APONTAMENTOS INICIAIS SOBRE O CRIME DE FEMINICÍDIO

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APONTAMENTOS INICIAIS SOBRE O CRIME DE FEMINICÍDIO
Eloize Ramos da Silva (UEPG) [email protected]
Aline Franco Ferreira (UNOPAR)
Helen Poglitsch de Oliveira (UEPG)
Orientadora: Prof. Dra. Dirceia Moreira
Resumo: analisando historicamente a origem e desenvolvimento da questão do
gênero, percebe-se que isso sempre influenciou a sociedade, atribuindo-se
diferentes papéis aos homens e às mulheres, sendo que estas seriam submissas e
os homens, a autoridade do lar. Devido a esse pensamento, a mulher, pelo simples
fato de ser mulher, vem sofrendo vários tipos de violência, muitas vezes levando-as
à morte. Com esse enfoque, tem-se hoje no Brasil o feminicídio, contudo, nem todos
são favoráveis. Dentre os diversos argumentos favoráveis pode-se destacar o
seguinte: o tipo penal “feminicídio” é de suma importância para combater o
pensamento arcaico patriarcal, sendo que daí deriva a estrutura de submissão
feminina, levando em muitos casos à violência. Como argumento contrário à
tipificação tem-se que a tipificação não inibe a prática de tais crimes. Apesar das
divergências, nota-se que se trata de um problema sério ante aos dados obtidos no
presente trabalho, pode-se citar que uma em cada três mulheres sofreram ou
sofrerão algum tipo de violência, ainda, que o Brasil está entre os 10 países com a
maior taxa de morte de mulheres, por questão de gênero. Portanto, sendo um
problema de grande relevância social, cabe aos cidadãos e ao Estado fazer
campanhas de conscientização e sensibilização social a fim de combater a violência
contra a mulher, oferecer maior acesso à justiça as vítimas e prevenir esse tipo de
crime, com o objetivo de reduzir, assim, tanto a violência quanto o feminicídio.
Palavras-chave: gênero, garantismo penal positivo, direito penal mínimo.
Introdução
Os papéis sociais que foram atribuídos aos homens e mulheres ao longo do tempo
resultaram em uma hierarquia autoritária e consequente subordinação física e social
da mulher. É dentro de um contexto atual, mas ainda patriarcalista, que surge a
questão do homicídio de uma mulher por razão de ser mulher, configurando-se
assim em um crime de ódio contra as mulheres. Em 2013, na Comissão sobre a
situação da mulher, a ONU recomendou aos países membros que reforçassem suas
legislações nacionais em busca de diminuir a violência contra mulher. O Brasil, em
2012, alcançou o 7° lugar do ranking de 84 países com a maior taxa de homicídios
de mulheres, uma das causas que fundamentou a recente Lei n° 8.305/2015 (origem
PLS 292/2013) que inclui o feminicídio como uma forma qualificada de homicídio.
Objetivos
A presente pesquisa tem por objetivo geral analisar as divergentes posições que
surgiram após a entrada em vigor da Lei nº 8.305/2015, no que toca a sua
necessidade como meio para buscar modificar o atual quadro de homicídio contra
mulheres no Brasil. Os objetivos específicos são: esclarecer as raízes que deram
origem ao termo feminicídio; evidenciar os dados coletados sobre a violência contra
as mulheres por razões de gênero no Brasil e suas influências nas bases da Lei
n°13.104/2015; enumerar os argumentos favoráveis e contrários à tipificação feita
pela Lei nº 13.104/2015.
Método e Técnica de Pesquisa
Para realização desta pesquisa foi utilizado o método dedutivo e como técnica a
documentação indireta, por meio de pesquisa documental e bibliográfica.
Resultados
A violência contra a mulher por razões de gênero tem origem histórica, bem como
caráter estrutural. A violência de gênero representa nas palavras de Maria Amélia
Teles e Mônica de Melo “uma relação de poder de dominação do homem e de
submissão da mulher” (2002). Maqueda Abreu preleciona que a violência contra as
mulheres é consequência de uma situação atemporal de discriminação que tem
origem em uma estrutura social patriarcal. Fruto de uma aprendizagem cultural
machista no qual os papéis são desenhados sob a etiqueta do gênero,
sobressaindo-se a prepotência do masculino e a subalternidade do feminino (2006,
p.8). Sendo assim, a violência de gênero não é somente derivada de fatores
biológicos, mas, principalmente, socioculturais.
Por muito tempo a condição vulnerável das mulheres foi ignorada. Entre as décadas
de setenta e noventa o que se tinha eram instrumentos de direitos humanos de
natureza genérica. Foi a partir dos anos 90, com a forte pressão do movimento
feminista, que o mundo olhou com mais cuidado à questão do gênero.
