O Pequeno Albatroz Enquanto as últimas neves do Inverno derretiam, a Mãe Albatroz fitava, hirta, o mar verde e cinzento. Entretanto, sob o aconchego das penas da mãe, o Pequeno Albatroz dormia. Nascera apenas há horas, mas era já um pássaro forte. Bem longe deles, em pleno mar alto, o Pai Albatroz voava sobre as ondas, batendo as asas largas e grandes de regresso a casa, carregado de peixe. — Bem-vindo a casa! — exclamou a Mãe Albatroz, orgulhosa como todas as mães. Ainda a sonhar, o Pequeno Albatroz sentiu o cheiro do peixe pela primeira vez. Pela primeira vez. — Dá-me de comer, pai — pediu. — Dá-me de comer. — É para isso que aqui estamos — disse o Pai Albatroz. O Pequeno Albatroz comeu tudo o que podia e voltou a adormecer. O pai e a mãe revezavam-se a tomar conta dele. Enquanto um ia pescar, o outro ficava no ninho, ocupado a manter o filhote quente e seguro. Bem alimentado e bem guardado, o Pequeno Albatroz crescia cada dia maior, mais forte, mais barulhento, e mais esfomeado. A suavidade da sua penugem já deixava entrever belas penas brancas. E as suas asas cresciam compridas, largas e belas. Contudo, não longe dali, movia-se, furtiva, uma ave de rapina. Sempre à espera, sempre imóvel, tão imóvel que os albatrozes ainda não a tinham detectado. Um belo dia, a Mãe Albatroz e o Pai Albatroz olharam para o Pequeno Albatroz e viram o quanto ele crescera e quão forte estava. Pensaram, então, que seria seguro deixá-lo sozinho por algum tempo, enquanto iam pescar juntos. Assim, voaram por cima dos rochedos, enquanto cantavam a canção do albatroz errante. Não viram a ave de rapina. Mas esta viu-os, porque estava vigilante, e estava à espera. — Pai! Mãe! Voltem aqui! — gritou o Pequeno Albatroz, que nunca ficara sozinho antes. — Voltem! Voltem! Mas o vento uivava, as ondas rugiam, e os pais não conseguiam ouvir o filho. Pairavam sobre o mar encapelado, sempre à espreita dos peixes prateados que nadavam sob as ondas. Bastava-lhes um olhar e logo mergulhavam bem fundo, no mar verde e cinzento, para ir buscar o peixe. Depois, voltavam à superfície, cavalgando as ondas e engolindo tudo o que tinham apanhado. Nessa noite, o Pequeno Albatroz dormiu sozinho no ninho, alheio à ave de rapina, que se aproximava cada vez mais. Quando amanheceu, o Pai Albatroz e a Mãe Albatroz ainda sulcavam o oceano juntos, pairando acima do mar verde e cinzento, quando avistaram um barco de pesca, seguido por milhares de peixes prateados. Um verdadeiro festim! Sem sequer pensar, as duas aves voltaram a mergulhar no mar encapelado, juntando peixe após peixe. Depois nadaram para a superfície, em direcção à luz e ao ar. Nenhum se deu conta de que as redes se fechavam em torno deles. Sem as ver, nadaram em direcção a elas e logo foram apanhados na armadilha. Debateram-se e lutaram para se libertar, mas, quanto mais se debatiam, mais emaranhados ficavam. Estavam agora irremediavelmente presos, e não estavam sozinhos. Em seu redor, milhares de peixes lutavam para se libertar, bem como golfinhos e tartarugas, que também tinham sido apanhados nas malhas. Entretanto, a ave de rapina aproximava-se cada vez mais do rochedo e o Pequeno Albatroz ainda não a avistara. Os pais continuavam presos nas redes, e estavam quase a desfalecer. Quando viram a sombra negra de um tubarão vindo das profundezas do oceano, fizeram uma última tentativa para se soltarem. Cheio de raiva e avidez, o tubarão atacou as redes, rasgando-as com força colossal. Mas era tarde de mais, porque os pescadores tinham começado a içá-las. As redes saíram das águas carregadas de peixes, acompanhados pelos golfinhos, pelas tartarugas, e pelos albatrozes. Quando os pescadores viram as aves, libertaram-nas. Como estavam demasiado cansadas para voar, os homens deixaram-nas descansar. Tomaram conta delas e alimentaram-nas, para que ficassem fortes de novo. Quando finalmente partiram, toda a tripulação se despediu delas. Por esta altura, já a ave de rapina voava em círculo, preparando-se para matar. Havia já muito que esperava. O Pequeno Albatroz viu-a aproximar-se e reparou no olhar assassino com que a ave o fitava. — Mãe! Pai! — gritou. — Ajudem-me! Ajudem-me! Foi então que soou um grito estridente, vindo do céu, e a Mãe Albatroz e o Pai Albatroz voaram directos ao coração da ave de rapina, como se fossem duas flechas brancas e imensas. Ao dar-se conta da sorte que a esperava, a ave fugiu de imediato. Os albatrozes perseguiram-na, até terem a certeza de que nunca mais voltaria. Quando regressaram para junto do filhote, este dava saltos aflitos. Estava agitado por os ver e também porque precisava de comer. E estava zangado com os pais. — Pai! Mãe! — exclamou. — Esperei tanto pelos dois! Tive tanto medo e senti tanta fome. Onde estavam? O que os deteve? — É uma longa história — disse o Pai Albatroz. — Não voltaremos a deixar-te sozinho! Prometo! — disse a Mãe Albatroz. — Dá-me de comer, Pai! Dá-me de comer, Mãe! — pediu o Pequeno Albatroz. — É para isso que aqui estamos — disse a Mãe Albatroz. E ambos alimentaram o filhote até este se sentir saciado e feliz. Quando o Pequeno Albatroz adormeceu, as primeiras neves do Inverno começaram a cair à volta. E o som da canção dos albatrozes pairou sobre o mar verde e cinzento. A canção do albatroz errante. Michael Morpurgo Little Albatross London, Random House, 2004 (Tradução e adaptação)