1 UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA HOSPITAL UNIVERSITÁRIO PROFESSOR POLYDORO ERNANI DE SÃO THIAGO RESIDÊNCIA INTEGRADA MULTIPROFISSIONAL EM SAÚDE MOARA MONTEIRO SANT’HELENA O PROCESSO DE REFERÊNCIA E CONTRA-REFERÊNCIA NA CIRURGIA BARIÁTRICA FLORIANÓPOLIS 2014 2 MOARA MONTEIRO SANT’HELENA O PROCESSO DE REFERÊNCIA E CONTRA-REFERÊNCIA NA CIRURGIA BARIÁTRICA Trabalho de conclusão da Residência Integrada Multiprofissional em Saúde da Universidade Federal de Santa Catarina como requisito parcial para a obtenção do título de especialista em saúde na área de concentração de alta complexidade. Orientadora: Profª Drª Keli Regina Dal Prá. FLORIANÓPOLIS 2014 3 Este trabalho é dedicado a uma das mulheres mais importantes da minha vida, Vó Janda, dona de um coração acolhedor e de uma fé inabalável. Sinto muito sua falta minha menina! 4 AGRADECIMENTOS Agradeço a Deus por estar comigo em todos os momentos, em especial os mais difíceis, e segurar a minha mão. Agradeço a minha mãe, meu amor. Por estar sempre ao meu lado, mostrando que as pessoas são boas e que o universo conspira a meu favor. Seus valores são meu maior ensinamento! A você meu eterno amor... Agradeço ao meu pai, meu lindo. Por seres o primeiro homem que amei na vida e com certeza o que mais amarei! Nosso jeito, nosso olhar, nossa sintonia.. o mundo precisa de nós. Te amo pra sempre. Agradeço ao meu príncipe, meu caçula. Pela indiscutível proteção, grande parceria e inúmeras aventuras. Mato e morro por você... Te amo imensamente! As minhas estrelas no céu e na terra, pelo apoio e incentivo. Aos que aqui estão meu muito obrigada e aos que se foram e levaram consigo um pedaço de mim, nós nos encontrarem mais uma vez. Amo vocês! A Débora, Giane, Karol, Fernanda, Neluna, Priscila e Nete, amigas-irmãs que a vida me proporcionou e que eu escolhi para serem eternas. Agradeço a parceria e a linda amizade! A presença de vocês nesse tempo me deu forças para seguir... As minhas companheiras de casa e de vida, Jaque, Ana e Júlia. Os dias são mais leves com as risadas de vocês. Aos amores que o universo me enviou... Permaneci no eixo da vida, sorrindo! Ao Serviço Social do Hospital Universitário/UFSC, minha eterna gratidão. Aos que partilharam comigo seus ensinamentos profissionais e suas histórias de vida, a profissional que me tornei tem o reflexo de cada uma de vocês. A Fernanda Schutz por me apresentar o fantástico mundo da cirurgia bariátrica e descobrir que o essencial realmente é invisível aos olhos. E a minha querida estrela vermelha, Cida, por ser tão maravilhosa e ter esse coração imenso, aprendi a amar Minas por você! As melhores amigas, profissionais e anjas com quem eu tenho o prazer de conviver todo santo dia, Roberta, Morgana, Fabíula, Cristina e Lais. Essa residência e a significativa carga horária não teria o imenso valor que tem pra mim, se não fosse por vocês. Agradeço os ombros, os conselhos, os puxões de orelha, as risadas, as parcerias, as comilanças e os sorrisos diários de vocês. Vocês tem minha sincera amizade e um pedaço especial no meu coração. Já sinto saudades! A minha orientadora Keli, por não me abandonar nesse barco sozinha. Pelo apoio, orientações e torcida! O Serviço Social/UFSC tem muita sorte por ter você. Obrigada, obrigada, obrigada! 5 “É melhor tentar e falhar, que preocupar-se e ver a vida passar. É melhor tentar, ainda que em vão que sentar-se, fazendo nada até o final. Eu prefiro na chuva caminhar, que em dias frios em casa me esconder. Prefiro ser feliz embora louco, que em conformidade viver.” Martin Luther King 6 RESUMO SANT’HELENA, Moara Monteiro. O processo de referência e contra-referência na cirurgia bariátrica.Trabalho de Conclusão da Residência Integrada Multiprofissional em Saúde. Hospital Universitário Polydoro Ernani de São Thiago. Universidade Federal de Santa Catarina. Florianópolis, 2014. O processo de referência e contra-referência é o modo de organização dos serviços de saúde, cuja configuração é baseada em redes sustentadas por critérios, fluxos e mecanismos de funcionamento, que visam assegurar a atenção integral aos usuários. Na saúde esse processo vem para integrar as equipes de saúde, facilitar o acesso do usuário e colocar em prática os princípios do Sistema Único de Saúde (SUS). O foco deste trabalho tem a obesidade no contexto deste processo, enquanto sendo uma doença crônica, crescente, grave e oriunda de diversas origens. Considerada um problema de saúde que traz consequências físicas, psicológicas, sociais e econômicas, além da redução na expectativa de vida do indivíduo devido à alta mortalidade. A cirurgia bariátrica aparece como alternativa diante dos casos que não respondem aos tratamentos convencionais, por apresentar eficácia e levar a uma perda significativa de peso. Este trabalho teve como objetivo analisar como ocorre o processo de referência e contra-referência no SUS aos pacientes da cirurgia bariátrica, compreendendo sua dinâmica; identificando a articulação entre os níveis de complexidade do SUS visando esse processo; e analisando as ações do processo de referência e contra-referência voltado para a promoção de saúde segundo os princípios legalmente garantidos. A metodologia aplicada foi de caráter qualitativo através de entrevistas semiestruturadas no momento em que os pacientes aguardavam para a realização do acompanhamento pós-operatório. Os resultados obtidos demonstraram as diferentes trajetórias de acesso dos usuários ao serviço de cirurgia bariátrica; a boa receptividade dos usuários na instituição após o referenciamento; o fato de não ocorrer o encaminhamento por parte de profissionais da equipe de cirurgia bariátrica para acompanhamento nos demais níveis de complexidade do SUS. Palavras-Chave: Referência; Contra-referência; Cirurgia Bariátrica; Acesso à Serviços de Saúde. 7 LISTA DE SIGLAS E ABREVIATURAS ACS – Agentes Comunitários de Saúde AD – Atenção Domiciliar APS – Atenção Primária em Saúde CAPS – Centro de Atenção Psicossocial CEPSH/UFSC - Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos da Universidade Federal de Santa Catarina CNES – Cadastro Nacional de Estabelecimento de Saúde ESF – Estratégia de Saúde da Família EUA – Estados Unidos da América HU/UFSC – Hospital Universitário Polydoro Ernani de São Thiago da Universidade Federal de Santa Catarina IMC – Índice de Massa Corpórea MS – Ministério da Saúde NASF – Núcleos de Apoio à Saúde da Família NOAS/SUS – Norma Operacional da Assistência à Saúde OMS – Organização Mundial da Saúde OPAS – Organização Pan-Americana da Saúde PDR – Plano Diretor de Regionalização RAS – Redes de Atenção à Saúde RIMS – Residência Integrada Multiprofissional em Saúde SAS – Secretaria de Atenção à Saúde SISREG – Sistema Nacional de Regulação SUS – Sistema Único de Saúde UBS – Unidade Básica de Saúde UNICEF – Fundo das Nações Unidas para a Infância UPA – Unidade de Pronto-Atendimento VIGITEL – Vigilância de Fatores de Risco e Proteção para Doenças Crônicas por Inquérito Telefônico 8 LISTA DE FIGURAS E TABELAS FIGURAS Figura 1: Hierarquização em níveis de complexidade do SUS..........................23 Figura 2: Sistematização da Rede de Atenção à Saúde Bucal.........................28 Figura 3: Hospitais credenciados e sua região de abrangência........................38 Figura 4: Fluxograma de acesso dos usuários à equipe de cirurgia bariátrica da instituição pesquisa.......................................................................................................40 Figura 5: Fluxograma de atendimento pré-operatório de cirurgia bariátrica da instituição pesquisada...................................................................................................42 Figura 6: Fluxograma de atendimento pós-operatório de cirurgia bariátrica da instituição pesquisada...................................................................................................45 TABELAS Tabela 1: Identificação das usuárias entrevistadas no estudo – 2014..............54 Tabela 2: Dados implicadores da cirurgia bariátrica – 2014..............................57 9 SUMÁRIO INTRODUÇÃO.......................................................................................................10 1. SEÇÃO 1 - O ACESSO DO USUÁRIO AO SISTEMA DE SAÚDE DIANTE DE SUAS NECESSIDADES: uma discussão sobre a integralidade em saúde.....................................................................................................................16 1.1 A integralidade no acesso à saúde..............................................................17 2. SEÇÃO 2 - O DIREITO À SAÚDE E O TRATAMENTO DA OBESIDADE......34 2.1 A obesidade e o tratamento pela cirurgia bariátrica....................................35 3. SEÇÃO 3 - O PROCESSO DE REFERÊNCIA E CONTRA-REFERÊNCIA NO TRATAMENTO DA OBESIDADE: DISCUSSÃO A PARTIR DOS USUÁRIOS DO SERVIÇO...............................................................................................................48 3.1 Aspectos metodológicos do estudo.............................................................49 3.1.1 Cenário..........................................................................................53 3.1.2 Participantes do estudo.................................................................53 3.1.3 Aspectos éticos.............................................................................53 3.2 Resultados e discussão...............................................................................53 4. CONSIDERAÇÕES FINAIS..............................................................................63 REFERÊNCIAS......................................................................................................67 APÊNDICES...........................................................................................................74 APÊNDICE A..........................................................................................................75 APÊNDICE B..........................................................................................................77 ANEXOS.................................................................................................................78 ANEXO A................................................................................................................79 10 INTRODUÇÃO A obesidade é uma doença com índice crescente e que representa um dos grandes problemas de saúde na atualidade. Pode ser definida como o grau de armazenamento de gordura no organismo associado a riscos para a saúde, em virtude de sua relação com diversas complicações metabólicas. Esta doença está correlacionada a fatores genéticos, ao mesmo tempo em que se percebe a existência de fatores ambientais e sociais como determinantes importantes para a obesidade, como a falta de atividade física, o abuso de álcool, o consumo abusivo de alimentos hipercalóricos e hiperlipídicos (BACH et. al., 2013). A doença da obesidade é um problema de saúde crônico1 e que tem reflexos extremamente graves. Esta doença pode resultar em consequências físicas, psicológicas, sociais e econômicas, além de reduzir a expectativa de vida do usuário em virtude da alta mortalidade (NIEMAM, 1999; COUTINHO, 2007; DINIZ et al., 2008). Com relação à mortalidade associada a obesidade, Lew e Garfinke (1979 apud ZILBERSTEIN, 2001) analisaram pacientes durante 12 anos envolvendo 336.442 homens e 419.060 mulheres, onde encontram taxas de mortalidade aumentadas em duas vezes para homens e mulheres que estavam 50% acima do peso. Segundo Costa (2009), nos Estados Unidos da América (EUA), 73% da população é obesa e a mortalidade referente à obesidade chega a atingir 300 mil casos por ano, enquanto que no Brasil a taxa de mortalidade é 12 vezes maior em indivíduos obesos graves do que em pessoas com peso normal com idade entre 25 e 40 anos. Na atualidade, a obesidade representa inúmeras dificuldades. Além dos problemas de saúde enfrentados, o excesso de gordura corporal traz problemas sociais de diversas ordens, tais como dificuldade de comprar 1 A Organização Mundial da Saúde (OMS) define como doenças crônicas as doenças de longa duração e de progressão, geralmente, lenta como as cardiovasculares, as neoplasias, as doenças respiratórias crônicas e diabetes mellitus. Inclui nesse rol doenças que contribuem para o sofrimento dos indivíduos, das famílias e da sociedade, tais como as desordens mentais e neurológicas, as doenças bucais, ósseas e articulares, as desordens genéticas e as patologias oculares e auditivas. Considera-se todas aquelas que requerem contínua atenção e esforços de um grande conjunto de equipamentos de políticas públicas e das pessoas em geral (BRASIL, 2008). 11 roupas, de frequentar lugares públicos, fazer uso de ônibus ou avião, até preconceito e discriminação para acesso ao mercado de trabalho. Questões relacionadas à discriminação no mercado de trabalho em função da obesidade começam a aparecer. Exemplo disso foi uma cooperativa do sudoeste do Paraná que deverá indenizar por danos morais uma candidata a emprego que passou por todas as fases de contratação, incluindo exames de saúde, mas acabou barrada por causa da obesidade. A trabalhadora se candidatou para a função de auxiliar de produção de cortes, especializada no abate de aves. Após passar por todas as fases de contratação, uma funcionária do setor de recursos humanos afirmou que a candidata não seria contratada por ser gorda, decisão supostamente respaldada pelo médico da empresa. A juíza da 2ª Vara do Trabalho de Foz do Iguaçu/PR entendeu que houve discriminação e determinou indenização por danos morais em R$ 4 mil reais. Citou ainda que segundo o atestado médico, ao contrário do que foi alegado pela empresa, a trabalhadora estava apta para exercer a função para a qual se candidatou (TRTPR, 2014). Segundo dados do Ministério da Saúde (MS), nos últimos oito anos os índices de obesidade no Brasil cresceram 1,3 pontos percentuais ao ano. No entanto, a pesquisa de Vigilância de Fatores de Risco e Proteção para Doenças Crônicas por Inquérito Telefônico (Vigitel)2 de 2013 indica que 50,8% dos brasileiros estão acima do peso ideal e que, destes, 17,5% são obesos. A pesquisa indicou ainda que metade da população adulta continua acima do peso. Para ambos os sexos a proporção de obesos é a mesma, 17,5%. Em relação ao excesso de peso, os homens apresentam um percentual maior (54,7%) se comparado ao das mulheres (47,4%) (ABESO, 2014). Em relação às capitais que possuem maiores índices de obesidade está a cidade de Porto Alegre onde se concentram 55,4% de pessoas com excesso de peso, seguida por Fortaleza (53,7%) e Maceió (53,1%). Já a capital com mais obesos é Macapá (21,4%), seguida por Porto Alegre (19,6%), Natal (18,5%) e Fortaleza (18,4%) (SBEM, 2014). 2 A VIGITEL tem como objetivo monitorar a frequência e a distribuição de fatores de risco e proteção para doenças crônicas não transmissíveis em todas as capitais dos 26 estados brasileiros e no Distrito Federal, por meio de entrevistas telefônicas realizadas em amostras probabilísticas da população adulta residente em domicílios servidos por linhas fixas de telefone em cada cidade (COSTA, 2012). 12 Considerando que o sobrepeso e a obesidade tornaram-se problemas de saúde no Brasil desenvolveram-se políticas, ações e programas públicos, os quais buscam reverter o quadro a nível individual e populacional. Neste espaço a cirurgia bariátrica emerge como prática para reverter o quadro da obesidade, sendo um procedimento hospitalar de alta complexidade no Brasil, indicada para pacientes com obesidade grave3, que apresentarem histórico de doença por mais de dois anos, resistência aos tratamentos conservadores, como também o índice de massa corpórea (IMC) superior a 40kg/m² em pessoa com mais de 16 anos, sendo associado a comorbidades sérias e descontroladas relacionadas à obesidade, tais como: hipertensão arterial, diabetes mellitus tipo 2, doença arterial coronariana, apnéia do sono, osteoartrite ou câncer (SEGAL; FANDINO, 2002; DINIZ et al., 2008). Anteriormente quando o procedimento de cirurgia bariátrica no SUS era regulado pela Portaria nº MS/GM 1.569 de 28 de junho de 2007, a idade mínima para realização do procedimento era de 18 anos, no entanto, observouse o aumento crescente da obesidade na infância e na adolescência. Como é o caso dos EUA onde o número de crianças obesas dobrou e o de adolescentes obesos triplicou desde 1980, e no caso do Brasil a obesidade para ambas as faixas etárias triplicaram nos últimos 30 anos (OLIVEIRA; YOSHIDA, 2009). Surgindo daí a necessidade de ampliação da idade mínima, visto que a doença da obesidade tem se expandido e gerado preocupação à saúde dos adolescentes. O procedimento de cirurgia bariátrica no SUS é regulado pela Portaria nº MS/GM 425 de 19 de março de 2013, que estabelece regulamento técnico, normas e critérios para o Serviço de Assistência de Alta Complexidade ao Indivíduo com Obesidade. O número de cirurgias bariátricas realizadas pelo SUS entre 2010 e 2013 teve aumento de 45%, de 4.489 para 6.493 procedimentos. Além dos recursos investidos pelo SUS que também cresceram proporcionalmente (56%), aumentando de R$ 24,5 milhões, em 2010, para R$ 38,1 milhões, em 2013 (PORTAL BRASIL, 2014). 