoterapia (NEPIM). E-mail:
<[email protected]>
Revista InCantare, Curitiba, v.06 n.02, p. 52-72, jul./dez. 2015
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Sing, sing, my friends: a case study on music therapy for patients
with chronic renal failure undergoing hemodialysis
Fernanda Bissani Pivatto
Lydio Roberto Silva
Pierângela Nota Simões
ABSTRACT - This study deals with the psycho-physiological changes caused by the
practice of music therapy during hemodialysis in patients with chronic renal failure.
Regarding the objectives, the research is a case study of exploratory and descriptive
character, performed with a group of dialysis patients of the Clinic for Diseases Evangélico / Ulisses that is part of the Group Pro-Renal Brazil. From the point of view
of the methodological approach, the study was characterized with a mixed character
research, that is, quantitative and qualitative. For theoretical research support, sought
to authors like Leinig (1997), Bruscia (2000), McClellan (1994), Jourdain (1998), Lopes
(2004), Hagemann (2015), among others. The results obtained in this study, although
in percentage indicate issues related to music therapy in hemodialysis sessions, have
become more significant when the spontaneous reporting of the patients, in which the
qualitative aspect can be demonstrated and reflected.
Keywords - Music Therapy. Hemodialysis. Psychophysiological Effects of Music.
Health Promotion.
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Introdução
Entre as patologias crônicas que mais atingem a população mundial está a
Insuficiência Renal Crônica (IRC). Segundo estimativas da OMS (Organização
Mundial da Saúde) no Brasil existem mais de dois milhões de pessoas afetadas pela
IRC, sendo que 60% delas ainda não sabem que têm o problema.
A IRC caracteriza-se pela perda permanente e irreversível das funções renais.
Em estágio mais avançado da doença, o paciente é submetido a um tipo de intervenção
chamada hemodiálise, que ocorre três vezes por semana, durante pelo menos, três a
quatro horas por sessão. Esse processo é tido como última possibilidade terapêutica
antes do transplante renal. Para o paciente, a máquina de hemodiálise “representa
a manutenção de uma homeostase física, e porque não dizer a manutenção de sua
vida.” (CAMPOS, TURCATO, 2010, p.800)
Dessa maneira, o tratamento da IRC é um desafio que impõe ao paciente
mudanças de hábitos, ocasionando um grande impacto em seu cotidiano, sendo
necessário a adaptação de novas rotinas na vida diária. Diante dessa situação
conflituosa, é essencial considerar não apenas a patologia, mas todos os aspectos
biológicos e psicossociais que envolvem a saúde do paciente.
Nesse contexto, a inserção de uma equipe multiprofissional é um fator que
sabidamente contribui para melhores resultados, tanto na prevenção dos fatores de
risco, como em todos os estágios da doença renal. De acordo com a Resolução da
Diretoria Colegiada (RDC No 154 de 2014) da Agência Nacional de Vigilância Sanitária,
que dispõe sobre o Regulamento Técnico para o funcionamento dos Serviços de
Diálise, deve existir uma ação interdisciplinar entre médicos nefrologistas, enfermeiros,
assistente social, psicólogo e nutricionista. Por esta razão, o musicoterapeuta pode
se adequar como um dos participantes da equipe multiprofissional e, particularmente,
durante as sessões de hemodiálise.
A Musicoterapia, por trabalhar essencialmente a música e suas características
de inserção na cultura e no cotidiano das pessoas, pode ser uma importante aliada
nos programas que pretendem tornar o atendimento clínico e hospitalar mais humano,
fazendo com que tanto os enfermos, quanto as equipes de enfermagem e de técnicos,
possam diminuir situações estressantes e contribuir com a construção de um ambiente
motivacional favorável à promoção de saúde.
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Mesmo considerando esta perspectiva, em decorrência da complexidade
envolvida na hemodiálise, observou-se, empiricamente, a existência de diversas
intercorrências clínicas4 e, somadas à estas, tornou-se observável que o paciente traz
consigo incertezas, as inseguranças das transformações físicas e emocionais, bem
como o tempo ocioso do tratamento em que permanece ligado à máquina.
Dessa forma e sabendo-se do potencial da música em estimular os sentimentos
e a memória desses pacientes, além de minimizar os efeitos colaterais do tratamento,
construiu-se a problemática do presente trabalho, em que são questionadas as
alterações psicofisiológicas provocadas pela prática da Musicoterapia para o bem
estar dos pacientes portadores da IRC, durante as sessões de hemodiálise.
A música, como terapia, há muito vem sendo utilizada no meio hospitalar e
pode produzir modificações fisiológicas significativas, tais como alterações no
batimento cardíaco, diminuição da dor, equilíbrio da respiração, bem como a melhora
dos aspectos afetivos (Leinig, 1977). Assim, esta investigação, permitiu compreender
a importância da utilização de vivências musicais durante as sessões de hemodiálise
e a possibilidade de diminuição das intercorrências clínicas durante esse processo.
