UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO GESTÃO INTEGRADA DA COMUNICAÇÃO DIGITAL ECA – ESCOLA DE COMUNICAÇÃO E ARTES EMILIO BRUN JUNIOR CROWDFUNDING, O MERCADO DE FINANCIAMENTO COLETIVO DE SHOWS NO BRASIL: ESTUDO DE CASO DA PLATAFORMA PLAYBOOK SÃO PAULO – SP OUTUBRO/2012 UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO GESTÃO INTEGRADA DA COMUNICAÇÃO DIGITAL ECA – ESCOLA DE COMUNICAÇÃO E ARTES EMILIO BRUN JUNIOR CROWDFUNDING, O MERCADO DE FINANCIAMENTO COLETIVO DE SHOWS NO BRASIL: ESTUDO DE CASO DA PLATAFORMA PLAYBOOK MONOGRAFIA APRESENTADA À ESCOLA DE COMUNICAÇÕES E ARTES DA UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO COMO REQUISITO BÁSICO PARA OBTENÇÃO DE TÍTULO DE ESPECIALISTA EM COMUNICAÇÃO DIGITAL. ORIENTADORA: ADRIANA AMARAL SÃO PAULO – SP OUTUBRO/2012 Autorizo a divulgação e reprodução total ou parcial deste trabalho, por qualquer meio convencional ou eletrônico, para fins de estudo e pesquisa, desde que citada a fonte. FICHA CATALOGRÁFICA BRUN, Emilio Junior. CROWDFUNDING, O MERCADO DE FINANCIAMENTO COLETIVO DE SHOWS NO BRASIL: ESTUDO DE CASO DA PLATAFORMA PLAYBOOK. Especialização em Comunicação Digital. Escola de Comunicações e Artes. Universidade de São Paulo. 2012. Palavras-chave: Crowdfunding, Shows, Indústria da Música, Crowdsourcing, Cauda Longa EMILIO BRUN JUNIOR CROWDFUNDING, O MERCADO DE FINANCIAMENTO COLETIVO DE SHOWS NO BRASIL: ESTUDO DE CASO DA PLATAFORMA PLAYBOOK Trabalho de conclusão do curso de especialização em Gestão Integrada da Comunicação Digital em Ambientes Corporativos, pela Escola Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo. Aprovado em_________de_______________________de 2012. Aprovado por: ________________________________ ________________________________ ________________________________ Adriana Amaral de Dedico este trabalho a minha mãe, por todo apoio, fé e força inabaláveis quanto a minha capacidade de vitória. AGRADECIMENTOS Amarildo, Sônia, Guilherme e Pâmella, pela generosidade e paciência de me acolherem nos três meses mais incertos e difíceis da minha vida. Aos amigos de Ervália e Viçosa que sempre acreditaram que eu chegaria lá, nossos laços de amizade transpõem barreiras geográficas. Alessandro Sophia, diretor da PlayBook, pelo tempo e atenção cedidos e que se tornaram imprescindíveis para a conclusão deste trabalho. Beth Saad e Daniela Bertocchi pelo apoio e condução do curso que era o sonho da minha vida. Aos mestres que passaram pela Digicorp, que com seus respectivos conhecimentos, trouxeram luz a novas e empolgantes ideias. Aos profissionais da secretaria do curso, Renato e Rosângela, sempre dispostos a ajudar. Minha mãe e tios, que apesar de todas as dificuldades sempre me apoiaram a fazer qualquer coisa que eu acreditasse ser correta. Finalmente, agradeço a todos os amigos e profissionais do curso, com os quais tive grandes momentos de aprendizado e suporte para superação de adversidades, estes, sem dúvidas, serão eternamente lembrados. “A revolução não acontece quando a sociedade adota novas tecnologias acontece quando a sociedade adota novos comportamentos.” Clay Shirky RESUMO Através da popularização da rede e de seu uso pelas massas, surge o crowdsourcing, uma forma colaborativa de criar projetos. De posse desse novo “poder”, o público encontra espaço para concretização de ideias, e de maneira análoga ao crowdsourcing, surge o crowdfunding. O crowdfunding tem como ambição o financiamento coletivo de projetos, projetos esses que talvez não tivessem a chance de se tornar realidade. Por outro lado, com a economia da informação e a digitalização de bens culturais tem causado transformações no modelo de negócios dessa indústria. A possibilidade de compartilhamento livre de música, por exemplo, põe em xeque a distribuição física de mídias, como CD e DVD, colocando em crise a indústria fonográfica e fazendo com que músicos tenham que se dedicar cada vez mais a realização de shows para seu sucesso e sustento. É nesse contexto digital da economia da informação, da música e de poder das massas que o presente trabalho busca entender como se estabelece e funciona o crowdfunding de shows no Brasil, tendo como exemplo a plataforma PlayBook. Palavras-chave: Crowdfunding, Shows, Indústria da Música, Crowdsourcing, Cauda Longa ABSTRACT Through the popularization of network and its use by the masses, comes the crowdsourcing, a way to create collaborative projects. With this new "power", the audience finds space for realization of ideas, and analogously to crowdsourcing, crowdfunding arises. The crowdfunding has the ambition to finance collective projects, projects that might not have a chance to becoming reality. On the other hand, the information economy and the digitalization of cultural property has caused changes in the business model of this industry. The possibility to sharing free music, for example, calls into question about the physical distribution media, such as CD and DVD, putting crisis in the music industry and making musicians perform more shows to their support and success. It's in context of digital information economy, the power of music and the masses that this paper seeks to understand how to establish and works the crowdfunding of shows in Brazil, taking as an example the PlayBook platform. Key-words: Crowdfunding, Shows, Music Industry, Crowdsourcing, Long Tail i LISTA DE FIGURAS Figura 1 - O negócio da música e suas espécies............................................................. 11 Figura 2 - Participação por formatos no mercado de música no Brasil ........................ 15 Figura 3 - Cauda Longa ........................................................................................................ 23 Figura 4 – Tela de cadastro no site .................................................................................... 30 Figura 5 - Exemplo de Compra ........................................................................................... 30 Figura 6 - Formas de Pagamento ....................................................................................... 31 Figura 7 - Nº de "curtir" na Fan Page da empresa ........................................................... 32 ii LISTA DE QUADROS Quadro 1- Estatísticas Kickstarter......................................................................................... 8 Quadro 2 - Estatísticas Catarse ............................................................................................ 9 Quadro 3 - Venda de música em mídia física no Brasil .................................................. 13 Quadro 4 - Venda de músicas digitais (celular/Internet) ................................................. 14 Quadro 5 - Shows internacionais no Brasil em 2011 ....................................................... 19 iii SUMÁRIO I. INTRODUÇÃO ......................................................................................................... 1 1.1. Contextualização do tema ................................................................................. 1 1.2. O Problema ....................................................................................................... 2 1.3. Hipóteses .......................................................................................................... 3 1.4. Objetivos ........................................................................................................... 3 1.4.1. Objetivo Geral ............................................................................................. 3 1.4.2. Objetivos Específicos.................................................................................. 3 II. REFERENCIAL TEÓRICO ...................................................................................... 4 2.1. Colaboração em massa .................................................................................... 4 2.1.1. Crowdsourcing ............................................................................................ 4 2.1.2. Crowdfunding .............................................................................................. 7 2.2. Panorama da indústria da música ................................................................... 10 2.2.1. Indústria Fonográfica ................................................................................ 11 2.2.2. Propriedade Intelectual ............................................................................. 15 2.2.3. Show Business ......................................................................................... 18 2.3. Nova Economia ............................................................................................... 21 2.3.1. Economia da informação .......................................................................... 21 2.3.2. Cauda Longa ............................................................................................ 