CAPÍTULO 1: INTRODUÇÃO A Epidemiologia é o “estudo da ocorrência de doença em populações humanas”, pela contagem de eventos de saúde no grupo natural de ocorrência (população) do qual fazem parte (são um membro). Os clínicos necessitam das melhores respostas possíveis. Eles utilizam diversas fontes de informação: sua própria experiência, o conselho de colegas e as conclusões a partir de seu conhecimento acerca da biologia da doença. Em muitas situações, a fonte mais confiável é a pesquisa clínica, que envolve o uso de observações anteriores de pacientes semelhantes para predizer o que acontecerá ao paciente em tratamento. Os clínicos se apóiam na Epidemiologia Clínica para o cuidado dos pacientes. Mas nem todos os estudos epidemiológicos são úteis para o cuidado de pacientes individuais. A pesquisa em serviços de saúde é o estudo de como fatores não-biológicos (funcionários e instalações clínicas, a maneira como o serviço é organizado e pago, as crenças dos clínicos e a cooperação dos pacientes afetam a saúde dos pacientes. A tomada de decisão quantitativa inclui análises de custo-efetividade, que descrevem os custos financeiros necessários para chegar a um bom desfecho, como a prevenção de morte ou doença, e análises de decisão, que estabelecem a base racional para decisões clínicas e as conseqüências ou alternativas. As ciências sociais descrevem como o ambiente social afeta o comportamento relacionado à saúde e o uso dos serviços de saúde. EPIDEMIOLOGIA CLÍNICA É a ciência que faz predições sobre pacientes individuais utilizando a contagem de eventos clínicos em grupos de pacientes semelhantes e valendo-se de métodos científicos sólidos para garantir que as predições sejam corretas. Fornece informações para boas decisões. A medicina baseada em evidências é um termo moderno para a aplicação da epidemiologia clínica ao cuidado com os pacientes. Ela inclui a formulação de questões clínicas específicas, a busca das melhores evidências de pesquisa disponíveis sobre aquelas questões, o julgamento sobre a qualidade das informações para embasar as decisões clinicas e a utilização dessas informações no cuidado com os pacientes. Obs1.: Ver tabela 1.1 pg 23. Princípios Básicos O objetivo da epidemiologia clínica é o de oferecer métodos de observação e interpretação clínica que levem a conclusões válidas e a um melhor cuidado do paciente. 1. Questões clínicas: Anormalidade – o paciente está doente ou sadio? Diagnóstico – qual a acurácia dos testes utilizados para diagnosticar a doença? Freqüência – Com que freqüência uma doença ocorre? Risco - quais são os fatores que estão associados com um risco maior de doença? Prognóstico – quais são as conseqüências de se ter uma doença? Tratamento – como o tratamento altera o curso de uma doença? Prevenção – uma intervenção em pessoas sadias impede o surgimento da doença? Fazer a detecção e iniciar o tratamento precocemente melhora o curso da doença? Causa – que condições levam à doença? Quais são as origens da doença? 2. Variáveis: São atributos dos pacientes e eventos clínicos – coisas que variam e que podem ser medidas. Variável independente é a suposta causa ou variável preditora. Variável dependente é o efeito possível. Variáveis externas podem ser parte do estudo e podem afetar a relação entre as duas principais, mas são alheias às questões principais. 3. Desfechos de Saúde: São os eventos clínicos de interesse primário na epidemiologia clínica. Estes são os eventos que os médicos tentam entender, prever, interpretar e modificar, quando cuidam dos pacientes. Desenlace ou morte (Death): desfecho ruim, se antes do tempo. Doença (Disease): conjunto de sintomas, sinais físicos e anormalidades laboratoriais ou como o paciente vivencia a doença. Desconforto (Discomfort): dor, náusea, dispnéia, prurido e zumbido. Deficiência funcional (Disability): limitação Descontentamento (Dissatisfaction): Reação emocional à doença e ao seu cuidado, como tristeza e raiva. Despesa (Destituition): gastos finaceiros com a doença. 4. Números e probabilidade: Impressões, intuições e crenças são importantes na medicina, mas apenas quando se somam a uma base sólida de informações numéricas. Os desfechos clínicos como a ocorrência de doença, morte, sintomas ou deficiência funcional, podem ser contados e expressos como números. Uma pessoa irá ou não experimentar um desfecho clínico, a predição precisa ser expressa como uma probabilidade. 5. Populações e amostras: População são todas as pessoas em um cenário definido ou com certas características definidas. Amostra é um subconjunto de pessoas em uma população definida. Inferência é um julgamento racional com base em dados, de que as características da amostra assemelham-se àquelas da população de origem. 