Noel Joaquim Faiad REPORTAGEM 30 JANEIRO | FEVEREIRO 2016 Um país em amadurecimento Nos últimos 40 anos, em que a Rumos acompanhou os principais processos políticos e econômicos do Brasil, o país caminhou por águas turvas, viveu grandes crises, mas também celebrou importantes conquistas – de crescimentos improváveis à estabilização da moeda, culminando com a redução da pobreza experimentada no período recente. POR CARMEN NERY O Brasil passou por profundas transformações na política, na economia e na sociedade desde a criação da Revista Rumos em 1976. Após o período de ditadura militar, com um pouco mais de três décadas do regime democrático iniciado em 1985 – o mais longo de toda sua história –, o país experimentou uma nova e avançada Constituição, vivenciou a reorganização institucional e o ressurgimento dos movimentos sociais, sindicais e da sociedade civil organizada. Em 2016, ano em que a revista completa 40 anos, o Brasil vive um novo momento de impasse com a ameaça de impeachment da presidente Dilma Rousseff e o crescimento da intolerância política de um país dividido. Não se pode esquecer que 1976 foi um ano emblemático na política e na economia brasileiras. Em janeiro, morria nos porões do Destacamento de Operações Internas – Centro de Operações de Defesa Interna (DOI-CODI), em São Paulo, o operário Manoel Fialho Filho, 84 dias após a morte do jornalista Vladimir Herzog, em outubro de 1975, no Destacamento de Operação de Informações – Centro de Operações de Defesa Interna (DOPS/SP). Os dois episódios forçaram o início da distensão do regime. O presidente da época, general Ernesto Geisel, demitiu seu ministro do Exército, o general Sylvio Frota, e o comandante do 2º Exército, Ednardo D´Ávilla Mello. As duas demissões aceleraram o processo de distensão política “lenta e gradual” que o presidente iria colocar em prática. Na economia, o governo Geisel, com seu II Plano Nacional de Desenvolvimento, também chamado II PND, realizava o terceiro e último grande bloco de investimentos do país – o primeiro ocorreu na era Vargas e o segundo com o Plano de Metas de Jucelino Kubitschek. Isso que fez com que tivéssemos percorrido os últimos 40 anos – décadas de 1980, 1990, 2000 e 2010 – apenas com ciclos de consumo, como pontua Márcio Pochmann, economista e professor titular da Unicamp, ex-presidente do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) e atual presidente da Fundação Perseu Abramo. Nos anos 1980, a “década perdida”, e 1990, a “década gaRUMOS nha”, foram conduzidas diversas tentativas de estabilização da economia com os primeiros planos heterodoxos – Cruzado, Bresser, Verão, Collor e, finalmente, o Plano Real, que misturou conceitos heterodoxos e ortodoxos –, após 20 anos de controle ortodoxo da economia pelos governos militares. “Em 40 anos prescindindo de um novo bloco de investimentos, houve apenas tentativas, pós-governos militares, de se retomar forte expansão econômica”, diz Pochmann. Ele observa que no Plano Cruzado a ideia era estabilizar a economia para viabilizar um novo bloco de investimentos, o que acabou não ocorrendo devido ao fracasso do plano. No segundo governo de Fernando Henrique Cardoso (FHC), enfrentando recessão, desemprego e com o fim do câmbio fixo, em 1999, é criado o Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio como a grande oportunidade de se ter um plano de investimentos. “Mas desentendimentos entre os ministérios da Fazenda e do Desenvolvimento fizeram fracassar a perspectiva desenvolvimentista. Depois, uma nova tentativa ocorreu no Governo Lula, com o Plano de Aceleração do Crescimento (PAC), por meio de investimentos públicos e privados e do capital estrangeiro com a retomada dos investimentos da Petrobras e da Eletrobrás. Mas o movimento foi travado pela crise financeira de 2008, que transformou a quarta tentativa de criação de um novo bloco de investimentos em uma política anticíclica”, analisa Pochmann. A RAIZ DAS CRISES ECONÔMICAS Embora tenha representado o último bloco de investimentos, o II PND de Geisel era um pro31 grama financiado pelo endividamento externo. Com os choques do petróleo, o país viu a dívida externa crescer, gerando, no início dos anos 1980, a chamada Crise da Dívida, conhecida como a mãe de todas as crises. O primeiro