Revista Sotaque francês Renda-se à delicadeza da decoração provençal Gabriela Carneiro da Cunha Prontinha, prontinha! Nº 27 mai/jun 2014 carreira C ? e f e hQue 60 Revista MRV ! a d a n Se o mundo do trabalho foi desenhado pelos homens, as mulheres já descobriram o jeito próprio de fazer parte dele. Conquistando cada vez mais espaço nas empresas, elas almejam sucesso e realização, mas o caminho pode ser bem diferente do tradicional corre-corre em busca de cargos de chefia Ione Maria Nascimento É indiscutível: as mulheres estão por toda parte no mercado de trabalho. As mudanças vieram como conquistas à base de lutas, consequências de, entre outras coisas, um mercado de trabalho que, desde a década de 1970, absorve cada vez mais a mão de obra feminina no Brasil. Mas o surpreendente é que, ainda que o trabalho seja fundamental para elas, nem sempre o que desejam é uma trajetória de ascensão profissional. Apesar de investirem bastante na carreira, apenas 8% querem assumir postos de chefia, como constatou pesquisa realizada pelo site Vagas.com. A mesma enquete, divulgada no ano passado, aponta que 100% das 1,5 mil entrevistadas, todas com currículo cadastrado no site, têm o trabalho como “muito importante” ou “importante” em suas vidas. Entre elas, 41% já têm uma especialização. Bom sinal para uma população que tem crescente participação no mundo do trabalho. Basta ver os números de 2012 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE): as mulheres são 45,4% da população ocupada, contra o índice de 43% registrado em 2003. Segundo Sofia Couto, diretora e especialista em recursos humanos da mineira AB Consultores Associados, são muitos os aspectos que interferem na trajetória de um profissional. “Os motivadores de carreira são vários e valem para ambos os sexos. Alguns optam por segurança, estabilidade, qualidade de vida. Outros pela vontade de administrar, coordenar e gerir. Os motivos variam de acordo com características pessoais, opções e o momento de vida”, assinala. A decisão de aceitar ou não um cargo de gestor, ressalva Sofia, tem mais a ver com tais motivadores do que com o gênero, apesar de as mulheres recusarem com mais frequência esses postos. Ambição profissional Há cerca de três anos, a engenheira de processos Ana Paula Viana, de 36 anos, se deparou com o desafio de aceitar ou não uma posição de coordenação na Revista MRV 61 empresa onde trabalha. “Existe a imagem de que a pessoa que não assume um cargo de liderança é mais acomodada, o que gera um conflito: será que estou sendo medíocre e me limitando?”, observa. Na época, ela se sentiu confusa, mas, passado um tempo, Ana Paula entendeu sua recusa. O cargo não atendia sua ambição profissional. “Não me sentiria confortável, motivada e feliz em um cargo gerencial. O que me satisfaz é o trabalho técnico. Desenvolvimento de um conhecimento mais específico é o que me motiva, e não ter um cargo ‘x’ ou poder”, explica. Além disso, Ana Paula priorizou a qualidade de vida, baseada também em seu momento pessoal. “Em uma área técnica, gerencio o trabalho para ter um horário mais definido para chegar e sair”, ressalta, lembrando que o nascimento da filha, que não completou um ano, reforça sua posição. “Acho que com mulher é mais complicado, porque a responsabilidade com os filhos sempre é maior para nós”, ressalta. A opção de Ana Paula por uma vida mais perto da família é, ainda nos dias de hoje, mais comum do que se imagina. Pesquisa da empresa de recrutamento Catho, com 2.457 mulheres, revela que 53% delas já deixaram o trabalho para se dedicar aos filhos. Desafio constante Para amenizar o drama na escolha por ter ou não cargos de chefia, ganha espaço nas empresas o conceito de carreira em Y. Nela, o profissional tem duas opções paralelas de crescimento hierárquico e ambas com a mesma importância: é promovido até se tornar um gestor ou até se tornar um técnico extremamente especializado. 62 Revista MRV Na opinião de Sofia, a capacidade de empatia e o olhar diferenciado para um problema são características femininas que contribuem para o desempenho no papel de gestoras. Entretanto, isso não livra as mulheres que conquistaram cargos de liderança de olhares de desconfiança. “Há uma cobrança muito maior em relação às mulheres nas organizações”, admite a especialista em recursos humanos. “Para as mulheres, não é só o resultado imediato que importa, pois elas têm uma visão mais ampla, pensam, por exemplo, no impacto das decisões sobre as pessoas. Mas as empresas são muito imediatistas”, destaca. Diretor-executivo da Senhor Gentileza Educação Corporativa (SGEC Brasil), empresa com escritório no Rio de Janeiro e São Paulo, Luiz Gabriel Tiago acredita que assumir ou não cargos de chefia é um problema que realmente não tem a ver com o sexo do profissional. “Não é fácil para as mulheres serem líderes, da mesma forma que não é para os homens, especialmente por vivermos sobrecarregados de tarefas, processos, pressão e urgências”, defende. Especializada em gestão de pessoas, a SGEC tem 14 cargos de chefia. Desses, dez são ocupados por mulheres. Além disso, 80% da equipe são do sexo feminino. “As mulheres cada vez mais surpreendem com sua capacidade de acumular tarefas e universos sem, de forma alguma, perder a leveza. Elas carregam dentro de si a força que muitos homens não têm”, ressalta Luiz Gabriel. Múltiplos papéis Conciliar diferentes papéis é possível, mas como elas conseguem? A consultora em recursos humanos Cíntia Bortotto, ex-executiva da Unilever, Otis e Bombril, dá a receita com base na própria experiência. “É sempre difícil equilibrar, mas com bastante organização é possível, sim, dar conta. Ana Paula encarou com coragem a decisão de assumir o papel profissional que lhe interessa como técnica Rodrigo Lima | Nitro Em algumas épocas esses cargos executivos, de diretoria, são muito demandantes, em termos de hora de trabalho, viagens, o que causa muitos conflitos com a agenda pessoal. Nesses períodos, você tem que ter uma estrutura familiar muito bem organizada para conseguir trabalhar”. Então, os sacríficos são maiores para as mulheres que ocupam cargos de chefia? “Se para a pessoa a organização for algo sacrificante, a questão pode ser traduzida dessa forma. Se há divergências de valores entre a expectativa pessoal e a profissional, então a pessoa entrará numa fase de mais sacrifícios”, responde Cíntia. Atual gestora de RH na Contax e consultora, Cíntia recebe demandas de empresas, principalmente de multinacionais, interessadas em diminuir a diferença entre as minorias, o que inclui ter mais mulheres na chefia. “Eles Eles querem entender qual estratégia montar para serem mais atrativos ou para gerar um banco de currículos para terem mais mulheres participando de processos seletivos, internos ou externos”, explica. Revista R evista MRV 63