22 III. METODOLOGIA ............................................................................................ 25 3.1. Tipo de pesquisa e delineamento ................................................................... 25 3.2. Delimitação do caso ........................................................................................ 25 3.3. Tipos e métodos de coleta de dados .............................................................. 26 3.4. Análise e interpretação de dados .................................................................... 27 IV. ANÁLISE DE DADOS .......................................................................................... 28 4.1. História ............................................................................................................ 28 4.2. Realização dos shows .................................................................................... 29 4.3. Funcionamento da plataforma......................................................................... 29 4.4. Últimos passos: Equipe, divulgação e possíveis imprevistos .......................... 31 4.5. Crowdfunding de shows: retorno e perspectivas ............................................. 32 iv V. CONCLUSÕES ..................................................................................................... 34 VI. REFERÊNCIAS ................................................................................................... 35 APÊNDICE A – MODELO DO QUESTIONÁRIO UTILIZADO NA PESQUISA.......... 38 APÊNDICE B – GUIA DE OBSERVAÇÃO DE FUNCIONAMENTO DO SITE .......... 39 1 I. INTRODUÇÃO 1.1. Contextualização do tema Com a definitiva consolidação da Internet em meados da década de 90, comunidades, antes restritas localmente, puderam aproveitar o poder da rede das redes para se organizar, criar e se reinventar culturalmente. Essa nova forma de organização, agora desterritorializada e virtualmente atemporal, permite que pessoas de diversos lugares, etnias e idades se unam em busca de um objetivo comum, seja ele qual for. Engajados em alguma causa por identificação ou hobby, a colaboração em massa, conhecida como crowdsourcing, tem pautado inúmeros projetos na atualidade. Esses entusiastas alcançam seus feitos através da web 2.0 1, que favorece o compartilhamento de ideias e a cooperação conjunta. Um exemplo do potencial desses projetos colaborativos é a popular enciclopédia Wikipédia, que no início de 2012 contava com cerca de 3,8 milhões de artigos em inglês, o suficiente para preencher 952 volumes de sua progenitora, a Encyclopaedia Britannica. Além disso, seu crescimento é de 29% ao ano, ocupando assim a 6º posição de site mais visitado do mundo nos mais de 250 idiomas disponíveis2, isso só foi possível pela contribuição de colaboradores do mundo inteiro que dedicaram frações de seu tempo para a construção da mesma. Usando o ideário de colaboração coletiva, inúmeros projetos tem utilizado o financiamento coletivo, o chamado crowdfunding, como forma de realizar obras de cinema, arte, literatura, teatro, entre outros, projetos estes que talvez nunca tivessem a chance de se tornar realidade. No final de 2011, por exemplo, o Brasil despontava com 21 sites de crowdfunding, atrás apenas dos Estados Unidos, 138, Reino Unido, 32, Holanda, 24 e França, 22 sites, respectivamente3. Termo criado por Tim O’ Reilly, web 2.0 é a mudança de posicionamento do usuário, que de receptor, passa a criar e modificar o conteúdo. 1 2 Dados retirados de OpenSite. Disponível em: <http://open-site.org/wikipedia/>. Acesso em: 25 set. 2012. 3 Dados retirados de Crowdsourcing.org. Disponível em: <http://www.crowdsourcing.org/editorial/an-introduction-to-crowdfunding-infographic/8263>. Acesso em: 25 set. 2012. 2 Essa nova forma de financiamento, feita pelo público, tem influenciado mercados que passam por momentos de transformação na chamada economia da informação, caracterizada principalmente por empresas em rede e pela digitalização de bens culturais, como filmes, livros, entre outros. Um desses mercados é o da música, que após a invenção do Napster no fim dos anos 90, passou, e ainda passa, por uma crise na indústria fonográfica e dos direitos autorais sem precedentes. No entanto, no quesito shows, em especial, o crowdfunding tem diminuído a distância entre o público e o artista, estabelecendo novo curso a cadeia produtiva da música no Brasil. Com a relativa estabilização econômica e o aumento do poder aquisitivo do público, o show se tornou uma das principais pilares de sustentação do mercado da música. É nesse contexto que o presente trabalho busca analisar o recente mercado de financiamento coletivo de shows através de uma das principais plataformas de crowdfunding atuantes no país, a PlayBook. 1.2. O Problema O estudo tem como sustentação a analisa de atuação da plataforma de financiamento coletivo de shows PlayBook. A PlayBook, site surgido há aproximadamente um ano e com sede na cidade de São Paulo, se destaca pela realização de 7 eventos nas cidades de São Paulo, Rio de Janeiro e Porto Alegre, totalizando cerca de 317 mil reais de financiamento de shows de bandas internacionais pelas mãos do público4. Nesse contexto de Web 2.0, crowdsourcing e economia da informação, levanta-se a seguinte questão, como se estabelece e funciona o crowdfunding de shows no Brasil tendo como base a plataforma PlayBook? Respostas a essa pergunta permitirão entender os desdobramentos e impactos causados por essa forma emergente de realização de shows. Posteriormente, espera-se que este trabalho sirva de norteamento para outras pesquisas nessa área ou que talvez possam ser influenciadas pela ascensão do modelo de negócio surgido com o crowdfunding. Dados retirados de PlayBook. Disponível em: <http://www.playbook.com.br/>. Acesso em: 25 set. 2012. 4 3 1.3. Hipóteses I. Grandes produtoras não acreditam na execução de shows por considerarem de nicho e não rentáveis. II. O mercado está aquecido e os players5 já estabelecidos não conseguem atender a demanda. 1.4. Objetivos 1.4.1. Objetivo Geral O presente trabalho tem como objetivo geral entender o crowdfunding no mercado de shows do Brasil através da análise sistemática de uma das principais plataformas de financiamento de shows no país na atualidade, a PlayBook. 1.4.2. Objetivos Específicos Os objetivos específicos são: I. Entender o contexto de surgimento e o que é o crowdfunding. II. Como é o modelo de negócio utilizado pela PlayBook. III. Verificar se há viabilidade de negócio no longo prazo tendo em vista a atuação da PlayBook. 5 Por players entendem-se produtoras de renome e há muito estabelecidas no mercado, como Time For Fun, Geo e XYZ. 4 II. REFERENCIAL TEÓRICO 2.1. Colaboração em massa 2.1.1. Crowdsourcing Crowdsourcing foi um termo cunhado pelo autor e jornalista Jeff Howe da revista Wired no ano de 2006. Segundo Howe (2009, p. 11), crowdsourcing designa “ações descoordenadas de milhares de pessoas que praticavam seus hobbies em companhia de outros com gostos comuns.”. Em seu artigo que deu origem ao termo, “The Rise of Crowdsourcing”6, Howe cita o caso de empresas como a iStockphoto7, plataforma que disponibiliza um banco de imagens feitas em sua maioria por fotógrafos amadores a preços atrativos. O autor diz que enquanto fotógrafos profissionais chegam a cobrar cerca de U$100,00 a U$150,00 por fotografia, no iStockphoto é possível licenciar imagens por cerca de U$1,00 e com qualidade equivalente ao de profissionais. Mas como é possível essa redução drástica de custos e de tempo na realização de tarefas antes desempenhados por profissionais qualificados e bem pagos? Essa mudança de comportamento possivelmente teve início com as comunidades de “código livre”, onde “o desenvolvimento do sistema operacional Linux provou que uma comunidade de pessoas que pensam da mesma forma é capaz de criar um produto melhor do que uma corporação monstruosa como a Microsoft.” (HOWE, 2009, p. 5). Shirky (2012, p. 21) acredita que “na teoria, como os seres humanos têm talento para a cooperação mutuamente benéfica, deveríamos ser capazes de nos reunir sempre que necessário para empreender tarefas grandes demais para uma pessoa só.” Mas segundo ele, “[...] na prática, as dificuldades de coordenação impedem que isso aconteça.” (SHIRKY, 2012, p. 21). Contudo, “hoje temos ferramentas de comunicação flexíveis o suficiente para corresponder a nossas capacidades sociais, e estamos testemunhando a ascensão 6 Disponível em: <http://www.wired.com/wired/archive/14.06/crowds.html>. Acesso em: 30 ago. 2012. 7 Disponível em: <http://www.istockphoto.com/>. Acesso em: 28 jun. 2012. 