choque do petróleo ocorreu em 1973, quando a Organização dos Países Exportadores de Petróleo (Opep), cartel dos produtores, aumentou os preços internacionais. Em valores atualizados, o preço foi de US$ 14,30 o barril, em 1973, para US$ 47,50, no ano seguinte. Isso não impediu Geisel de continuar importando petróleo e conduzindo os investimentos. “O Brasil importava petróleo a um custo caríssimo e o país não quis promover racionamento. Seria necessário contrair a atividade interna, mas para não haver recessão, Geisel fez mais dívida para importar petróleo”, analisa Antônio Carlos Porto Gonçalves, professor da Escola Brasileira de Economia e Finanças da Fundação Getulio Vargas (EPGE/FGV). Até que veio a segunda crise de oferta do petróleo em 1978, com a revolução islâmica no Irã. A cotação, que em 1978 estava em US$ 77,70 o barril, pulou para US$ 103,60 em 1980. “A crise da dívida se agravou ainda mais com a decisão dos EUA de elevar os juros para 18% ao ano para controlar sua economia”, acrescenta Gonçalves. O crédito farto e barato dos anos 1970 havia estimulado o endividamento dos países latino-americanos, como Brasil e México, gerando grandes investimentos e crescimento econômico acelerado, que, no caso do Brasil, ficou conhecido como Milagre Econômico. O país cresceu, em média, 8,7% nos anos 1970, chegando a atingir índices de 14%, em 1973, e 10,3% em 1976. Apesar do grande crescimento econômico experimentado pelo México, no final da década de 1970, a sua economia ainda era altamente dependente da economia norte-americana. O país foi duramente atingido pela elevação dos juros nos Estados Unidos da América (EUA) para combater a inflação provo32 cada pelas crises do petróleo, que gerou a primeira recessão do pós-guerra na economia norte-americana. Afetado pela redução das encomendas dos EUA, diminuição do crédito e queda nos preços das commodities, o México decretou a moratória em 13 de agosto de 1982. Os juros internacionais haviam subido de uma média anual de 7,5% em 1977 para 20,18% em 1980. A moratória do México contaminou todos os países endividados do Terceiro Mundo, na América Latina, Norte da África e Leste Europeu. No Brasil, a elevação do serviço da dívida com o aumento dos juros e a queda das exportações gerou uma crise de liquidez, levando o país a recorrer, em fevereiro de 1983, ao Fundo Monetário Internacional (FMI), que impôs como condição a liberalização da economia e o controle do déficit público. Por meio de acordo com os bancos credores foi efetuada a rolagem da dívida. Era o fim do clico de crescimento vigoroso e o início do que ficou conhecida como a década perdida envolta em sucessivas crises. “Havia muita instabilidade política pelo fato de o país estar trocando um governo militar por governos civis. Os anos 1980 foram a pior década, chegando ao final com inflação de 80% ao mês”, resume Gonçalves. Chegou-se a este cenário porque a crise da dívida gerou o aumento do déficit público e a escalada inflacionária. Surgiram os planos econômicos que procuraram estabilizar a economia. Em 28 de fevereiro de 1986, o presidente Sarney – primeiro presidente civil eleito após o fim da ditadura militar, ainda de forma indireta no Colégio Eleitoral – lançou o Plano Cruzado. O plano consistia no congelamento dos preços e na troca da moeda de Cruzeiro para Cruzado com o corte de três zeros – 1 mil Cruzeiros equivaliam a um cruzado. Primeiro plano heterodoxo, após o ciclo militar, tinha como lógica intrínseca que a inflação era inercial: os preços eram reajustados para recompor a inflação JANEIRO | FEVEREIRO 2016 passada. O Plano Cruzado tentou eliminar a inflação inercial via congelamento, mas ao mirar apenas na memória inflacionária do país, descuidou do outro componente da inflação, o excesso de demanda. Sem redução dos gastos públicos, a demanda cresceu e o consumo explodiu. Com o congelamento dos preços, Sarney estimulou a população a fiscalizar os preços, no que ficou conhecido como os “fiscais do Sarney”. Mas logo passou a faltar mercadorias e Sarney chegou a decretar o confisco do gado no pasto. “O problema é que o presidente Sarney não controlou o déficit público e não havia mais recursos para financiar o déficit”, diz Gonçalves. Assim, em 22 de novembro de 1986, foram efetuados