Assim, considerando os significativos efeitos da música no âmbito fisiológico
e o possível reflexo no aspecto psicológico, adicionou-se ao título desse estudo o
nome poético Canta, Canta minha gente5, que representa, ainda que subjetivamente,
a possibilidade de através da vivência musical e do canto, transformar o sentimento
de dor e tristeza provocados pelo tratamento em um movimento proativo, a favor da
saúde e do bem estar dos pacientes durante as sessões de hemodiálise.
Contudo, mesmo com esta possibilidade de intervenção da música, faz-se
necessário conhecer um pouco mais as informações acerca da IRC e do tratamento
dos dialíticos.
4
Segundo o prontuário da Clínica CDR - Evangélico / Ulisses, as intercorrências são classificadas como: acesso coagulado – FAV/CDL/PC, acesso com baixo fluxo, angina, bacteremia, câimbra,
calafrios, cefaleia, dialisador coagulado, dialisador errado, dialisador rompido, dor em membro de acesso, edema de membro de acesso, epistaxe, hematoma em sítio de punção, hipertensão arterial, Hipertermia, hipoglicemia, hipotensão sintomática, infecção de CAT/PC, infecção de FAV, medicação errada,
náuseas/vômito, perda de peso excessiva, perda de peso insuficiente, perda de sangue > 150ml, pressão venosa elevada (PTM), punção múltipla de FAV – ART/VEM, reação pirogênica, sangramento em
óstio de CAT/PC, síndrome de 1º uso, transfusão de sangue.
5
A Canção Canta, Canta minha Gente, tem como compositor Martinho da Vila e é uma obra musical de caráter popular muito conhecida. O seu refrão diz: Canta, canta minha gente/Deixa a tristeza
pra lá/ Canta forte, canta alto/ Que a vida vai melhorar!
PIVATTO, Fernanda B.; SILVA, Lydio R.; SIMÕES, Pierângela N. Canta canta, minha gente: um estudo de caso...
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A insuficiência renal crônica e a hemodiálise
Os rins são órgãos vitais que têm a função de filtrar o sangue, remover líquidos,
eletrólitos e produtos resultantes do metabolismo orgânico, portanto, são essenciais
para manter a homeostasia interna das funções endócrina e metabólica, regular a
pressão arterial e o volume de fluídos (RIELLA, 2003).
A IRC, segundo Riella (2003), é o resultado final do comprometimento da
função renal por diversas doenças que acometem os rins de maneira rápida ou lenta
e progressiva, resultando em múltiplos sinais e sintomas decorrentes da incapacidade
renal de manter a homeostasia interna do organismo. Entre as principais causas de
IRC estão o Diabetes Mellitus, a hipertensão arterial, a glomerulonefrite crônica, as
uropatias obstrutivas e a doença renal policística.
Segundo Souza e Pandya (2014), a IRC não tem cura, nos estágios iniciais
o doente necessita de intervenção medicamentosa adequada e modificações na
dieta. Esse tratamento visa a diminuir a progressão da doença, evitar complicações e
auxiliar o paciente a conquistar uma melhor qualidade de vida apesar da gravidade da
doença. Quando a doença chega a um estágio avançado (perda de 90% das funções
renais) as opções de tratamento são a hemodiálise, a diálise peritoneal e o transplante
renal (Ibid).
O processo mais utilizado de diálise é a hemodiálise (SOUZA E PANDYA, 2014,
p. 22). É um procedimento intermitente em que o paciente permanece ligado a uma
máquina especial, a fim de realizar a circulação extracorpórea de filtragem do sangue
para remover as substâncias tóxicas e eliminar o excesso de líquidos. Em geral, a
hemodiálise é realizada em hospitais e clínicas especializadas, com frequência de
três vezes por semana, com sessões de três a quatro horas em média (QUEIROZ,
2010).
De acordo com Lopes, Sadala e Lorençon (2004) esta dependência da máquina
provoca uma mudança radical na vida do paciente, tanto no aspecto físico, quanto no
psicológico. Em função dessas características é frequente a aposentadoria do portador
de IRC por invalidez e, consequentemente, a sua exclusão do mercado de trabalho.
Essa situação estende-se à vida social e familiar do paciente e impacta diretamente
no papel que essa pessoa desempenha nesses dois segmentos sociais.
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Todavia, ainda que as intervenções médicas e clínicas sejam fundamentais na
melhora dos pacientes com IRC, e que os serviços de psicologia atendam em grande
parte aos aspectos psicológicos do tratamento, a Musicoterapia pode se constituir
como uma importante contribuição no processo de promoção de saúde, pois além
de possibilitar às pessoas outra via de expressão e comunicação, pode promover
a canalização e transformação de sentimentos não favoráveis à recuperação dos
pacientes. Em outras palavras, a Musicoterapia pode ser uma importante alternativa
terapêutica na promoção da saúde dos pacientes dialíticos, visto que potencializa
a criatividade, entretém, alivia as tensões e mobiliza energia motivacional para a
continuidade do tratamento.
