Simpósio Temático 11: Relações Internacionais e Políticas Internas: Brasil e Cone Sul Contemporâneos Haroldo Loguercio Carvalho Universidade de Passo Fundo Estados nacionais na ordem global: paradoxo internacional contemporâneo. Desafios dos Estados americanos no internacionalismo excludente. O trabalho é uma reflexão sobre a conjuntura internacional desta transição de séculos XX para XXI, a partir das experiências vivenciadas pelos Estados americanos, especialmente Argentina e Brasil, que procuraram definir caminhos conjuntos frente às orientações nacionalistas precedentes. Desde o início da década de 1990 presenciamos uma ampliação da ação diplomática destes Estados no sentido de superar limites e resistências recíprocas como forma de alterar seus relacionamentos com as principais economias ocidentais. A globalização como caminho inexorável e as insuficiências das instituições multilaterais (ONU e OMC) são os pontos a confrontar diante de um internacionalismo permeado de hierarquias. Como reflexão, o trabalho engloba elementos da política, da economia e da ideologia, pois nestes campos tem-se definido os padrões de relacionamento internacional. Estados nacionais, ordem global, internacionalismo O trabalho é uma reflexão sobre a conjuntura internacional desta transição de séculos XX para XXI, a partir das experiências vivenciadas pelos Estados americanos, especialmente Argentina e Brasil, que procuraram definir caminhos conjuntos frente às orientações nacionalistas precedentes. Desde o início da década de 1990 presenciamos uma ampliação da ação diplomática destes Estados no sentido de superar limites e resistências recíprocas como forma de alterar seus relacionamentos com as principais economias ocidentais. A globalização como caminho inexorável e as insuficiências das instituições multilaterais (ONU e OMC) são os pontos a confrontar diante de um internacionalismo permeado de hierarquias. Como reflexão, o trabalho engloba elementos da política, da economia e da ideologia, pois nestes campos tem-se definido os padrões de relacionamento internacional. Nossa proposta de análise parte de uma tentativa de responder a seguinte questão: como os estados têm resolvido as necessidades de legitimação interna das nações frente ao conjunto de situações problema que compõem a atual conjuntura internacional? Partindo da verificação que os emissores do discurso globalizador, propagado ao longo das últimas duas décadas, não encontram espaço, agora, que não seja na sua própria defesa nacional? Quer dizer, a liberdade econômica e a ideologia liberal são freadas não pelo princípio matemático, mas pelo político. A transição dos anos 1990 marcou não somente o retorno à normalidade democrática em países como Brasil e Argentina como também marcou a busca exasperada por recuperar-se o tempo perdido no desenvolvimento da economia e das sociedades. A idéia que empolgou grande parte dos partidos políticos e da mídia regional esteve contaminada pelo fim do ambiente ideológico internacional e pelo otimismo em relação à mudança de postura das grandes economias ocidentais no que tange ao regramento mundial. Ao longo deste período, assistimos a incorporação de uma idéia de internacionalismo que até bem pouco estava restrita aos ideários da esquerda. A possibilidade de um mundo harmônico e interdependente esteve mais visível na ideologia comunista do que na economia capitalista. Entretanto, as coisas mudam. A ordem global passou a ser a panacéia planetária econômica, enquanto aquela ideologia passou a denunciar este novo internacionalismo. Neste ambiente de transição, foi necessário redefinir as estratégias internacionais de estados até então periféricos. Em relação ao Brasil, a tomada de consciência internacional que a sociedade brasileira experimenta desde o final do regime militar, não que os militares não tivessem muito claro o ambiente externo em que viviam, mas ao fato de que no Brasil houve um período muito estreito entre a redemocratização interna e o final da era bi-polar, que nos iludia do mundo real. Nos anos 1980 vivíamos na ante-sala da crise soviética e já se buscava uma inserção mundial sem nenhum determinante exclusivo, buscava-se, como de resto sempre se buscou desde 1930: “insumos”1, para aproveitar a capacidade de síntese do Prof. Amado Cervo. Sem precisar explicar os equívocos, amplamente denunciados, de que o novo internacionalismo não se revestia dos mesmos princípios generosos de um mundo integrado, passamos ao longo dos anos 1990 procurando dar passos além de nossas capacidades e, em muitos aspectos, comprometendo o que havíamos construído. É a partir da virada do milênio que se