6. Viés (Erro Sistemático): É um processo em qualquer estágio da inferência com tendência a produzir resultados que se afastem sistematicamente dos valores verdadeiros. É qualquer tendência na coleta, análise, interpretação, publicação ou revisão de dados que possa levar a conclusões que sejam sistematicamente diferentes da verdade. Viés de seleção ocorre quando são feitas comparações entre grupos de pacientes que diferem em outros determinantes de desfecho, além do que está sendo estudado. Viés de aferição ocorre quando os métodos de aferição são diferentes entre os grupos de pacientes. Viés de confusão ocorre quando dois fatores estão associados e o efeito de um se confunde com ou é distorcido pelo efeito do outro. O potencial para viés não significa que o viés esteja realmente presente em um estudo ou, se estiver, que teria um efeito suficientemente grande nos resultados para ter relevância. Para lidar de forma adequada com o viés, é necessário saber onde e como procurar por ele, o que pode ser feito, se o viés está de fato presente, qual é o seu tamanho e, então decidir se é importante para modificar as conclusões do estudo de forma clinicamente relevante. 7. Acaso Mesmo sem viés, as amostras podem alterar a situação na população devido ao acaso. A variação aleatória é a divergência entre a observação amostral e o valor verdadeiro na população devida, exclusivamente, ao acaso. Este pode afetar todos os estágios envolvidos nas observações clínicas. Diferentemente do viés, a variação aleatória tem probabilidades iguais de resultar em valores acima ou abaixo do verdadeiro. Assim, a média de observações não enviesadas tende a aproximar-se do valor verdadeiro da população. Porém isso pode não ocorrer com resultados de amostras pequenas. 8. Os Efeitos do Viés e do Acaso São Cumulativos Viés e acaso não são exclusivos mutuamente. Na maioria das situações, ambos estão presentes. A razão principal para a distinção entre viés e acaso é que eles são tratados de forma diferente. O viés pode ser evitado ou corrigido e se não for eliminado, pode ser detectado pelo leitor atento. Já o acaso, não pode ser eliminado, mas pode ter sua influência reduzida por um delineamento apropriado de pesquisa, e seu efeito remanescente estimado pela estatística. A estatística não é capaz de corrigir os vieses desconhecidos nos dados. 9. Validade Interna e Externa A validade interna é o grau em que os resultados estão corretos para a amostra sob análise. Já a validade externa, também chamada de capacidade de generalização, é o grau de veracidade dos resultados de uma observação em outros cenários, ou seja, expressa a validade de se presumir que os pacientes em um estudo são semelhantes a outros pacientes. O pesquisador deve garantir a validade interna, fazer com que a população do estudo se enquadre na questão da pesquisa, descrever os pacientes do estudo cuidadosamente e evitar estudar pacientes que sejam tão incomuns que a experiência com eles possa ser generalizada somente para um número pequeno de pessoas. INFORMAÇÕES E DECISÕES As boas decisões dependem de boas informações, mas envolvem julgamento de valor e peso dos riscos e benefícios, que competem entre si. A tomada de decisão compartilhada é a tomada de decisão de médico e paciente em conjunto. As preferências dos pacientes e as evidências científicas são a base para a escolha entre as opções de cuidado à saúde. CAPÍTULO 2: ANORMALIDADE TIPOS DE DADOS Nominais; Ordinais; Intervalares. Dados Nominais Ocorrem em categorias sem qualquer ordem inerente. Ex. tipo sanguíneo, sexo, morte, diálise ou cirurgia. Se forem divididos em duas categorias como presente/ausente, sim/não, vivo/morto, são chamados de dicotômicos. Dados Ordinais Possuem ordem inerente, ou hierarquia (pequeno a grande, bom a mau), mas o tamanho dos intervalos entre as categorias não é especificado. Ex.: edema de membros inferiores de 1+ até 4+, sopros cardíacos de graus I (ouvido somente com esforço especial) até IV (audível até com o estetoscópio fora do tórax) e graus de força muscular 1 (ausência de movimento) até 5 (força normal). Dados Intervalares Há uma ordem inerente, e o intervalo entre os valores sucessivos é igual, independentemente de onde estejam na escala. Podem ser contínuos: podem assumir qualquer valor em um continuum, sendo eles relatados daquela forma ou não, ex. uma leitura glicêmica pode, de fato, ser 193, 2846573...mg/100mL, mas é relatada como 193 mg/100Ml. Ou discretos: podem assumir somente valores específicos e são expressos como contagens. Ex. número de gestações, de nascidos vivos e de episódios de enxaqueca por mês. Para os dados ordinais e intervalares, há a dúvida de onde termina o normal e onde começa o