NICARÁGUA: PROIBIÇÃO TOTAL DO ABORTO – TESTEMUNHOS M. tinha 17 anos quando foi brutalmente violada por um familiar ...Fui recolher a roupa para a lavandaria que estava no meu quarto, quando ele forçou a entrada e me violou três vezes. Ao mesmo tempo dizia-me que me ia matar a mim e à minha mãe. Eu chorava e suplicava... ele sacou da sua arma e eu estava apavorada, horrorizada. Ele disse que eu tinha que ficar calada... ...Falei sobre isso seis meses mais tarde, porque não menstruava e não aguentava ficar em silêncio mais tempo. Eu tinha levado a injecção (contraceptiva), mas eu não sei o que aconteceu, achava que não podia engravidar, achei que não menstruava pela brutalidade com que ele me violou... ...O médico examinou-me e disse-me que estava grávida... Eu... comecei a chorar e chorar, ela perguntou-me ‘mas o que é que se passa? O que é que se passa?’, mas eu não lhe podia dizer. ...Tempos mais tarde quase morri de pré-eclampsia. Estive no hospital durante mais de uma semana. Finalmente, operaram-me e fizeram-me uma cesariana... ...Apeteceu-me matar-me várias vezes – o julgamento era como um pesadelo de dez meses. Tinha que o ver outra vez e isso significava ter recaídas após recaídas. Senti-me a morrer lentamente, lentamente, lentamente... Quando o caso (legal) caiu por terra, fiquei histérica... ...Para além de tudo o resto, eu tinha um filho dele que tinha que aceitar. O que me aconteceu destruiu os meus sonhos, as minhas ambições... Queria ser alguém que trabalhava fora de casa mas eu passo todo o dia em casa a tomar conta do bebé... Nem consigo dormir e sinto-me muito insegura. Muitos dos meus dias são um pesadelo. É muito difícil continuar e sinto-me muito triste e muito cansada. Pergunto-me, porque é que estas coisas me aconteceram?” O ginecologista Dr. “G” falou da paciente “A”, com 28 anos e mãe de quatro crianças ...“A” tinha cancro do colo do útero em estádio avançado e tinha menos de 20 semanas de gravidez. O tratamento de que necessitava para o cancro era urgente e era imperativo que o tratamento começasse o mais cedo possível. Infelizmente, o tratamento correcto, clinicamente indicado, era incompatível com a gravidez. “A” foi informada das suas opções e de que, de forma a ter as melhores hipóteses de sobrevivência, necessitaria de terminar a gravidez para que pudesse iniciar o tratamento... ela optou pelo tratamento que lhe ia salvar a vida, arriscando-se a penalização legal, mas com plena consciência das suas obrigações para com os quatro filhos... O médico que atendeu a paciente “A” tinha plena noção de que a lei revista na Nicarágua não permite excepções, estava profundamente preocupado com o facto desta linha de tratamento estar em clara violação do Código Penal, mas assumiu os riscos à sua carreira, reputação e liberdade para providenciar o tratamento de que “A” necessitava para maximizar as suas hipóteses de sobrevivência.