5 de novas maneiras de coordenar a ação que tiram partido dessa mudança.” (SHIRKY, 2012, p. 23). O crowdsourcing aproveita essa possibilidade de comunicação e organização para unir pessoas engajadas a alguma causa, trabalho ou projeto. Portanto, esse movimento se caracteriza por indivíduos amadores e com interesses comuns, onde os mesmos dedicam parte de seu tempo em projetos paralelos espalhados pelo mundo à distância de um “clique”. A despeito da ideia que possa surgir em relação a retorno financeiro, as pessoas envolvidas nesse tipo de projeto estão mais interessadas em algum tipo de satisfação pessoal, do que a busca material. Segundo Jeff Howe (2009, p. 24) “a motivação principal dos participantes não é o dinheiro; eles estão doando suas horas livres a essa causa, ou seja, estão contribuindo com sua capacidade excedente, ou “tempo ocioso”, para realizar algo que adoram.”. Vejamos o caso da Wikipédia8, ela “[...] é capaz de agregar contribuições individuais e em geral minúsculas, centenas de milhões a cada ano, feitas por milhões de colaboradores, todos desempenhando diferentes funções.” (SHIRKY, 2012, p. 101). A Wikipédia nada mais é que um esforço colaborativo e sem fins lucrativos de milhares de pessoas ao redor do mundo. Em outro exemplo prático, Howe cita um episódio da NASA, que com auxílio da comunidade de astrônomos amadores, analisou em um mês um banco de dados de imagens de crateras de Marte. “Os voluntários não só aceleraram o mesmo trabalho que uma geóloga profissional levou dois anos para terminar, como também o fizeram com um grau de precisão comparável.” (HOWE, 2009, p. 54). O alicerce desses empreendimentos sociais, sejam eles com alguma recompensa financeira ou conquista de capital social perante o grupo, são de pessoas interessadas em alguma causa, e que, junto aos seus pares, se organizam em comunidades em busca de um ideal compartilhado. Shirky (2011, p. 82) diz que “o fluxo de produção e organização amadoras, longe de se estabilizar, continua a crescer, porque a mídia social recompensa nossos desejos intrínsecos tanto de participação quanto de compartilhamento.”. Para Tapscott e Williams (2007, p.20), “[...] a colaboração em massa transformará todas as instituições em sociedade.” e essas “[...] novas formas de 8 Disponível em: < http://en.wikipedia.org/>. Acesso em: 19 jun. 2012. 6 colaboração em massa estão mudando a maneira como bens e serviços são inventados, produzidos, comercializados e distribuídos globalmente.” (TAPPSCOTT; WILLIANS, 2007, p.20). O crowdsourcing, no entanto, não é exatamente um fenômeno novo. Surowiecki nos dá luz de que já se constatava entre os anos 20 e meados de 50, época de muitas pesquisas sobre dinâmica de grupo, que as “possibilidades de inteligência grupal, pelo menos no que diz respeito a julgar questões práticas, foram demonstradas por uma série de experiências realizadas por sociólogos e psicólogos americanos [...].”. (SUROWIECKI, 2006, p.24). Em estudos publicados na década de 90, o filósofo e professor Pierre Lévy lançara a ideia de que novas potencialidades sociais surgiriam com o florescimento das “infovias”, a este conceito Lévy deu o nome de “inteligência coletiva”. Segundo Lévy (2011, p. 29) inteligência coletiva “é uma inteligência distribuída por toda parte, incessantemente valorizada, coordenada em tempo real, que resulta em uma mobilização efetiva das competências.”. O autor ainda acrescenta que “a base e o objetivo da inteligência coletiva são o reconhecimento e o enriquecimento mútuos das pessoas, e não o culto de comunidades fetichichizadas ou hipostasiadas.” (LÉVY, 2011, p. 29). Por outro lado, há questionamentos a cerca da validade deste tema. Ao discorrer sobre a construção da enciclopédia coletiva Wikipédia, Andrew Keen diz que “a voz de um garoto de ensino médio tem o mesmo valor que a de um erudito da Ivy League ou de um profissional formado.” (2009, p.43). Com relação à Web 2.0, que em termos simplórios significa Internet moldada pelo usuário, Keen diz que, Mecanismos de busca como o Google, que funcionam com base em algoritmos que classificam os resultados segundo o número de buscas anteriores, respondem a nossas indagações não com o que é verdadeiro ou mais confiável, mas simplesmente com o que é mais popular. (KEEN, 2009, p.90). Finalmente, o autor ainda relata que “quando nossas intenções individuais ficam na dependência da sabedoria das massas, nosso acesso à informação é restringido e, em consequência, nossa visão de mundo e nossa percepção da verdade ficam perigosamente distorcidas.” (KEEN, 2009, p. 92). 7 Questionamentos à parte, crowdsourcing nada mais é do que isso, pessoas buscando reconhecimento e enriquecimento de suas habilidades com o uso de tecnologia informacional e da sistematização das potencialidades de criação individual de maneira participativa. 2.1.2. Crowdfunding No ano de 2009 surge nos Estados Unidos o Kickstarter9, uma plataforma de financiamento de projetos criativos. O site tem como mote que empreendimentos criativos, como a produção de um álbum de música, livro ou uma obra de arte, possam ser lançados para apreciação e financiamento pelo público. Os projetos que mais se destacam conseguem engajamento das pessoas, que por sua vez, financiam sua execução de acordo com metas e cotas estipuladas pela plataforma. O site propõe cotas de diferentes valores atreladas a prêmios/brindes em um determinado período de tempo e ao final do prazo estipulado, os projetos que conseguirem levantar a quantia mínima necessária, tem o dinheiro liberado para tirar a ideia do papel, caso contrário, o dinheiro é devolvido integralmente a cada um dos patrocinadores. Este, por exemplo, é o caso do videogame OUYA, um novo conceito de entretenimento doméstico que promete entregar jogos independentes e em sua maioria gratuitos utilizando o sistema Android. No período de campanha entre 10 de julho a 09 de agosto de 2012, o projeto contou com apoio de 63 mil e 416 pessoas e arrecadou cerca de U$8,596 milhões, algo em torno de 904% da meta estipulada inicialmente, que era de U$950,00 mil10. Paralelamente ao Kickstar, uma plataforma nacional nos mesmos moldes tem demonstrado destaque nos últimos tempos. Fundada no início de 2011 por Luis Otávio Ribeiro e Diego Reeberg, então recém-formados no curso de Administração, o Catarse11 tem os mesmos anseios do grupo americano, ou seja, prover recursos por intermédio do público para realização de projetos criativos brasileiros. 9 Disponível em: < http://www.kickstarter.com/>. Acesso em: 31 ago. 2012. Disponível em: <http://www.kickstarter.com/projects/ouya/ouya-a-new-kind-of-video-gameconsole>. Acesso em: 02 set. 2012. 11 Disponível em: < http://catarse.me/>. Acesso em: 31 ago. 2012. 10 8 Entre os projetos culturais e sociais já financiados pelo público através da plataforma Catarse, há casos como o Ônibus Hacker12, promovido pela Transparência Hacker13. O projeto se propõe a espalhar por diversas cidades o uso tecnologia para fins de interesse da sociedade, assim como facilitar o acesso da população a dados governamentais. Em seguida, alguns dados estatísticos referentes às duas plataformas: Quadro 1- Estatísticas Kickstarter Categorias Todas Total Bem- Mal Projetos arrecadado sucedidos Sucedidos lançados (U$ (U$ milhões) milhões) 341 289 69.388 (U$ milhões) 35 Valor arrecadado Atualmente (U$ Projetos Taxa de no ar sucesso 3.498 43,96% milhões) 17 Projetos com sucesso Projetos Categorias c/ Sucesso Todas 28.965 Menos que U$1000 a U$1000 U$9.999 3.436 19.867 U$10.000 U$20.000 a a U$19.999 U$99.999 3.430 1.975 U$100 k a U$999.999 U$1 M+ 247 10 61% a 81% a 80% 99% financiado financiado 473 190 Projetos sem sucesso Projetos Categorias s/ Sucesso Todas 36.925 0% 1% a 20% financiado financiado 7.960 22.583 21% a 40% financiado 4.222 41% a 60% financiado 1.497 Fonte: Kickstarter (<http://www.kickstarter.com/help/stats> Acesso em: 02 set. 2012) Os números apresentados demonstram o elevado grau de maturidade em que se encontra o modelo de negócio do Kickstarter. Com quase 30 mil projetos financiados, incluindo dez projetos acima de um milhão, é indiscutível o sucesso da plataforma lá fora. Outro ponto é que, mesmo com a taxa de fracasso acima de 50%, os custos são mínimos para a plataforma, visto que a operação é feita inteiramente pela Internet e eles apenas intermediam a transação financeira entre os projetos e o 12 Disponível em: <http://catarse.me/pt/projects/167-onibus-hacker>. Acesso em 03 set. 2012. 13 Disponível em: <http://thacker.com.br/>. Acesso em 03 set. 2012. 