3 O termo obesidade grave refere-se àquela obesidade que, se não tratada, irá acarretar significativa diminuição da expectativa de vida para o paciente. A obesidade mórbida é definida como IMC > 40 kg.m-2 40 (LORENTZ; ALBERGARIA; LIMA, 2007). 13 Da mesma maneira, este procedimento teve expansão no setor privado, o que interfere diretamente no que está preconizado como fluxo de atenção para prevenção, acompanhamento e tratamento da obesidade nos níveis de complexidade do SUS, que aponta desde os serviços de promoção e prevenção à saúde dos obesos, por meio das equipes de saúde da atenção básica, até os serviços de referência de alta complexidade (BRASIL, 2006). Esta trajetória percorrida por meio do sistema privado não garante a contrareferência do paciente para a Atenção Primária em Saúde (APS) e prejudica o acompanhamento da evolução clínica e social do usuário pelo sistema público de saúde. Segundo Kelles (2009), em pesquisa realizada entre janeiro de 2001 e dezembro de 2007, foram realizadas 12.648 cirurgias bariátricas pelo SUS em todo o país. No entanto, apesar de ser um número expressivo, é inferior ao realizado pelo sistema privado de saúde. A autora indica o exemplo de cirurgias realizadas em Belo Horizonte (quarta maior cidade do país), por um único plano privado de saúde, sendo 4.674 cirurgias bariátricas, número 15 vezes maior que o realizado pelo sistema público no mesmo período e município. Para que ocorra a efetivação do princípio da integralidade nos serviços de saúde, é preciso que haja uma estratégia de comunicação entre os níveis de complexidade dos serviços que compõe o SUS. E para que isso ocorra criase o sistema de referência e contra-referência que é o modo de organização dos serviços configurados em redes sustentadas por critérios, fluxos e mecanismos de pactuação de funcionamento, que visam assegurar a atenção integral aos usuários (DIAS, 2012). A discussão da integralidade em saúde e da referência e contrareferência vinculada à cirurgia bariátrica tem como motivação a realização de trabalhos anteriores (SANT’HELENA, 2013, SANT’HELENA; DALPRÁ, 2013) nos quais foram analisados as dimensões sociais da vida dos pacientes que se modificaram após a realização do procedimento cirúrgico. A partir da experiência na Residência Integrada Multiprofissional em Saúde (RIMS) no Hospital Universitário Polydoro Ernani de São Thiago da Universidade Federal de Santa Catarina (HU/UFSC), em contato com os pacientes através dos atendimentos, observou-se a frágil relação existente entre a APS e a instituição 14 em foco, e a dificuldade com isto de articular a rede de atenção à saúde dos usuários de cirurgia bariátrica atendidos. Percebe-se através deste contato, que o fluxo de atendimento muitas vezes não segue a diretriz orientadora do SUS, onde usuários não são oriundos da APS e diversas vezes não retornam a ela para seu devido acompanhamento de saúde. Além de que, os profissionais e os próprios serviços não tem dado conta de garantir a integralidade, prestando o atendimento pré e pós cirurgia bariátrica, acompanhando o retorno do usuário para seu território, entre outros. Observou-se durante a atuação profissional que alguns dos pacientes atendidos no SUS, são referenciados por meio de clínicas particulares de profissionais de saúde que compõem a equipe da cirurgia bariátrica ou por profissionais da instituição. Desta forma, o paciente chega ao serviço de alta complexidade sem ser referenciado pela atenção básica, conforme prevê a legislação, infringindo desta maneira a lógica do sistema de saúde e fragilizando o sistema de referência e contra-referência. Na medida em que o paciente realizar o procedimento cirúrgico e ter de retornar ao primeiro nível de atenção para dar continuidade ao acompanhamento de saúde, a APS não possuirá conhecimento do seu histórico de saúde, o que dificultará o atendimento dos profissionais e seus possíveis desdobramentos. Esta conduta profissional tem diminuído, no entanto ocorre, sendo assim necessária a discussão já que esta ação trás implicações diretas na comunicação entre os níveis de atenção em saúde. Para garantir a integralidade da atenção do usuário nos serviços de saúde, desenvolvem-se estratégias de comunicação que proporcionem ao paciente que este seja assistido com base em seu histórico de saúde e tratamentos anteriores. Para que isto ocorra, é necessário um sistema de referência e contra-referência dentro do sistema de saúde, onde um serviço informa ao outro sobre o estado de saúde, doença e tratamento do usuário em questão (FRATINI, 2007). Assim, compreende-se a importância de discutir a referência e contra-referência no que se refere à cirurgia bariátrica, por serem pacientes que muitas vezes possuem risco de vida e encontram no procedimento cirúrgico sua última alternativa e pela necessidade do acompanhamento após este, que garantirá o sucesso e o alcance do resultado almejado, pois o procedimento cirúrgico não é a etapa final, é necessária a 15 realização do acompanhamento pós-operatório. E esse tem que ser realizado de maneira integral para que não haja o reganho do peso. O processo de referência e contra-referência é o eixo central para discutir o percurso assistencial que o sujeito realiza para acessar os serviços e ter garantido seu direito à saúde. Em estudo anterior, Sant’Helena (2013), observou as dimensões sociais da vida do sujeito que são afetadas com a cirurgia bariátrica, como a questão da alimentação e dos medicamentos. O Estado, no entanto, não garante, via serviços, condições para a manutenção da fase pós-operatória do procedimento cirúrgico, ficando a cargo do usuário garantir esta condição. Deste modo, como é garantido o acesso a alimentação e aos medicamentos destes usuários? Tendo os usuários que criarem trajetórias alternativas para garantir e acessar um dos seus maiores direitos, o da saúde. Na saúde a referência e contra-referência vem promover a integração dos serviços e das equipes de saúde, facilita o acesso do usuário e aciona os princípios do SUS. Através da implantação e do funcionamento deste sistema, o usuário pode ter acesso aos serviços de saúde, no entanto isto não garante um atendimento de eficiência, é necessária também a garantia na qualidade da assistência prestada e para que isto ocorra é preciso que se analise os resultados desse sistema, bem como a participação ativa dos serviços envolvidos (FRATINI, 2007). Assim, o presente estudo tem como objetivo geral analisar a dinâmica da referência e contra-referência dos pacientes submetidos à cirurgia bariátrica no SUS. E como objetivos específicos pretende-se identificar a articulação entre os níveis de complexidade do SUS visando o atendimento e analisar as ações voltadas para a promoção de saúde segundo os princípios do SUS. O trabalho contemplou dois estudos de caso, onde os sujeitos participantes realizaram a cirurgia bariátrica, no período entre 2010 e 2014, escolhidos aleatoriamente. 16 SEÇÃO 1 – O ACESSO DO USUÁRIO AO SISTEMA DE SAÚDE DIANTE DE SUAS NECESSIDADES: uma discussão sobre a integralidade em saúde 17 1.1 A integralidade no acesso à saúde A Constituição Federal de 1988 reflete as lutas e o cenário de redemocratização da época, efetivando a regulamentação da saúde como direito fundamental. O art. 6º da referida Constituição estabelece que a saúde é um direito social, enquanto que o art. 196º estabelece o acesso universal e igualitário à saúde como direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que objetivem a redução ao risco de doenças e agravos (BRASIL, 1988). Os princípios do SUS refletem às entidades públicas não só a responsabilidade de execução de políticas de saúde, mas também a responsabilidade pela gestão de um sistema que atenda efetivamente de forma universal e integral, qualquer demanda da população relativa à assistência à saúde. A universalidade do atendimento refere-se à ideia de que todos têm direito à saúde, sendo esse um direito do cidadão e dever do Estado. Já a equidade garante que todo cidadão é igual perante o SUS e será atendido segundo suas necessidades. E a integralidade da assistência que prevê o atendimento das necessidades de saúde do indivíduo, em todos os níveis de complexidade do sistema (GONTIJO, 2010). A construção deste sistema avançou de forma substantiva nos últimos anos, apesar de que ainda há inúmeros desafios a serem enfrentados para que sejam mantidos os princípios, obstáculos como a privatização e a mercantilização da saúde. Mas a cada dia se fortalecem as evidências da importância da articulação entre os níveis de complexidade para que sejam de fato efetivados os seus princípios. Desta maneira é necessário conhecer os níveis de complexidade em que o sistema de saúde encontra-se estruturado, para compreender a importância da comunicação entre eles. Compreende-se a APS como o primeiro nível da atenção à saúde, caracterizada por um conjunto de ações, em nível individual e coletivo, que contempla a promoção e a proteção da saúde, a prevenção de agravos, o diagnóstico, o tratamento, a reabilitação e a manutenção da saúde, mas a tecnologia utilizada é de baixa densidade (BRASIL, 2011). Este nível de atenção compreende o primeiro contato do usuário com o sistema de saúde e está direcionado a resolver a maioria dos problemas de saúde. 18 Um marco histórico mundial da APS foi a Conferência Internacional sobre a Atenção Primária em Saúde em 1978, realizada em Alma-Ata, organizada pela Organização Mundial da Saúde (OMS) e pelo Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef). A declaração oriunda deste evento afirma a responsabilidade dos governos sobre a saúde do povo por meio de medidas sociais e sanitárias, e reafirma a saúde como direito humano fundamental e uma das principais metas sociais (GIOVANELLA; MENDONÇA, 2008). O conceito da APS expresso através da declaração de Alma-Ata considera este nível de atenção como função central do sistema de saúde e parte do processo de desenvolvimento social e econômico das comunidades. Concebe a APS como atenção à saúde essencial, que possui tecnologias apropriadas e que deve garantir acesso à todos os usuários e famílias da comunidade por meio de sua plena participação. Com isto, pressupõe a participação comunitária e as ações específicas de agentes de saúde. Nesta concepção, a APS aproxima a atenção em saúde ao local de trabalho e residência dos usuários, integrando um processo permanente de assistência sanitária (GIOVANELLA; MENDONÇA, 2008). Giovanella e Mendonça (2008) indicam que atualmente se tem um movimento de renovação da APS, impulsionado pela OMS e pela Organização Pan-Americana da Saúde (Opas), que em 2005 divulgou o documento intitulado “Renovação da Atenção Primária em Saúde nas Américas”, que: [...] defende a necessidade de se alcançar atenção universal e abrangente por meio de uma abordagem integrada e horizontal para o desenvolvimento dos sistemas de saúde, com cuidados orientados à qualidade, ênfase na promoção e prevenção, intersetorialidade, participação social e responsabilização dos governos (GIOVANELLA; MENDONÇA, 2008, p. 582). As autoras caracterizam alguns atributos essenciais dos serviços de APS, como: ser serviço de primeiro contato, porta de entrada do sistema de saúde e procurado em caso de adoecimento ou para acompanhamento de saúde dos usuários; possuir longitudinalidade, que compreende a responsabilidade longitudinal pelo paciente com continuidade das relações do profissional/equipe/unidade de saúde/paciente ao longo da vida. Este atributo é 19 possível através do vínculo estabelecido entre os integrantes; visar a integralidade, por reconhecer as diversas necessidades humanas e ofertar serviços preventivos e curativos, além do encaminhamento aos outros níveis quando necessário; assumir a responsabilidade pela coordenação de diversas ações e serviços essenciais para resolver necessidades menos frequentes e mais complexas; prestar orientação à comunidade, por conhecer as reais necessidades da população e para incentivar a participação das pessoas nas decisões sobre sua saúde; possuir como foco de atenção a família, considerando o contexto e as dinâmicas familiares, além de conhecer os problemas e dar resolutividade as necessidades de cada membro; e ter competência cultural, por reconhecer as diferentes necessidades dos grupos populacionais, respeitando suas características e compreendendo suas representações do processo de saúde/doença (GIOVANELLA; MENDONÇA, 2008). As ações na APS são desenvolvidas por meio do trabalho em equipe multiprofissional e dirigidas às populações de territórios delimitados, pelas quais assume a responsabilidade sanitária, considerando as especificidades da população atendida nestes territórios. É o contato preferencial dos usuários com o sistema de saúde (BRASIL, 2011). No Brasil, a APS tem a Estratégia de Saúde da Família (ESF) como prioritária para sua organização e torna recomendável que a equipe de cada Unidade Básica de Saúde (UBS), seja composta por, no mínimo, um médico generalista, um enfermeiro, um auxiliar de enfermagem e agentes comunitários de saúde (ACS). Quando ampliada conta com a equipe de saúde bucal, composta por um dentista, um auxiliar de consultório dentário e um técnico em higiene dental. Outros profissionais de saúde poderão ser incorporados às UBS, de acordo com as demandas e características da organização dos serviços de saúde locais (BRASIL, 1997). Com o intuito de ampliar o escopo de atuação neste nível de atenção, o MS criou os Núcleos de Apoio à Saúde da Família (NASF), segundo a Portaria GM nº 154 de 24 de janeiro de 2008, com o objetivo de apoiar a inserção da ESF na rede de serviços, bem como ampliar as ações da APS e aumentar sua resolutividade, reforçando a concepção de territorialização e regionalização em saúde. As equipes NASF devem ser constituídas por profissionais de diferentes 20 áreas de conhecimento, para atuarem em parceria com os profissionais da ESF (BRASIL, 2009). Assim, embora a APS seja entendida como a base do SUS e sua porta de entrada preferencial, os procedimentos realizados diretamente em seus serviços não esgotam as necessidades da população atendida. Dessa forma a estruturação hierarquizada do SUS prevê outros dois níveis de atenção, sendo a atenção secundária ou de média complexidade e a terciária ou de alta complexidade. A lógica do SUS pressupõe a formação de uma rede de serviços organizada de forma hierarquizada e regionalizada, permitindo com isso conhecer de uma maneira mais ampla e próxima os problemas de saúde da população de cada área. O acesso dos usuários à rede deve ocorrer por meio da APS, que deve tentar solucionar os problemas que demandam os serviços de saúde, mas a medida que estes não forem resolvidos neste nível deverão ser referenciados para os serviços ambulatoriais ou hospitalares (SOLLA; CHIORO, 2008). De acordo com a Secretaria de Atenção à Saúde (SAS), do MS, definese atenção de média complexidade ambulatorial em saúde como: [...] ações e serviços que visam atender aos principais problemas e agravos de saúde da população, cuja complexidade da assistência na prática clínica demande a disponibilidade de profissionais especializados e a utilização de recursos tecnológicos, para o apoio diagnóstico e tratamento (BRASIL, 2011, p.12). A área de atenção especializada conceitua-se pelo