Musicoterapia na hemodiálise
A Musicoterapia constituiu-se ao longo dos tempos como um campo de estudo
e ciência, sobretudo, no século XX. Atualmente a Comissão de Prática Clínica da
Federação Mundial define a Musicoterapia como:
[...] a utilização da música e/ou dos elementos musicais (som, ritmo, melodia
e harmonia) pelo musicoterapeuta e pelo cliente ou grupo, em um processo
estruturado para facilitar e promover a comunicação, o relacionamento, a
aprendizagem, a mobilização, a expressão e a organização (física, emocional,
mental, social e cognitiva) para desenvolver potenciais e desenvolver ou
recuperar funções do indivíduo de forma que ele possa alcançar melhor
integração intra e interpessoal e, consequentemente, uma melhor qualidade
de vida. (RUUD apud BRUSCIA 2000, p.286)
A prática musicoterapêutica é um processo sistemático, tem um propósito
e é baseado em conhecimentos organizados, em que o musicoterapeuta utiliza
técnicas específicas para promover mudanças nos estados físico, afetivo, cognitivo,
sociocultural ou espiritual, seja de um indivíduo ou de um grupo (BRUSCIA, 2000).
As técnicas musicoterápicas descritas por Kenneth Bruscia (2000), são:
improvisação, re-criação, composição e audição ou receptiva. Dentro dessa perspectiva,
a música pode ser utilizada para facilitar procedimentos médicos e para assistir os
pacientes antes, durante e depois das intervenções clínicas. No contexto hospitalar,
a musicoterapia pode ser utilizada para reduzir ansiedade, estresse, desconforto;
facilitar a anestesia e o retorno ao estado de vigília; intensificar efeitos analgésicos de
medicação e auxiliar no monitoramento e controle de respostas fisiológicas.
PIVATTO, Fernanda B.; SILVA, Lydio R.; SIMÕES, Pierângela N. Canta canta, minha gente: um estudo de caso...
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A contribuição da Musicoterapia em diferentes contextos hospitalares visa
atender as necessidades das pessoas que se encontram internadas, em situações pré
e pós-cirúrgicas, em coma ou em estado terminal. Em internações de curta duração,
se realizam poucos atendimentos, caracterizando um processo terapêutico breve, e
em tratamentos mais longos, há chance de se realizar vários atendimentos (CUNHA,
VOLPI, 2008).
A Musicoterapia tem sido aplicada e estudada em diversas áreas do contexto
hospitalar, com diferentes pacientes e objetivos variados. Zanini et al (2009) relataram
a influência da musicoterapia na qualidade de vida e nas variações fisiológicas, no
controle de pressão arterial em adultos que sofrem de hipertensão arterial. Estudos de
Hagemann (2015), identificaram melhoras nos sintomas de depressão, na qualidade de
vida e no equilíbrio da pressão arterial diastólica de pacientes em hemodiálise. Korhan
et al (apud HAGEMANN, 2015) observaram melhora significativa na intensidade de
dor neuropática em pacientes após intervenção da Musicoterapia e Colwell et al (apud
HAGEMANN, 2015) identificaram alterações na frequência cardíaca, pressão arterial
e saturação de oxigênio em crianças hospitalizadas expostas a música.
Além dessas possibilidades de intervenção, a Musicoterapia no contexto
hospitalar, pode favorecer significativamente o clima emocional entre os participantes
que fazem parte do ambiente da hemodiálise, pois as atividades musicais desenvolvidas
estimulam o envolvimento ativo dos pacientes, bem como dos profissionais de saúde
que fazem parte desse processo. Por essa razão, esse tipo de atuação, também acaba
por se revestir de características comunitárias, visto que, mobiliza todos os indivíduos
que fazem parte do contexto. Sobre esta prática, Cunha e Volpi dizem que,
[...] na prática da musicoterapia comunitária o musicoterapeuta se insere na
comunidade de tal forma que em conjunto com a equipe multiprofissional e os
membros da comunidade discutem as necessidades e prioridades do grupo
traçando planos e estratégias para atingir os objetivos almejados. No contexto
da musicoterapia comunitária, o terapeuta deixa de ser o representante do
saber, e passa a produzir conhecimento na interação com os saberes trazidos
pelas pessoas. (CUNHA e VOLPI, 2008, p.93)
Como se vê, ainda que em um ambiente médico-hospitalar, a prática
musicoterapêutica pode oferecer uma perspectiva humanizante e integradora a todas
as pessoas que fazem parte do ambiente, de tal forma que seja possível, nas sessões
de hemodiálise, promover um clima socioemocional favorável, seja para pacientes,
seja para os profissionais envolvidos.
