A APRENDIZAGEM REFLEXIVA COMO MEIO PARA PROMOVER A SUSTENTABILIDADE DAS ORGANIZAÇÕES EDUCATIVAS Lucia Izabel Czerwonka Sermann – UNIFAE [email protected] Ana Maria Coelho Pereira Mendes – UNIFAE [email protected] Resumo: A aprendizagem reflexiva na formação do educador é o tema gerador deste artigo, e trata das diretrizes e práticas para a sustentabilidade das organizações educativas – OE, bem como sobre o papel da aprendizagem nas organizações e a valorização das pessoas para a sua sustentabilidade. Os conceitos de reflexão-na-ação e conhecimento-na-ação baseados em Donald Schön norteiam a análise a partir da idéia de que os profissionais aprendem com a reflexão-na-ação interpretando a sua própria atividade. Logo, a sustentabilidade das OE depende da qualidade da formação e das aprendizagens que promove. Palavras-chave: sustentabilidade; organizações educativas; aprendizagem reflexiva. INTRODUÇÃO Tudo indica que a humanidade, no limiar do século XXI, vem enfrentando uma constante desconstrução e reconstrução de estruturas, de práticas produtivas, de instituições e sistemas, à procura de novas referências, esperando encontrar novas formas de conceber as diversas organizações sociais. Orientada por uma nova percepção, a humanidade busca superar os modelos e paradigmas construídos, tendo em vista, a constituição de uma sociedade mais humana e capaz de promover sua sustentabilidade. Nesta sociedade as organizações vêm se constituindo parte substancial das atividades econômicas, políticas, sociais e culturais e podem ser entendidas como entes sociais, criadas intencionalmente para conseguir determinados objetivos pela via do trabalho humano e o uso de recursos materiais, estruturando-se hierarquicamente, caracterizando-se por relações entre seus componentes: poder, autoridade, divisão do trabalho, motivação, comunicação. Os estudos atuais sobre as organizações, formação profissional e aprendizado nos ambientes de trabalho defendem que as pessoas são componentes fundamentais a serem considerados no planejamento, criação e implementação de diferentes processos, haja vista a sua capacidade de aprender, de pensar, agir e de gerar conhecimentos. Por esse motivo, cada vez mais busca-se novas formas de compreender as organizações e sua responsabilidade em atender às necessidades de desenvolvimento profissional das pessoas que delas fazem parte. Considera-se que, ao promover seu aprendizado, as organizações e a sociedade podem alcançar sua sustentabilidade. 1 Nesse processo faz-se necessário utilizar-se de teorias e de práticas pedagógicas que promovam nas pessoas a autonomia para a aprendizagem contínua, a capacidade de refletir e de pensar de maneira criativa sobre suas ações. Sendo assim, comprometer-se com a formação profissional em uma organização reflete na sua própria sustentabilidade à medida que aprender é condição fundamental para a integração das pessoas à sociedade e ao cotidiano produtivo em constante transformação. A APRENDIZAGEM NAS ORGANIZAÇÕES EDUCATIVAS Cada vez mais se exige que as organizações “sirvam de ponte entre os problemas e as pessoas” (Drucker, 1997, p. 350). Esta afirmação permite considerar que as organizações educativas, em especial as IES, devem tornar a educação cada vez mais acessível, contribuindo para o enfrentamento dos desafios atuais, bem como para a redução do abismo entre ricos e pobres, sejam eles nações ou indivíduos. [...] nosso maior desafio consiste em saber utilizar a educação para reduzir esse abismo, caso contrário estaremos colaborando para aumentaras diferenças entre ricos e pobres e reforçar as estruturas sociais existentes. (MEISTER apud MEYER & MURPHY, 2000, p. 45). Ou seja, a aprendizagem promovida nas IES tem relação direta com o desenvolvimento da própria sociedade, pois nela as pessoas põem em prática seus conhecimentos profissionais e contribuem para seu enriquecimento cultural, produtivo, político e social. Por isto, o espaço universitário é cenário de fenômenos sociais que se entrecruzam, provocando revoluções significativas nas pessoas que nela trabalham e dela usufruem, pois “a própria legislação foi modificando, nos últimos anos, a gama de atribuições e expectativas sobre a universidade: o que deveria ser, os novos desafios sociais a que deveria responder e as condições sob as quais se supõe que tem de funcionar (ZABALZA, 2004, p. 20). Isto requer um repensar crítico sobre como as Instituições de Educação Superior brasileiras vêm construindo novos caminhos e novos projetos emergentes das necessidades e interesses da sociedade que almeja a formação do cidadão para os desafios inerentes ao novo milênio. Pode-se dizer que as IES precisam adaptar-se de forma crítica às demandas de um novo tempo, construindo um novo projeto político-pedagógico, sendo protagonista de um 2 processo de formação de cidadãos e profissionais que desenvolvam a capacidade de criar, de intuir, de questionar e de praticar a reflexão. Nesta perspectiva, inclui-se a formação do professor como um processo imbuído de compromisso e de grande responsabilidade com a melhoria da qualidade do ensino, pois refere-se à preparação de profissionais que, a partir da sua prática pedagógica e