território em que se desenvolve um conjunto de ações, práticas, conhecimentos e técnicas assistenciais que englobam processos de trabalho com maior densidade tecnológica, as denominadas tecnologias especializadas. Do ponto de vista da rede assistencial, os serviços de atenção secundária e terciária são referências para a atenção básica, dentro da lógica de hierarquização do SUS (SOLLA; CHIORO, 2008). A média complexidade ambulatorial é composta por um conjunto de ações e serviços que atendem a problemas de saúde e agravos dos usuários, cuja complexidade da prática clínica necessite de profissionais especializados 21 e a utilização de recursos tecnológicos de apoio diagnóstico e terapêutico. Historicamente este nível de atenção tem sido marcado por exclusão, pois suas ações ultrapassam àquelas de atenção básica e ainda não se configuram como alta complexidade (SOLLA; CHIORO, 2008). Os serviços de atenção especializados são oferecidos, de maneira geral, em unidades ambulatoriais públicas de abrangência regional para vários bairros, distritos e/ou municípios, dependendo da sua abrangência geográfica e populacional. Como exemplo de serviços de apoio diagnóstico e terapêutico desta complexidade estão os exames de ultra-sonografia, anatomopatologia, citopatologia, terapias especializadas e como serviços de atenção à saúde citase a Unidade de Pronto-Atendimento (UPA) e o Centro de Atenção Psicossocial (CAPS) (SOLLA; CHIORO, 2008). Os autores refletem ainda que em determinadas localidades e regiões, os serviços ambulatoriais são vinculados à serviços privados, principalmente os de caráter hospitalar. O SUS acaba contratando estes serviços para ampliar e agilizar a resolução dos usuários que acessam o sistema de saúde (SOLLA; CHIORO, 2008). Assim, segundo Solla e Chioro (2008), os serviços de média complexidade caracterizam-se pela dificuldade de acesso e baixa resolutividade, concentração de serviços em locais com grande densidade populacional, baixo grau de integração entre as ações dos diferentes níveis de complexidade do SUS e superposição de oferta de serviços nas redes ambulatorial e hospitalar. Já os serviços de alta complexidade compreendem um conjunto de procedimentos de alta tecnologia e alto custo, concentrado em centros hospitalares, cujo objetivo é garantir à população acesso a serviços qualificados, integrando-os aos demais níveis de atenção à saúde (atenção básica e de média complexidade) (BRASIL, 2011). No contexto de reformas dos sistemas de saúde, são claras as inúmeras mudanças que os hospitais têm passado. As mudanças compreendem a redefinição do papel de assistência hospitalar além da reorganização interna do mesmo. No âmbito assistencial observa-se a implantação de novas formas de prestação de cuidados – exemplificando com o hospital-dia e a cirurgia ambulatorial, assim como a implantação de novas tecnologias e da adequação 22 da estrutura física interna. E na esfera administrativa, têm-se adotado novas técnicas e ferramentas gerenciais – citando o Cadastro Nacional de Estabelecimento de Saúde (CNES) que favorece por meio de sua base de dados, o conhecimento de informações sobre a rede ambulatorial e hospitalar que compõem o SUS, além de novos sistemas de informação. É incontestável que os hospitais têm um papel muito importante na prestação de cuidados à saúde (NETO et al, 2008). A assistência hospitalar tornou-se mais complexa e especializada. Os estabelecimentos hospitalares conceituam-se como: Estabelecimento com instalações para internação e em condições de oferecer assistência médica e de enfermagem, em regime contínuo 24h ao dia, para o diagnóstico, tratamento e reabilitação de indivíduos adoentados ou feridos que necessitem de cuidados clínicos e/ou cirúrgicos e que, para tal fim, conta com ao menos um profissional médico em seu quadro de funcionários. O hospital também pode prestar atendimento ambulatorial (NETO et al, 2008, p.668). A partir do momento em que o ato terapêutico volta-se não mais para o doente ou para a doença, mas para os fatores ao seu redor – o ar que respira, a água e o alimento que ingerem, entre outros, estende-se o foco de atenção. Deste modo a intervenção compreende o ambiente em que o usuário está inserido, logo, a intervenção amplia-se além do domicílio do paciente; essa medicina necessita de um local próprio e organizado. São nessas circunstâncias que a medicina torna-se hospitalar, estes são fatores que fundam o hospital moderno (NETO et al., 2008). Para Neto (et al., 2008) as ações desenvolvidas no SUS e as políticas no âmbito da saúde, das últimas décadas, na esfera da assistência médicohospitalar e no funcionamento da gestão destas instituições, tem suas raízes em duas vertentes: a primeira é ligada ao controle de gastos sanitários, com a implementação de medidas de racionalização da oferta de serviços e a modernização da gestão dos serviços de saúde. E a segunda é articulada com a criação de um novo modelo de organização do cuidado à saúde, cuja concepção é fundada na ideia de um sistema integrado de serviços de saúde, tendo como centralidade do sistema a atenção básica e não mais a assistência hospitalar (NETO et al, 2008). 23 A complexidade tecnológica que há no ambiente hospitalar, incorporado por meio de tantos equipamentos quanto de profissionais capacitados, exige deste espaço escalas economicamente sustentáveis. Hoje no Brasil é visto que a escala média de leitos hospitalares, combina com a diminuição de leitos no total, que deveria crescer, no entanto, está diminuindo. Sendo este o desafio para o futuro da atenção e gestão hospitalar brasileira, nesta tendência o país não está correspondendo ao esperado na oferta de serviços hospitalares, especialmente quanto às novas exigências tecnológicas e econômicas na atenção e gestão hospitalar (NETO et al, 2008). De modo que ocorra um atendimento integral ao usuário, é imprescindível que haja a comunicação entre os níveis de complexidade do sistema, com a intenção de permitir que o usuário percorra os serviços e estes tenham conhecimento do seu histórico de saúde, isto ocorre por meio do sistema de referência e contra-referência dentro do sistema de saúde (FRATINI, 2007). Figura 1 – Hierarquização em níveis de complexidade do SUS Fonte: Cohn e Elias (1999, p.67). Segundo a Portaria nº 963 de maio de 2013 que redefine a Atenção Domiciliar no âmbito do SUS, constituí-se a Atenção Domiciliar (AD) como uma “modalidade de atenção à saúde substitutiva ou complementar às já existentes, caracterizada por um conjunto de ações de promoção à saúde, prevenção e 24 tratamento de doenças e reabilitação prestadas em domicílio, com garantia de continuidade de cuidados e integrada às redes de atenção à saúde” (BRASIL, 2013). A AD que é aquela realizada pelas ESF e pelo NASF, no domicílio do paciente, expõe as equipes à realidade na qual a família está inserida, sua dinâmica, seus valores e crenças e às formas de cuidar dos seus integrantes. Um dos diferenciais das equipes de atenção domiciliar com relação às demais equipes de saúde da rede de atenção é o fato de que constroem sua relação com o usuário, que necessita de cuidados, no domicílio e não em um estabelecimento de saúde. No entanto, para que seja garantida a integralidade e a resolutividade na atenção, faz-se necessário e importante que a equipe de AD articule-se com outros pontos de atenção da rede (BRASIL, 2012). Os modelos assistenciais ou modelos de atenção à saúde representam tecnologias estruturadas com a finalidade de resolver problemas de saúde da população, que expressam historicamente as necessidades sociais. São formas de articulação das relações entre sujeitos, usuários e trabalhadores da saúde, intermediada por tecnologias nos diversos processos de trabalho em saúde (PAIM, 2008). A Figura 1 representa o modelo assistencial do SUS, onde na base encontra-se a APS, constituída por serviços de primeiro contato do usuário com o sistema. Os serviços realizados neste nível estão centrados na família e na comunidade, conhecendo suas necessidades de saúde e avaliando a resposta para tais demandas. Além disto, exerce o papel de filtro para acesso aos outros níveis, permitindo o encaminhamento do usuário pelos profissionais para acesso à atenção especializada. Outro atributo da APS é a continuidade do acompanhamento e da relação profissional/equipe/unidade de saúde ao longo da vida, independente da presença da doença (GIOVANELLA; MENDONÇA, 2008). A atenção em saúde domiciliar possibilita a desinstitucionalização de pacientes que se encontram internados nos serviços hospitalares, além de evitar hospitalizações desnecessárias a partir de serviços de pronto atendimento e de apoiar as equipes de atenção básica no cuidado àqueles pacientes que necessitam da atenção à saúde prestada no domicílio. Seu objetivo não está focado somente na assistência, mas também em elementos 25 de prevenção, promoção e reabilitação e tendo como uma das finalidades a autonomia do paciente, de seu cuidador e familiares (BRASIL, 2012). O princípio da integralidade implica no reconhecimento por parte da equipe de saúde em compreender as necessidades de saúde nos âmbitos orgânicos, psíquicos e sociais. É necessário assim, a oferta de serviços preventivos e curativos à todas as idades, desta forma cabe à unidade de saúde garantir os serviços necessitados pelos usuários, ainda que não ofereça cabe ao mesmo encaminhar para os demais serviços da rede de atenção em saúde (GIOVANELLA; MENDONÇA, 2008). Na parte intermediária da pirâmide estão localizados os serviços de atenção secundária, basicamente os serviços ambulatoriais com especialidades clínicas e cirúrgicas, o conjunto de serviços de apoio diagnóstico e terapêutico, alguns serviços de atendimento de urgência e emergência e os hospitais gerais4. Neste nível de atenção são desenvolvidas ações, práticas e técnicas que englobam maior densidade tecnológica, sendo ofertadas de forma hierarquizada e regionalizada (SOLLA; CHIORO, 2008). Constitui-se como parte do sistema de cuidados à saúde, garantindo seu objetivo de retaguarda técnica, mas assumindo a responsabilidade pelo usuário em seu processo saúde-doença, preservando o vínculo com a rede básica. Ao contrário dos cuidados ofertados na atenção básica, na atenção especializada são os usuários que se deslocam até os serviços para o cuidado e a população-alvo a cada momento é uma parcela diferente da população, são usuários que necessitam naquele momento de cuidados mais intensos. E para que seja garantido a atenção integral à saúde, cabe à este quando necessário encaminhar o usuário para continuidade do tratamento em outro serviço de saúde (SOLLA; CHIORO, 2008). Os problemas de saúde que não forem resolvidos no nível da atenção básica deverão ser referenciados para os serviços de maior complexidade tecnológica, organizados de forma municipal ou regional, tais como os ambulatórios de especialidades e os serviços de apoio diagnósticos e 4 Hospital destinado à prestação de atendimento nas especialidades básicas, por especialistas e/ou outras especialidades médicas. Pode dispor de serviço de urgência/emergência. Deve dispor também de serviço auxiliar diagnóstico e terapia de média complexidade, podendo ter ou não o Sistema Integrado de Patrimônio, Administração e Contratos (DATASUS, 2014). 26 terapêuticos e de atenção hospitalar. Uma vez equacionado o problema, o serviço especializado deve encaminhar o usuário para que possa ser acompanhado no âmbito da atenção básica. Referência e contra-referência também funcionam entre serviços do mesmo nível de complexidade ou entre os serviços de atenção ambulatorial especializada, hospitalares, de reabilitação e de apoio diagnóstico e terapêutico (SOLLA; CHIORO, 2008, p.633-634). Já o topo da pirâmide está ocupado pelos serviços hospitalares de maior complexidade, com os hospitais terciários ou quartenários5. O papel da assistência hospitalar na atenção à saúde é de extrema importância nos cuidados de saúde, do ponto de vista técnico-assistencial ao concentrarem os saberes e as tecnologias; do ponto financeiro, onde os gastos hospitalares representam grande parte dos gastos em saúde; ou ainda do ponto de vista simbólico, pela população conceber a instituição como lócus privilegiado de exercer a medicina e a verdadeira expressão de um sistema de saúde (NETO et al., 2008). As principais áreas que compõem a alta complexidade do SUS, e que estão organizadas em “redes”, são: assistência ao paciente portador de doença renal crônica (por meio dos procedimentos de diálise); assistência ao paciente oncológico; cirurgia cardiovascular; cirurgia vascular; assistência em traumato-ortopedia; procedimentos de neurologia; assistência em otologia; cirurgia de implante coclear; cirurgia das vias aéreas superiores e da região cervical; cirurgia da calota craniana, da face e do sistema estomatognático; procedimentos em lábio leporino; procedimentos para a avaliação e tratamento dos transtornos respiratórios do sono; assistência aos pacientes portadores de queimaduras; assistência aos pacientes portadores de obesidade; cirurgia reprodutiva; genética clínica; terapia nutricional; distrofia muscular progressiva; osteogênese imperfecta; fibrose cística e reprodução assistida (BRASIL, 2011, p.13). A pirâmide representa o fluxo ordenado dos pacientes no sistema de saúde, tanto de baixo para cima como de cima para baixo, realizado através do mecanismo de referência e contra-referência, onde as necessidades de 5 Nível quartenário consiste em um nível de atendimento mais elevado cientificamente com investimento em alta tecnologia de ponta para a realização de tratamentos especiais (transplante de órgãos, neurocirurgia, cirurgia cardiovascular) (CHORILLI et. al., 2004). 27 assistência seriam atendidas nos espaços tecnológicos adequados (CECÍLIO, 1997). As Redes de Atenção à Saúde (RAS) têm sido propostas para lidar com projetos e processos complexos de gestão e atenção em saúde, onde há interação de diferentes agentes e têm como objetivo promover a integração de ações e serviços de saúde a fim de prover uma atenção de forma contínua, integral, de qualidade, responsável, humanizada, com vistas à consolidação dos princípios do SUS (BRASIL, 2012). Na Portaria GM nº 4.279 de 30 de dezembro de 2010 que instituiu as RAS no âmbito de SUS, é possível identificar 6 características importantes destas rede, sendo elas: formar relações horizontais entre os diferentes pontos de atenção - pressupõe que os pontos de atenção passem a ser entendidos como espaços onde são ofertados alguns serviços de saúde, sendo todos igualmente importantes para que sejam cumpridos os objetivos da rede de atenção; APS como centro de comunicação - a lógica de organização em redes a partir da APS reafirma o seu papel de ser a principal porta de entrada do usuário no sistema de saúde, ser responsável por coordenar a trajetória dos usuários pelos outros pontos de atenção da rede e de manter o vínculo com estes usuários, dando continuidade à atenção mesmo que estejam sendo cuidados também em outros pontos da rede; planejar e organizar as ações segundo as necessidades de saúde de uma população específica - as ações, serviços e programações em saúde devem basear-se na necessidade da população atendida pela equipe de saúde, considerando fatores e determinantes da saúde desta população (BRASIL, 2012). Além dos quais estão: ofertar atenção contínua e integral - serviços e sistemas integrados poderão ser capazes de dar atenção integral visto que poder ser solucionados problemas de saúde que são demandados pela APS e nos serviços cuja densidade tecnológica do tratamento aumenta; cuidado multiprofissional - é necessário a composição multiprofissional das equipes de saúde porque os problemas de saúde muitas vezes são multicausais e complexos, e necessitam de diferentes olhares profissionais para sua resolução. E ainda ter a ação interdisciplinar desta equipe como um objetivo, de modo a garantir a troca de informações e a corresponsabilização da prática de saúde entre os membros da equipe; compartilhar objetivos e compromissos 28 com os resultados, em termos sanitários e econômicos - deve contemplar objetivos sanitários como o aumento do aleitamento materno em determinada região, maior e melhor atendimento à