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Efeitos psicofisiológicos da música
Músicos, psicólogos, médicos e filósofos estão de acordo quando afirmam que
a música pode provocar mudanças nas pessoas que a escutam. Esses efeitos podem
ser de cunho emocional ou psicológico. No bojo dessas afirmações discute-se se a
música afeta primeiramente a área emocional ou área física. Sobre isso diz Leinig:
[…] a música atingiria primordialmente as emoções, despertando estados
de ânimo que iriam atuar sobre o organismo; para outros, o processo seria
inverso, isto é, do fisiológico para o psicológico, sendo a excitação nervosa
quem daria origem às emoções. (LEINIG, 1977, p.39)
Diante disso, como se vê, os dois aspectos interferem-se reciprocamente.
A música pode provocar no indivíduo a comunicação, a identificação, a fantasia, a
expressão pessoal e levá-lo ao conhecimento de si mesmo (LEINIG, 1977).
A música afeta as pessoas emocionalmente, “porque cria ambientes de humor
aos quais reagimos em um nível subconsciente e não-verbal” (McCLELLAN, 1994,
p.143). Quando se ouve música, ocorre um processo no qual os sons são captados
pelos ouvidos, convertidos em impulsos e percorrem os nervos auditivos até o tálamo,
que é a estação central das emoções, sensações e sentimentos (Ibid).
O valor terapêutico da música, segundo Blasco (1999), está no fato dela produzir
no ser humano, efeitos biológicos, fisiológicos, psicológicos, intelectuais, sociais e
espirituais, e nenhum desses aspectos é afetado sem intervir nos demais de alguma
forma.
Ainda segundo Blasco (1999), estudos comprovam que a ação física da música
aumenta à resistência a dor, altera a frequência cardíaca, a frequência de pulso e a
respiração. A razão para tais mudanças na taxa de pulsações, pode ser causada pelo
estímulo musical, ou seja, pelas emoções despertadas no ouvinte. Leinig diz que,
[…] a música provoca um estado de tensão psicológica, capaz de acarretar
vasodilatação intracraniana e que, como consequência, surgia uma constrição
circulatória periférica. O aumento do sangue no cérebro, explica porque, muito
trabalho manual e mental pode ser realizado com mais facilidade, quando o
indivíduo está ouvindo música (LEINIG, 1977 p.42)
McClellan (1992) alerta sobre os cuidados que podem influenciar a audição,
tais como o ambiente da escuta musical, a familiaridade com a música, bem como as
lembranças passadas e gostos pessoais.
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Hoje, sabe-se que a música estimula diversas áreas cerebrais e, dessa forma,
pode evocar lembranças e estimular a memória, principalmente a memória de longo
prazo, que é apoiada por um sistema que envolve os lobos temporal médio e inferior,
e por uma estrutura logo abaixo, chamada hipocampo (JOURDAIN, 1988).
Ainda nos diz o autor que os neurocientistas nunca encontraram um lugar
específico no cérebro destinado ao armazenamento dessas lembranças de maneira
separada, mas sabe-se que o cérebro memoriza os acontecimentos por processos
de categorização. Assim, quando um estímulo chega ao cérebro, seja visual, auditivo,
olfativo ou sensitivo, as estruturais cerebrais o dissecam, analisando e estabelecendo
uma rede de relações, armazenando-os em categorias como referências da experiência
vivida, ou seja, uma referência para a memória. Dessa forma, mais tarde, quando o
cérebro relembra algo, evoca essas relações para gerar uma lembrança e, por essa
razão, isso pode significar que, na verdade, as lembranças não sejam propriamente
resgatadas e sim re-criadas (Ibid).
Para alguns músicos, psicólogos e filósofos, a música tem propriedades
terapêuticas em si mesma, ou seja, a música provoca reações por seus próprios
elementos. Nessa pesquisa, aborda-se o valor terapêutico além da forma musical,
a música é vista aqui como algo que se elabora para o ouvinte no momento da
audição, nas qualidades musicais, assim, em sua própria natureza polissêmica e não
apenas nos efeitos fisiológicos que ela produz no ser humano (COSTA, 1987 p.67;
BARCELLOS e SANTOS apud SANTOS, 2008).
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Caminhos metodológicos
Como um estudo de caso, essa pesquisa investigou as alterações
psicofisiológicas provocadas pela prática da musicoterapia em um determinado
grupo de pacientes, portadores de Insuficiência Renal Crônica durante sessões de
hemodiálise, que ocorreram semanalmente por nove meses, de abril à outubro de
2015, no setor de hemodiálise na Clínica CDR - Evangélico / Ulisses vinculada ao Grupo
Pró-Renal Brasil, perfazendo assim vinte e sete encontros, tendo cada atendimento a
duração média de duas horas, durante toda a realização da pesquisa.