política, contribuem para o desenvolvimento de pessoas capazes de atuarem no mundo globalizado. Estes profissionais irão atuar nas escolas, as quais precisam oferecer qualidade no processo de aprendizagem. Por isso ser professor é cuidar que o aluno aprenda (DEMO, 2004) e para isso ele tem de propiciar diferentes situações de aprendizagem diariamente na escola. Estas situações são aprendidas em sua formação profissional e acabam sendo reconstruídas, reelaboradas na prática do professor. Por isso a formação docente deve permitir que o professor seja portador de competências e atitudes que o capacitem a ultrapassar obstáculos, a aprender na prática, a inovar os processos pedagógicos, rompendo com o estilo didático rígido e técnico. Sendo assim, a formação passa a ser inovadora, focada na aprendizagem dos alunos, ancorada na relação dialógica entre professor, aluno e conhecimento, associando teoria e prática, superando o modelo tradicional de transmissão de conhecimentos por parte do professor e de recepção passiva, por parte dos estudantes. A SUSTENTABILIDADE DAS ORGANIZAÇÕES EDUCATIVAS A sustentabilidade é um termo relativamente recente no que diz respeito aos estudos da Administração e vem adquirindo diferentes significados na sociedade atual. Do latim, este termo origina-se da palavra “sustentare”, que remete às idéias de: suportar; defender, favorecer, auxiliar; manter, conservar em bom estado, fazer frente a, resistir. Outra definição encontrada está no Novo Dicionário Aurélio que define a sustentabilidade enquanto qualidade de sustentável, aquele que se pode sustentar. Nas análises organizacionais, o conceito de sustentabilidade sempre esteve muito limitado ao aspecto econômico, em particular no que tange à dimensão estritamente financeira das organizações. A sustentabilidade tradicionalmente significou a viabilidade econômica das organizações e por muito tempo, a sustentabilidade de organizações sociais também esteve associada à eficiência econômica, e esta, à captação de recursos. Nesta perspectiva, a 3 sustentabilidade é alcançada por meio da combinação das fontes de financiamento, e, de acordo com Cruz e Estraviz (2000) toda organização precisa de recursos para realizar a sua missão. Dentre eles estão as pessoas. Porém, o foco ainda se encontra na captação de recursos financeiros enquanto ferramenta essencial para a manutenção da organização social. Falconer (1999) amplia esta visão ao definir a sustentabilidade como a capacidade de adquirir recursos – sejam eles financeiros, materiais ou humanos – e utilizá-los de forma eficiente e duradoura, para que a organização alcance seus propósitos de maneira continuada. A partir das discussões sobre o meio ambiente, com o desenvolvimento do conceito de desenvolvimento “sustentável” (Milani, 1999), em 1987, a Comissão Mundial para o Meio Ambiente publica o Relatório Brundtland, tornando-se referência para as questões da sustentabilidade do meio ambiente. Este conceito tem avançado desde a década de 1980, adquirindo complexidade e influencia, de maneira expressiva, a compreensão sobre as organizações, em especial no Brasil. Para Armani (2002), a sustentabilidade não diz respeito apenas à dimensão da sustentação financeira, mas a um conjunto amplo de fatores de desenvolvimento institucional. A organização deve reinventar-se para ser sustentável, levando em consideração também aspectos relacionados à cultura e à mudança organizacional. Se as necessidades sociais vão-se modificando, as organizações devem acompanhar estas transformações para continuar atendendo ao seu propósito social. Percebe-se a necessidade de ampliar a dimensão econômica da sustentabilidade considerando outras dimensões de natureza ambiental, política, social, cultural e educacional compreendendo-a de forma complexa e multidimensional. A instituição de educação superior sustentável, neste sentido, investe na qualidade da aprendizagem dos seus alunos, pois tem sob sua responsabilidade formular e mediar conhecimentos. A formação e a qualificação oferecidas por ela devem estar inter-relacionada à realidade social que se complexifica gradualmente e torna indispensável, aos novos profissionais, o desenvolvimento de uma capacidade de resposta dinâmica, reflexiva e autônoma. 4 A APRENDIZAGEM REFLEXIVA COMO ESTRATÉGIA PARA A FORMAÇÃO PROFISSIONAL A melhoria da qualidade da prática docente implica no aprendizado de novos modos de ensinar e desenvolver estratégias de aprendizagem. O professor que atua na formação de professores precisa ter como princípio básico a reflexão-na-ação, norteando sua prática para muito além das formas tradicionais de ensino. O princípio da aprendizagem reflexiva, desenvolvido por Donald Schön (2000), trata da necessidade de formar profissionais que venham a refletir sobre a sua própria prática na expectativa de que a reflexão seja um instrumento de desenvolvimento do pensamento e da ação. Schön propõe a reflexão-na-ação, definindo-a como o processo mediante o qual os profissionais práticos, em especial os professores, aprendem a partir da análise e interpretação da sua própria atividade. A reflexão-na-ação tem uma função crítica, questionando a estrutura de pressupostos do ato de