procurou uma recuperação de tendências mesmo que se adaptando à nova realidade internacional. Se num primeiro momento a economia internacional, vista pela ótica da expansão do capital privado aparecia como portadora das virtudes do desenvolvimento social, restou claro que a ação do Estado seria a mediadora entre a alta competitividade global e a necessidade de proteção de interesses nacionais. Na Argentina, por exemplo, tomando como referência a fala de Rafael Bielsa, chanceler do Governo de Néstor Kirchner em 2004, quando afirma que “é objetivo do governo argentino ser condizente com o melhor de nossos princípios e de nossas tradições de política externa, e fazê-los coerentes com os 2 interesses da nação” . Em seu entendimento, é coerente buscar no plano internacional os mesmo valores de democracia, liberdade, igualdade e justiça social que se quer no plano interno. Neste sentido, a Argentina tem procurado a afirmação de suas instituições democráticas nacionais e busca correspondência no fortalecimento e atualização dos organismos multilaterais, quer dizer: igualdade entre os cidadãos, igualdade entre as nações. Isto tem repercutido na busca de elevar os índices de bem-estar social, ao direito de aceder aos mercados internacionais, sem subsídios nem competição desleal. Reconhece o ministro, que é no multilateralismo e na vigência de uma efetiva cooperação internacional que está a única possibilidade de construir-se um mundo mais pacífico, solidário e racional. No caso brasileiro, a deterioração dos indicadores sociais na região foi vista como sinal de alerta para mostrar as limitações do chamado modelo neoliberal, um exemplo disso com as crises sociopolíticas que a região viveu no virar dos anos 2000. Segundo Celso Amorim, “a ação diplomática do Governo Lula é concebida como instrumento de apoio ao projeto de desenvolvimento social e econômico 3 do país” . Com este entendimento, fica claro que o Brasil também recupera a dimensão histórica de sua diplomacia e a amplia no sentido de construí-la baseada no que Amorim chama de dimensão humanista, pois se projeta numa idéia de cooperação internacional para o desenvolvimento e para a paz. É, 4 segundo afirma, “nacional, sem deixar de ser internacionalista” . A estratégia brasileira está condicionada a uma série de pressupostos regionais. A constituição de perspectiva internacionalista centrada na cooperação e no multilateralismo, vem sendo implementada a partir da afirmação dos instrumentos regionais. A trajetória do projeto Mercosul e sua ampliação para a dimensão subcontinental é o ponto de partida que vem sendo articulado desde 2003, e que chega na recém criada UNASUL. Entretanto este é só o princípio, pois tem sido nos fóruns internacionais que o Brasil e seus aliados têm afirmado uma identidade desconhecida até poucos anos atrás. Ainda na época do ministro Celso Lafer a frente da diplomacia do presidente Fernando Henrique Cardoso, quando o país procura ocupar um lugar de destaque no concerto internacional a partir de uma estratégia de aproximação com o Norte, a perspectiva de identidade internacional do Brasil era ressaltada na singularidade da dimensão continental do país em sua perspectiva histórica, e, sobretudo, orientava-se no sentido de lhe conferir status de país grande na complexa estratificação do poder mundial em curso desde o fim da Guerra Fria. Tomando os dados do tamanho do território, população e PIB, afirmou Lafer que o Brasil “é, naturalmente, parte da tessitura da ordem internacional. Tem assim, naturalmente, uma world view, como registra Kissinger ao relatar 5 suas conversas com as autoridades brasileiras na década de 70” . Em rota diversa da brasileira daqueles anos, a Argentina, especialmente após a grave crise do governo Fernando de La Rua, mas não só ela, entendem que a ordem pós Guerra Fria e depois de 11 de setembro de 2001, acrescentou novos componentes na agenda internacional, como o terrorismo e suas derivações, mas que a terapêutica deve ser buscada com outras ferramentas. Assevera Bielsa que: Aprendemos da história que os fundamentalismos de diversos tipos e os projetos hegemônicos acabam por atropelar a liberdade, os direitos humanos mais elementares e, sobretudo, a paz. Hoje essa paz não é apenas a antítese do conflito bélico; é também, uma ausência para aqueles que sentem terror e para aqueles que 6 sentem fome . Por conta disso, sustenta que é urgente fortalecer a ONU, dotando-a de maior efetividade, e insistir por maior equidade na OMC além de maior democracia no FMI. O Brasil, a partir do governo de Luis Inácio Lula da Silva reorientou alguns elementos da ação diplomática anterior. Ao