O primeiro documento internacional de direitos humanos que abordou com
exclusividade o tema da violência contra mulher ocorreu em 1979, quando as
Nações Unidas aprovaram a Convenção sobra a Eliminação de Todas as formas de
Discriminação contra a Mulher (CEDAW). Mais tarde, em 1993, com a Conferência
Mundial sobre Direitos Humanos em Viena, a transversalização da perspectiva de
gênero passou a ser entendida como uma prioridade no contexto da proteção
internacional dos direitos humanos das mulheres, ante a percepção de que esses
direitos podem ser violados em formas diferentes dos direitos dos homens e que
determinadas violações têm lugar contra a mulher tão somente pelo fato de ser
mulher (TRAMONTANA, 2013, p. 466). Em 1994 foi aprovado pela Organização dos
Estados Americanos a Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a
Violência contra a Mulher (Convenção de Belém do Pará).
A expressão “feminicídio” foi utilizada pela primeira vez por Diana Russel em seu
depoimento no Tribunal Internacional de Crimes contra as Mulheres, no ano de 1976
em Bruxelas (PASINATO, 2011). As autoras utilizaram a expressão para “designar
os assassinatos de mulheres que teriam sido provocados pelo fato de serem
mulheres”, sendo esta a primeira obra sobre mortes de mulheres resultantes da
discriminação baseada no gênero (PASINATO, 2011). Em síntese, o termo se refere
a um crime de ódio contra mulheres, abrangendo o abuso emocional físico ou
sexual. De acordo com a Organização Mundial da Saúde, esse crime envolve o
assassinato intencional de mulheres apenas por serem mulheres.
Dados das Nações Unidas estimam que 1 de cada 3 mulheres sofreram ou sofrerão
algum tipo de violência ao longo de suas vidas e que 1 de cada 5 sofrerão algum
tipo de violência sexual. No Brasil, entre 2001 a 2011, estima-se que ocorreram mais
de 50 mil feminicídios, ou seja, em média 5.664 mortes de mulheres por causas
violentas a cada ano, 472 a cada mês, 15,52 a cada dia, ou uma morte a cada
1h30min. Os dados foram divulgados pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada
(Ipea, 2013) em uma pesquisa inédita, que reforçou as recomendações realizadas
em julho pela CPMI (Comissão Parlamentar Mista de Inquérito) que avaliou a
situação da violência contra mulheres no Brasil.
Segundo o Mapa da Violência (2012), o Brasil ocupa o 7º lugar (de 84 países) com a
maior taxa de mortes de mulheres, um dos motivos que ensejou o Projeto de Lei n°
8.305/2015 (origem PLS 292/2013) da Comissão Parlamentar Mista de Inquérito
sobre a violência Contra Mulher, que foi transformado na Lei n° 13.104/2015, que
entrou em vigor no dia 10 de março e tipificou o feminicídio. A lei trouxe à discussão
o homicídio perpetrado em contexto de violência de gênero, uma vez que inseriu no
artigo 121 do Código Penal uma forma qualificada de homicídio quando a vítima for
mulher em situação de “violência de gênero”, quais sejam: violência doméstica e
familiar contra a mulher, menosprezo à condição de mulher e discriminação à
condição de mulher.
O Brasil foi o 16° país da América Latina a prever esse tipo. Desta recente tipificação
vem resultando acalorados e expressivos debates entre estudiosos das questões de
gênero e violência feminina, dentre eles, sociólogos, psicólogos, juristas etc. Alguns
são totalmente favoráveis à criminalização da conduta e outros, nem tanto.
Em apertada síntese pode-se elencar que os principais argumentos favoráveis à
tipificação são: a) dar maior visibilidade à existência de homicídios de mulheres por
razões de gênero tirando o tipo especifico da conceituação genérica, com o fim de
mapear as circunstâncias desses crimes e pensar em adequadas políticas de
prevenção; b) mudança na mentalidade patriarcal, visto que esta violência decorre
de relações estruturais de poder construídas historicamente na sociedade; c) por se
tratar de um crime grave que tutela o bem jurídico vida de uma mulher, o conceito de
intervenção mínima do Direito Penal não é admissível; d) foi recomendada pela
ONU, em 2013, na Comissão sobre a situação da mulher o reforço das legislações
nacionais para punir esse tipo de assassinato, sendo considerada a Lei nº
13.104/2015 um exemplo de combate à violência contra a mulher. Contrários à
tipificação temos: a) a criação de novas figuras penais não solucionam o problema
da violência contra mulher, impunidade ou o pouco acesso à justiça, tendo apenas
um “efeito simbólico”, uma vez que esse ramo do direito é incapaz de inibir
concretamente comportamentos que ferem os direitos femininos; b) a tipificação
pode abrir caminho para o direito penal do autor, criando uma lógica oposta de
culpáveis e vítimas, reforçando ainda a imagem estereotipada das mulheres como
vítimas; c) já há uma proteção realizada por meio dos tipos penais neutros como o
homicídio qualificado, sequestro, estupro, lesão corporal etc, sendo o homicídio de
uma mulher nas circunstâncias que traz a “nova” qualificadora, desde 1940 (edição
do CP), uma espécie de homicídio qualificado por motivo torpe; e, por fim d) trazem
como exemplo da ineficácia da tipificação a Lei Maria da Penha, sendo que,
segundo estudos do Ipea, foi constatado que não houve impacto das taxas anuais
de mortalidade, apenas havendo um decréscimo nas taxas no ano de 2007, após a
vigência da lei, retornando nos últimos anos aos altos índices anteriores à mesma.