Convém informar que esse estudo é uma continuidade da pesquisa e Iniciação
Científica realizada entre 2014 e 2015 (PIC/FAP/Fundação Araucária): “A contação de
história e a música como arte terapêutica: a musicoterapia com pacientes dialíticos”,
Revista InCantare, Curitiba, v.06 n.02, p. 52-72, jul./dez. 2015
que abordou a arte de contar histórias com auxílio da música como aporte no processo
musicoterápico durante as sessões de hemodiálise. Tanto a primeira etapa da
pesquisa, quanto o estudo aqui relatado foram submetidos e aprovados pelo Comitê
de Ética da Faculdade de Artes do Paraná (CEP/FAP), sob o parecer consubstanciado
nº 1.158.204.
Com o propósito de verificar novas hipóteses a respeito do estudo anterior,
os dados dessa pesquisa foram construídos tendo como base a investigação mista,
que incluiu instrumentos de investigação quantitativa e qualitativa, visto que, essa
abordagem se enquadra de maneira mais adequada na pesquisa-intervenção e,
segundo Chizzotti (1991), assume uma intervenção no nível de terapia.
A pesquisa qualitativa produz dados a partir de observações extraídas
diretamente do estudo de pessoas, lugares ou processos com os quais o pesquisador
procura estabelecer uma interação direta para compreender os fenômenos estudados
(Maykut & Morehouse apud Martins, Bógus, 2004). Por meio da pesquisa quantitativa
buscou-se obter uma medição precisa dos dados quantificáveis, para que se pudesse
verificar o quão recorrentes foram as alterações fisiológicas em pacientes com
Insuficiência Renal Crônica, a fim de fornecer um parâmetro de comparação entre as
sessões de hemodiálise, com e sem a presença das práticas musicoterapêuticas.
Foram considerados participantes desta pesquisa 14 pacientes que realizaram
hemodiálise na Clínica CDR - Evangélico / Ulisses, e atenderam os seguintes critérios
de inclusão: ter idade igual ou superior a 18 anos; ser portador de IRC; estar em
tratamento hemodialítico por um período igual ou superior a realização da pesquisa,
e realizar hemodiálise no terceiro turno das quartas e sextas-feiras. Os critérios de
exclusão compreenderam: pacientes com idade inferior a 18 anos; estar em tratamento
por um período inferior ao início da pesquisa; e realizar hemodiálise em outros turnos.
A coleta de dados qualitativos compreendeu a observação participante e os
relatos espontâneos dos pacientes. No que se refere à abordagem quantitativa, o
instrumento escolhido para a coleta dos dados foi o questionário com perguntas
fechadas, elaborado em conjunto com o serviço de Psicologia da clínica, visto que
esse setor conhecia as queixas mais frequentes dos pacientes. As questões estavam
relacionadas aos possíveis sentimentos e à percepção de tempo durante o processo
de hemodiálise, a fim de comparar esses aspectos nas sessões em relação às práticas
musicoterapêuticas.
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O formato para as respostas foi de múltipla escolha, para que de forma objetiva
os participantes optassem por uma ou mais alternativas. O questionário foi aplicado
por psicólogos e estagiários de Psicologia, para que a presença da pesquisadora não
induzisse os pacientes às respostas.
Convém ressaltar que, embora o questionário aplicado tenha objetivado obter
dados quantitativos, em se tratando da realidade de pacientes dialíticos em sessões
de hemodiálise, os dados coletados, na verdade, significam expressão de qualidade
no procedimento de atendimento e, por esta razão, justifica-se que o teor quantitativo
nesse estudo é indicativo direto e campo de observação qualitativa das intervenções,
nesse caso, com a presença da Musicoterapia.
Observe-se que a não realização de entrevista nessa coleta de dados, mesmo
reconhecendo que essa poderia contribuir com aspectos qualitativos, não ocorreu,
porque essa ação implicaria em possíveis análises de discurso, propósito este não
contemplado nessa pesquisa, mas que em futuros estudos poderá ser aplicado.
Assim, para a avaliação das informações quantificáveis foram utilizados também
os dados dos prontuários clínicos individuais, sendo considerada a manifestação das
intercorrências durante a sessão de hemodiálise. Para coleta desses dados foram
utilizadas as informações semanais da segunda sessão (quartas-feiras) em que não
houve intervenções musicoterapêuticas e da terceira sessão (sextas-feiras), em que
houve intervenções musicoterapêuticas, a fim de compará-las. Não foram considerados
os dados da primeira sessão (segundas-feiras), visto que há uma predisposição de
intercorrências nesse dia, pois nos finais de semana os pacientes ficam mais dias sem
dialisar.
