Novos rumos para a América Latina Por Caio Megale – 01/10/2015 – Valor Econômico Durante a década passada, a América Latina viveu uma fase de ouro. A maioria dos países da região cresceu a uma média anual de 5% ao ano, alguns um pouco mais, como o Peru, outros um pouco menos, como o Brasil (o México foi uma exceção, crescendo em torno de 2,5%). Há um debate (especialmente no Brasil) se o que impulsionou o crescimento foram as reformas dos anos 90 e início dos 2000 ou o forte ganho dos termos de troca, impulsionados pela China e pela alta dos preços de commodities. Não vou entrar na discussão: digo que foi uma média ponderada entre os dois fatores, o leitor pode escolher os pesos. Sem dúvida houve conquistas do período de crescimento forte. Em primeiro lugar, houve um inequívoco avanço na redução da pobreza. Em 2002, quase 65% da população latino-americana era pobre ou extremamente pobre, de acordo com critérios da ECLAC (Economic Commission for Latin America and the Caribbean). Em 2012, esta proporção recuou para 40%, com ganhos difusos entre os países. Em segundo, muitos países foram capazes de aumentar substancialmente o volume de investimento fixo como proporção do PIB. A maioria dos países aproveitou também para reduzir sua dívida externa líquida, tornando a região mais preparada para lidar com momentos de saídas mais intensas de capital. Na política monetária, a maioria dos bancos centrais avançou para estabelecer regimes monetários mais maduros e críveis. No entanto, há fatores que relativizam os avanços listados acima. Apesar da melhora na distribuição de renda, ainda somos o continente mais desigual do mundo. Os avanços parecem ter cessado nos últimos anos, com risco de retrocesso em países que impulsionaram a demanda interna além da conta, como o Brasil. Além disso, boa parte do aumento no investimento foi em setores ligados às commodities (mineração, petróleo), o que tornou a economia da região ainda mais concentrada nesses setores. Nas contas externas, houve um aumento importante dos déficits em conta corrente que foram temporariamente escondidos pelos preços elevados das commodities, mas que agora demandam expressivas desvalorizações cambiais. Na política monetária, apesar dos regimes monetários mais maduros em alguns países, outros enfrentam dificuldades. No Brasil a inflação ainda é relativamente elevada apesar dos anos de metas para a mesma. Na Argentina e Venezuela a situação é mais complexa, com inflação cronicamente em dois dígitos e uma aparente ausência de estratégia para combatê-la. Desde que os ventos favoráveis pararam de soprar, a região vem desacelerando de forma significativa, revelando a necessidade de buscar novas fontes de crescimento. Quais as alternativas para frente? A edição de setembro da revista "Finance and Development" do FMI (disponível em imf.org) traz um conjunto de artigos sobre o tema, que nos ajuda a refletir sobre os desafios e oportunidades da região em diversas dimensões econômicas e sociais. Uma dimensão importante para o desenvolvimento de longo prazo é a da governança. A América Latina tem os piores resultados nos indicadores de governança (govindicators.org) entre as regiões do mundo, com destaque (negativo) para aplicação da lei ("rule of law") e controle de corrupção. A publicação do FMI salienta que houve avanços - a Operação Lava-Jato no Brasil e as negociações com as Farc na Colômbia são dois exemplos - mas ainda há muito pela frente. Para avanços mais substanciais, os autores argumentam que ações pontuais e leis isoladas são pouco eficazes: são necessárias reformas amplas, que alterem incentivos, promovendo a meritocracia, a transparência e a prestação de contas ("accountability"). Abertura comercial é outro tema que merece reflexão. A América Latina alcançou um nível relativamente bom de comércio dentro da região e, em alguns casos, com outras regiões. Mas o grosso do comércio ainda é a tradicional "exportação de commodities/ importação de produtos finais". A região ainda tem muita dificuldade de integração às cadeias globais de produção, o que tem maior potencial para impulsionar a produtividade e o crescimento econômico. Em parte, as dificuldades se explicam pela posição geográfica e o tamanho (pequeno) da maioria dos países. Mas em outra parte, se explicam pela baixa competitividade das economias, pelas escolhas ineficientes de setores vencedores e orientação protecionista de alguns governos. Em suma, os avanços que deram destaque à região foram concretos, mas hoje parecem insuficientes. A desigualdade social ainda é grande, e, com a desaceleração do crescimento e desvalorizações cambiais, pode voltar a subir em alguns países. Como voltar a crescer? Não parece haver receita pronta. No curto prazo, o câmbio depreciado é parte da solução. Há que se evitar a tentação de impulsionar o crescimento artificialmente, com efeito temporário e limitado. Aos poucos, a recuperação dos EUA e Europa ajudará a região a retomar algum crescimento, puxado por exportações. Mas dificilmente veremos uma nova onda de alta dos preços das commodities, que faça a região decolar como nos anos 2000. Para uma recuperação mais estrutural, será preciso uma nova onda de reformas que impulsionem a produtividade e a governança, diversifiquem as fontes de crescimento e abram espaço para as empresas da região se integrarem à produção global. Depois de uma década empolgante, em que foi uma orgulhosa estrela da economia global, a América Latina parece viver como a personagem da música de Bob Dylan ("with no direction home, like a rolling stone"). A região está mais sólida do que nos anos 90 e tem todas as condições de voltar a crescer. Mas a inércia não está a seu favor: sem ações concretas para reformar a estrutura da economia da região, corremos o risco de voltar a ter uma década perdida, como nos anos 80. Caio Megale, mestre em economia pela PUC-RJ, é economista do Itau-Unibanco