população, e objetivos econômicos citando a melhor alocação dos recursos humanos, tecnológicos e financeiros (BRASIL, 2012). Figura 2 – Sistematização da Rede de Atenção à Saúde Bucal Fonte: Rico e Sánchez (2014, p.2). Para Cecílio (1997) pensar o sistema de saúde em círculos é relativizar a concepção de hierarquização dos serviços, com fluxos verticais em todos os sentidos, como a pirâmide direciona. O modelo assistencial da pirâmide faz pensar em fluxos hierarquizados dos usuários dentro do sistema, ao contrário do modelo do círculo que se associa à ideia de movimento, de múltiplas alternativas para entrada e saída ao sistema, não sendo mais hierarquizado e tendo várias possibilidades de acesso. A responsabilidade de garantir a integralidade do atendimento é do sistema como um todo e não mais do paciente, o destino deste usuário pode ser o centro de saúde, um ambulatório de especialidades ou qualquer outra possibilidade dentro do sistema. Repensar o sistema de saúde como um círculo redireciona os serviços, o hospital não estará mais no “topo” e nem “por cima”, mas sim os serviços estarão de forma mais horizontal. A horizontalidade dos serviços vai ao encontro da concepção de que todo e qualquer serviço de saúde é espaço de alta densidade tecnológica, que deve ser colocada a serviço da vida dos 29 cidadãos Assim o que mais importa é a garantia de acesso ao serviço adequado, à tecnologia adequada, no momento apropriado e sendo responsabilidade do sistema de saúde, tendo como centro das preocupações as necessidades do usuário (CECÍLIO, 1997). Na compreensão de rede, reafirma-se a perspectiva que prevê a hierarquização dos níveis de complexidade, viabilizando encaminhamentos resolutivos, porém reforçando a sua concepção central de estimular e assegurar os vínculos em diferentes dimensões seja: intra-equipes de saúde, inter-equipes/serviços, entre trabalhadores e gestores e entre usuários e serviços/equipes (BRASIL, 2011). Para que seja contemplada a comunicação entre os níveis de complexidade e que desta forma se garanta a integralidade do atendimento de saúde do usuário, reafirma-se a importância do sistema de referência e contra-referência no SUS. Por referência compreende-se o ato de encaminhamento de um paciente atendido em um determinado estabelecimento de saúde a outro de maior complexidade. A referência deve ocorrer após a constatação de insuficiência de capacidade resolutiva do atendimento de saúde e segundo normas e mecanismos preestabelecidos. O encaminhamento deverá ser acompanhado com todas as informações necessárias ao atendimento do usuário no outro nível de saúde e garantido mediante agendamento prévio do atendimento na unidade para o qual foi encaminhado (BRASIL, 1990). E entende-se por contra-referência o encaminhamento de um paciente ao estabelecimento de origem, que o referiu, após a resolução da causa responsável pela referência. A contra-referência do paciente deverá ser acompanhada das informações que permearam seu acompanhamento/tratamento neste nível de atenção, estas sendo necessárias para o andamento do acompanhamento do usuário no estabelecimento de origem (BRASIL, 1990). A Norma Operacional da Assistência à Saúde (NOAS/SUS), 01/01 e 01/02, regulamentada pela Portaria MS/GM nº 95, de 26 de janeiro de 2001 e Portaria MS/GM nº 373, de 27 de fevereiro de 2002, institui o Plano Diretor de Regionalização (PDR) como instrumento no processo de regionalização da assistência em cada estado e no Distrito Federal, baseando-se nas 30 necessidades de saúde da população e garantindo o acesso dos cidadãos a todos os níveis de atenção. O PDR fundamenta-se na conformação de sistemas funcionais e resolutivos de assistência à saúde, por meio da organização dos territórios estaduais em regiões/microrregiões e módulos assistenciais; da conformação de redes hierarquizadas de serviços; do estabelecimento de mecanismos e fluxos de referência e contra-referência intermunicipais, objetivando garantir a integralidade da assistência e o acesso da população aos serviços e ações de saúde de acordo com suas necessidades (BRASIL, 2002, p.9). Os sistemas regionais devem ter mecanismos efetivos que garantam o encaminhamento dos pacientes (referência) aos serviços que não são ofertados em seu município/região, além de garantir de que uma vez atendidas suas necessidades, o paciente seja reencaminhado à sua região de origem (contra-referência), impedindo deste modo que haja a saturação nos serviços especializados (BRASIL, 2006). O sistema de referência e contra-referência visa garantir o atendimento integral ao usuário no sistema de saúde, de modo que seja atendido pela rede de serviços de saúde pública conforme suas necessidades, independente do nível de complexidade do serviço e da demanda solicitada. Mattos (2001) discute sobre três conjuntos de sentidos do princípio da integralidade: o primeiro refere-se a atributos das práticas dos profissionais de saúde; o segundo se refere a atributos da organização dos serviços; e o terceiro se aplica às respostas governamentais aos problemas de saúde. Apesar de diferentes, estes possuem traços de semelhança e alguns fios que articulam todos esses sentidos. O primeiro sentido de integralidade relaciona-se aos ideais da medicina integral. Reflete a atitude de um profissional de saúde que diante de um paciente, busca reconhecer para além das demandas relacionadas ao sofrimento vivenciado, observando as necessidades de ações de saúde, como as relacionadas ao diagnóstico precoce ou à redução de fatores de risco. Desta forma, busca-se de um lado, aproveitar a aplicação das técnicas de prevenção e, de outro, considerar as necessidades que não se limitam à prevenção e ao controle das doenças. A integralidade é um valor que deve estar presente em 31 todas as práticas de saúde, e não apenas em relação às práticas de saúde do SUS (MATTOS, 2001). Para Mattos (2001), o segundo conjunto desenvolve-se por meio dos profissionais de saúde que deveriam pensar em suas práticas, pensando os serviços de saúde de forma horizontalizada, considerando a população que atendem e suas necessidades, e não mais tendo a visão exclusiva de sua inserção específica neste ou naquele programa do ministério. Nesse contexto, a integralidade emerge como um princípio de organização continua do processo de trabalho nos serviços de saúde, que se caracterizaria desde aproveitar as oportunidades geradas pela demanda espontânea para aplicar protocolos de diagnóstico precoce e de identificação de situações de risco para a saúde, até o desenvolvimento de atividades coletivas junto à comunidade para ampliar a compreensão das necessidades de saúde da população. E o terceiro conjunto trata de discutir um sentido de integralidade que se aplica a certas propostas de respostas governamentais aos problemas de saúde, que se configura por recusar em objetivar e recortar os sujeitos abrangidos pela política de saúde, assim amplia-se o horizonte de problemas a serem tratados pela política. Nesse sentido, a noção de integralidade expressa de que cabe ao governo responder a certos problemas de saúde, e que essa resposta deve incorporar tanto as possibilidades de prevenção como as possibilidades assistenciais (MATTOS, 2001). Segundo Fagundes e Nogueira (2008), na esfera da saúde a integralidade refere-se à relação entre a realidade social e a produção de saúde, assim como a relação entre a equipe de saúde, os usuários dos serviços e as ações de saúde, ressaltando a importância da articulação entre saberes e práticas. A integralidade é apreendida em várias dimensões. Uma delas é a integralidade focalizada, que é realizada e praticada nos diversos serviços de saúde, fruto de esforços de diferentes equipes multiprofissionais que buscam realizar ações interdisciplinares. Nesses espaços sócio-institucionais a integralidade se realiza pelo compromisso ético-político e competência técnica dos profissionais a partir da relação com o usuário. Ou seja, ouvir cuidadosamente, apreender, compreender e analisar para identificar as necessidades de saúde da população (NOGUEIRA, MIOTO, 2006, p.224). 32 A integralidade na atenção à saúde é pensada como o desenvolvimento de ações com foco para a prevenção e cura. Nesta perspectiva, o usuário é compreendido a partir de seus aspectos biológicos, psicológicos e sociais, evitando uma visão fragmentada do indivíduo. A concepção de integralidade como prática profissional não fragmentada é compreendida a partir do exercicio profissional. Espera-se que os profissionais de saúde tenham um olhar mais atento ao seus usuários não restringindo suas observações somente à relação saúde/doença, mas interpretando os vários fatores que implicam nesta. Pensar desta maneira permite compreender a integralidade como um atendimento pleno, acesso aos cuidados que perpassam a cura de uma doença, mas que entendem as reais necessidades demandadas pelo usuário e profissionais capacitados que estarão atentos aos fatores que contribuem para o surgimento das doenças. Na perspectiva dos usuários a integralidade é associada ao tratamento digno, respeitoso, com qualidade, acolhimento e vínculo (SCHEMES, 2004). Schemes (2004) considera ainda o trabalho em equipe como uma prática fundamental para que se obtenha à integralidade, pois através dos diversos saberes é que as demandas serão observadas a partir de diferentes focos, e sendo assim, as respostas dadas às demandas serão voltadas para uma visão integral. A autora ressalta a necessidade de que o foco de atenção da integralidade seja ampliado para todos os setores dos serviços de saúde, pois muitas vezes isso acontece somente no nível primário de atenção, sendo que a integralidade não se realiza somente em um só serviço, ele é um dos objetivos da rede de atenção à saúde. Com isto, percebe-se a importância da intersetorialidade, que é entendida como a articulação entre os serviços de saúde e as práticas de saúde têm exigido das equipes um conhecimento da população atendida e dos determinantes sociais que condicionam suas situações de vida, para que as demandas sejam respondidas de maneira efetiva e integral (SCHEMES, 2004). Para ultrapassar os padrões reducionistas de hoje na atenção à saúde, que acabam impedindo a efetivação da integralidade, propõe-se a construção do diálogo com o usuário, com a intenção de estimular a sua participação, identificando e trabalhando com seus desejos, aspirações e sonhos, traduzindo 33 desta maneira o princípio da integralidade como direito universal ao atendimento das necessidades de saúde (AMARAL, 2007). Cecílio e Merhy (2003) discutem a integralidade no âmbito da atenção hospitalar a partir de dois ângulos: a integralidade da atenção olhada no hospital e a partir do hospital e a integralidade tendo como referência a inserção do hospital no “sistema” de saúde. O cuidado nas organizações de saúde é por sua natureza multidisciplinar, isto é, depende do trabalho de vários profissionais. O cuidado vivenciado pelo paciente é o somatório de pequenos cuidados que vão se complementando, entre os vários cuidadores que circulam e produzem a vida do hospital. Assim compreende-se que o cuidado em saúde engloba atos complexos, de procedimentos, de fluxos, de rotinas, de saberes, em um processo dialético de complementação e também de disputa. Pensar a integralidade tendo como referência a inserção do hospital no SUS remete a ideia do cuidado que cada pessoa real necessita, que frequentemente transversaliza todo o sistema. Os autores acreditam que não há integralidade sem esta possibilidade de transversalidade, já que a integralidade do cuidado só pode ser obtida em rede. No entanto, a linha de cuidado pensada de forma plena, ultrapassa inúmeros serviços de saúde. A instituição hospitalar é vista como um componente fundamental da integralidade do cuidado, pois é compreendida como uma “estação” no circuito que cada indivíduo percorre para obter a integralidade de que necessita (CECÍLIO; MERHY, 2003). A atenção hospitalar pode determinar a integralidade do cuidado quando oferece um adequado serviço de contra-referência após os atendimentos, garantindo a continuidade do tratamento não apenas dentro do SUS como também em outros serviços e setores públicos (AMARAL, 2008). 34 SEÇÃO 2 - O DIREITO À SAÚDE E O TRATAMENTO DA OBESIDADE 35 2.1 A obesidade e o tratamento pela cirurgia bariátrica A obesidade é reconhecida hoje como problema de saúde pública, sendo progressiva e fatal e os dados sobre sua evolução são preocupantes: os números de obesos no Brasil e no mundo tem aumentado com muita rapidez (GARRIDO, 2008). Esta problemática possui dimensões sociais, biológicas e piscossociais, abrangendo a população como um todo, não se restringindo a grupos determinados por faixa etária ou grupos socioeconômicos (MOREIRA, 2008). Os estudos da OMS (2012) estimam que em 2015, existirão 2,3 bilhões de pessoas com excesso de peso e 700 milhões de obesos no mundo inteiro. A Portaria nº 424 de 19 de março de 2013, que redefine as diretrizes para a organização da prevenção e do tratamento do sobrepeso e obesidade como linha de cuidado prioritária da Rede de Atenção à Saúde das Pessoas com Doenças Crônicas, possui algumas atribuições com foco na prevenção e no tratamento desta patologia. No componente da APS, confere-se algumas ações: a) realizar a vigilância alimentar e nutricional da população com a intenção do cuidado do sobrepeso e da obesidade; b) realizar ações de promoção da saúde e prevenção do sobrepeso e da obesidade de forma intersetorial e com participação popular, respeitando hábitos culturais, e dando ênfase nas ações de promoção da alimentação saudável e da atividade física; c) incentivar e apoiar o autocuidado com foco na manutenção e na recuperação do peso saudável; d) prestar assistência multiprofissional aos usuários adultos com sobrepeso e obesidade; e) coordenar o cuidado dos usuários que após, esgotadas as possibilidades na atenção básica, necessitarem de outros serviços do sistema de saúde; f) prestar assistência multiprofissional aos usuários que realizaram procedimento cirúrgico para tratamento da obesidade após o período de acompanhamento pós-operatório realizado na atenção especializada ambulatorial e/ou hospitalar; g) garantir o acolhimento adequado dos usuários com sobrepeso e obesidade em todos os equipamentos da atenção básica (BRASIL, 2013). No componente da Atenção Especializada, há a subdivisão em: Subcomponente Ambulatorial Especializado, cujas ações baseiam-se em: 1. prestar apoio matricial às equipes de atenção básica, presencialmente ou por 36 meio dos núcleos do Telessaúde; 2. prestar assistência ambulatorial especializada multiprofissional aos usuários com sobrepeso e obesidade, quando esgotadas as possibilidades na APS; 3. diagnosticar os casos com indicação para procedimento cirúrgico para tratamento da obesidade e encaminhar a demanda para o serviço de referência; 4. prestar assistência multiprofissional pré-operatória aos usuários com indicação de realização de procedimento cirúrgico para tratamento da obesidade; 5. prestar assistência terapêutica multiprofissional aos usuários que realizaram procedimento cirúrgico para tratamento da obesidade após o período de acompanhamento pós-operatório realizado na Atenção Especializada Hospitalar; 6. organizar o retorno dos usuários à assistência na APS para o seu devido acompanhamento; 7. realizar contra-referência nos casos de alta para os serviços de atenção básica, além de possuir a função de comunicar os municípios e as equipes de saúde sobre os usuários que estão em acompanhamento (BRASIL, 2013). No Subcomponente Hospitalar tem como atribuições: 1. realizar avaliação dos casos indicados pela Atenção Especializada Ambulatorial e/ ou Regulação para procedimento cirúrgico para tratamento da obesidade; 2. organizar o acesso à cirurgia dando prioridade aos usuários que possuem outras comorbidades associadas à obesidade; 3. realizar tratamento cirúrgico da obesidade de acordo com o estabelecido nas diretrizes clínicas; 4. realizar cirurgia plástica reparadora para indivíduos submetidos ao tratamento cirúrgico da obesidade, conforme critérios dispostos em atos normativos específicos do MS; 5.garantir assistência multiprofissional pós-operatória aos usuários que realizaram procedimento