anormal. Os clínicos têm a liberdade de escolher qualquer ponto de corte. DESEMPENHO DAS AFERIÇÕES Validade É o grau em que os dados medem o que eles deveriam medir, ou seja, os resultados de uma aferição correspondem ao estado verdadeiro do fenômeno sendo aferido. É o mesmo que acurácia. Quando as observações clínicas podem ser medidas por meios físicos é relativamente fácil estabelecer a validade. Outras, como dor, dispnéia, depressão e medo não podem ser verificadas fisicamente. Questões individuais (itens) são desenvolvidas para medir fenômenos específicos (como sintomas, sensações, atitudes, conhecimento, crenças), chamados de construtos, e esses itens são agrupados para formar escalas. Três estratégias gerais são utilizadas para estabelecer a validade das aferições que não podem ser diretamente verificadas pelos sentidos físicos. Validade de Conteúdo é o grau em que um método específico de aferição inclui todas as dimensões do construto que se pretende medir e nada mais. Ex. uma escala para medir a dor teria validade de conteúdo se incluísse questões sobre a dor: pulsação, a queimação e a ardência, mas não sobre a pressão, o prurido, etc. Validade de Construto está presente se a aferição estiver relacionada de forma coerente com outras medidas que se acredita serem parte do mesmo fenômeno. Validade de Critério está presente quando as mensurações relacionam-se com fenômenos diretamente observáveis. Ex.: quando as respostas a uma escala de dor relacionam-se previsivelmente a dores de intensidade conhecida. Dados confiáveis e preferencialmente dimensionais (dados laboratoriais, demográficos e custos financeiros) são chamados de “hard” (duro). Já o desempenho clínico, a conveniência, a expectativa e as impressões da família são “soft”. Eles dependem de declarações subjetivas, geralmente expressas em palavras ao invés de números. Para evitar os dados subjetivos, o clínico prefere usar informações laboratoriais que são objetivas. Porém isso torna o tratamento desumano. Confiabilidade É o quanto repetidas aferições de um fenômeno estável, por pessoas e instrumentos diferentes, em diferentes momentos e lugares têm resultados semelhantes. Também chamada de reprodutividade e precisão. As aferições podem ser válidas (acuradas), mas não confiáveis, porque estão dispersas em torno do valor verdadeiro. Por outro lado, as medições podem ser bastante confiáveis, mas inacuradas, se estiverem sistematicamente afastadas do valor real. Um número pequeno de aferições, com pouca confiabilidade, também tem baixa validade, pois elas tendem a se distanciar do valor real unicamente pelo acaso. Portanto, a validade e a confiabilidade não são de todo conceitos independentes. Em geral, uma aferição não-confiável não pode ser válida, e uma aferição válida precisa ser confiável. Intervalo de Variação É possível que um instrumento não registre os valores muito baixos ou muito altos do fenômeno que está sendo medido. Isso é, ele tem um intervalo de variação limitado, que limita as informações que fornece. Responsividade Os resultados se alteram junto com a condição clínica que está sendo medida. Interpretabilidade Escalas baseadas em questionários podem ter pouco significado intuitivo para os clínicos e pacientes que não as usam de forma regular. Para superar essa desvantagem de interpretabilidade, os pesquisadores podem “ancorar” os valores da escala em estados de saúde conhecidos. VARIAÇÃO Para evitar conclusões erradas a partir dos dados, os clínicos precisam estar cientes das razões da variação em uma determinada situação e saber quais, provavelmente, terão uma grande importância, uma pequena importância, ou nenhuma importância no que está sendo observado. A variação global é a soma das variações relacionadas ao ato de medir, às diferenças biológicas intra-indivíduos de tempos em tempos, e às diferenças biológicas interindivíduos. Variação Resultante de Aferição É possível reduzir a fonte de variação ao fazer medições com extremo cuidado e ao seguir protocolos-padrão. Entretanto, quando as aferições envolvem o julgamento humano, ao invés de máquinas, a variação pode ser especialmente grande e de difícil controle. As variações nas aferições também surgem porque elas são feitas apenas sobre uma amostra do fenômeno sendo descrito, que pode representar o todo de forma errônea. Frequentemente, a fração amostral é muito pequena. Se as mensurações forem feitas por diversos métodos diferentes, parte das aferições podem não ser confiáveis, produzindo resultados sistematicamente diferentes. Variação Resultante de Diferenças Biológicas Uma medição em um momento no tempo é uma amostra das aferições durante um período de tempo e pode não representar o valor usual dessas aferições. A