9 público, sem se responsabilizar pela constituição do projeto, que apesar de ser uma questão nebulosa14, até o momento sempre se concretizaram. Quadro 2 - Estatísticas Catarse Categorias Apoiadores Apoios Arrecadados Todas 36232 Categorias 44314 R$3.792.862 Usuários 299 86 110 R$819.778 Projetos c/ Sucesso 62 no ar 91788 Projetos com sucesso (jun/jul) Sucedidos Total arrecadado (jun/jul) Todas Projetos Projetos lançados Todas Categorias Bem- Taxa de sucesso 56,36% Projetos sem sucesso Projetos Bem-sucedidos s/ Malsucedidos sucesso R$738.118 48 R$81.660 Fonte: Catarse (<http://catarse.me/> e <http://blog.catarse.me/estatisticas-junho-julho/> Acesso em: 03 set. 2012) Já o Catarse conta com quase quatro milhões arrecadados desde o seu surgimento e praticamente 300 projetos realizados, números que, se comparados ao Kickstarter, mostram que há lastro de crescimento do negócio no Brasil. Ao financiamento realizado pelo público, aqui ora chamado de financiamento coletivo, dá-se o nome de crowdfunding, o que em outros termos poderia ser considerado uma espécie de “mecenato nos tempos da Web”. Para Howe, o crowdfunding está intimamente ligado ao crowdsourcing, O crowdfunding tem mais em comum com outras formas de crowdsourcing do que parece à primeira vista. A princípio, ele muda radicalmente a organização de um determinado setor. Depois, achata hierarquias, ligando diretamente quem tem dinheiro aos necessitados, e o crowdfunding tem o mesmo impulso democrático do crowdsourcing. (HOWE, 2009, p. 217). Recentemente Yancey Strickler, fundador do Kickstarter, disse que “[...] não é uma ponte que já foi cruzada. Algum dia ela será.” quanto à possibilidade de algum projeto financiado não se concretizar. Disponível em: <http://www.kotaku.com.br/ouya-kickstarter-dinheiro/>. Acesso em: 04 set. 2012. 14 10 Lawton e Maron acreditam que o crowdfunding não irá substituir o modelo de financiamento de negócios clássico, descrito como “[...] profundamente enraizado, opaco e centralizado nas mãos de alguns poucos participantes” (LAWTON; MARON, 2010, p. 32, tradução nossa), mas que “é potencialmente um fenômeno muito mais orgânico, transparente e descentralizado, atingindo um público muito mais amplo, onde os limites desse efeito transformador serão difíceis de definir, mas extremamente penetrantes.” (LAWTON; MARON, 2010, p.33, tradução nossa). Howe está de acordo, quando diz que “[...] o crowdfunding mobiliza o bolso coletivo, permitindo que as pessoas financiem projetos em que acreditam, com pequenas doações aqui e ali.” (HOWE, 2009, p. 219). E ainda para o autor, “o crowdfunding aproveita a renda coletiva, permitindo que grandes grupos substituam bancos e outras instituições como fonte de recursos financeiros.” (HOWE, 2009, p. 248). O site Queremos15, por exemplo, site criado por um grupo de amigos cariocas, foi o pioneiro na realização de financiamento coletivo para shows de bandas no Brasil, bandas essas que possivelmente não se apresentariam no Rio de Janeiro sem o apoio da base de fãs. Um caso emblemático é o da banda novaiorquina LCD Soundsystem16, o maior levantamento financeiro do tipo no Brasil, o valor foi de 160 mil reais. 2.2. Panorama da indústria da música Leonardo Salazar caracteriza o mercado musical de negócio da música, e a divide em três espécies, o show business, a indústria fonográfica e a propriedade intelectual, onde O show business diz respeito à cadeia produtiva que gira em torno da apresentação musical e do artista. Já a indústria fonográfica envolve a comercialização do disco e dos produtos afins – vinil, DVD e formatos digitais. E a propriedade intelectual considera as licenças de uso e os direitos autorais, conexos e fonomecânicos. (SALAZAR, 2010, p. 21). 15 16 Disponível em: <http://www.queremos.com.br/>. Acesso em: 27 jan. 2012. Disponível em: <http://www.youtube.com/watch?v=sk_OtorMozI>. Acesso em: 27 jan. 2012. 11 Figura 1 - O negócio da música e suas espécies Show Business Indústria fonográfica Negócio da Música Propriedade intelectual Fonte: Salazar (2010, p. 21) 2.2.1. Indústria Fonográfica A indústria cultural surge pela apropriação capitalista dos meios de produção das manifestações culturais, onde “[...] outrora produzidas socialmente em espaços qualitativamente diferenciados e portadores de subjetividade, perdem sua dimensão de especificidade ao serem submetidas à lógica da economia e da administração” (DIAS, 2008, p.29). Através da racionalização da produção cultural, a indústria fonográfica se estabelece como ramo promissor no negócio da música. Dias (2008, p. 38) diz que “[...] o aparecimento do fonógrafo e do gramofone constituiu um cenário para a produção industrial de música que, de certa forma, mantém-se nos dias atuais, ou seja, um século depois.”. A venda de fonogramas é um dos principais pilares de sustentação dessa indústria, que aportada por mídias físicas, como cilindros, vinil, K7, CD etc, possibilitou o consumo individualizado de música ao longo das últimas décadas. Para Herschmann, com o advento da Internet e abertura dos mercados, está havendo um processo de “comoditização” de produtos e serviços, “[...] isto é, as empresas oferecem produtos e serviços emparelhados e numa faixa de preço muito 12 similar, daí a necessidade de encontrarem modos de sedução e/ou mobilização de seus públicos” (HERSCHMANN, 2007a, p.19). O mercado da música foi um que sofreu com a ascensão da economia de bens digitais. Após a invenção no Napster em meados dos anos 90 e com a livre distribuição de arquivos mp3 em redes peer-to-peer, um novo paradigma se instaurou no mercado fonográfico e abalou o modelo de distribuição física da indústria. Mesmo com a facilidade de download ilegal de músicas na rede, apenas esse comportamento não pode ser apontado como algoz da derrocada da indústria fonográfica, Generalizando, pode-se dizer que a crise da indústria está relacionada aos seguintes fatores: a) um crescimento da competição entre os produtos culturais, entre as empresas que oferecem no mercado globalizado bens e serviços culturais – há claramente um aumento da oferta, das opções de lazer e consumo; b) limites dados pelo poder aquisitivo da população, especialmente em países periféricos como o Brasil; c) o crescimento da pirataria, não só aquela realizada através de downloads, na rede, mas também a concretizada fora da rede. (HERSCHMANN, 2007b, p. 180) Herschmann ainda constata que, atualmente, diversas empresas do ramo da música “[...] estão focadas apenas na produção em grande escala e que não estão empenhadas em perceber tendências e atuar em nichos de mercado maiores [...]” (HERSCHMANN, 2007a, p. 90), o que dá margem para oportunidades de novos negócios na seara musical vigente. As tabelas e figura a seguir demonstram a tendência dos últimos anos em relação às vendas de mídias físicas e digitais no país, como também a divisão de formatos no mercado de música. 13 Quadro 3 - Venda de música em mídia física no Brasil Vendas Vendas Ano Físicas Vendas (CDs) (milhões (milhões de de R$) unidades) Físicas (DVDs + BDs*) (milhões de unidades) Vendas Vendas Físicas Físicas Totais Totais (milhões (milhões de de R$) unidades) Vendas Totais (milhões de R$) 2001 70 639 1,6 38 71,6 677 2002 72 661 2,9 65 74,9 726 2003 52 511 3,5 90 55,5 601 2004 59 526 7,3 180 66,3 706 2005 46,2 460,5 6,6 154,7 52,8 615.2 2006 31,4 322 6,3 132,1 37.7 454.1 2007 25,4 215 5,8 97,4 31,3 312,5 2008 22,4 216,106 5,2* 96,160 27,6 312,268 2009 20,5 217,022 5,4* 100,602 25,9 317,625 2010 18,163 184,596 6,568* 105,702 24,732 290,298 2011 18,176 196,495 6,744* 115.850 24,920 312,346 -74% -69,2% 321,5% 204,8% -65,2% -53,8% Variação (2001/2011) Fonte: Adaptado de relatório ABPD Seguindo a tendência mundial17, a venda de CDs no Brasil tem passado por um declínio acentuado nos últimos anos, com queda de aproximadamente 75% na última década. Ainda que somadas as vendas de DVDs e Blu-Rays e desconsiderando fatores econômicos, como inflação e desvalorização da moeda, o faturamento regrediu 53,8% nos últimos 10 anos. Os dados apresentados corroboram com a ideia de que o digital tenha desestimulado a aquisição da mídia física. 17 Folha de S. Paulo - Venda de CDs nos EUA cai, mas downloads pagos de música sobem. Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/tec/1116114-venda-de-cds-nos-eua-cai-masdownloads-pagos-de-musica-sobem.shtml>. Acesso em: 05 set. 2012. 14 Quadro 4 - Venda de músicas digitais (celular/Internet) Ano Vendas Totais (milhões de R$) 2006 8,517 2007 24,287 2008 43,503 2009 42,778 2010 53,964 2011 60,852 Variação (2006/2011) 614,5% Fonte: Adaptado de relatório ABPD Enquanto a venda de CDs vem caindo substancialmente nos últimos anos, a venda de músicas digitais no Brasil vem acompanhando a tendência de alta no mercado18, fechando o ano de 2011 com crescimento de faturamento seis vezes superior aos primeiros dados registrados em 2006. Ainda que haja crescimento, as vendas digitais ainda estão longe de compensar a queda nas vendas da indústria fonográfica. Na figura 2 é possível observar a evolução dos formatos no mercado nacional. Crescimento do digital, fechando 2011 com 31%, enquanto o suporte físico mantém o predomínio com 53% de participação. 