Assim, afirmam que a lei deve ser pensada como um preceito prático com aplicação
e resultados concretos, que muitas vezes ela produz um resultado preventivo face a
propaganda Estatal geralmente com cunho político e intuito de ludibriar a população
sobre a efetividade das leis.
Apresentados os pontos principais sobre o atual crime denominado Feminicídio e
feito breves comentários sobre os argumentos conflitantes em relação à tipificação
deste crime, passamos as devidas discussões.
Discussão
Diante dos argumentos mencionados encontramos alguns pontos que podem dar
um certo equilíbrio entre as posições. Independente da divergência que se criou
sobre a tipificação específica do feminicídio, há um consenso em relação à
gravidade do problema e à necessidade do mesmo ser discutido, conhecido e
erradicado. Fala-se em garantismo penal em sua vertente positiva, o qual preceitua
que o Estado deve proteger os direitos humanos contra as diferentes formas de sua
violação (BARATTA, 1997, p. 66). Segundo Borges, um dos limites para intervenção
penal seria o princípio da subsidiariedade, contudo, não sendo possível evitar a
violação, o Estado deve assegurar a tutela penal na fase pós-violatória, tendo como
critério de legitimidade para a sua intervenção a vulnerabilidade dos titulares desses
direitos, uma vulnerabilidade constante e estrutural, resultado de “violações
sistemáticas, ao lado da impunidade dos respectivos agressores,” (BORGES, 2012,
p. 86), no presente caso, a vulnerabilidade das mulheres.
O direito à vida é direito humano assegurado pela nossa Constituição em seu artigo
5º, XXXVIII, não sendo assim razoáveis as críticas que são baseadas em um direito
penal mínimo quando se trata da tutela desse bem jurídico. Entende-se ser legítimo
o argumento de que ter um tipo especifico para tal crime vai facilitar o mapeamento
dos homicídios praticados no Brasil, em que a motivação decorre da condição
feminina, uma vez que isso vai permitir a construção de estatísticas concretas e
políticas públicas corretas e certeiras.
Atualmente são escassas as pesquisas direcionas à homicídios de mulheres,
contudo temos: o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada que realizou um estudo
sobre Feminícidios ocorridos no Brasil no período de 2001 a 2011; as informações
disponíveis no Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM), do Ministério da
Saúde; o Observatório Brasil da igualdade de gênero; a casa da mulher brasileira
instalada em Campo Grande (MS) deste ano e o Relatório Anual Socioeconômico da
Mulher (RASEAM).
Acredita-se que se o poder judiciário aplicar de forma correta o tipo penal, evitandose a subjetividade e discricionariedade e com respeito aos princípios constitucionais
que norteiam o direito penal, a inclusão da qualificadora ou a “mudança de nome” da
qualificadora, não foi uma medida tão errônea como alguns estão apontando. Pois
se o feminicídio é o antigo homicídio qualificado por motivo torpe ou fútil, estes
últimos também sendo considerados crimes hediondos, esvazia-se o argumento de
que se está punindo mais ou aumentando o aprisionamento de pessoas que já não é
efetivo, uma vez que ao que parece o fim especifico e legitimo da tipificação foi
evidenciar, individualizar e promover a discussão de algo que não é tão discutido,
qual seja, as mazelas do sexo feminino que esbarram no direito penal.
Considerações Finais
A presente pesquisa demonstrou que não obstante todos reconheçam a
problemática da violência sofrida pelas mulheres por razão de gênero, os estudiosos
divergem sobre a especifica criminalização. Efetivamente há argumentos
contundentes em ambas as posições. Enquanto os argumentos favoráveis visam dar
visibilidade ao assunto, os contrários apontam a ineficácia de políticas voltadas para
a segurança para resolver o problema, contudo, a inclusão do feminicídio em nosso
Código Penal é uma ferramenta legítima do Estado que possui um fim que embora
possa parecer não tão eficaz, será útil para o levantamento de dados e oferecimento
de informações específicas para os órgãos que se propõem a dar efetividade às
políticas públicas.
Cabe ainda esclarecer, que há uma grande necessidade de estudos e pesquisa
sobre a violência de gênero nos diversos ramos das ciências. Tudo o que se tem
ainda é muito recente e superficial.
Com maior investimento do Estado em campanhas de conscientização,
sensibilização, oferecimento de maior acesso à justiça, modelos de prevenção e
aprimoramento de dados e pesquisas para estratégias eficazes de prevenção são
medidas que se tomadas de forma cumulada podem sim reduzir o número de
homicídios de mulheres por condição de gênero.
Referências:
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para inserir o feminicídio como circunstância qualificadora do crime de homicídio.
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