cirúrgico para tratamento da obesidade; 6. organizar o retorno dos usuários que realizaram procedimento cirúrgico para tratamento da obesidade à assistência multiprofissional na Atenção Especializada Ambulatorial e/ou na APS; 7. realizar contra-referência nos casos de alta para os serviços de atenção básica e/ ou atenção ambulatorial especializada, bem como comunicar os municípios e às equipes de saúde sobre os usuários que estão em acompanhamento (BRASIL, 2013). E por fim, no Subcomponente Urgência e Emergência, que tem como prioridade: prestar assistência e o cuidado às urgências e emergências, até que ocorra o encaminhamento, se for necessário, dos usuários com 37 complicações agudas decorrentes do sobrepeso e da obesidade, assim como do pós operatório da cirurgia bariátrica (BRASIL, 2013). Quando o sobrepeso ou a obesidade evoluem para a obesidade mórbida aumenta a incidência das complicações de saúde, físicas e emocionais (FANDIÑO et al., 2004). Nieman (1999) menciona alguns recursos utilizados para controlar ou prevenir esta doença, como medicamentos, dietas, atividades físicas, terapias e até métodos cirúrgicos. Contudo, grande parte da população obesa já tentou as várias alternativas, sem conseguir resultados que revertessem seu quadro de obesidade. Nesta perspectiva, a cirurgia bariátrica apresenta eficácia por levar a uma perda significativa de peso, reduzindo em média de 60% à 75% do excesso de peso, diminuindo os riscos oriundos da obesidade, alterando a qualidade de vida das pessoas (SBCBM, 2007). É considerada uma medida terapêutica nos casos mais graves, que não respondem a tratamentos convencionais (DINIZ et al.,2008). Esses fatos acompanhados do aumento da demanda levaram a necessidade de incrementar a oferta de tratamento cirúrgico na área de gastroplastia6. O MS considerando a transformação que vem ocorrendo nos últimos anos nos padrões nutricionais da população brasileira e ciente de que a obesidade constitui-se em preocupação relevante para a saúde pública, amplia a oferta de serviços na área de gastroplastia através da Portaria nº 425, de 19 de março de 2013, criando assim mecanismos que facilitem o acesso dos portadores de obesidade mórbida, quando tecnicamente indicado, à realização do procedimento cirúrgico para tratamento. Essa Portaria estabelece o protocolo de indicação ao procedimento cirúrgico da gastroplastia no âmbito do SUS e aprova as normas que definem os Centros de Referência na Cirurgia Bariátrica, que contam com os ambulatórios para avaliação pré-cirúrgica e acompanhamento pós-cirúrgico. Atualmente em Santa Catarina há quatro unidades credenciadas para realizar a cirurgia bariátrica. Estão localizados em: Florianópolis, que atende as 6 Gastroplastia também conhecida como cirurgia bariátrica é a plástica do estômago, é um procedimento cirúrgico que visa a redução do estômago. O SUS financia alguns tipos de cirurgia bariátrica, sendo estes: banda gástrica ajustável, gastroplastia vertical sem banda, a gastroplastia com derivação intestinal e a gastrectomia com ou sem desvio duodenal (SBCBM 2012). 38 regiões da Grande Florianópolis e do Sul; Joinville, que atende os pacientes das regiões do Vale do Itajaí, Norte e Nordeste; Lages, que presta atendimento aos pacientes das regiões do Planalto Serrano, Meio Oeste e Extremo Oeste; e São José, que também atende os pacientes restantes das Regiões da Grande Florianópolis e do Sul (REMOR, 2012). Observa-se na Figura 3 as instituições credenciadas com o serviço de cirurgia bariátrica e suas áreas de abrangência. Figura 3 – Hospitais credenciados e sua região de abrangência Fonte: Elaboração da autora a partir de atuação na equipe de cirurgia bariátrica da instituição pesquisada - 2014. O paciente que deseja passar por este procedimento cirúrgico é avaliado por uma equipe multiprofissional composta por: endocrinologista, nutricionista, psicólogo, enfermeiro, assistente social, anestesista, intensivista e fisioterapeuta (BRASIL, 2001). Deste modo, os usuários que pretendem acessar tal procedimento devem seguir um fluxo de atendimento, que é estabelecido por meio da Portaria nº 628/2001, que refere o fluxo assistencial: Avaliação Inicial – o paciente portador de obesidade mórbida deverá ser avaliado clinicamente em unidades de saúde (selecionadas pelo gestor do SUS), hospitais com serviço de cirurgia geral ou em Centro de Referência em Cirurgia Bariátrica. Devem ser checadas as indicações clínicas para a realização de gastroplastia bem como as contra-indicações para a realização do procedimento, em conformidade com o item “I” do Protocolo aprovado nesta Portaria (BRASIL, 2001, p.7). 39 No caso da instituição pesquisada, um hospital público localizada em Florianópolis, cuja estrutura baseia-se em quatro áreas básicas: clínica médica, cirúrgica, pediatria e tocoginecologia, além do atendimento de urgência e emergência 24 horas, o Serviço de Cirurgia Bariátrica atende a população da Região da Grande Florianópolis e outras regiões do Estado realizando esse procedimento desde 2004. Atualmente a instituição realiza normalmente duas cirurgias por semana, sendo oito mensais e executa o procedimento cirúrgico por meio de dois tipos de técnicas: a gastroplastia vertical e o desvio gástrico com Y de Roux. A instituição pesquisada, por não possuir uma portaria própria em relação ao procedimento da cirurgia bariátrica, desenvolve suas ações conforme a Portaria nacional. Desta forma, considerando a Portaria MS/SAS nº 425, de 19 de maio de 2013, o hospital habilitado como Unidade de Assistência ao Portador de Obesidade Grave, oferece atendimento especializado compreendendo: o diagnóstico e o tratamento clínico e cirúrgico; o atendimento de urgência 24 horas aos pacientes que possuem obesidade grave; o atendimento ambulatorial aos obesos graves; internação hospitalar com leitos apropriados; a cirurgia bariátrica em salas equipadas para operações de obesos graves além da disponibilidade de salas para caso haja complicações cirúrgicas do pós-operatório; a internação dos pacientes devido às complicações relativas à obesidade e nas complicações pós-operatórias; e a reabilitação, suporte e acompanhamento visando a melhoria das condições físicas e psicológicas do indivíduo, na fase pré-operatória e no seguimento póscirúrgico (BRASIL, 2007). 40 Figura 4 – Fluxograma de acesso dos usuários à equipe de cirurgia bariátrica da instituição pesquisa. Fonte: Elaboração da autora a partir de atuação na equipe de cirurgia bariátrica da instituição pesquisada - 2014. Conforme o fluxograma expresso na Figura 4 observa-se que o acesso dos usuários ao serviço de cirurgia bariátrica é oriundo de diversas trajetórias. A grande maioria dos usuários acessa o serviço referenciados pela UBS, no entanto, é possível perceber outros encaminhamentos como o ambulatório da própria instituição, o encaminhamento por profissionais da equipe de cirurgia bariátrica que atuam conjuntamente na rede privada e por meio de outros profissionais da instituição. O endocrinologista é o profissional que avaliará clinicamente o usuário e definirá se este atende aos critérios para ser encaminhado à cirurgia bariátrica, iniciando o acompanhamento pré-operatório. A primeira consulta permite definir inúmeras questões que encontram-se na complexa relação que os usuários estabelecem com os serviços afim de atender suas demandas diante de diferentes dimensões que definem o acesso. Ao longo da trajetória assistencial pré-operatória há outras marcas que apontam para a formação de outros arranjos que viabilizem a continuidade do atendimento e outras relações do contexto entre usuários e os serviços (ALVES, 2010). De acordo com Alves (2010), o acesso aos serviços muitas vezes corresponde ao trajeto preconizado pelo modelo assistencial e pelas normas que orientam a atenção ao paciente portador de obesidade – contemplados pela atenção básica, seguida, se necessário da atenção de média 41 complexidade, e por fim o atendimento de alta complexidade, constituindo as trajetórias preconizadas. A demora do serviço público diante da necessidade de uma resposta mais rápida torna o serviço privado uma opção. Deste modo, às vezes as trajetórias não ocorrem como está previsto no modelo preconizado, mas são condições de acesso possíveis. Assim, constatada a necessidade do procedimento cirúrgico o usuário é referenciado à instituição e a equipe de saúde que fará a cirurgia, como menciona a Portaria: Referenciamento do paciente – uma vez feita a avaliação inicial e tendo o paciente sido enquadrado nos critérios clínicos de indicação cirúrgica, o serviço que irá referenciar o paciente deverá preencher o item “I” do Protocolo, enviando-o, junto ao encaminhamento do paciente, ao serviço que realizará o procedimento. No caso de a avaliação inicial ocorrer no próprio Centro de Referência, o mesmo deverá proceder ao preenchimento destas informações. As Secretarias de Saúde, dos estados, do Distrito Federal e dos municípios, devem adotar as medidas necessárias ao encaminhamento/ deslocamento aos Centros de Referência dos pacientes portadores de obesidade mórbida que tenham sido identificados e que sejam candidatos à realização de tratamento cirúrgico, podendo para tanto utilizar como instrumento operacional o Tratamento Fora de Domicílio – TFD (BRASIL, 2001, p.7). Segundo a Portaria nº 425 de 19 de março 2013, que em seu anexo I que trata das diretrizes gerais para o tratamento cirúrgico da obesidade e acompanhamento pré e pós-cirurgia bariátrica, o tratamento cirúrgico é apenas parte do tratamento integral da obesidade, que é baseado na promoção da saúde e no cuidado clínico. O tratamento cirúrgico é apenas uma ação dentro do todo da linha de cuidado das pessoas com sobrepeso e obesidade (BRASIL, 2013). Durante a fase pré-operatória na instituição de referência para a cirurgia, o usuário passa pelo atendimento de uma equipe multiprofissional que lhe avaliará, seguindo o protocolo utilizando-se de exames e avaliações (BRASIL, 2013). Esta equipe é responsável por articular, neste momento a rede de proteção social ou a rede de serviços de saúde, para que o usuário tenha reais condições de realizar o procedimento cirúrgico. 42 Figura 5 – Fluxograma de atendimento pré-operatório de cirurgia bariátrica da instituição pesquisada. Fonte: Elaboração da autora a partir de atuação na equipe de cirurgia bariátrica da instituição pesquisada - 2014. O fluxograma ilustrado pela Figura 5 representa o atendimento préoperatório. A partir do encaminhamento do endocrinologista o usuário é encaminhado para atendimento das demais profissões, como: Serviço Social, Psicologia, Nutrição e outras especialidades como Cardiologia ou Psiquiatria e outros, caso haja a necessidade. O atendimento do endocrinologista permanece ao longo da fase pré-operatória, intercalando com a consulta das demais profissões. Além dos atendimentos com os profissionais de saúde, o usuário realizará diversos exames ao longo desta fase que definirão suas condições clínicas para a realização do procedimento cirúrgico. A ordem das 43 profissões expressas no fluxograma não representa a cronologia em que serão realizados os atendimentos, de modo que as consultas se intercalam no decorrer do processo. Cada profissão possui uma dinâmica de atendimento diferenciada, o Serviço Social, geralmente, realiza um atendimento, no entanto havendo necessidade programa o acompanhamento por meio de contatos ou consulta de retorno. A Nutrição efetua em média três atendimentos, a Enfermagem somente um atendimento e a Psicologia aplica um protocolo que prevê no mínimo 6 atendimentos, salientando que caso haja a necessidade os números de atendimentos de qualquer profissão se ampliam ou pode ser também reavaliado conforme solicitação dos profissionais ou discussões em equipe. Após a liberação do usuário por parte da equipe multiprofissional, este é encaminhado ao cirurgião do aparelho digestivo que incluirá o usuário na lista de espera da cirurgia bariátrica. Durante o período de espera para realização do procedimento cirúrgico, o usuário participará do grupo pré-operatório de modo a manter seu acompanhamento e vínculo com a equipe, até o momento em que é chamado para internar na unidade para fins de realizar a cirurgia. A Portaria nº 425/2013 institui ainda que a assistência no tratamento cirúrgico da obesidade ao usuário com comorbidades como hipertensão arterial, diabetes mellitus tipo 2, doença arterial coronariana, deve ser efetuada pela equipe multiprofissional até 18 meses de pós-operatório. No primeiro ano do pós-operatório, o acompanhamento ocorrerá com mais frequência, em virtude da perda de peso ser maior. Segundo a pesquisa realizada por Sant’Helena (2013, p.58), a fase pós-operatória da cirurgia bariátrica também contempla a contra-referência das diversas especialidades que compõe a equipe de saúde deste momento, “[...] há uma articulação com o sistema para que o acompanhamento seja realizado. Todos os profissionais entrevistados afirmam realizar algum encaminhamento para o acompanhamento nos demais níveis de complexidade do SUS ”. De acordo com o roteiro do MS para acompanhamento pós-cirurgia bariátrica, no 1º mês o paciente tem seu primeiro retorno médico, no qual realiza atendimento com nutricionista, médico clínico e cirurgião. No 2º mês, realiza consulta com médico clínico, psicólogo e nutricionista, além de realizar o hemograma e as dosagens de nutrientes, minerais, proteínas e vitaminas 44 presentes no corpo. Ao 3º mês o atendimento novamente é com nutricionista, médico cirurgião e clínico, e ocorre a aplicação do questionário BAROS adaptado7 (Anexo A). Quando chega-se ao 4º mês, a entrevista é somente com nutricionista, já no 5º, 6º, 12º e 18º mês, as consultas são com médico cirurgião, clínico, psicólogo e nutricionista, aplica-se o questionário BAROS adaptado e é refeito o hemograma e as dosagens. A partir do 24º mês, as consultas são com nutricionista, psicólogo, médico clínico e cirurgião, passasse-se por uma avaliação psiquiátrica, tem-se aplicado o questionário BAROS adaptado e realiza-se o hemograma e as dosagens (BRASIL, 2007). Na instituição pesquisada o acompanhamento pós-operatório da cirurgia bariátrica ocorre até o 5º ano após o procedimento cirúrgico, através de consultas com endocrinologista quatro e especialidades: psicólogo. O nutricionista, assistente social médico compõe cirurgião, a equipe multidisciplinar que acompanha o usuário nesta fase, realizando atendimentos conforme solicitação de acompanhamento da equipe. Tanto a fase préoperatória como a pós-operatória devem ocorrer na instituição, mas há a possibilidade de ocorrer através de consultas particulares com o médico da equipe do SUS (COELHO, 2012). No primeiro ano as consultas com endocrinologista, nutricionista e cirurgião ocorrem aos 7 dias, no 1º, 3º, 6º e 12º mês após a cirurgia, e anualmente. A nutrição oferece um grupo de acompanhamento pós-operatório mensal por tempo indeterminado, sugerido a participação a partir do primeiro ano após a cirurgia, em decorrência de os atendimentos não ocorrerem com tanta frequência. Desde o início desta fase, esta profissão orienta verbalmente o paciente para que realize o acompanhamento nutricional por meio da UBS concomitante com a instituição hospitalar, fornecendo também o encaminhamento por escrito quando solicitado. No entanto, só há a liberação para acompanhamento exclusivo na UBS após o primeiro ano de acompanhamento na instituição (MIRANDA, 2014). A psicologia realiza atendimento no 1º, 3º, 6º, 12º, 18º e 24º mês após a cirurgia, após este período o paciente recebe alta de seu acompanhamento. 7 O questionário BAROS adaptado foi desenvolvido para avaliar totalmente e tentar uniformizar o relato dos resultados advindos da cirurgia bariátrica. É o principal instrumento para avaliar o tratamento cirúrgico da obesidade (NICARETA, 2010). 