18 BBC Brasil - Vendas online de música superam CDs pela primeira vez no Reino Unido. Disponível em: <http://www.bbc.co.uk/portuguese/noticias/2012/06/120601_ditigalmusic_rp.shtml>. Acesso em 05 set. 2012 15 Figura 2 - Participação por formatos no mercado de música no Brasil Fonte: Adaptado de relatório ABPD 2.2.2. Propriedade Intelectual Propriedade intelectual é um ramo do direito que cuida dos interesses do autor de obras intelectuais, no caso da música, se preocupa com a questão do licenciamento da obra artística, sendo ela composta pelo direito do autor, direitos conexos, fonomecânicos e artísticos. Morelli (2009, p. 114) explica que “[...] os direitos de músicos e cantores sobre a execução das gravações de suas interpretações, embora legalmente reconhecidos, denominam-se direitos conexos ao direito de autor [...]”. A autora retoma e diz que “[...] a remuneração dos intérpretes é estabelecida em contratos feitos diretamente entre esses artistas e as empresas gravadoras – dizendo respeito a direitos denominados “fonomecânicos”, no primeiro caso, e “artísticos” no segundo.” (MORELLI, 2009, p. 115). Já o direito do autor é composto pelo registro da letra, música ou ambos. Para Salazar (2010, p.53) “o direito autoral, no nosso entendimento, é a garantia de aposentadoria para o compositor e de pensão para os seus familiares.”. Esse é ponto sensível na discussão, visto que com a crise do modelo da indústria e a queda 16 nas vendas, a propriedade intelectual e seus entes são os mais afetados na cadeia produtiva da música. O imbróglio se dá entre a atual Lei de Direitos Autorais (LDA), lei 9.610/98, que garante propriedade sobre o bem intelectual ao autor, e a livre circulação e uso de obras no contexto da cultura digital. A relação conflituosa se encontra aos olhos da Constituição da República Federativa do Brasil, CF/88, que rege o ordenamento jurídico do país e, por sua vez, tem como princípios o acesso ao conhecimento, educação, cultura, liberdade de expressão, entretenimento e lazer à sociedade. A atual LDA, nº 9.610, de 19 de fevereiro de 1998, tem previsão para algumas limitações do direito autoral e provê exceções ao seu uso, como consta no capítulo IV, artigos 46, 47, 48. A título de exemplo, Art. 46. Não constitui ofensa aos direitos autorais: I - a reprodução: a) na imprensa diária ou periódica, de notícia ou de artigo informativo, publicado em diários ou periódicos, com a menção do nome do autor, se assinados, e da publicação de onde foram transcritos; (...) II - a reprodução, em um só exemplar de pequenos trechos, para uso privado do copista, desde que feita por este, sem intuito de lucro; III - a citação em livros, jornais, revistas ou qualquer outro meio de comunicação, de passagens de qualquer obra, para fins de estudo, crítica ou polêmica, na medida justificada para o fim a atingir, indicando-se o nome do autor e a origem da obra; As exceções a Lei de Direitos Autorais se faz necessária, pois “é notório que a concessão ilimitada desse direito – que constitui um monopólio temporário de exploração de obra – pode trazer graves implicações de longo prazo, impactando os processos de criação e inovação essenciais para o desenvolvimento.” (ESCOLA DE DIREITO DO RIO DE JANEIRO DA FUNDAÇÃO GETÚLIO VARGAS, p. 43). No entanto, práticas como remix19, sampler20 e a transferência de conteúdo da mídia física para digital ainda não são garantidos pela lei. Essas são algumas das críticas a LDA, pois a mesma não se encontra em sintonia com o atual contexto em que se encontra a sociedade, momento este que talvez leve muito tempo para se entender. Buscando um melhor entendimento entre sociedade civil e autores, o Ministério da Cultura tem feito consultas públicas para revisão da Lei 9.610/98. 19 Remix é a combinação ou edição de material já existente para produção de algo novo. Muito difundido na cultura hip-hop, “sampler” consistente na utilização de um pequeno trecho de música para composição de uma nova. 20 17 A Primeira Proposta de Revisão da LDA21 foi submetida à consulta pública pelo MinC entre os dias 14 de junho e 31 de agosto de 2010 e contou com 7.863 contribuições. Entre as mudanças propostas estavam maior clareza e harmonia com preceitos da CF/88, permissão de uma cópia para uso privado e não comercial de obra adquirida legalmente, reprodução de obra esgotada sem fins lucrativos, reprodução para garantia de portabilidade ou interoperabilidade para uso privado e não comercial, entre outros vários ajustes. Entre os dias 25 de abril e 30 de maio de 2011 foi realizada a Segunda Proposta de Revisão da LDA22, que após o período de consulta pública, apresentou retrocessos em relação à primeira revisão, em especial ao uso obras protegidas para fins educacionais, cabendo ao judiciário interpelar possíveis contravenções. Sendo assim, a Segunda Proposta de Revisão da LDA “[...] perde bastante a capacidade de se adaptar ao contexto dinâmico que presenciamos hoje em razão das novas tecnologias, principalmente no que diz respeito às exceções e limitações previstas para recursos educacionais.” (ESCOLA DE DIREITO DO RIO DE JANEIRO DA FUNDAÇÃO GETÚLIO VARGAS, p. 51). Atualmente, a proposta encontra-se em tramitação e sem data para ser divulgada. Não obstante a disforme Lei de Direitos Autorais, casos intermitentes em relação à falta de transparência e irregularidades do ECAD23 (Escritório Central de Arrecadação e Distribuição), órgão de natureza privada e sem fins lucrativos, responsável pela gestão coletiva de direitos autorais e pelo recolhimento de imposto pela execução pública de músicas e fonogramas, revelam o momento delicado em que se encontra o artista, por sua vez, o maior prejudicado. Enquanto isso, muitos músicos buscam maneiras de sobrepujar os ditames da lei para ver sua obra e carreira alcançarem o maior público possível, é o que acontece, por exemplo, no tecnobrega e a cena musical do Pará, como observam Lemos e Castro, (2008, p. 148). 21 Disponível em: <http://www.cultura.gov.br/consultadireitoautoral/wpcontent/uploads/2010/06/Lei9610_Consolidada_Consulta_Publica.pdf>. Acesso em: 09 set. 2012 22 Disponível em: <http://www.cultura.gov.br/site/2011/08/11/ultima-fase-da-revisao-da-lda/>. 23 Agência Brasil - CPI do Ecad propõe indiciamento de 15 pessoas e regulação para direitos autorais. Disponível em: <http://agenciabrasil.ebc.com.br/noticia/2012-04-24/cpi-do-ecadpropoe-indiciamento-de-15-pessoas-e-regulacao-para-direitos-autorais>. Acesso em: 07 set. 2012. 18 Longe de ser considerada uma ameaça aos artistas, a reprodução e distribuição não autorizadas, chamadas por alguns agentes de “pirataria” são toleradas e até mesmo estimuladas, por abrirem caminho para o reconhecimento dos mais diversos grupos e por ampliarem o público potencial e a demanda por shows. Herschmann (2007b, p. 182) está de acordo e constata, Apesar de a maioria não apoiar abertamente a livre circulação dos fonogramas, parece haver uma consciência mais ou menos clara não só de que a rede é fundamental para a formação e renovação de seu público, mas também de que os seus ganhos advirão principalmente da comercialização da música executada ao vivo, e que para isso precisam formar públicos. Em suma, “a grande questão a ser analisada no estudo dos direitos autorais é a busca pelo equilíbrio entre a defesa dos titulares dos direitos e o acesso ao conhecimento e a liberdade de expressão por parte da sociedade.” (ESCOLA DE DIREITO DO RIO DE JANEIRO DA FUNDAÇÃO GETÚLIO VARGAS, p. 22, grifo do autor). 2.2.3. Show Business Como analisado anteriormente, no tripé estabelecido para discussão sobre o negócio da música, observa-se a crise do modelo de negócios da indústria fonográfica, sendo que esse agente perde seu posto de dominação, ou ao menos, diminui sua influência no período pós-industrial, doravante chamado de economia da informação, para novos atores emergidos do cenário digital. Diante desse processo de transformação econômica e social, a propriedade intelectual encontra-se a deriva, pois os atuais artefatos legais tornam-se por vezes incapazes de guiar de forma satisfatória as novas relações de consumo e produção cultural. Em meio ao clima de incertezas, o mercado de shows passou a ter papel preponderante na atualidade, sendo um dos principais aportes financeiros de músicos e demais profissionais envolvidos. Como denota em entrevista ao G124, o músico Roger Glover, da banda inglesa Deep Purple, ao dizer que “com a queda na Disponível em: <http://g1.globo.com/Noticias/Musica/0,,MUL306158-7085,00.html>. Acesso em: 13 set. 2012 24 19 venda de CDs, que está praticamente acabada, o trabalho das bandas se foca em shows ao vivo.”. Percebe-se a necessidade dos artistas se concentrarem na realização de shows para seu sustento, pois “[...] a música ao vivo vem crescendo de importância dentro da indústria da música, e que isso está relacionado ao alto valor que esta “experiência” tem no mercado, isto é, à sua capacidade de mobilizar e seduzir os consumidores e aficionados [...]” (HERSCHMANN, 2007b, p. 164). Segundo matéria publicada no site Folha de S. Paulo pelo jornalista Thales de Menezes, no ano de 2010 ocorreram 234 shows internacionais no Brasil, enquanto que em 2011 foram 506 apresentações, ou seja, mais que o dobro ao ano anterior. Isso comprova a tese de Herschmann (2010a, p. 26) de que “analisando as revistas especializadas, é possível constatar que as turnês continentais de músicos e a celebração de festivais internacionais de multiplicam, enquanto os preços das entradas vêm sofrendo um aumento significativo.”