afirmar que o Brasil passaria a ter sua orientação fundamentada na consciência da interdependência entre os destinos do Brasil e de seus vizinhos sul-americanos, numa perspectiva de integração econômica efetiva e não meramente comercial e financeira, com investimentos em infra-estrutura física, nosso principal gargalo, se percebe que tal estratégia, mesmo que ainda timidamente, vem apresentando resultados 7 políticos importantes. É o caso, por exemplo da articulação do G-20 , criado durante a Conferência Ministerial da OMC em Cancún em 2003. Parece não restar muitas dúvidas que este movimento situa-se na vanguarda de um movimento internacional que vem conquistando importantes aliados em outros fóruns e, mesmo simpatias entre a sociedade civil dos países desenvolvidos. De Cancún até Doha, vemos um crescente e inovador campo de negociações comerciais acrescentado por elementos políticos, sociais entre outros. Amorim, comentando tal estratégia, expõe que ao alterar a tradicional dinâmica das negociações na OMC – onde as duas principais potências comerciais costumavam estabelecer entre si a direção e o nível de ambição das negociações – o G-20 contribuiu para “alterar a geografia do comércio internacional”, conforme expressão do Presidente Lula. O G-20 afirma-se com ator indispensável para o progresso das negociações de Doha. Sustentamos que a Rodada só será bem sucedida à medida que o processo for transparente e capaz de contemplar os interesses e 8 demandas dos principais atores . A criação de novas estratégias e a inclusão de novos atores, atesta que houve a criação de um espaço diplomático até então não percebido, e que tem se revelado essencial na interação da região sul-americana com outros grandes países e regiões em desenvolvimento. Assim, o Brasil tem demonstrado, não isoladamente, que seus objetivos podem ser, ao mesmo tempo, universalistas e firmemente ancorados na prioridade real sul-americana. Em termos políticos e, de certa forma reveladora da dimensão ideológica em evidência no continente, o Brasil e seus parceiros tem tratado em nível de igualdade as questões comerciais com as de justiça social e direitos humanos. Não é por acaso que a base de sustentação do discurso diplomático situa-se no combate à fome e à pobreza. Os valores éticos e humanistas por trás desta perspectiva, acabam chamando “a atenção para os limites de enfoques que privilegiam a dimensão militar da segurança internacional, sem levar em conta os vínculos entre desenvolvimento econômico e social, por um lado, e paz e 9 segurança internacional por outro” . Assim, ao confrontar as posições assumidas pelos países em desenvolvimento, - mesmo reconhecendo que nos pólos mais frágeis deste grande bloco possam, e devam, surgir contradições -, com os grandes capitalistas do Norte, não é outra a resposta senão a defesa de um interesse nacional elevado à condição de compartilhamento mundial, muito distante, portanto, das posições assumidas ao longo dos anos 1990, que privilegiavam alianças com práticas subservientes que resultaram desastrosas para a América Latina em geral. O paradoxo de tudo isto é justamente o Brasil, tido por muito tempo como nacionalista, atuar forte nesta arena ao ponto de destacar-se como liderança na esfera da defesa do comércio justo e solidário com os mais pobres, enquanto do lado dos grandes, dos propagadores da onda liberal dos anos anteriores, passarem a agir pequenamente, seu Estado em primeiro lugar. A globalização excludente, tende a ceder espaço para novo internacionalismo reforçado por um mundo multipolar. 1 A noção de insumos diz respeito aos objetivos da política externa desenvolvimentista implementada pelo Brasil e outros países ao longo de seus processos de modernização. Ver CERVO, Amado. As relações internacionais da América Latina e Definição dos conceitos. (completar referências) 2 BIELSA, Rafael. A política externa da Argentina no quadro da integração regional. In: DEP – DIPLOMACIA, Estratégia e Política. Vol. 1, nº 1 (out. 2004). Brasília, p. 5-21. 3 AMORIM, Celso. Conceitos e estratégias da diplomacia do Governo Lula. In: DEP – DIPLOMACIA, Estratégia e Política. Vol. 1, nº 1 (out. 2004). Brasília, p. 41-48. 4 Idem. 5 LAFER, Celso. A identidade internacional do Brasil e a política externa brasileira: Passado, presente e futuro. São Paulo: Perspectiva, 2004, p. 24. 6 BIELSA. Op., cit., p. 10. 7 Naquele ano o G-20 era composto pelos seguintes países: África do Sul, Argentina, Brasil, Bolívia, Chile, China, Cuba, Egito, Equador, Filipinas, Índia, Indonésia, México, Nigéria, Paquistão, Paraguai, Tanzânia, Venezuela e Zimbábue. 8 AMORIM. Op., cit., p. 43. 9 Idem, p. 44.