Todos os dados coletados foram armazenados em uma tabela única para serem
analisados e por fim, realizar a triangulação dos dados quantitativos e qualitativos. De
acordo com Patton (apud AZEVEDO et al, 2013), a triangulação é uma maneira de
solucionar o problema de confiar em apenas um método ou em uma única fonte de
dados. O uso da triangulação acaba sendo o reconhecimento de que o pesquisador
precisa estar aberto a outras formas de observar um fenômeno.
As atividades musicoterapêuticas serviram como conduto para a observação
dos efeitos provocados pela música durante as sessões. Para seu desenvolvimento
foram utilizadas as técnicas musicoterapêuticas descritas por Bruscia (2000): re-criação
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e improvisação, utilizadas separadamente ou combinadas, de forma a perceber a
maneira mais adequada de intervenção, considerando a disposição apresentada pelo
grupo no momento do encontro.
Durante as sessões, a pesquisadora utilizou a voz e o violão para conduzir
apoio harmônico e rítmico às atividades. Em todos os atendimentos, os pacientes
participantes tiveram à sua disposição instrumentos de percussão, tais como ovinhos,
caxixis e maracas. Esses instrumentos foram escolhidos por serem leves e de fácil
manuseio; visto que os pacientes permaneciam conectados à máquina de hemodiálise
e a utilização de instrumentos maiores e mais pesados comprometeriam o acesso
vascular6. Outros instrumentos como harmônica, pandeiro, cuíca e tamborim foram
utilizados e trazidos pelos pacientes que já estavam familiarizados com eles.
Em geral, do ponto de vista dos gêneros musicais, houve predominância de
canções do repertório regional e popular nacional, contemplando desse modo a
cultura musical já presente no grupo de pacientes. Dessa forma, o uso da música
com pacientes portadores de IRC, durante as sessões de hemodiálise, representou
uma nova perspectiva em relação ao enfrentamento da doença, ao tratamento e à
possibilidade de transformar o tempo inativo do paciente em algo produtivo, bem como
evidenciou alterações fisiológicas significativas.
Análise dos dados e discussão
Observando os dados extraídos de prontuários clínicos referentes aos 14
pacientes estudados, verificou-se que a maioria (78%) era do sexo masculino, com
idade que variava entre 45 e 90 anos, sendo que 85% tinham 60 anos ou mais. Já o
sexo feminino representou apenas 15% do total de pacientes, com idade entre 47 e 65
anos. A prevalência do sexo masculino (58%) em diálise é confirmada segundo Censo
2013 da Sociedade Brasileira de Nefrologia, enquanto as mulheres representam 42%.
Durante as sessões de hemodiálise os pacientes estão suscetíveis à ocorrência
de intercorrências, tais como: hipotensão arterial, que pode acontecer à medida que
6
O acesso vascular é um cateter ou uma fístula arteriovenosa, pela qual o paciente realiza
a hemodiálise através da máquina, o sangue e é impulsionado por uma bomba até o filtro de diálise
(dialisador). No dialisador o sangue é exposto à solução de diálise (dialisato) através de uma membrana
semipermeável que retira o líquido e as toxinas em excesso e devolve o sangue limpo para o paciente
pelo acesso vascular. (Sociedade Brasileira de Nefrologia)
PIVATTO, Fernanda B.; SILVA, Lydio R.; SIMÕES, Pierângela N. Canta canta, minha gente: um estudo de caso...
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o excesso de líquido é removido durante o tratamento; hipertensão arterial, que
se manifesta devido à excessiva infusão de volume de solução salina, bem como
pelo estresse; as câimbras musculares podem estar presentes quando os líquidos e
eletrólitos deixam rapidamente o espaço extracelular; as náuseas e a cefaleia possuem
etiologia multifatorial e em grande parte desconhecida (RIBEIRO et al., 2009).
GRÁFICO 01 - Classificação das intercorrências verificadas
Extraídos dos prontuários clínicos individuais, os registros de intercorrências
são aspectos essenciais no estudo, pois oferecem uma visão geral das alterações
fisiológicas que ocorrem durante as sessões de hemodiálise. De acordo com Gráfico
1, a principal complicação verificada foi a hipoglicemia (32% do total), seguida de
cefaleia (28%), da hipotensão sintomática (10%) e do dialisador rompido (10%).
No Gráfico 2, é possível observar que a manifestação das intercorrências
prevaleceram nas sessões em que não aconteceram intervenções musicoterápicas.
Em um parâmetro geral, houve uma diminuição de 75% na manifestação das
intercorrências nas sessões em que aconteceram as atividades musicoterápicas. Uma
possível explicação para a diminuição das intercorrências pode residir no caráter lúdico
da música e na interação grupal que ocorreram nos atendimentos de musicoterapia.