. Quadro 5 - Shows internacionais no Brasil em 2011 Principais Cidades Nº de Shows Nº de shows no país São Paulo 203 506 Rio de Janeiro 98 Nº de artistas Paulínia (SP) 43 262 Porto Alegre 37 Nº de cidades Curitiba 35 28 Brasília 23 Nº de ingressos vendidos (estimativa) Belo Horizonte 19 2 milhões Estimativa de bilheteria: R$600 milhões Fonte: Folha de S. Paulo - Brasil encerra ano com recorde de shows internacionais Não apenas atrações internacionais têm acontecido com maior frequência, mas também a proliferação de festivais independentes pelo país. Herschmann (2010a, p.27) diz que “no Brasil, por exemplo, por iniciativa de coletivos de artistas, pequenas gravadoras e/ou produtoras, mobilizam-se aproximadamente 300 mil pessoas em cerca de 40 festivais por ano, que, em geral, são realizados fora das grandes capitais.”. 20 Um dos coletivos mais atuantes no Brasil é o Fora do Eixo (FdE), surgida no final de 2005 e que se intitula como “[...] uma rede de trabalhos concebida por produtores culturais das regiões centro-oeste, norte e sul, [...] que queriam estimular a circulação de bandas, o intercâmbio de tecnologia de produção e o escoamento de produtos [...]”25. Segundo dados do FdE26, o projeto Festival Grito Rock, por exemplo, teve 133 edições, sendo 22 delas em São Paulo e Minas Gerais, 17 no Rio de Janeiro e Espírito Santo, 20 no Nordeste, 12 no Norte, 9 no Centro-Oeste, 18 no Sul e outras 13 edições em outros países da América Latina no ano de 2011. O coletivo ainda menciona que nesse mesmo ano, 13.500 artistas se apresentaram num total de 5.152 shows e 150 turnês que passaram em 133 cidades pelo país, ao todo foram 170 festivais nos 27 estados brasileiros. Para Herschmann (2010b, p. 272), o sucesso desses empreendimentos se deve a algumas estratégias, Utilização de recursos de leis de incentivo a cultura; emprega-se o potencial interativo das novas tecnologias digitais visando formação, divulgação e mobilização de público; pratica-se intensa militância na área musical e até rotinas que incluem escambo. Além dos coletivos, também tem aumentado o número de empresas que fazem o patrocínio de shows como forma de promover suas marcas, ora até mesmo tomando o papel das gravadoras e financiando projetos musicais com lançamentos segmentados. É o caso de empresas, como Petrobrás, Natura, Oi, Vivo, entre outras27, que buscam associar sua imagem a produtos culturais de qualidade. Mesmo com o aumento de incentivo para viabilização desse tipo de atividade, Correia (2010, p. 82) reconhece que, Os produtos gerados com base nos patrocínios à cultura se acomodam, na maioria das vezes, sob as asas do lugar-comum, optando-se pelo caminho fácil e seguro de apoio aos nomes com consagrada projeção, raramente se arriscando em qualquer proposta mais ousada ou contestadora. Disponível em: <http://foradoeixo.org.br/institucional>. Acesso em: 13 set. 2012. Disponível em: < http://congresso.foradoeixo.org.br/2011/12/22/fora-do-eixo-2011/>. Acesso em: 13 set. 2012 27 O Globo - Grandes empresas investem em música e preenchem lacuna deixada pela crise das gravadoras. Disponível em: <http://oglobo.globo.com/cultura/grandes-empresasinvestem-em-musica-preenchem-lacuna-deixada-pela-crise-das-gravadoras-4744375>. Acesso em: 14 set. 2012 25 26 21 É possível se estabelecer então que na cadeia produtiva da música, o show atualmente assume papel protagonista como força motriz do setor, devendo receber especial atenção pelos agentes envolvidos no negócio da música. 2.3. Nova Economia 2.3.1. Economia da informação Ao longo dos últimos séculos a economia capitalista tem passado por frequentes crises e reinvenções de sua cadeia de valor, ao passo do surgimento de tecnologias disruptivas e mudanças sociais. Atualmente, o estágio econômico se caracteriza pela produção de valor através do capital cognitivo, a chamada economia da informação. A economia da informação poderia se basear em alguns preceitos, como empresas conectadas em redes e em operações em tempo real, compartilhamento entre pessoas e a construção de experiências personalizadas. Essas possibilidades só são possíveis pelo uso da Internet. A internet está transformando a prática das empresas em suas relações com os fornecedores e compradores, em sua administração, em seu processo de produção e em sua cooperação com outras firmas, em seu financiamento e na avaliação de ações em mercado financeiros. (CASTELLS, 2003, p. 56). Shapiro e Varian (1999, p. 15) nos ajudam a entender o conceito de informação, “em essência, qualquer coisa que puder ser digitalizada – codificada como um fluxo de bits – é informação.”. Portanto, a possibilidade de digitalização de bens culturais, como filmes, livros e música são alguns dos frutos dessa nova realidade. Além da digitalização de bens, há a mudança no perfil do consumidor. Para Prahalad (2004, p. 16), nesse novo contexto econômico e social “a mudança mais básica decorreu da transformação do papel do consumidor – de isolado para conectado, de desinformado para informado, de passivo para ativo.”. Se antes o consumidor possuía um papel passivo e estava sujeito ao fluxo vertical de ação das organizações, agora ele possui não só o desejo, mas a 22 capacidade de interferir no processo e o anseio por diversificadas experiências. É o que Prahalad (2004, p. 25) chama de espaço de criação de valor, “um espaço competitivo centrado em experiências personalizadas de co-criação, desenvolvidas por meio de interações propositadas entre o consumidor e uma rede de empresas e comunidades de consumidores.”. Esse foi o caso do Napster, software cliente P2P que ofereceu uma nova maneira de acesso à música, ou melhor, uma nova experiência de consumo para o público. Com efeito, seu software fomentou novas experiências cativantes para os consumidores, em torno de acesso, escolha e visão de valor centrada no indivíduo, em lugar das trocas convencionais controladas por empresas, mediante esquemas predeterminados de embalagem e distribuição. (PRAHALAD, 2004, p. 53) Some a isso a colaboração entre grupos de pessoas e empresas e teremos “[...] uma maneira de produzir bens e serviços que depende totalmente de comunidades auto-organizadas e igualitárias de indivíduos que se unem voluntariamente para produzir um resultado compartilhado” (TAPSCOTT; WILLIAMS, 2007, p. 89). Tapscott e Williams acreditam que é chegado o fim da era de sistemas proprietários e fechados, pois os centros de pesquisa e desenvolvimento não conseguem mais acompanhar a demanda do mercado e a guerra de patentes em tribunais torna o processo de inovação moroso. Resumindo, as empresas do futuro utilizam do compartilhamento, ecossistemas abertos e atuação em rede como forma de prospecção e longevidade de seus negócios. 2.3.2. Cauda Longa No cenário de vendas físicas, as lojas e redes varejistas para obterem lucro satisfatório deveriam se ater a venda dos CDs, DVDs e outras mídias que se encontravam nas paradas de sucesso, pois a prateleira das “lojas de tijolos” era finita, e não valeria a pena ocupar espaço com obras que eram adquiridas poucas vezes ao ano. 23 Com a digitalização de bens como, textos, vídeos e músicas, um novo paradigma surge na cadeia produtiva cultural, onde o acesso anteriormente restrito a questões financeiras ou limites físicos, ganha espaço na “nuvem” e em discos rígidos cada vez mais baratos. Para Anderson (2006), a transformação de átomos em bits, ou seja, da mudança de bens físicos para os bens digitais está acabando com o mundo da escassez e ingressando no mundo da abundância. Na Internet ocorre de maneira análoga ao que houve com o número de oferta de canais de televisão nos últimos anos, “a nova mídia determina uma audiência segmentada, diferenciada que, embora maciça em termos de números, já não é uma audiência de massa em termos de simultaneidade e uniformidade da mensagem recebida.” (Sabbah, 1985 apud Castells, 2002, p. 424). É nesse contexto que surge a Cauda Longa, termo criado pelo editor da Revista Wired, Chris Anderson, onde a união de cada unidade vendida de milhares de produtos de nicho resultaria no mesmo quociente da negociação de poucos produtos populares, pois “quando se combina quantidade suficiente de não-hits, se está de fato criando um mercado que rivaliza com o dos hits.” (Anderson, 2006, p. 21). Sendo assim, a exploração de apenas blockbusters não faz sentido na era dos bits, pois o custo de se manter uma estante virtual do pop ao cult é qualificadamente baixo. Além disso, a teoria da Cauda Longa sugere que a soma do mercado de nichos poderia sobrepujar os hits, elevando assim a receita com o bolo das vendas. Figura 3 - Cauda Longa Fonte: Anderson (2006, p.52) 24 Transpondo o conceito de Cauda Longa para o campo de negócios, é de se imaginar que muitas empresas poderiam surgir se fosse dada a chance de se criar algo realmente novo. De toda forma, no mundo real, a possibilidade de fracasso certamente afasta os grandes investidores de correrem o risco do negócio não atender as expectativas de retorno financeiro. Para Lawton e Maron (2010, p. 86, tradução nossa), o “crowdfunding é de muitas maneiras, como um negócio “Cauda Longa”, há muitos projetos em estágio inicial que não recebem a atenção de grandes investidores, e a quantidade de projetos em potencial ainda é difícil de compreender.”