variação também surge devido às diferenças entre as pessoas. Variação Total As diversas fontes de variação são cumulativas. Efeitos da Variação A variação aleatória - por exemplo, devido a instrumentos instáveis ou a muitos observadores com vieses variados que tendem a anular uns aos outros – não resulta, em geral, na representação errônea do estado verdadeiro de um fenômeno, embora as aferições individuais possam ser enganosas. A inacurácia resultante da variação aleatória pode ser reduzida tomando-se uma amostra maior do que a que está sendo medida. Além disso, o tamanho da variação aleatória pode ser estimado através de métodos estatísticos. DISTRIBUIÇÕES Os dados que são medidos em escalas intervalares são frequentemente apresentados como uma figura, chamada de distribuição de freqüências, mostrando o número (ou proporção) de um gruo definido de pessoas que possuem os diversos valores de aferição. A apresentação dos dados intervalares como uma distribuição de freqüências fornece as informações de forma bastante detalhada. Descrição das Distribuições Duas propriedades básicas das distribuições são utilizadas para se fazer o resumo: tendência central, o centro da distribuição, e dispersão, o quanto os valores estão afastados do centro. TABELA 2.4 Expressões de Tendência Central e Dispersão Expressão Definição Vantagens Tendência Central Média Mediana Moda Soma dos valores para as observações dividida pelo número de observações. Ponto em que o número de observações acima se iguala ao número abaixo. O valor que ocorre com mais frequência Desvantagens Adequada para manipulações matemáticas Afetada por valores extremos Não é facilmente influenciada por valores extremos Pouco adequada para manipulações matemáticas Simplicidade de significado Algumas vezes não há, ou há muitos valores mais freqüentes. Inclui todos os valores Altamente afetado por valores extremos Adequado para manipulações matemáticas Para distribuições nãoGaussianas, não descreve uma proporção conhecida das observações Não é adequada para manipulações estatísticas Dispersão Intervalo de variação Desvio-padrão Percentil, decil, quartil, etc. Do valor mais baixo ao mais alto em uma distribuição O valor absoluto da média das diferenças entre os valores individuais e o valor médio A proporção de todas as observações que ficam entre valores especificados Descreve a “raridade” de um valor Não faz suposições sobre a forma de uma distribuição Distribuições Reais São curvas unimodais, e grosseiramente em formato de sino, embora não sejam necessariamente simétricas. Distribuição Normal Também chamada de Gaussiana, a distribuição normal descreve a distribuição de freqüência de aferições repetidas do mesmo objeto físico pelo mesmo instrumento. A curva é simétrica e em forma de sino. Ela tem a propriedade matemática de que cerca de dois terços das observações ficam a 1 desvio-padrão da média, e aproximadamente 95%, a 2 desvios-padrão. As distribuições clínicas se assemelham superficialmente às distribuições normais. As formas das distribuições clínicas são diferentes umas das outras, uma vez que muitas diferenças entre as pessoas, além da variação aleatória, contribuem para as distribuições de aferições clínicas. Portanto, se as distribuições das aferições clínicas assemelham-se a curvas normais, isso é predominantemente acidental. Mesmo assim, frequentemente se presume que as aferições clínicas são distribuídas “normalmente”. CRITÉRIOS PARA A ANORMALIDADE A maioria das distribuições das variáveis clínicas não é facilmente dividida entre “normais” e “anormais”. Elas não são inerentemente dicotômicas e não demonstram quebras acentuadas ou dois picos que caracterizem os resultados normais e anormais. Isso ocorre porque a doença é geralmente adquirida gradualmente, de forma que há uma transição suave de valores baixos para altos, com graus crescentes de disfunção. Outra razão por que normais e anormais não são vistos como distribuições distintas é que, mesmo quando as pessoas que têm ou não uma doença apresentam distribuições de freqüência substancialmente diferentes, essas freqüências quase sempre se sobrepõem. Três critérios se provaram úteis para decidir entre o normal e o anormal: ser incomum, estar associado a doenças e ser tratável. O que pode ser considerado normal por um critério pode ser anormal por outro. Anormal= incomum Normal refere-se, muitas vezes, a uma situação comum ou de ocorrência freqüente. É melhor descrever os valores incomuns, independentemente da proporção escolhida, como uma fração (ou percentil) da distribuição real. Dessa forma, é possível fazer uma afirmação direta sobre a freqüência de um valor, sem fazer suposições acerca da forma da distribuição da qual ela veio.