Sobre o assunto Leinig (1977), afirma que a musicoterapia pode provocar alterações
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no organismo humano, bem como o aspecto intelectual e mental. A música, através
do sistema nervoso central atua na totalidade do ser humano e pode, efetivamente,
desencadear processos psicofisiológicos, conduzindo a homeostase natural do
organismo a uma maior orientação e reação.
GRÁFICO 02 - Panorama das manifestação das intercorrências no período da pesquisa.
Em relação ao aspecto lúdico musical, Brasil e Schwartz (2005) declaram
que a felicidade pela música, pode acelerar a circulação do sangue, o que facilita o
cumprimento de todas as funções, a fim de não só alimentar e aumentar a saúde,
quando existente, mas restaurá-las quando perdida.
A respeito dos aspectos psicológicos que também influenciam nas manifestações
das intercorrências, Gionnotti e Pizzoli (2004), explicam que audição musical afeta
positivamente a liberação de substâncias químicas cerebrais que podem regular o
humor, reduzir a agressividade e a depressão.
Pascoal et al (apud Cavalcante et al, 2011, p. 377), afirmam que “o tratamento
dialítico é responsável por um cotidiano restrito onde suas atividades são limitadas
após o início do mesmo”. Embora a IRC cause limitações na vida diária dos pacientes,
desde mal-estar à restrições alimentares e ingestão de líquidos, para alguns deles o
mais dif ícil não é conviver com essas mudanças, e sim a duração e todo o processo
de tratamento, visto que esse altera significativamente a sua rotina, provocando dessa
forma desgaste físico e emocional. Com o tempo ocioso, os dialíticos começam a
pensar nos problemas que estão enfrentando, gerando preocupações e angústias, o
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que interfere em seu bem-estar psicológico. Cabe explicar que o Gráfico 3, refere-se
ao que os pacientes fazem usualmente na sessão de hemodiálise.
O tratamento hemodialítico é responsável por um rotina monótona e as
atividades dos respectivos pacientes ficam limitadas após o início do procedimento
(MARTINS, CESARINO, 2005). Quando questionados sobre o que faziam durante as
sessões de hemodiálise, 33% dos pacientes declararam que assistem televisão, 24%
dormem, 14% escutam música e rádio, 10% assistem filmes e vídeos, 5% leem, 14%
não realizam nada. A televisão se constitui na forma de entretenimento mais utilizada,
pelo fato de estar sempre ligada, aspecto que torna a sessão ainda mais rotineira e
passiva.
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GRÁFICO 03 - Atividades realizadas pelos pacientes durante a hemodiálise.
A realidade da vida dos pacientes em hemodiálise é permeada de alterações
físicas que impõem limitações ao cotidiano e exige adaptações. A hemodiálise causa
muito sofrimento, tornando o paciente frágil e debilitado emocionalmente (MACHADO,
CAR, 2015). Esses pacientes necessitam permanecer de 3 a 4 horas ligados a uma
máquina, e essas horas muitas vezes são percebidas como intermináveis. A contagem
do tempo é regressiva até o esperado momento de serem desligados dos referidos
maquinários.
Na comparação entre os gráficos, a percepção de tempo por parte dos pacientes,
parece estar em consonância com as atividades que realizam durante a hemodiálise.
Com o tempo ocioso, 79% dos pacientes revelaram que percebem o tempo passar
Revista InCantare, Curitiba, v.06 n.02, p. 52-72, jul./dez. 2015
devagar. Porém, quando questionados sobre a percepção do tempo com a presença
de atividades musicoterápicas, a percepção temporal é alterada, esses mesmos 79%
declaram que o tempo passa depressa.
GRÁFICO 04 - Comparação da percepção temporal nas sessões sem e com a presença de atividade
musicoterápicas.
Visando proporcionar uma quebra no ócio ocasionado pelo tratamento, propôsse empregar atividades musicoterápicas durante as sessões, uma vez que esse tipo
de atividade musicais e lúdicas “constitui uma necessidade humana que facilita o
processo das relações interpessoais, permitindo ao indivíduo desvelar e compreender
as experiências dolorosas e mais conflituosas com espontaneidade, criatividade e
prazer” (OLIVO, 1998 apud BRASIL e SCHWARTZ, 2005, p. 104).
GRÁFICO 05 - Sentimentos relatados pelos pacientes nas sessões de hemodiálise
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Assim, como se vê no Gráfico 5, quando questionados sobre como se
sentem durante a sessão da hemodiálise sem musicoterapia, 40% relataram sentirse relaxados, misturados ao nervosismo (30%), preocupados (15%), irritados (5%),
emocionados (5%). Em comparação com os sentimentos expressos com a presença
da musicoterapia, os pacientes apresentaram-se 35% relaxados, 24% entusiasmados,
17% alegres e 14% emocionados, com evidente diminuição de irritabilidade e
preocupação.