. O crowdfunding então pode se tornar uma alternativa para o levantamento de capital para empreendimentos de nicho que não atendem a expectativas do mercado, diminuindo assim o risco de investimento com a distribuição de cotas de financiamento para grupos de interesse no negócio. 25 III. METODOLOGIA 3.1. Tipo de pesquisa e delineamento O trabalho apresentado se concentra na grande área das ciências sociais aplicadas, caracterizado como um estudo exploratório, qualitativo e com delineamento do tipo estudo de caso. Segundo Gil (2010, p. 25), “as pesquisas podem ser classificadas de diferentes maneiras. Mas para que esta classificação seja coerente, é necessário definir previamente o critério adotado para classificação.”. Utilizando os critérios de classificação estabelecidos por Gil (2010), pela área do conhecimento, este trabalho se classifica como um estudo pertencente a grande área das ciências sociais aplicadas. Segundo sua finalidade, como pesquisa básica pura, pois visa o preenchimento e ampliação de lacuna no conhecimento com a resolução de problemas de ordem prática. Com relação aos objetivos gerais, é comum classificar as pesquisas em três grupos, são eles: exploratórios, descritivos e explicativos. Este trabalho se classifica como exploratório, pois “têm como propósito proporcionar maior familiaridade com o problema, com vistas a torná-lo mais explícito ou a construir hipóteses.” (GIL, 2010, p. 27). A pesquisa do trabalho foi realizada com base em levantamento bibliográfico, demonstração de alguns exemplos de crowdfunding no mundo, além de análise e entrevista com o fundador PlayBook, que desponta como plataforma de crowdfunding de shows no Brasil. A natureza dos dados é proveniente de pesquisa qualitativa, ou seja, não utiliza base estatística e tem olhar subjetivo para a fundamentação dos resultados. Quanto ao seu delineamento, é um estudo de caso, pois “consiste no estudo profundo e exaustivo de um ou poucos objetos, de maneira que permita seu amplo e detalhado conhecimento [...]” (GIL, 2010, p. 37). 3.2. Delimitação do caso 26 A delimitação do objeto de estudo foi a PlayBook, uma das principais plataformas de crowdfunding em atividade no país. No ar há um ano, a plataforma faz parte do grupo de comunicação Holding Clube, com 23 anos de história e capital 100% nacional. Além da PlayBook, o grupo é formado pelas agências Banco de Eventos, Rio360, Samba.Pro, Cross Networking, Fanclub, Lynx e The Albergine Panda. A escolha da PlayBook se deu pelo fato da mesma ter realizado até o presente momento sete eventos no formato de financiamento coletivo, consistindo em atrações internacionais, como The Radio Dept, Howler, Penguin Prinson, Tokyo Police Club, entre outras, nas cidades de São Paulo, Rio de Janeiro e Porto Alegre. Além disso, por concentrar a sua sede física e maior atuação na cidade de São Paulo, cerne financeira do país, a empresa pode oferecer uma visão mais precisa dos desdobramentos do crowdfunding no país. Através dos dados expostos, a PlayBook se mostrou apta para a realização do presente estudo, que busca entender como tal empresa tem utilizado o crowdfunding para a realização de shows em várias cidades do país. 3.3. Tipos e métodos de coleta de dados Foram coletados dados primários por meio de palestra, entrevista e observação do objeto de estudo. Segundo Mattar (2012, p. 41), “dados primários são aqueles que ainda não foram coletados, estando em posse dos pesquisados, e que são coletados com o propósito de atender às necessidades específicas da pesquisa em andamento.”. Para tanto, os dados primários foram o da palestra “Crowdfunding – Que revolução é essa?”, proferida por Alessandro Sophia, diretor geral da PlayBook, foram colhidos em sua data de realização, no dia 26 de setembro de 2012 na Escola Superior de e Propaganda e Marketing, ESPM, no auditório Philip Kotler, localizado na Rua Dr. Álvaro Alvim, 123, Vila Mariana, São Paulo. Posteriormente, dados retirados de uma entrevista por telefone com o respectivo responsável pelo empreendimento, Alessandro Sophia no dia 18 de outubro de 2012, tendo como base um questionário semi-estruturado (Apêndice A) 27 elaborado para sanar eventuais dúvidas e atingir os objetivos propostos pelo trabalho. Por último, foi feita a observação do funcionamento rotineiro do site da PlayBook durante a segunda quinzena de outubro de 2012, assim como os meios de comunicação na Internet utilizados pela empresa, como Facebook, Twitter e YouTube. Além disso, foi também observada a lógica de vendas de cotas aos compradores que desejam financiar os eventos e o uso de outras ferramentas pertinentes ao negócio da empresa (Apêndice B). 3.4. Análise e interpretação de dados Segundo Mattar (2012, p. 193), “o objetivo principal das análises é permitir, ao pesquisador, o estabelecimento das conclusões, a partir dos dados coletados”. Com os dados devidamente coletados através da observação, palestra e entrevista, partiu-se para a interpretação, levando em consideração aspectos como a relevância do material coletado, relação com a realidade e qualidade das informações prestadas. Foi realizada então a interpretação dos dados oriundos das fontes precitadas no intuito de aprimorar o conhecimento na área estudada. Também houve a preocupação quanto à convergência das informações obtidas entre si e das mesmas informações em relação ao referencial teórico. 28 IV. ANÁLISE DE DADOS 4.1. História Em palestra denominada “Crowdfunding – Que revolução é essa?” realizada na Escola Superior de e Propaganda e Marketing, ESPM, no dia 26 de setembro, Alessandro Sophia, diretor geral da PlayBook, proferiu ao público presente um pouco da história da PlayBook e atuação no mercado, além de sua visão acerca do crowdfunding no Brasil. Ao lado da plataforma Catarse, que vem obtendo êxito nesse modelo de negócio e outros projetos que ocorreram pelo financiamento público, como a iniciativa Ônibus Hacker, Pimp My Carroça e Belo Monte – Anúncio de uma guerra, Alessandro comenta que iniciou as atividades da PlayBook há 1 ano, após comentários de um amigo sobre o fenômeno crowdfunding que estava ocorrendo nos Estados Unidos. Alessandro, que já possuía vasta experiência no campo de marketing promocional de eventos e shows, ficou logo interessado na iniciativa ao conhecer a plataforma KickStarter. Após o período de oito a nove meses de análise e projeto, foi possível verificar a viabilidade do negócio para o mercado de shows no Brasil. Já na entrevista cedida por telefone no dia 18 de outubro de 2012, Alessandro acrescenta que a PlayBook faz parte do grupo Holding Clube, grupo este formado por 8 agências. Aproveitando seu conhecimento em marketing promocional no mercado coorporativo, em novembro de 2011 lançara a plataforma PlayBook, primeira iniciativa do grupo voltada para pessoas físicas. Segundo palavras de Alessandro, no início ele pensou, "como iríamos conseguir aplicar esse modelo de crowdfunding para shows? Mais do que isso, geralmente os shows acontecem no eixo Rio, São Paulo, Curitiba, Belo Horizonte e como poderíamos levar isso para outras capitais?” Ele concluiu que isso só seria possível da seguinte forma, “fazendo algo muito importante, escutando as pessoas". Após a troca de informações com pessoas em redes sociais, Sophia destaca o papel de redes sociais, como o Facebook e Twitter, e após esse feedback do público, foi possível a realização do primeiro show em novembro de 2011, da banda Tokyo Police Club. 29 4.2. Realização dos shows Alessandro explica que no início eles se dedicaram apenas a realização de shows internacionais como forma de criar uma imagem e gerar uma boa repercussão da plataforma perante o público. A PlayBook também cuida de todos os processos envolvidos na realização de shows, desde a contratação, pesquisa com fãs, contatos com agentes, etc. Ele diz que essa capacidade de gerenciar um show por completo se deve “a expertise alcançada pela Holding Clube ao longo dos anos, incluindo parcerias em vários lugares e até mesmo a realização de shows na Europa e América Latina”, por isso, o desejo da empresa não só é de atuar nas principais capitais, como também no Brasil inteiro. Caso não ocorra a arrecadação necessária, o dinheiro é devolvido integralmente ao público. Ainda diz que há dificuldades para se realizar um show, principalmente de porte internacional, devido a logística envolvida no processo, como passagens de avião para a banda, aluguel da casa de shows, entre outros. “Temos que mandar a proposta formal, fechar datas com exatidão em outras cidades, países, mas com pelo menos dois shows no Brasil”, finalizou. 