45 Durante esta fase essa profissão conta com um grupo de acompanhamento pós-operatório realizado mensalmente aos pacientes por tempo indeterminado. É realizada nova consulta após o 2º ano de cirurgia quando solicitado atendimento da equipe. Com o acompanhamento ocorre o monitoramento da saúde mental do paciente e conforme necessidade há o encaminhamento, seja para psicoterapia ou acompanhamento psicológico em Centro de Atenção Psicossocial (CAPS) ou clínicas sociais (FARIAS, 2014). Figura 6 – Fluxograma de atendimento pós-operatório de cirurgia bariátrica da instituição pesquisada. Fonte: Elaboração da autora a partir de atuação na equipe de cirurgia bariátrica da instituição pesquisada - 2014. Para que o sistema de saúde funcione devidamente, é necessário um conjunto de normas e procedimentos que regulamentem o processo de referência e contra-referência dos usuários. Em estudo anterior, Sant’Helena (2013), observou que há uma articulação com o sistema para que o acompanhamento pós-operatório seja realizado. Todos os profissionais entrevistados afirmaram realizar algum encaminhamento para o acompanhamento nos demais níveis de complexidade do SUS, destacando a forte relação com a UBS. Se já faz um bom tempo que a pessoa fez cirurgia e está tudo bem com ela, e a pessoa não tem mais condições de ficar se deslocando para vir aos acompanhamentos, encaminhamos para a UBS, ou até os pré-operatórios que não tem indicação para cirurgia se encaminha para a UBS (PS2, 2012 apud SANT’HELENA, 2013, p. 56-57). 46 Sempre que eu verifico a necessidade eu faço o encaminhamento, mas não sei te dizer se consegue acessar o atendimento que a gente está solicitando. Sempre que é possível a gente faz o contato. Pra ti entender a rede nesse sentido, na fase pré-operatória com pacientes que tem problemas clínicos, a gente articula a rede e não libera desde que a unidade de lá se responsabilize com o acompanhamento, por conta de que às vezes o paciente não tem nem rede de familiares. É feito todo um trabalho com a equipe de saúde da família que se responsabiliza com os cuidados. Sempre que é necessário, a gente faz esse encaminhamento, seja no pré ou no pós (PS1, 2012 apud SANT’HELENA, 2013, p. 57). Tanto a referência quanto a contra-referência, são atos profissionais de fundamental importância para garantir o correto funcionamento do SUS. A resolução dos problemas de saúde dos usuários está intimamente relacionada com o acesso dos mesmos aos serviços de saúde que necessitarem, independentemente do nível de complexidade. Não adianta a garantia em lei de um atendimento integral à saúde se não disponibilizarmos de profissionais e locais para que a proposta de um SUS universal e integral venha a se concretizar (VAZQUEZ, 2009). O peso da obesidade é social, pois carrega significados da ordem dos significados, das representações, de questões políticas e econômicas que extrapolam o peso corporal físico e individual. O entendimento da dimensão social da obesidade pressupõe a compreensão dos fatores a ela relacionados (FELIPPE, 2001). Sendo social, demanda um olhar coletivo e político, pois envolvem valores e ética no sentido da relação entre os homens. Neste momento é visível o crescimento de uma epidemia da obesidade, considerando-se assim um problema de saúde pública e com isso exige uma relação e ação em conjunto (BAPTISTA, 1995). Assim, a partir da experiência na RIMS, na Unidade de Internação Cirúrgica I, pôde-se compreender ainda mais a cirurgia bariátrica, estando em contato direto com os pacientes internados pré e pós cirúrgicos. Esta aproximação instigou a compreender o funcionamento da rede de atenção ao portador da obesidade grave, desde sua entrada no sistema de saúde através 47 da APS, sua chegada na instituição de alta complexidade e o retorno do paciente à instituição de origem. 48 SEÇÃO 3 - O PROCESSO DE REFERÊNCIA E CONTRA-REFERÊNCIA NO TRATAMENTO DA OBESIDADE: DISCUSSÃO A PARTIR DOS USUÁRIOS DO SERVIÇO 49 3.1 Aspectos metodológicos do estudo De acordo com Rauen (2002, p.47), pesquisa é o “esforço dirigido para aquisição de um determinado conhecimento que propicia a solução de problemas teóricos, práticos e/ou operativos mesmo quando situados no contexto do dia-a-dia do homem”. Segundo Gil (1999, p.42) define-se a pesquisa social “como o processo que, utilizando metodologia científica, permite a obtenção de novos conhecimentos no campo da realidade social”. Minayo (1998) entende que a pesquisa é uma prática teórica de constante busca, na qual se torna um processo permanente. É uma atividade que aproxima a realidade, combinando e relacionando a teoria e os dados. Assim, realizou-se uma pesquisa de caráter qualitativo com apoio de revisão bibliográfica da literatura. Chizzoti (1991, p. 63) ressalta que: A abordagem qualitativa tem como identidade o reconhecimento da existência de uma relação dinâmica entre o mundo real e o sujeito, uma interdependência viva entre sujeito e o objeto e uma postura interpretativa, portanto não neutra, do sujeito-observador que atribui um significado aos fenômenos que interpreta. Conforme Maanem (1979, p.520), “a abordagem qualitativa tem por objetivo traduzir e expressar o sentido dos fenômenos do mundo social”. Identifica-se com Minayo (1998, p.10), quando coloca que: Metodologias de pesquisa qualitativa são entendidas como aquelas capazes de incorporar a questão do significado e da intencionalidade como inerentes aos atos, às relações, e às estruturas sociais, sendo essas últimas tomadas tanto no seu advento quanto na sua transformação, como construções humanas significativas. A autora ainda reflete ao mencionar que qualquer investigação social deveria possuir em seu objeto de análise o caráter qualitativo. Implicando com isto, em considerar sujeito de estudo: “gente, em determinada condição social, pertencente a determinado grupo social ou classe com suas crenças, valores e significados (p.22)”. Por meio disto, considera-se ainda que o objeto das 50 ciências sociais é contraditório, inacabado, complexo e está em permanente transformação. Em outra obra, Minayo (2000, p.101), coloca que “a investigação qualitativa requer como atitudes fundamentais a abertura, a flexibilidade, a capacidade de observação e de interação com o grupo de investigadores e com os atores sociais envolvidos”. Dessa forma, pretende-se preservar atitudes fundamentais para o sucesso da pesquisa, como a flexibilidade, a capacidade de observação e a interação com o entrevistado. A obtenção dos dados se deu através de revisão de literatura e por meio de estudo de caso. A revisão de literatura se caracteriza por suprimir dúvidas a partir de pesquisas em documentos. Isso implica no esclarecimento das pressuposições teóricas que fundamentam a pesquisa e das contribuições proporcionadas por estudos já realizados com uma discussão crítica (GIL, 2010). Segundo Bandeira (2000), a revisão de literatura é uma parte básica e essencial pela qual o pesquisador deve começar seu trabalho. Essa revisão fornece o suporte necessário para justificar, objetivar e formular o problema de pesquisa, além de permitir a definição da melhor estratégia para estudar e analisar o problema e seus dados. A revisão de literatura é uma das etapas fundamentais para o estudo, pois fornece a fundamentação teórica sobre o tema e a construção do conceito que dará suporte ao desenvolvimento da pesquisa (MORESI, 2003). Somado a isso, a revisão de literatura é o resultado dos levantamentos e análises já publicadas sobre o tema da pesquisa, tendo com objetivo a contextualização teórica do trabalho dentro da grande área de pesquisa. Segundo Silva e Menezes (2005) a revisão de literatura contribui na obtenção de informações sobre a situação atual do tema ou problema pesquisado; no conhecimento das publicações existentes sobre o tema e os aspectos que já foram abordados; e na verificação das opiniões similares e divergentes, além dos aspectos relacionados ao tema ou ao problema de pesquisa. A importância da revisão de literatura é reconhecer e dar crédito à criação intelectual de outros autores, demonstrando a ética acadêmica; mediar o diálogo entre os autores citados, além de abrir um espaço para evidenciar 51 que campo de conhecimento em estudo já está estabelecido, mas pode e deve receber novas pesquisas (SANTOS, 2006). Em relação ao estudo de caso, Keen (2009) indica que estes tradicionalmente têm sido utilizados para ilustrar fenômenos importantes e interessantes. Estes podem utilizar diversos métodos qualitativos, entre entrevistas, análise de documentos, a observação não-participante, ou podem combinar métodos qualitativos e quantitativos. Perguntar aos participantes e observá-los em reuniões e em outros ambientes de trabalhos pode oferecer dados ricos para relatos descritivos e explicativos sobre as maneiras pelas quais as políticas e as intervenções mais específicas funcionam e seu impacto subsequente (p.128). O autor afirma que os estudos de caso são mais valiosos quando está ocorrendo mudanças na política de instituições desorganizadas e quando assim, for interessante e necessário discutir por que tais intervenções alcançam o sucesso e outras não. Na perspectiva de Merrian (1988, apud ANDRÉ, 2005), o conhecimento gerado por meio do estudo de caso é diferente do conhecimento gerado a partir de outras pesquisas em virtude de ser mais contextualizado, mais concreto, com foco na interpretação de quem está lendo e baseado em populações de referência determinadas pelo leitor. Além de que, a autora explica que o estudo de caso qualitativo atende a quatro características básicas: particularidade, descrição, heurística e indução. A particularidade refere-se ao fato de que o estudo de caso focaliza uma situação, um fenômeno particular, o que o faz um tipo de estudo adequado para investigar problemas práticos. A segunda característica, da descrição, representa o detalhamento completo da situação investigada. A heurística diz respeito à ideia de que o estudo de caso ilumina a compreensão do leitor sobre o fenômeno estudado, podendo “revelar a descoberta de novos significados, estender a experiência do leitor ou confirmar o já conhecido” (ANDRÉ, 2005, p.18). E a última característica, da indução, significa que na grande maioria os estudos de caso se baseiam na lógica indutiva. 52 De acordo com Gil (1991), o estudo de caso é caracterizado pelo estudo exaustivo e em profundidade de poucos objetos, de forma a permitir conhecimento amplo e específico do mesmo. Para Yin (2005), o estudo de caso consiste em uma investigação detalhada de uma ou mais organizações, ou grupos dentro de uma organização, com vistas a prover uma análise do contexto e dos processos envolvidos no fenômeno em estudo. O estudo de caso nesta pesquisa ocorreu com dois participantes que realizaram a cirurgia bariátrica na instituição estudada, no período entre 2010 e 2014. A coleta de informações foi realizada através da aplicação de uma entrevista semiestruturada, que teve como finalidade analisar a referência e contra-referência nas trajetórias assistenciais de usuários submetidos a cirurgia bariátrica. Pretendeu-se com isto, aprofundar o debate sobre as dificuldades que permeiam o processo de referência e contra-referência no SUS da cirurgia bariátrica, demonstrando como ocorre o fluxo de atendimentos da atenção básica em saúde até a alta complexidade e a partir disto, refletir como a saúde do sujeito pesquisado foi tratada no decorrer do processo. Para isso, será considerado o que está previsto legalmente e o que realmente ocorre no cotidiano de trabalho. Segundo Neto (1994), a entrevista semiestruturada é um procedimento metodológico, que consiste numa entrevista com maior profundidade, possibilitando um intenso diálogo entre entrevistador e informante. Para Triviños (1992), a entrevista semiestruturada é oriunda de perguntas básicas, que são fundamentadas em hipóteses e teorias, que interessam à pesquisa. A partir disto, surge-se um campo de novas perguntas que vão emergindo conforme as respostas do informante. Este tipo de entrevista “[...] ao mesmo tempo que valoriza a presença do investigador, oferece todas as perspectivas possíveis para que o informante alcance a liberdade e a espontaneidade necessárias, enriquecendo a investigação [...]” (TRIVINÕS, 1994, p.146). Assim, surgem informações de forma mais livre e as respostas não estão condicionadas a uma padronização de alternativas. Na entrevista serão abordadas questões fechadas para a identificação do usuário e questões abertas sobre o detalhamento do tratamento em saúde. 53 3.1.1 Cenário O lócus da pesquisa é uma instituição de saúde de natureza pública que atende à população de todas as faixas etárias, para ambos os sexos. Foi concebido na perspectiva do trinômio ensino, pesquisa e extensão e atende a comunidade do Estado de Santa Catarina, turistas e visitantes de Florianópolis, sem distinção. É considerada estrutura de saúde de referência para a região metropolitana da grande Florianópolis e para o restante do Estado de Santa Catarina em relação à urgência e emergência, atenção ambulatorial especializada e internação de alta complexidade, incluindo o Serviço de Atenção ao Indivíduo Portador de Obesidade Grave (MACHADO, 2010). 3.1.2 Participantes do estudo Os sujeitos participantes do estudo foram pacientes que realizaram cirurgia bariátrica pelo SUS, no período entre 2010 e 2014, escolhidos aleatoriamente e que se encontram em acompanhamento ambulatorial no ano vigente. 3.1.3 Aspectos éticos A proposta de pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa Envolvendo Seres Humanos (CEPSH/UFSC) na data de 11 de agosto de 2014, sob Parecer Consubstanciado n. 746.483. Após a autorização da direção da instituição pesquisada e aprovação no CEPSH/UFSC, realizou-se as idas a campo na instituição. 3.2 Resultados e discussão Neste subitem são expostos e analisados os dados e informações coletados por meio das entrevistas semiestruturadas. Iniciamos apresentando a Tabela 1 que se refere aos dados de identificação dos participantes do estudo usuários do serviço. 54 Tabela 1- Identificação das usuárias entrevistadas no estudo - 2014 Idade Município de residência Escolaridade Ocupação Renda familiar (salários mínimos) F 43 São Miguel D’Oeste Ensino médio Promotora de vendas 5 SM F 53 Florianópolis Ensino fundamental Diarista 4 SM Código de identificação Sexo U1 U2 Fonte: Elaboração da autora a partir dos dados coletados em entrevista semiestruturada (2014). De acordo com a Tabela 1 é possível observar características de identificação das usuárias entrevistadas, sendo que nenhuma das duas acessa benefícios sociais. A composição familiar teve pequena variação em quantitativo, a família da U1 é formada pelos pais já aposentados e pelo filho; e a da U2 é composta pelo esposo e pelo filho mais velho. Com relação ao acesso das usuárias à unidade de estudo, observou-se que a motivação para realização do procedimento cirúrgico foi a condição de saúde. A U2 ressalta as comorbidades associadas a obesidade que possuía, como a diabetes e hipertensão arterial, e menciona que não conseguia mais se locomover, tendo tantas outras dificuldades. Os encaminhamentos para a cirurgia tiveram trajetórias diferentes, permeadas pela rede pública e pela rede privada. Enquanto a U2 foi encaminhada por meio do cardiologista da policlínica da cidade onde reside e onde já realizava o acompanhamento de saúde, a U1 acessou o serviço de outra forma: Foi um ginecologista que me mandou para uma endocrinologista e daí ela fez o pedido que teria que vir para um centro maior pra me tratar, porque lá não tinha condições. A endocrinologista era particular, aí ela acionou a secretaria de saúde, daí a secretaria que marcou aqui. Questão de 20 dias eu já vim pra primeira consulta. Como lá em São Miguel eles acharam que o caso era importante, eles viram a necessidade e agilizaram (U1, 2014). É possível perceber que a trajetória dos usuários para acessar o serviço da cirurgia bariátrica compreende diversas formas de acesso, do mesmo modo que há várias combinações para a utilização dos serviços, cujo interesse é o 55 atendimento da necessidade (ALVES, 2010). Os pacientes percorrem um determinado caminho até chegar a marcação da cirurgia, e isto varia conforme alguns determinantes, citando o identificado na pesquisa: o fluxo da rede de atenção do município. Com relação ao contato das entrevistas com a UBS, ambas afirmam manter o vínculo com a APS desde antes da cirurgia, acessando a unidade para exames de rotina e retirada de medicamentos. A U1 relata ainda, que recebe a visita de ACS em sua residência. O tempo de permanência em acompanhamento antes de ser encaminhada para a equipe