conhecer-na-ação. Pensamos criticamente sobre o pensamento que nos levou a essa situação difícil ou essa oportunidade e podemos, neste processo, reestruturar as estratégias de ação, as compreensões dos fenômenos ou as formas de conceber os problemas. (SCHÖN, 2000, p. 33) Desta forma, a reflexão-na-ação está acompanhada de um conhecer-na-ação, ou seja, de conhecimentos, valores, percepções, conceitos e pressupostos já aprendidos e que acompanham o profissional no seu cotidiano. Este conhecer é implícito, chamado por Schön de “tácito”, ou seja, nem sempre pode ser descrito verbalmente para que seja compreendido. Assim, ele é adquirido no fazer e nas relações com outras pessoas. O conhecer-na-ação é definido pelo estudioso em tela como os tipos de conhecimento que revelamos em nossas ações inteligentes-performances físicas, publicamente observáveis, como andar de bicicleta, ou operações privadas, como a análise instantânea de uma folha de balanço. Nos dois casos, o ato de conhecer está na ação. Nós o revelamos pela nossa execução capacitada e espontânea da performance, e é uma característica nossa sermos incapazes de torná-la verbalmente explícita. (idem, p. 31) A dificuldade em descrever este conhecimento está no fato das ações serem dinâmicas, diferentemente das teorias, que são estáticas. Por isto, ao descrever o conhecimento empregado em uma determinada ação, na intenção de compreendê-lo, o futuro professor estará realizando um processo de construção do seu saber. 5 A reflexão-na-ação utiliza-se do conhecer-na-ação durante a prática profissional, ou em realidades similares, simulações, no caso do processo de formação docente, pois é na atividade que surgem situações-problema a serem resolvidas de maneira espontânea e imediata. Há, então um momento de reflexão que buscará o conhecimento necessário aplicável àquele problema, na intenção de concertar falhas e redirecionar a ação. Pode ocorrer também uma recombinação criativa de conceitos e idéias que levam à solução desejada. Desta forma a pessoa reflete na e durante a ação, construindo conhecimento (Schön, 2000). O processo de reflexão-na-ação descrito até aqui é parte de um processo maior, chamado por Schön (2000) de reflexão sobre a reflexão-na-ação, que ocorre após a ação. Isto significa que, além de refletir durante a prática, é possível refletir sobre o próprio processo de reflexão-na-ação. Neste momento, são questionados não apenas o conhecimento utilizado para a solução de situações-problema, mas a estrutura de pensamento que levou àquela solução. Questiona-se os caminhos escolhidos e o próprio ato espontâneo de construir e reelaborar o conhecimento, as percepções imediatas, as justificativas utilizadas para esta ou aquela decisão, ou seja, questiona-se de maneira rigorosa e crítica os pensamentos que afetaram a ação (Schon, 2000). Neste processo, não apenas o estudante, mas também o professor-formador assume-se como pesquisador de sua prática pedagógica, fazendo indagação, questionando o seu saber e buscando respostas através de pesquisas realizadas no cotidiano de suas atividades docentes de maneira contínua (Demo, 1991). Sendo assim, pode-se dize que, baseado nas idéias de Donald Schön (2000), o professor caracteriza-se como profissional reflexivo, quando possui profundos conhecimentos teóricos que o ajudam a descrever, em algumas situações, o saber tácito, assim como as regras, valores, teorias estratégias que conceberam a ação. Este profissional é auto-motivado para continuar aprendendo, aperfeiçoando-se constantemente, ou seja, sua postura é de aprendizagem diária, pois observa e avalia as situações-problema, numa constante atitude para a correção de erros. Em relação ao desenvolvimento da própria aprendizagem, o professor reflete sobre o quê e como está aprendendo, num processo de auto-organização do próprio saber. É também capaz de distanciar-se da ação, observá-la e delimitá-la metodologicamente, comparando o que sabe com outros saberes possíveis. O professor reflexivo pergunta criticamente, intui, imagina, investiga, utiliza a gama de conhecimentos de maneira criativa e sistêmica. Utiliza-se da experiência para reconstruir competências e concepções e agir em situações singulares, variando os conhecimentos. 6 A partir destas características, pode-se dizer que o desafio para a formação profissional, em especial de educadores é grande e inclui também o auto-aprendizado de quem se propõe a formar, a colaborar no desenvolvimento de pessoas autônomas, capazes de pensar, de refletir, de escolher e de aprender. Mas é no trabalho em conjunto que se constrói uma prática reflexiva possível. É na relação de diálogo de confiança mútua entre professor e aluno que se desenvolvem capacidades, competências e conhecimentos. Uma prática pedagógica capaz de promover a cidadania terá influências não só na qualidade do trabalho da instituição e ensino, mas também na sociedade como um todo, numa relação de interdependência e sustentabilidade mútuas. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS AGOSTINHO, Márcia Esteves. Complexidade e organizações: em busca da gestão autônoma. São Paulo: Atlas, 2003. 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