Desemprego represado http://www.valor.com.br/imprimir/noticia_impresso/3583006 Imprimir () 13/06/2014 - 05:00 Desemprego represado Por Solange Srour A Copa começou sem aumento de preços de bebidas. O governo adiou o aumento dos impostos sobre bebidas frias, decisão que havia sido tomada para melhorar a tão deprimida arrecadação deste ano e viabilizar parte dos subsídios dados ao setor elétrico. Em contrapartida, o setor terá que preservar empregos e investimentos. A Associação Brasileira de Bares e Restaurantes chegou a falar em demitir 200 mil pessoas logo após a Copa caso a alta de impostos não fosse adiada. Garantimos, assim, mais alguns meses sem aumento de preços e sem aumento do desemprego. A manutenção do emprego é justamente uma das bandeiras do setor automobilístico nas reivindicações junto ao governo para a flexibilização das leis trabalhistas. O governo já admite subsidiar a redução da jornada de trabalho e dos salários para evitar demissões. Na construção civil, os atrasos nos repasses de recursos para as habitações destinadas às famílias de baixa renda inscritas no Minha Casa, Minha Vida trouxeram inúmeras ameaças de demissões por parte das construtoras. A lista de setores subsidiados, dependentes do crédito governamental e que estão com o nível de emprego acima do desejável é grande e sua tendência é de aumentar bem ao longo desse ano. É emblemático o fato de o governo anunciar neste momento a prorrogação permanente da folha de pagamentos dos 56 setores já beneficiados. Para obter esses e outros benefícios, as empresas se comprometeram informalmente a não demitir. Qual seria a curva do emprego sem a interferência do governo na decisão das empresas de demitir? Muito se discute hoje sobre a inflação represada, mas pouco se fala no desemprego represado. Nos últimos anos temos crescido ao redor de 2%, enquanto o desemprego ficou estacionado em 5%. Há várias explicações para a baixa contaminação do mercado de trabalho que passam por razões demográficas, políticas sociais e pelos programas governamentais voltados à educação como o caso do Fies. Há, no entanto, outro aspecto que tem segurado o desemprego, de difícil mensuração, que é descrito pelo anedótico acima. A adoção da "nova matriz econômica" resultou em um "equilíbrio" instável. Temos hoje inflação estacionada em 6% e PIB em 2% porque tanto a alta da inflação quanto do desemprego é contida temporariamente pela intervenção governamental. A discussão econômica está polarizada entre os que defendem medidas de ajuste que nos permitam crescer mais com a inflação controlada e os que acreditam que a nova matriz econômica não é problemática, uma vez que estimulando a demanda aumentaremos os investimentos sem grandes riscos inflacionários. Discute-se no meio político se com uma taxa de inflação de 3%, teríamos um desemprego acima de 8,5%. Sem entrar no aspecto da teoria econômica e no "trade-off" inflação e desemprego, a primeira pergunta a responder é: como fazer tal discussão se nem sabemos de fato a verdadeira inflação e o desemprego atual? É preciso entender que vivemos em um equilíbrio artificial. Não há mecanismo de mercado para estabelecer preços e quantidades nem no mercado de bens e tampouco no mercado de trabalho. Qual seria a curva de demanda e oferta de alguns itens essenciais como a gasolina se os preços não estivessem represados? Qual seria a curva de oferta e demanda por emprego se não houvesse a interferência do governo na decisão das empresas de demitir? O problema dos represamentos é ainda mais grave quando consideramos seu aspecto fiscal. É difícil fazermos as contas de quantos bilhões estão sendo gastos com tais políticas. São gastos não transparentes, não sujeitos a nenhum processo de 1 de 2 13/06/2014 10:01 Desemprego represado 2 de 2 http://www.valor.com.br/imprimir/noticia_impresso/3583006 avaliação. São políticas públicas, de montante significativo, que não passam pelo Congresso. Subsídios para represar preços e desemprego não têm o chamado multiplicador fiscal e diminuem a produtividade da economia. Certamente a sociedade estaria melhor se os substituíssemos por investimentos em infraestrutura e na qualificação da mão de obra. Até quando podemos viver em um mundo onde prosperam tantas distorções que distorcem a própria realidade? Essa depende não somente das condições domésticas da nossa economia, mas também da economia internacional. O crescimento da economia americana está se consolidando, após vários períodos de instabilidade, mas a um ritmo ainda bastante lento, o que traz muitas incertezas em relação ao crescimento potencial do país, além de teorias como a do ex-secretário do Tesouro norte-americano Larry Summers, que identificam uma estagnação secular na mais importante economia do mundo. A Europa também emite sinais preocupantes. Apesar dos fortes ajustes estruturais e da melhora de perspectiva de crescimento para a região, a inflação não tem reagido da forma esperada, trazendo à tona teses como a da "japonização da Europa". Não é à toa que o Banco Central Europeu adotou uma série de medidas não convencionais. No Japão, o crescimento e a alta da inflação estão ameaçados pelos fatores estruturais do país que a politica econômica recente não conseguiu endereçar. Já na China, o novo governo tem emitido sinais de que está disposto a levar as reformas econômicas adiante mesmo que à custa de um crescimento menor nos próximos anos. Todos esses desenvolvimentos internacionais permitem que a velha estratégia do nosso país de "prosseguir empurrando com a barriga" as difíceis mudanças na politica econômica ganhe algum fôlego extra. Mas se de fato, o lento processo de normalização econômica nas principais economias for apenas um aspecto natural da recuperação de recessões com crises financeiras, em algum momento o mundo voltará a crescer. Nesse momento, países com baixo crescimento e alta inflação estarão mais vulneráveis. Talvez precisemos esperar um sinal vermelho dos investidores, não mais dispostos a financiar nosso crescente déficit em conta corrente ou mesmo nossa divida doméstica para nos darmos conta de que o mundo de represamento da inflação e do desemprego não é mais factível. Talvez precisemos apenas nos conscientizar que a atual realidade não é tão favorável quanto parece nem tão sustentável como se imagina. Solange Srour Chachamovitz é economista-chefe da ARX Investimentos. 13/06/2014 10:01