de cirurgia bariátrica variou entre as entrevistadas. A U2 menciona “acho que foi 6 meses, porque aí eu fiz o exame e deu bactéria no estômago ai eu tive que tomar o remédio e fazer de novo. Eu esperei uns 5, 6 meses em casa e depois fui chamada”. No entanto, sua trajetória possui características próprias já que a mesma havia iniciado o processo pré-operatório em outra instituição anteriormente. Eu pedi pra ele (cardiologista) porque eu já tinha desistido de duas cirurgias já que me jogaram lá pro Regional e pro Celso Ramos, aí eu não conseguia fazer os exames. Daí eu falei: se for pra mim ir pra lá e não conseguir fazer os exames eu não vou fazer, eu saia de casa as vezes 4h da manhã pra enfrentar uma fila e não conseguia. Daí ele disse: não, agora tem uma equipe que tá fazendo, aí você consulta e eles marcam os exames tudo pra você fazer lá, daí eu vim pra cá e deu tudo certinho. Fiz todos os exames aqui, endoscopia, tudo aqui (U2, 2014). Ressaltamos que o período em que a U2 acessou outros serviços para a realização da cirurgia bariátrica, a Portaria que regia o procedimento era a nº 1.569 de 28 de junho de 2007. Assim, a instituição não precisava oferecer os exames e desta forma a APS era mais “requerida” e pouco resolutiva, talvez. E no caso da entrevistada U1, que acessou a rede privada para ter o encaminhamento, o processo teve maior rapidez. Até chegar no gineco que me encaminhou levou 5 anos. Foi assim, eu fui numa outra ginecologista e daí ela queria fazer uma histerectomia, porque eu tinha muita hemorragia. Daí quando eu cheguei em casa, o meu filho me disse assim: porque tu não vai numa segunda opinião?. Daí eu fui num outro médico particular também gineco, esse que eu digo que é o 56 meu anjinho, porque foi ele que me disse se caso eu tivesse feito a histerectomia naquele momento, eu não iria suportar, por causa que eu tinha outras coisas, aí foi quando ele me encaminhou pra endócrino e foi aí que ela viu que as minhas taxas de hormônio, um monte de coisas, não tinha condições mesmo de fazer uma histerectomia, porque poderia acarretar outras coisas. Ela foi bem gentil porque nós somos amigas de infância, então ela foi bem gentil. Do primeiro gineco até o outro foi de uma semana pra outra, e para o endócrino foi 15 dias porque ela não estava em São Miguel, estava em um congresso. Aí em 15 dias eu marquei a consulta, ai no mesmo dia eu levei os papéis que ela pediu na secretaria e daí uma semana depois eu já estava aqui. Foram 20 dias (U1, 2014). Referente à articulação destes encaminhamentos entre os serviços, a U2 relata que o profissional de saúde fez o pedido de encaminhamento a esta instituição por meio da UBS, pelo Sistema Nacional de Regulação (SISREG), e a U1 informa que seu encaminhamento foi solicitado junto à secretaria de saúde de seu município, ressaltando que: Eu sei que vai pra regional de saúde esses papéis e a regional que faz esse processo. Eu acho que é via telefone, porque a regional tem as pessoas lá que ligam e é lá que fazem esse encaminhamento, essa articulação com os hospitais aqui da capital (U1, 2014). O processo de regionalização serve como uma estratégia de hierarquização dos serviços de saúde na busca de maior equidade. O processo de regionalização deverá contemplar uma lógica de planejamento integrado, compreendendo as noções de territorialidade, na identificação de prioridades de intervenção e de conformação de sistemas funcionais de saúde, não necessariamente restritos à abrangência municipal, mas respeitando seus limites como unidade indivisível, de forma a garantir o acesso dos cidadãos a todas as ações e serviços necessários para a resolução de seus problemas de saúde, otimizando os recursos disponíveis (BRASIL, 2002, p.9). Segundo a pactuação de saúde firmada pelas instituições do Estado que realizam a cirurgia bariátrica, a instituição de Florianópolis disponibiliza 4 atendimentos iniciais à usuários candidatos a realização do procedimento por semana, totalizando 16 atendimentos/mês. Na unidade hospitalar localizada em São José o número aumenta, são 18 vagas para atendimentos/semana sendo 72 vagas de atendimentos por mês. As duas outras instituições estão 57 habitadas em gestão plena do município, de forma que a regulação dos serviços de alta complexidade será de responsabilidade do gestor municipal, a instituição de Joinville fornece 10 atendimentos/semana, ou seja, 40 vagas para consultas/mês, e o hospital de Lages que oferta 13 vagas de atendimento por semana, com total de 52 atendimento/mês. As duas entrevistas relatam a boa recepção que tiverem ao serem referenciadas para a instituição do estudo. Segundo a U1, esta foi referenciada para o profissional da endocrinologia, enquanto que a U2 foi para o médico cirurgião, onde a partir do primeiro contato ambas foram encaminhadas para os demais profissionais da equipe de cirurgia bariátrica. Muito bem! Olha, aqui fui muito bem recebida desde o primeiro momento, o que eu precisei fazer aqui dentro, eu fui muito bem encaminhada, consegui fazer tudo que foi preciso, tudo que eu consegui fazer aqui eu fiz. Consegui circular tranquilamente. Eu tenho até uma pessoa maravilhosa, eu tenho até saudade dele, foi o Dr. Antônio não sei se ele trabalha ainda aqui. Ele era residente quando eu comecei, ele é endocrinologista. Eu acho que eu fui a paciente que mais deu mão de obra pra ele. Mas assim, eu vi ele evoluindo como médico e eu como paciente, então eu tenho muita gratidão por ele, porque ele me estudou e me ajudou, porque eu era um saco de surpresas. Eu tenho muito carinho por ele, até quando eu me afastei que era fim de ano e quando retornei e era uma outra equipe, pra mim foi bem complicado. É complicado criar um vínculo de novo, eu só conseguia me abrir com ele e não conseguia com a nova equipe (U1, 2014). Tabela 2 – Dados implicadores da cirurgia bariátrica - 2014 Código de identificação Tempo de permanência em acompanhamento da fase pré-operatória Peso anterior Período do procedimento Complicações médicas U1 3 anos 115 kg 06/2011 Não U2 1 ano 130 kg 04/2013 Não Fonte: Elaboração da autora a partir dos dados coletados em entrevista semiestruturada (2014). Com relação ao tempo de permanência em acompanhamento, questiona-se o período extenso da entrevistada 1, sendo que normalmente o acompanhamento pré-operatório dura cerca de um ano, exceto nos casos em 58 que há necessidade de mais atendimentos além do estabelecido no protocolo, segundo avaliação do profissional de saúde da equipe. Eu acho que casos de complicações mesmo, uma hora eu não tava muito bem, mas no fim deu tudo certo. Tinha que ser aquele dia e aquela hora, nem antes e nem depois, no momento certo (U1). Ao analisar a contra-referência a partir das entrevistas, observou-se que ambas as entrevistadas permanecem realizando o acompanhamento ambulatorial com a equipe de cirurgia bariátrica da instituição pesquisada. No entanto, não com as mesmas especialidades. A U1 relata que seu acompanhamento é anual e que atualmente seu vínculo é com a nutricionista e com o médico cirurgião, ao contrário da U2 que menciona ser acompanhada por todas as especialidades da fase pós-operatória. Com a nutricionista tenho uma vez no mês, na última quintafeira do mês; com a psicologia é uma vez no mês, na segunda quinta-feira do mês; e com o cirurgião que agora é uma vez por ano, agora só em abril que eu tenho consulta com ele. E com o endócrino também, só em abril, que é uma vez ao ano (U2, 2014). Em nenhuma das duas situações houve encaminhamento por parte de profissionais da equipe de cirurgia bariátrica para acompanhamento nos demais níveis de complexidade do SUS, e não houve necessidade por parte das entrevistadas de procurar outro serviço de saúde. A U1 ainda ressalta “não, concentraram tudo aqui. Não fizeram nenhum encaminhamento”. No caso da U2 que já realizava o acompanhamento na UBS em virtude das comorbidades da obesidade, este vínculo permaneceu. Assim, é visto que na realidade o fluxo não ocorre conforme o preconizado pelo SUS. Uma das principais “portas de entrada” do sistema de saúde continua sendo os hospitais, públicos ou privados, por meio dos serviços de urgência e emergência e pelos serviços de ambulatório e não as UBS. A maioria dos atendimentos é de patologias consideradas mais “simples”, que poderiam ser resolvidos nas UBS; o acesso aos serviços especializados é bastante difícil e a demora nas consultas marcadas resulta em desistência dos usuários, acontece dos serviços ambulatoriais especializados manterem 59 “clientelas cativas” e que poderiam ser acompanhadas em nível de rede básica. Desta forma, a maioria da população sente-se insegura e abandonada quando precisa do atendimento médico-hospitalar, sendo necessário repensar o modelo assistencial do SUS (CECÍLIO, 1997). Não, elas só falaram pra mim que eu tenho que fazer o acompanhamento lá no posto de 6 em 6 meses, verificar sempre a pressão, pra fazer o acompanhamento com médico da família. Fazer os exames de rotina. Isso eles me orientaram e eu sempre vou, ela (a médica) me liga também, avisando que já tá na hora de eu passar lá no posto (U2, 2014). Contudo, percebe-se que os profissionais da equipe pós-operatória centralizaram o acompanhamento na instituição, não referenciando a UBS e as mesmas categorias profissionais que já o acompanham, apesar de alguns usuários serem de localidades distantes o que dificulta o comparecimento as consultas, como é o caso da U1. Assim, cabe ao usuário criar estratégias de amparo para que seja garantido a integralidade de seu atendimento. Não, por enquanto não, até a nutrição me disse que por enquanto não vai me dar alta, quer que eu fique por aqui. Lá em São Miguel eu não faço acompanhamento, só o único que me acompanha é o Dr. Rafael que é o meu ginecologista, que sempre me acompanhou, e um médico da Secretaria de Saúde que eu sempre deixei ele apar, porque se um dia a gente precisar de alguma coisa, ele está apar. Mas só isso mesmo (U1, 2014). Em relação ao deslocamento para realizar o acompanhamento pré e pós-operatório, a U1 menciona acessar o transporte da Secretaria de Saúde e a U2 refere utilizar o ônibus municipal. A percepção das entrevistas sobre o processo de referência e contrareferência oferecido pelo SUS mostrou satisfação quanto à atenção e atuação dos profissionais e serviços envolvidos. Dez, não posso dar mais né, então é dez! Pra mim o processo foi rápido, me falaram que eu ia demorar de 2 a 3 anos, quando o cirurgião me falou: olha agora ta tudo certo, agora você vai pra casa e aguarda, e eu perguntei vai demorar muito? Ele falou de 6 meses a 8 meses eu te chamo, e chamou rapidinho (U2, 2014). 60 Aqui é muito boa, lá na Secretaria que a gente tem algumas coisinhas, mas isso é coisa de prefeitura, mas sempre foi tranquilo. Depois que eu comecei aqui, eu agendava tudo aqui já, eu só levava para o município o dia e a hora que eu tinha que tá aqui e nunca tive problema com transporte. Ele (Dr. Marcelo) me ajudou muito, quando eu tava em crise, quando eu tava com mau humor. Eu sempre quis fazer a cirurgia e ele me ajudou muito (U1, 2014). E assim percebe-se por meio das respostas das entrevistadas que a realização da cirurgia bariátrica foi um ganho para a saúde, tendo a obesidade anteriormente como fator de dificuldades e sofrimento. Ainda assim, ressalta-se a importância de um atendimento de qualidade, no qual o profissional percebe o usuário de maneira integral, compreendendo as dimensões que permeiam a vida do usuário, suas necessidades e dificuldade, que acaba por implicar diretamente na adesão do paciente ao acompanhamento e nos resultados esperados. Não me arrependo. Eu voltei a ter a vida que eu tinha antes. Em 10 anos que eu passei dos 58 kg e só foi subindo, até eu chegar nesse peso estrondoso. E daí tudo começava a me fazer mal, então até com isso o Dr. Marcelo me ajudou, com aquele jeito carinhoso, atencioso, tudo isso pra mim foi fundamental. É o jeito dele, o carinho, a atenção que ele dedica ao paciente, tudo isso conta, faz a diferença. Era tão novinho e capaz de cuidar de uma pessoa que ta lá em baixo, é aquela pessoa que ta ali por amor à profissão e não pensando só no dinheiro (U1, 2014). Sim, recomendo. Eu fico apavorada quando eu vejo uma pessoa enorme, aí caminhando, ahh eu fico nervosa. Eu lembro de mim, eu tinha muita dificuldade, eu não saia de casa. Ultimamente eu não tava conseguindo nem trabalhar, não dava conta, não conseguia nem fazer meu serviço em casa (U2, 2014). O protocolo da instituição pesquisada prevê ao serviço de cirurgia bariátrica ofertar quase todos os exames da fase pré-operatória, além do atendimento e o acompanhamento da fase pós-operatória, garantindo aos usuários um serviço de integralidade, conforme institui a Portaria 425 de 19 de março 2013. Percebe-se por meio dos relatos das entrevistadas que este serviço possui um diferencial dos demais, com foco na atenção à saúde destes pacientes. É possível perceber essa mesma visão pelos profissionais da 61 equipe, que o serviço prestado é muito bem conceituado, por meio da pesquisa de Sant’Helena (2013). Eu acho que o nosso atendimento aqui, é um atendimento muito bom até quase um nível de excelente. Porque o paciente tem todo um acompanhamento, ele é monitorado, se ele precisar ele retorna, se ele está com dúvida ele entra em contato conosco, qualquer alteração diferente mesmo que ele não tenha consulta ele vem e a gente dá um jeito de encaixar e atende. Assim pra nós o paciente bariátrico é tratado como um paciente especial, qualquer momento que ele precisar ele está orientado a vir pro hospital e procurar o ambulatório ou a emergência, é quase um atendimento particular. Ele precisou do profissional que operou ele, ele tem acesso, pode até não ter aquela consulta no dia, mas é agendado pra uma nova data, se precisa internar novamente a gente dá um jeito para ver o que ele tem. Pra mim aqui o atendimento é muito bom e a gente percebe isso pelos pacientes, eles referem isso: ah fui muito bem atendido, isso relatam de maneira geral, incluindo o pessoal da internação, o pessoal por quem eles passam, são sempre muito bem acolhidos (PS4, 2012 apud SANT’ HELENA, 2013, p.60-61). A integralidade deve ser fruto da articulação de cada serviço de saúde, considerando-se como serviço de saúde um centro de saúde, uma equipe da ESF, um ambulatório de especialidades ou um hospitalar e deve ser pensada no espaço singular do serviço e da ação de cada profissional da saúde. Pensar na integralidade da atenção, concebida em rede, considera a integralidade no interior de cada processo de trabalho (FRACOLLI et. al., 2010). A importância de conceber a integralidade como objeto de reflexão das práticas da equipe de saúde, se baseia na compreensão de que a integralidade não ocorrerá em um lugar só, sendo porque as várias tecnologias em saúde para melhorar a qualidade de vida estão distribuídos em diversos serviços, ou seja, porque a melhoria das condições de vida é tarefa intersetorial (FRACOLLI et. al., 2011). Assim, apesar dos profissionais de saúde e dos pacientes considerarem que o serviço prestado garante integralidade, foi percebido por meio das entrevistas de que não há protocolo instituído para a contra-referência na instituição, com isso questiona-se a efetiva integralidade. Desta forma, o paciente ao retornar à UBS, na cidade de origem, para realizar seu acompanhamento após a alta realizada pela equipe da instituição, não terá seu 62 histórico de saúde previamente compartilhado intersetorialmente, assim a APS ao recebê-lo não terá ciência do seu estado de saúde, o que dificultará o acompanhamento e a garantia do atendimento integral à saúde do usuário. 