INTRODUÇÃO Os modelos de negócio que hoje estão presentes no mercado pouco ou nada têm a ver com os modelos de negócio de um passado com mais de vinte anos. Vários aspectos mudaram e mudaram radicalmente. Onde antes se encontrava uma estrutura formal, vertical e hierárquica hoje encontra-se uma estrutura achatada, horizontal e processual, virada para o mercado. Onde antes se encontravam mercados de clientes e de fornecedores locais hoje encontram-se mercados globais. Onde antes se encontravam clientes mais ou menos estáveis, fiéis e pouco informados, hoje encontram-se clientes instáveis, exigentes, pouco fiéis, muito informados e procurando melhor serviço. Onde antes se viam competidores hoje podem ver-se complementares. Onde antes se via apenas competição hoje vê-se competição e colaboração em simultâneo – co-opetição. Muito mudou no mundo das empresas nos últimos anos. E todas estas mudanças são demasiado vastas para continuarem a requerer aos recursos humanos que nelas trabalham os mesmos poderes dos anos anteriores: conhecimentos técnicos, boa capacidade de raciocínio, autonomia, experiência, saber fazer. Todos estes poderes se têm mantido, é certo, muito embora tenham nascido outras necessidades que vieram tornar aqueles de menor importância relativa: capacidade relacional, capacidade para aguentar o stress, capacidade para ouvir os outros e com eles estabelecer relações, boa comunicação, boa integração em ambientes de trabalho em grupo, entre vários outros. Ou seja, a evolução das empresas e dos mercados e os próprios níveis e tempos de dedicação dos indivíduos às organizações fizeram emergir uma área de novas competências que assenta, essencialmente, não no cérebro racional, clássico, mas no cérebro emocional, o cérebro das competências emocionais. Passando as empresas a ser mais relacionais e menos isoladas, quer interna quer externamente, e passando a expor-se a contactos 12 Negociação para (in)competentes relacionais interpessoais assíduos, as competências emocionais ganharam uma expressão muito importante. Formar um bom profissional hoje exige bem mais que fazê-lo passar por ambientes formativos exigentes em termos cognitivos, onde o profissional aprenda a trabalhar, a pensar sozinho, a tornar-se autónomo. Formar um bom profissional hoje requer intenso trabalho de grupo, treino de equipa, trabalho rigoroso das competências emocionais porquanto esse profissional será integrado em equipas e dará o seu contributo em empresas que mantêm níveis relacionais muito elevados: com os demais colaboradores, com os clientes, com os fornecedores, com os parceiros. Ora o que se pretende com este texto simples é precisamente trazer para a área da negociação as competências emocionais necessárias ao ambiente relacional que se vive. Se continua a ser exigível trabalho formativo de nível cognitivo não se pode continuar a acreditar que os profissionais de hoje possam ousar assentar o seu sucesso apenas neste tipo de competências, ignorando a preparação emocional, as competências emocionais, o uso do cérebro e da inteligência emocional. O grande objectivo deste texto passa, assim, por abordar aspectos de negociação conciliados com aspectos de trabalho e uso da inteligência emocional, com carácter prático, de forma a percorrer o caminho que se vem exigindo: negociar usando a inteligência emocional. Alguns dos temas de negociação são clássicos. Alguns dos materiais aqui usados já tiveram aparição, conquanto com outra matriz, debaixo de um título do autor chamado Negociação. Porém, o que agora se pretende é lançar um caminho novo, onde se explorem conceitos de negociação tendo em consideração as competências emocionais. Ou onde se explorem competências emocionais e a inteligência emocional no âmbito da negociação quando esta se desenhava em contextos relacionais. O texto que agora se apresenta está estruturado em quatro capítulos, no sentido de integrar as duas áreas – inteligência emocional e negociação – e de propor trabalho intenso das competências emocionais em ambientes relacionais. O primeiro capítulo situa a questão essencial deste livro e faz um périplo pelas mudanças ocorridas nos modelos de negócio das Introdução 13 empresas que vêm requerer pessoas relacionalmente mais habilitadas. Explora o conceito de empresas relacionais, as necessidades de trabalho em equipa, as principais falhas dos indivíduos com preparação cognitiva em ambientes relacionais, as relações entre stakeholders e as dinâmicas de valor em empresas mais relacionais, a emergência dos modelos de negócio em rede e as pressões emocionais, a exigência do serviço e a relação como serviço, enfim, a mudança das competências exigidas e a apresentação das competências emocionais que se irão abordar em capítulos posteriores. Trata-se de um capítulo situacional de extrema importância porquanto fundamenta a existência do texto e a necessidade de criar, por exemplo, programas de formação diferentes dos mais convencionais e que trabalhem as competências emocionais e a inteligência emocional na negociação. O segundo capítulo trás os conteúdos negociais. Explora as necessidades negociais em ambientes relacionais, caracteriza a negociação com maiores competências emocionais, aborda as questões da dinâmica negocial, dilemas e interdependência, no contexto relacional, posiciona os conflitos e a forma estruturada de resolver conflitos via negociação (ou resolução alargada de conflitos). Apresenta formas simples e estruturadas de prevenir e resolver conflitos e explora os elementos negociais principais em ambientes de elevados níveis relacionais. O terceiro capítulo promove uma ligação entre as competências emocionais a abordar no último capítulo e os erros relacionais e erros negociais que emergem relacionados com essas competências. Ou seja, explora os erros relacionais, os erros negociais e as competências emocionais e relaciona os erros relacionais e os erros negociais com a ausência do trabalho das competências emocionais. Finalmente, propõe uma agenda negocial baseada em competências emocionais para contextos relacionais. O quarto e último capítulo, antes da brevíssima conclusão, apresenta as competências emocionais chave na negociação. Explora cada uma dessas competências emocionais, sugere exercícios para melhorar, ou trabalhar, essas competências, com carácter claramente aplicacional, e dá exemplos simples da aplicação ou trabalho dessas competências, e também da sua ausência, em práticas negociais. 14 Negociação para (in)competentes relacionais Trata-se de um texto simples, breve, de fácil leitura e consulta. Com carácter muito prático e direccionado para o desenvolvimento das competências emocionais no contexto negocial. Pretende-se com ele estruturar, de forma elementar, um caminho urgente para todos os gestores e negociadores e estimular o pensamento próprio sobre muitas das questões que se colocam no dia-a-dia negocial de cada um, de modo a que cada qual se sinta minimamente preparado, inclusive, a treinar e a desenvolver as suas competências emocionais em situações reais. Finalmente, o livro surge de uma necessidade clara. Quanto mais negociações empresariais ou institucionais o autor acompanha e a elas presta apoio de consultoria e quanto maior é o número de programas de negociação que lecciona, seja ao nível de curso breve, de tipo empresarial, seja ao nível de uma cadeira de licenciatura ou de ensino pós-graduado, a questão que se levanta com cada vez mais pertinência é a seguinte: as pessoas, genericamente, até podem estar preparadas, com conhecimentos técnicos de carácter cognitivo, para negociar, mas não estão munidas do correspondente trabalho das competências emocionais e da inteligência emocional para conseguirem chegar aos melhores resultados em ambientes cada vez mais relacionais. O autor, Balaia, «numa negociação entre a areia e o mar», Setembro de 2007