Uma luz sobre o nosso falido sistema carcerário

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Artigo:
Uma luz sobre o nosso falido sistema carcerário
EURO BENTO MACIEL FILHO
Advogado em São Paulo, Mestre em Direito Penal pela PUC/SP,
professor de Prática Processual Penal e de
Direito Penal do curso de graduação da UNIP/SP.
Não é de hoje que se sabe que o nosso sistema penitenciário é caótico, mal
administrado e, como se não bastasse, incapaz de recuperar quem quer que seja.
Na realidade, boa parte das nossas prisões se transformou em “depósitos de seres
humanos”, verdadeiras masmorras medievais, sendo certo que tal situação de
extremo desrespeito à dignidade humana dos presidiários não só contribui para a
elevação do índice de reincidência, como também provoca revolta, rebeliões,
mortes e depredação do patrimônio público.
Mas, apesar de ser algo sabido e conhecido por todos, a sociedade vem
convivendo com essa realidade, comodamente, já há algum tempo. De efeito,
poucas foram as medidas efetivas, sejam jurídicas sejam legislativas, que tiveram
por escopo dar um basta nessa situação.
Aliás, é bom dizer que esse quadro de desmazelo e descaso do Poder
Público, que acabou transformando o nosso sistema carcerário em uma verdadeira
“panela de pressão”, fomentou o surgimento e o fortalecimento de organizações
criminosas, que hoje dominam os presídios e colocam em xeque a autoridade do
Estado.
É inegável que a triste situação atual é apenas o reflexo, nada lisonjeiro, de
décadas de descaso e falta de interesse político para resolver o problema, afinal, o
tema, além de antipático e impopular, não rende votos e nem provoca aplausos dos
eleitores.
Vale também mencionar que boa parte da sociedade, infelizmente, contribui
para o caos a que chegamos. Ao cabo de contas, muitos acreditam que a política do
“quanto pior, melhor”, é a mais adequada quando o assunto é o tratamento a ser
dispensado à população carcerária.
Inclusive, é justamente esse preconceito já enraizado na nossa sociedade
que motiva a inércia do Estado no tratamento da questão penitenciária, visto que,
por óbvio, político algum quer ser rotulado como “defensor dos presidiários”.
Positivamente, nosso sistema prisional está falido e, hoje, a adoção de
medidas mais eficazes para a solução do problema encontra sérios obstáculos tanto
no preconceito da sociedade quanto na inércia da classe política.
Porém, é importante esclarecer que recente trabalho conduzido pelo
Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), realizado a pedido do Conselho
Nacional de Justiça (CNJ), revelou que um, em cada quatro ex-condenados, volta a
ser condenado pela prática de um novo delito num prazo de até cinco anos após a
primeira condenação. Ou seja, aproximadamente, a taxa de reincidência no nosso
sistema prisional é de 25%, o que não só é altíssimo, mas também deixa claro que
as nossas prisões não recuperam ninguém.
É evidente que diversos são os fatores que motivam o alto índice de
reincidência, porém, sem dúvida alguma, os maus tratos recebidos pelos detentos
nas nossas penitenciárias, associado ao fortalecimento das organizações criminosas
que atualmente dominam os presídios, estão entre os principais motivos para
números tão expressivos. Ou seja, o péssimo tratamento dispensado à massa
carcerária é, sim, fator criminógeno relevante.
Dentro desse quadro de ideias, fica fácil perceber que a redução da
criminalidade, necessariamente, passa pela humanização do nosso sistema
carcerário. Seguramente, um virá como consequência do outro.
Da forma como está a situação, ou seja, com o uso desmedido da prisão
pelo Poder Judiciário e, ainda, com a superlotação dos nossos presídios, o Estado
Brasileiro, longe de resolver o problema, está, na realidade, “enxugando gelo”. A
criminalidade não se combate com a profusão de prisões desmedidas, injustas e
desproporcionais, mas sim com inteligência, paciência e, mais que isso, com
políticas públicas efetivamente adequadas para que a prisão se converta em
medida real de ressocialização.
Diante de tudo isso, certo que os governos estaduais têm se mostrado
ineficazes e omissos na gestão do sistema prisional, coube ao Supremo Tribunal
Federal (STF), como guardião da Constituição Federal que é, intrometer-se na
questão para assim buscar soluções para tão grave problema.
Recentemente, o STF, ao julgar a Arguição de Descumprimento de Preceito
Fundamental (ADPF) n. 347, decidiu que medidas deveriam ser adotadas para
alterar a situação de absoluta “inconstitucionalidade” dos nossos presídios. Dentro
desse contexto, a nossa mais alta Corte determinou, por primeiro, que os recursos
hoje existentes no Fundo Penitenciário Nacional (Funpen) – cerca de R$ 2,4 bilhões
– devem ser imediatamente liberados, de forma a melhorar a situação do sistema
penitenciário.
É claro que a aplicação correta daqueles recursos é um capítulo à parte,
mas, de toda forma, a decisão adotada pelo STF sinaliza para a incontrastável
realidade de que já é chegada a hora de se dar um basta nesse quadro atual de
desrespeito aos direitos humanos e ao princípio da dignidade humana.
Além disso, o STF também impôs a todos os Tribunais de Justiça do País um
prazo de 90 dias para que as audiências de custódia – hoje adotadas em alguns
poucos Estados – sejam efetivamente implementadas e aplicadas em todos os
Estados. Aliás, a respeito das audiências de custódia – prática extremamente
salutar, prevista no Pacto de San Jose da Costa Rica, do qual o Brasil é signatário
desde 1992 –, estima-se que, com a sua adoção em todo o País, cerca de 50% dos
detidos em flagrante sejam soltos em até 24 horas após a prisão.
Positivamente, a audiência de custódia veio para ficar, ainda bem! Muitas
serão as prisões provisórias, evidentemente desnecessárias, evitadas com tal
medida. Logo se percebe que, ao menos para os doutos Ministros do STF, a
situação chegou ao limite do razoável. Finalmente, uma luz se acendeu para tentar
salvar o nosso sistema carcerário.
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