63 4. CONSIDERAÇÕES FINAIS A realização desde estudo pautou-se na compreensão que a obesidade é uma doença crônica, associada a fatores genéticos, ambientais e sociais, hoje considerada como problema de saúde pública Esta doença pode resultar em inúmeras consequências físicas, psicológicas, sociais e econômicas, além de apresentar alta mortalidade. Considerando o crescente índice de sobrepeso e de obesidade no Brasil desenvolveram-se políticas, ações e programas públicos, com a finalidade de reverter o quadro. Neste espaço a cirurgia bariátrica emerge como prática para reverter este contexto. De modo que seja garantido nos serviços de saúde o princípio da integralidade, é necessário que haja a comunicação entre os diferentes serviços que compõe o SUS. Para que isso aconteça se estabeleceu o sistema de referência e contra-referência, que funciona como o modo de organização dos serviços e que cuja finalidade é garantir a atenção integral aos usuários. A referência e a contra-referência significa proporcionar ao usuário o acesso aos diferentes níveis de complexidade do sistema de saúde, com o objetivo de garantir a eficácia na utilização dos recursos e a universalização do acesso, a equidade e a integralidade (FRATINI, 2007). A oferta organizada de assistência curativa e de recuperação, garantindo-se referência e contra-referência em uma rede articulada entre o setor ambulatorial e hospitalar que inclua unidades/procedimentos nos distintos níveis de complexidade (baixa, média e alta), com fluxos e percursos definidos e ordena espacialmente de modo compatível com a demanda populacional de cada território (GIOVANELLA, LOBATO; CARVALHO et. al., 2002, p.37). No entanto, foi possível observar com base no estudo de caso que a referência e contra-referência não ocorrem como protocolo institucional no campo pesquisado. Desta forma, o paciente pode chegar ao serviço de alta complexidade sem ser referenciado pela APS, conforme prevê a legislação, e ao realizar o procedimento cirúrgico e ter de retornar ao primeiro nível de atenção para manter a continuidade de seu acompanhamento de saúde, a APS 64 desconhecerá seu histórico de saúde, o que dificultará diretamente o atendimento dos profissionais e seus possíveis desdobramentos. Além de que, com o fato de não haver o referenciamento e a contrareferência deste paciente por parte do hospital, desfavorece que ele siga com seus atendimentos no SUS pela APS. Percebeu-se ainda que não há movimentos de integração e nem articulação entre o hospital e a APS em prol do usuário, não há a preocupação para que ele consiga ser acompanhado de maneira integral pelo sistema de saúde e nos casos em que acontece, somente ocorre pela conduta do profissional que realizou o atendimento, mesmo a atual portaria considerando o sistema de referência e contra-referência como um dos objetivos da rede ao indivíduo portador de obesidade grave. No entanto, após a contra-referência do profissional não se tem o acompanhamento do acesso do usuário aos serviços. Assim, compreende-se a importância de discutir a referência e contrareferência no que se refere à cirurgia bariátrica, pela população em foco ser de pacientes que apresentam em alguns casos risco de vida e encontram no procedimento cirúrgico sua última alternativa, e pela importância do acompanhamento durante e após este, que garantirão o sucesso esperado. Salientamos desta forma, a importância deste sistema já que o acompanhamento de saúde interfere diretamente nos resultados obtidos com a cirurgia. Identificamos a vinculação estabelecida com a APS desde antes da realização da cirurgia bariátrica, no entanto, não com foco no acompanhamento de saúde pela contra-referência da instituição. Além de observarmos as diferentes trajetórias que as usuárias percorreram para garantir o acesso ao serviço de saúde. De acordo com Assis, Villa e Nascimento (2003) o acesso não é definido pela oferta dos serviços, mas segundo a necessidade dos usuários, como a resolução da demanda, localização geográfica da unidade de atenção, atenção da equipe de saúde, disponibilidade de equipe profissional para atendimento, necessidade de determinada atenção e credibilidade dos serviços diante da população usuária. Assim, observamos que as usuárias utilizaram para acessar o serviço de cirurgia bariátrica a rede pública e a rede privada conforme a necessidade e os 65 recursos financeiros para a resolução da demanda. Com base na articulação dos encaminhamentos entre os serviços, notou-se a utilização por meio do SISREG e da secretaria de saúde, ambos víeis de regulação da rede pública. Outro elemento pontuado no estudo foi a boa receptividade prestada pela instituição pesquisada às usuárias, ressaltando a facilidade das mesmas de circular pelos serviços e acessar ao tratamento com informação repassada por profissionais considerados competentes, o que percebeu-se interferir positivamente na adesão de forma comprometida e responsável. Destacamos o fato das usuárias permanecerem em acompanhamento ambulatorial com algumas especialidades da equipe da fase pós-operatória da cirurgia bariátrica. Entretanto, viu-se que não houve encaminhamento por parte de profissionais para acompanhamento nos demais níveis de complexidade do SUS, assim se centralizou o acompanhamento na instituição e não ocorreu a contra-referência, cabendo as usuárias criarem estratégias de amparo para que seja garantida a integralidade de seu atendimento. Acredita-se que é indispensável para o funcionamento do sistema de referência e contra-referência, considerar a intersetorialidade e a integralidade para atingir os princípios previstos no SUS. De modo que sirva para melhor eficiência e eficácia das ações de políticas de saúde, que tem como foco responder as demandas da sociedade. Nesse sentido, implantar este sistema seguindo a lógica de funcionamento previsto, oferece espaço para a articulação e fluxos por meio do fortalecimento de vínculos entre serviços, setores e pessoas. Assim acaba-se estabelecendo relações próximas e responsáveis a fim de oferecer um cuidado integral ao usuário e seus familiares. Assim, concluímos que o objetivo geral do estudo que consistia em analisar a dinâmica da referência e contra-referência dos pacientes submetidos a cirurgia bariátrica no SUS foi cumprido, porém dos objetivos específicos conseguiu-se contemplar somente o primeiro, que pretendia identificar a articulação entre os níveis de complexidade do SUS visando o atendimento, não conseguindo atender o segundo cuja ideia era analisar as ações voltadas para a promoção de saúde segundo os princípios garantidos no SUS, pois além da APS não aparecer nas entrevistas com vistas ao acompanhamento pós bariátrica, observou-se ainda que o retorno do acompanhamento ao 66 serviço de saúde de origem e assim a contra-referência não é prioridade da equipe de cirurgia bariátrica da instituição pesquisada. Além disto, constatou-se a dificuldade de articulação entre os serviços de saúde do sistema, com foco na UBS e na instituição hospitalar citada, percebendo a fragmentação da assistência prestada, ponto este que precisa ainda ser discutido em próximos trabalhos. Se faz necessário para que haja a integralidade no serviço prestado a articulação com a APS, por ser este o identificador do território e ter a responsabilidade da segurança alimentar dos usuários, para que assim se possa discutir e desenvolver ações que visem a prevenção e a promoção da saúde dos usuários conforme o que está preconizado na política de saúde. O Serviço Social preocupa-se com a referência e contra-referência, pois é definitiva na efetivação deste sistema de serviços de saúde que se orienta por um atendimento integral ao usuário. A profissão reconhece que um dos sentidos atribuídos ao atendimento integral refere-se ao reconhecimento de todas as dimensões que os usuários vivenciam, fragilizando-se quando ocorre a fragmentação da atenção como no caso em que não se acontece a referência e a contra-referência dos serviços acessados pelo usuário. Deste modo, o Serviço Social pode contribuir para realizar o princípio da integralidade na política de saúde, tendo em vista que busca a consolidação do seu projeto ético-político, já que possui na teoria crítica sua fundamentação, seus princípios e parâmetros para o exercício profissional, e por desenvolver suas ações na perspectiva de garantia do direito à saúde. 67 REFERÊNCIAS ABESO. Associação Brasileira para o Estudo da Obesidade e da Síndrome Metabólica. Disponível em: http://www.abeso.org.br/lenoticia/1115/vigitel+2013+aponta+para+estabilizacao +da+obesidade+no+pa%C3%ADs.shtml. Acesso em 06 de Jun. de 2014. ALVES, F. L. 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Identificação 1.1.Nome: 1.2.Sexo:( ) Masculino ( ) Feminino 1.3.Idade: 1.4.Município de residência: 1.5.Escolaridade: 1.6.Ocupação: 1.7.Composição Familiar: 1.8.Renda familiar: 1.9.Acessa algum benefício social: 2. Processo de referência 2.1. O que o motivou a fazer o procedimento cirúrgico? 2.2. Como foi encaminhado para a cirurgia? 2.3. Como foi o caminho percorrido até chegar a marcação da cirurgia? 2.4 . Nesse caminho teve acompanhamento/auxílio de outra(s) pessoa(s)? ( ) Não ( ) Sim. Quem? 2.5 . Se sim, de que forma essa(s) pessoa(s) lhe auxiliaram? 2.5. Como era/é sua relação com a UBS? Utilizava os serviços oferecidos? 2.6. Por quanto tempo ficou em acompanhamento antes de ser encaminhado para o HU/UFSC? 2.7. Seus encaminhamentos para a cirurgia foram feitos através: ( ) Rede Pública ( ) Rede Particular Pode descrever como foi/foram esses encaminhamentos? 76 2.8. Sabe informar o tipo de encaminhamento que o profissional de origem fez ao encaminhá-lo? ( ) Contato telefônico ( ) Encaminhamento escrito ( ) Contato através de email ( ) Contato pessoal 2.9. Como foi recebido na instituição para que fosse referenciado – HU/UFSC? 2.10. Para quais especialidades foi referenciado no HU/UFSC? 2.11. Quanto tempo ficou em acompanhamento no HU/UFSC antes de realizar a cirurgia? 2.12. Peso antes da cirurgia bariátrica: 2.13. Período em que realizou o procedimento: 2.14. Houveram complicações médicas? Se sim, quais ou de que natureza. 3. Processo de contra-referência 3.1. Realizando acompanhamento ambulatorial no HU/UFSC: ( ) Sim ( ) Não 3.2. Com quais especialidades? 3.3. Com que frequência? 3.4. Há quanto tempo está realizando acompanhamento? 3.5. Como foi a continuidade do tratamento pós-operatório em seguida a saída do hospital? Houve necessidade de procurar outros serviços de saúde? 3.6. Houve o encaminhamento por parte dos profissionais acompanhamento através dos demais níveis de complexidade do SUS? ( ) Não ( para o ) Sim. Qual? _________ 3.7. Caso sim, como foi atendido na instituição para qual foi contra-referenciado? 3.8. Caso sim, a equipe que lhe recebeu já estava ciente de seu estado de saúde? 3.9. Caso não, a equipe de profissionais já mencionou que lhe encaminhará para o acompanhamento em outros estabelecimentos de saúde? 3.10. Teve que procurar outros serviços de saúde para prosseguir com o tratamento? (Se sim, quais serviços e se encontrou dificuldades na relação com outros serviços de saúde?) ( ) Não ( ) UBS ( ) Saúde da Família ( ) Particular ( ) Clientelístico ( ) Média ou Alta Complexidade 3.11. Como se desloca até o hospital para o acompanhamento pós-operatório? 3.12. Como você avalia o processo de referência e contra-referência no SUS? Como avalia os encaminhamentos que recebeu de todos os profissionais de saúde durante o tratamento de saúde (desde o início da procura pelo procedimento da cirurgia até a fase pós-operatória)? 77 APÊNDICE B – MODELO TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO Meu nome é Moara Monteiro Sant’Helena, sou assistente social residente do Curso de Residência Integrada Multiprofissional em Saúde do Hospital Universitário (HU) da UFSC. Diante da necessidade de investigar a relação entre os serviços de saúde e os sujeitos usuários destes serviços no processo de atenção à obesidade, estou desenvolvendo a pesquisa “O processo de referência e contra-referência na cirurgia bariátrica”. Esta pesquisa segue as recomendações da Resolução do CNS n. 466/2012, e tem como objetivo geral compreender como ocorre o processo de referência e contra-referência no SUS aos pacientes da cirurgia bariátrica. Para que se possa alcançar este objetivo, os participantes responderão a perguntas, a partir de um roteiro de entrevista, com temas referentes à sua trajetória de assistência à saúde a partir da realização da cirurgia bariátrica. Informamos que, em princípio, a entrevista não envolve riscos aos participantes, no entanto, caso haja algum desconforto devido aos questionamentos realizados compromete-se a não prosseguir com os mesmos. Os entrevistados não terão nenhum benefício direto com a pesquisa, mas se beneficiarão de possíveis mudanças geradas, pelos resultados do estudo, nos serviços de atendimento à obesidade oferecidos pelo HU da UFSC. Esperamos com os resultados contribuir para a melhoria do acesso à saúde das pessoas que necessitam realizar a cirurgia bariátrica. Compromete-se também a manter o sigilo das informações fornecidas, uma vez que os registros escritos e gravados permanecerão arquivados na sala da orientadora da pesquisa, no Departamento de Serviço Social da UFSC, e que não se fará referência a identidade dos participantes no trabalho. Os participantes têm garantia plena de liberdade para recusar-se a participar do estudo ou retirar seu consentimento, em qualquer fase da pesquisa, sem qualquer penalização. Caso tenha alguma dúvida em relação à pesquisa, neste momento ou posteriormente, nos disponibilizamos a realizar os devidos esclarecimentos através dos seguintes contatos: com a pesquisadora Moara Monteiro Sant’Helena, pelo telefone (048) 96314457 e/ou pelo e-mail: [email protected], com a Profa. orientadora Dra. Keli Regina Dal Prá pelo e-mail: [email protected] e com o Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos da UFSC pelo endereço: Biblioteca Universitária Central - Setor de Periódicos (térreo) - Campus Trindade/Florianópolis, pelo telefone: (048) 37219206 ou pelo e-mail: [email protected]. Consentimento Pós-Informação Eu, ___________________________________________, fui esclarecido(a) sobre a pesquisa “O processo de referência e contra-referência na cirurgia bariátrica: uma reflexão sob a ótica do Serviço Social” e concordo que os dados por mim fornecidos sejam utilizados na realização da mesma. Informo que o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido foi feito em duas vias, sendo que uma delas permaneceu comigo. Florianópolis, ______ de _________________________ de 2014. Assinatura do pesquisador Assinatura do participante 78 ANEXOS 79 ANEXO A: ROTEIRO PARA AVALIAÇÃO DOS RESULTADOS PÓS-OPERATÓRIOS DE CIRURGIA BARIÁTRICA (adaptado do BAROS) NOME: IDADE: REGISTRO: PESO PRÉ: ALTURA: Assinale os distúrbios presentes antes da cirurgia bariátrica: · Hipertensão arterial; pressão arterial ≥140 x 90 mmHg · Doença cardiovascular (doença coronariana, angina, insuficiência cardíaca) · Dislipidemia (colesterol >200 mg/dl ou perfil lipídico anormal) · Diabete tipo II · Apnéia do sono · Osteoartrite ou artralgias · Infertilidade Caso você tenha um dos distúrbios acima, assinale abaixo no respectivo quadrado com “C“, se houve melhora completa após a Cirurgia, ou assinale com “P“, se houve melhora parcial. Caso não tenha melhorado nada, assinale com “N“. Anote ao lado o mês em que houve a melhora. · Hipertensão arterial · Doença cardiovascular · Dislipidemia · Diabete tipo II · Apnéia do sono · Osteoartrite ou artralgias · Infertilidade Registre seu peso dos seguintes meses depois de operado(a): 1 mês_______________________ 3 meses_____________________ 80 6 meses _____________________ 9 meses______________________ 12 meses_____________________ 18 meses_____________________ 2 anos_______________________ 3 e mais anos _________________ Quanto às queixas digestivas no pré-operatório, assinale: · Sem queixas · Pirose (azia, dor gástrica em “queimação”) eventual. · Pirose uma vez por semana · Pirose mais de vez por semana · Pirose mais à noite · Pirose mais durante o dia · Dor ao engolir · Dificuldade ao engolir, engasgos freqüentes. · “Dor no estômago”. Quanto às queixas digestivas após um ano de operado, assinale: · Sem queixas · Pirose (azia, dor em “queimação”) eventual · Pirose uma vez por semana · Pirose mais de uma vez por semana · Pirose mais à noite · Pirose mais durante ao dia · Dor ao engolir · Dificuldade ao engolir, engasgos freqüentes. · Vômitos: Diários Semanais Mensais Esporádicos · “Dor no estômago”. Fez tratamento para infecção por Helicobacter pylori? · Sim · Não Houve a necessidade de utilizar medicamentos como ranitidina, omeprazol, lanzoprazol, pantoprazol, para aliviar sintomas gástricos? Se houve a necessidade cite o medicamento e quando o utilizou.