De acordo com Maratos et al (apud Hagemann, 2015), os benefícios da
Musicoterapia no tratamento da hemodiálise não ocorrem ao acaso. O agente da
alteração dos sintomas depressivos está no ‘fazer ativo’ que ocorre na relação
terapêutica existente entre musicoterapeuta e paciente. Cantar junto, tocar instrumentos
musicais coletivamente são ações expressivas para o paciente em hemodiálise.
Nesse contexto também, o fazer musical é social, interpessoal, prazeroso
e significativo. Isso corrobora com as afirmações que revelam que ouvir música
ativa áreas cerebrais corticais e subcorticais, onde as emoções são processadas
(McCLELLAN, 1994). Esses efeitos psicofisiológicos sugerem que a estimulação
auditiva evoque emoções, capaz de alterar a energia muscular e reduzir ou atrasar a
fadiga física, a ansiedade e o estresse. Esses são aspectos que implicam diretamente
em uma promoção de saúde durante o tempo de hemodiálise (Ibid).
Os efeitos da música sobre as emoções, explicam em parte porque a música
é um instrumento significativo no processo terapêutico (McCLELLAN, 1994, p. 151).
O autor comenta que a emoção despertada pela música vem de dentro da pessoa
e a maneira como reage à audição musical depende do dia, das preocupações, que
ela tem. Por isso, devem ser considerados alguns cuidados que podem influenciar na
audição musical, como o fato do ouvinte estar se sentido confortável durante a escuta
da música, se tem familiaridade com a música, bem como as associações passadas
e gostos pessoais. O autor complementa, que a música ouvida pode provocar a
qualidade de humor ou o humor correspondente, ou uma emoção, se o ouvinte estiver
prestando atenção total à música. Além de a música provocar uma emoção, esse
sentimento pode estar relacionada à própria estrutura musical.
Considerando-se, portanto, a relevância dos dados encontrados nesse estudo
sugere-se que pesquisas similares sejam realizadas com maior número de pacientes,
a utilização de grupo controle e outros instrumentos de avaliação, visto que, também
não houve estudo de gêneros e relação com a doença base, dados que podem
influenciar nos resultados fisiológicos.
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Segundo dados do Censo da Sociedade Brasileira de Nefrologia indicam que
até 2013 cerca de 100.397 pacientes estavam em tratamento dialítico. Devido ao
alto número de pacientes, constata-se a necessidade cada vez maior de avaliar as
variações psicofisiológicas que configuram-se nos aspectos físicos e emocionais, e a
partir dos resultados das avaliações, empreender ações para minimizar fatores que
possam interferir na rotina e, até mesmo, na qualidade e adesão ao tratamento.
Considerações finais
“Canta, canta minha gente, deixa tristeza pra lá”, esses são os versos simples
da canção, mas que ao considerar o ambiente em que é entoado recebe um novo
significado. Versos que são cantados por pacientes que realizam hemodiálise três
vezes por semana e passam de três a quatro horas ligados a uma máquina para
continuar vivendo. A IRC enquanto patologia insidiosa compromete mais do que as
funções vitais, debilita e impõe restrições físicas e psicológicas ao exigir um esforço
grande dos pacientes para tolerarem e se adaptarem às mudanças da vida e a gradual
perda de sua qualidade.
Nesse estudo, pode-se verificar que para os pacientes que participaram da
pesquisa, a música trouxe resultados significativos, tanto nos aspectos fisiológicos
como psicológicos. A questão da percepção temporal, como o prazer de ouvir
e participar das atividades musicais foi evidenciada, pois, através da audição das
músicas e do canto foi possível recordar momentos importantes, despertando-lhes
sentimento de emoção e alegria. O tempo passou despercebido, de forma a minimizar
os transtornos fisiológicos comuns durante a hemodiálise. A música possibilitou
momentos de prazer, descontração e comunicação mesmo em um ambiente clínico,
pois permitiu a transposição emocional dos pacientes em relação às barreiras físicas
e psicológicas que usualmente devem enfrentar durante as sessões.
Em essência, o presente estudo reforça a ideia de que é possível humanizar
os ambientes clínicos e hospitalares, levando aos pacientes uma perspectiva proativa
em que possam se sentir produtivos apesar de suas limitações clínicas, bem como
ressignificar seus momentos de vida pela expressão musical e assim promover saúde
mesmo diante das dificuldades que se apresentam.
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É fato que outros estudos devam ser realizados para corroborar e até mesmo
ampliar o campo de conhecimento sobre a musicoterapia com pacientes dialíticos, mas
ainda que de forma modesta, acredita-se que esta pesquisa possa ajudar a semear
práticas mais humanizantes e, sobretudo, possa contribuir para que as pessoas
enfrentem de melhor forma suas enfermidades, gerando assim uma melhor qualidade
de vida.
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