4.3. Funcionamento da plataforma Relativo ao funcionamento, a empresa faz a seleção de bandas pela demanda do público pelos shows, isso é feito através de pedidos nas mídias sociais da empresa, como Facebook e Twitter, ferramentas de analíticas, triagem de informações, pré-seleção de bandas e feedback do público. Após isso, a PlayBook realiza o funding, que nada mais é do que a venda de ingressos reembolsáveis para o público. As vendas são feitas mediantes a cadastro no site da empresa com alguns dados pessoais e pagamento por meio da Pagamento Digital, empresa que fornece serviços financeiros de compra e venda pela Internet. Se a venda de ingressos for acima da cota necessária, os ingressos reembolsáveis podem chegar a ser devolvidos integralmente ao público inicial. Resumindo, quanto mais ingressos forem vendidos, maior a chance de o público inicial ter o seu dinheiro de volta. 30 Figura 4 – Tela de cadastro no site Fonte: www.playbook.com.br Figura 5 - Exemplo de Compra 31 Fonte: http://www.playbook.com.br/carrinho-de-compras/ Figura 6 - Formas de Pagamento Fonte: https://www.bcash.com.br/ 4.4. Últimos passos: Equipe, divulgação e possíveis imprevistos Com relação a equipe fixa da empresa, esta é composta por 5 pessoas além de Alessandro, sendo duas para a área de conteúdo e mídias sociais, uma de planejamento, outra de operações e finalmente uma pessoa para a área artística. Durante os shows ocorrem contratações para o evento, como produtores, técnicos de som, segurança e cenografia. Para a divulgação de eventos, momento este que ocorre antes e durante o processo de realização dos shows, Sophia diz que lança mão do uso de assessoria de imprensa, blogs parceiros, rádios e revistas. Também menciona o poder de “viralização” dos shows através das mídias sociais, onde a PlayBook, por exemplo, possui mais de 110 mil likes no Facebook, aumentando as chances de divulgação entre os fãs. Quanto ao que diferencia o crowdfunding do modelo tradicional, Sophia diz que este último coloca a produtora junto aos fãs, engajando e mobilizando os mesmos. 32 Figura 7 - Nº de "curtir" na Fan Page da empresa Fonte: https://www.facebook.com/PlayBookShow. Acesso em: 17 nov. 2012. Caso algum show não ocorra por motivos alheios aos da PlayBook, foi mencionado que ocorre a devolução do dinheiro dos ingressos, mas que isso até o momento não ocorreu, segundo ele, devido ao fato de manter contato direto, “estamos sempre em contato com os empresários das bandas, sempre em constante negociação”. 4.5. Crowdfunding de shows: retorno e perspectivas Ao ser indagado sobre o mercado de shows no Brasil, Alessandro diz que o mesmo está “superaquecido, mas que ao mesmo tempo isso encarece os cachês no mundo inteiro e dificulta a realização de shows”. Além disso, há concorrentes de peso, esse é o caso do Queremos, plataforma de crowdfunding de shows com base no Rio de Janeiro, e os grandes festivais de música, que em sua visão “são os piores inimigos, pois realizam contratos de exclusividade para excursionar no país”. Além do crowdfunding feito pelo público, Alessandro destaca que a PlayBook realizou uma ação inédita ao se juntar a uma grande distribuidora de bebidas para financiar 50% de um evento com bandas para três mil pessoas, mobilizando assim o público e empresas privadas, tornando mais fácil a concretização do evento. 33 O grupo, que no início visava o nicho musical indie28, não quer se prender a este rótulo. “Atuamos no segmento indie, como uma forma de posicionar a marca e aprender o negócio, agora já podemos focar em outros gêneros, pois o negócio da PlayBook é a música”, pontuou Alessandro. Por último, acerca das dificuldades, ele diz que “todos os dias a Playbook tem que se reinventar”, pois o equilíbrio de vendas de cotas reembolsáveis e ingressos avulsos nem sempre ocorre da forma esperada. O projeto de realização de um show também é longo, levando de 2 a 3 meses para ocorrer. Ele reconhece que a PlayBook não é seu negócio principal e que nem sempre os eventos dão retorno financeiro, mas ele destaca o grande poder de mobilização do crowdfunding, além da paixão e gratificação por cada evento realizado. 28 Aqui ora chamado de indie o estilo musical independente, alheio a grandes gravadoras e/ou meios de divulgação de massa, como rádio e TV. 34 V. CONCLUSÕES Baseado no arcabouço teórico utilizado no trabalho e através da análise de funcionamento da plataforma PlayBook, foi possível traçar alguns desdobramentos quanto ao emergente modelo de negócios feito pelo financiamento coletivo, crowdfunding. Portanto, o crowdfunding surge da solidificação das redes digitais e do desejo inerente das pessoas de compartilhar suas experiências, ou ainda, de contribuir com algo em que elas acreditam, seja na forma de projetos colaborativos ou até mesmo pelo microfinanciamento de atividades culturais. É dessa forma que a PlayBook movimenta o seu negócio, com a realização de shows financiados pelos fãs através da análise da demanda na Internet e mídias sociais. Ainda que a PlayBook tenha limitações quanto ao retorno almejado, possivelmente pelo frescor do crowdfunding no Brasil e no mundo, é inegável que a mobilização de fãs conquistada pela plataforma e a propaganda boca a boca forneçam um capital intangível, passível de ser explorado no médio e longo prazo. Mas como Shirk (2012, p. 228) profetiza, “os efeitos mais profundos das ferramentas sociais produzem-se anos após sua invenção, porque os efeitos reais só começam a aparecer depois que elas adquirem uma massa crítica de adotantes, que as veem como naturais.”. Talvez daí, dessa lacuna existente no mercado, da crise da indústria, da dificuldade de se traduzir a cultura digital nas leis, da capacidade de organização das pessoas, até então impossível sem o poder e a agilidade da Internet e principalmente, do desejo de fazer algo além, o crowdfunding tenha encontrado seu espaço de realização. 35 VI. REFERÊNCIAS ANDERSON, Chris. A cauda longa: do mercado de massa para o mercado de nicho. Rio de Janeiro: Elsevier, 2006. BRASIL. Lei nº 9.610, de 19 de fevereiro de 1998. Altera, atualiza e consolida a legislação sobre direitos autorais e dá outras providências. Diário Oficial da União, 20 fev. 1998. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9610.htm> Acesso 07 set. 2012. CASTELLS, Manuel. A Galáxia da Internet: Reflexões Sobre a Internet, os Negócios e a Sociedade. Rio de Janeiro: Zahar, 2003. CORREIA, Inês Fernandes. Do mecenato ao marketing cultural: a evolução do patrocínio no Brasil. 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Wikinomics: como a colaboração em massa pode mudar o seu negócio. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2007. 38 APÊNDICE A – MODELO DO QUESTIONÁRIO UTILIZADO NA PESQUISA 1) Como surgiu a ideia de montar o negócio? 2) Do início até a realização do show, a empresa cuida de quais partes do processo (arrecadação, produção, etc)? 3) Explique como é feita a divulgação dos eventos. 4) Algum show não obteve a arrecadação necessária? Comente as implicações desse fato. 5) Se ocorrer a arrecadação e por algum motivo alheio o show não ocorrer (questões de saúde, logística, etc), o que acontece? 6) Como funciona a seleção de bandas? 7) Qual é o público de vocês? Qual o grau de influência deles na escolha de shows? 8) Vocês tem como foco algum nicho ou estão abertos a qualquer proposta/parceria? Por que a escolha desse tipo de atuação? 9) Na sua visão, como está o mercado de shows no Brasil? 10) Quem são seus concorrentes? 11) Vocês já realizaram shows em diferentes lugares, como se dá a logística? Pensam em atuar em mais lugares? 39 12) No mercado de shows, em específico, qual sua visão em relação as diferenças entre o modelo de crowdfunding e o convencional? 13) Quantos profissionais são envolvidos no negócio? Se possível, descreva sucintamente as atribuições de cada um deles. 14) Comente como tem sido o retorno do empreendimento nos mais diversos aspectos. 15) Quais as maiores dificuldades. 16) Como você imagina o futuro do crowdfunding no Brasil? APÊNDICE B – GUIA DE OBSERVAÇÃO DE FUNCIONAMENTO DO SITE Site da empresa: Sistemas de pagamento utilizados: Observar quais os sistemas e métodos de pagamento utilizados pelo site para a venda de cotas de shows. Mídias sociais: Observar quais mídias sociais a empresa utiliza para divulgar seus eventos. Outras ferramentas: Quais outros meios a empresa utiliza para divulgar suas ações e manter o contato com o público.