Mattoso, Jorge. “As crises da Argentina e do Brasil e a cidade de São Paulo”. São Paulo: Valor Econômico, 13 de Agosto de 2001. Jel: E, F, I. As crises da Argentina e do Brasil e a cidade de São Paulo. Jorge Mattoso. A crise Argentina continua seu doloroso caminho, inúmeras vezes anunciado. Desde 1991, quando da aprovação da lei de convertibilidade e do conseqüente engessamento da moeda e da economia argentina, não foram poucos os que, desde longe, anunciaram que os riscos, no médio e no longo prazos, abater-se-iam sobre o conjunto do país: perda de competitividade, surtos recessivos, sucessivos ajustes fiscais, cortes dos gastos públicos e desemprego. Entre 1999 e 2000, o PIB argentino sofreu uma queda próxima a 4%, o investimento de 20%, enquanto o desemprego voltou a superar a casa dos 15%, situando-se num patamar duas vezes e meia superior ao verificado no início dos anos noventa. A opinião pública argentina, no entanto, esteve durante os anos noventa, como que paralisada, evitando qualquer discussão sobre o futuro e preferindo manter o valor do peso igual ao dólar, mesmo que tal paridade fosse absolutamente irreal e de graves conseqüências sobre a economia e a sociedade argentinas. Supostas causas para a ausência de debate não faltaram: o trauma resultante do anterior processo hiperinflacionário, a dominância do pensamento neo-liberal com sua sucessão de promessas (elevação da produtividade, ingresso massivo e eterno de capitais externos, sucessivos ajustes fiscais redentores, etc.) ou o generalizado endividamento das famílias e empresas em dólar, foram motivos sempre invocados para defender-se a paridade. Os desdobramentos futuros desta crise ainda são uma incógnita. No entanto, quaisquer que sejam os resultados futuros (mais um adiamento da crise final com novos ajustes fiscais e aprofundamento da recessão, um default dos pagamentos devidos, a desvalorização do peso ou a definitiva dolarização com entrega definitiva da soberania monetária ao EUA), tudo leva a crer que será imposto "in extremis" pelo mercado (com as inevitáveis conseqüências sociais e institucionais decorrentes) e não resultado de uma opção e elaboração nacional capaz de dividir os ônus e responsabilidades. É difícil avaliar com precisão a intensidade dos efeitos da crise argentina (inclusive por se desconhecer seu desfecho) sobre a economia global e brasileira. No entanto, não há dúvida que a economia brasileira sentirá bastante o agravamento da crise argentina, ainda mais considerando-se a atual debilidade do país, devido à crise energética, ao grau de desestruturação produtiva e do Estado e, principalmente, à extrema vulnerabilidade externa a que fomos submetidos pelas políticas econômicas adotadas pelo governo federal nos últimos anos. Em outras palavras, o menor crescimento das economias da Tríade (EUA, Europa e Japão) e o agravamento da crise argentina vieram somar-se à desestruturação da produção, do Estado, do mercado de trabalho, das contas externas e à falta de rumo da atual política econômica brasileira. O Mercosul, por outro lado, ao invés de funcionar como espaço regional de formulação de políticas agrícolas e industriais, a partir das complementaridades produtivas dos seus países, tornou-se presa fácil da Alca e refém da instabilidade econômica congênita dos seus sócios. Neste quadro, mesmo antes da recente elevação do câmbio, a inflação elevou-se (meta do ano revista de 4% para 5,8%), os juros em alta ampliaram a dívida pública (dívida líquida do setor público elevar-se-ia no ano para 53% do PIB, apesar da meta de 46,5% acordada com o FMI), o crescimento econômico reduziu-se mais uma vez, confirmando o "stop and go" de duas décadas, enquanto o desemprego deve elevar-se novamente (agora a partir de uma base mais elevada). As conseqüências de um quadro desta natureza, quando o Brasil mais parece uma nau sem rumo, se abaterão sobretudo sobre as grandes cidades brasileiras, que têm se constituído, a cada dia que passa, em depósitos de excluídos sociais e verdadeiro barril de pólvora de demandas sociais insatisfeitas. A megametrópole de São Paulo, além de sofrer os efeitos deletérios do tufão Maluf-Pitta, e no momento em que se inicia uma nova administração voltada ao saneamento das contas públicas, à dinamização das políticas sociais de saúde e educação, à implantação de projetos sociais inovadores (como Renda Mínima, Bolsa Trabalho, Começar de Novo e Banco do Povo) e à estruturação de um projeto de desenvolvimento local, terá que enfrentar-se, agora, ao desafio da queda do crescimento econômico, elevação da inflação e dos juros (com a conseqüente queda da arrecadação municipal e ainda maior elevação da dívida pública) e dos impactos regressivos sobre o emprego e a exclusão social. Entretanto, o governo federal continua a fazer mais do mesmo: negociar a continuidade do acordo com o FMI, reduzir os gastos sociais, aprofundar a centralização fiscal e negar-se a rediscutir os termos do acordo de refinanciamento da dívida de São Paulo. Este acordo, lesivo à cidade de São Paulo, proíbe novos empréstimos ao governo local, compromete 13% da receita com juros e exige um pagamento impossível de 2 bilhões de reais, sob pena de uma elevação dos juros. Como se os habitantes de São Paulo fossem responsáveis pelos desmandos das duas últimas administrações, e os desempregados e excluídos da cidade de São Paulo e das grandes metrópoles brasileiras devessem ser ainda mais penalizados pelo descalabro da economia nacional ...