ajustes no plano com o lançamento do Plano Cruzado II. O objetivo era controlar o consumo, o déficit público e, por tabela, a inflação, via aumento de tarifas e de impostos. Foi criado o chamado “gatilho salarial”: cada vez que a inflação superasse 20% em um determinado período, os trabalhadores teriam a garantia do reajuste automático no mesmo valor, processo que se tornou frequente. As mercadorias voltaram a faltar e surgiu o mecanismo de ágio, em que as pessoas pagavam um valor a mais por fora do congelamento de preços. “O governo então desfez o Plano Cruzado, a inflação voltou com mais força ainda e o congelamento acabou”, lembra o professor da FGV. Sem condições de arcar com os compromissos da dívida externa, o país decretou, em 20 de fevereiro de 1987, a suspensão, por tempo indeterminado, do pagamento dos juros da dívida – o principal já não era pago havia vários anos. A moratória foi considerada inevitável pelo então ministro da Fazenda Dilson Funaro, após o fracasso dos Plano Cruzado I e II, que fizeram os superávits comerciais minguarem. Em janeiro de 1987, o saldo da balança foi de apenas US$ 129 milhões, o pior desde 1983. Desse modo, não havia como fazer frente ao pagamento dos juros – que tinham consumido US$ 55,8 bilhões em cinco anos, desde o acordo com o FMI. Assim, em 12 de junho de 1987, o presidente Sarney lançou seu terceiro plano econômico, o Plano Bresser, com choque cambial e tarifário e congelamento de preços, salários e aluguéis. O objetivo era aumentar as exportações e, assim, auferir receitas em dólar, após a moratória de janeiro. A meta também era o controle do déficit público, o que mais uma vez não ocorreu. Em 16 de janeiro de 1989, Sarney lançou sua última tentativa de equilibrar a economia e combater a inflação com o Plano Verão, com mais um congelamento e uma nova troca de moeda e corte de zeros. O Cruzado dá lugar ao cruzado nNovo numa relação de 1 mil cruzados para 1 cruzado novo. O plano tentou eliminar a correção monetária por meio da extinção das Obrigações do Tesouro Nacional (OTN). Mas, aos poucos, os preços foram descongelados e a inflação atingiu 1.972% ao final de 1989, ano da primeira eleição direta para presidente. “O fracasso dos planos heterodoxos dos anos 1980 está relacionado à restrição do acesso a recursos externos em função da crise da dívida. Com o Plano Collor, o Brasil entra na globalização financeira e passa a ter acesso a recursos internacionais. Os planos anteriores não tiveram essa âncora de estabilização que ocorrerá mais tarde com o Plano Real, com o dólar funcionando como âncora cambial”, analisa Márcio Pochmann, professor titular de economia da Unicamp. RUMOS As mercadorias voltaram a faltar e surgiu o mecanismo de ágio, em que as pessoas pagavam um valor a mais por fora do congelamento de preços. Em março de 1990, a inflação mensal chegou a 82,39%, medida pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor (IPCA). O presidente Collor de Melo – que vencera o metalúrgico Luiz Inácio Lula da Silva no segundo turno das primeiras eleições presidenciais diretas – lança, em 16 de março, o Plano Collor, surpreendendo o país com o confisco da poupança, das contas correntes e dos ativos financeiros. A moeda voltou a se chamar cruzeiro, porém sem cortes de zeros. De caráter ortodoxo, a ideia do plano era promover um enxugamento brusco da liquidez. Com a população e as empresas sem recursos para consumir e investir, a atividade econômica seria reduzida. Os preços foram congelados e os salários passaram a ser corrigidos com base na inflação, não mais do passado, mas na previsão do mês seguinte. “Em vez do congelamento, Collor provocou uma recessão brutal, enxugando a liquidez. A demanda caiu e a inflação reduziu de 80% para 40%. Mas as empresas alegaram que, como não estavam vendendo, não havia como pagar salários. E o governo liberou recursos para o pagamento de salários”, lembra Gonçalves. Ações na Justiça começaram a liberar os recursos confiscados e a inflação voltou. Em 31 de janeiro de 1991, o presidente lança o Plano Collor II, com novo congelamento de preços, contenção salarial e tentativa de incentivar a produção. Surgem as denúncias de corrupção e, sem apoio político, 33 EM 40 ANOS, desindustrialização e estagnação Acervo/EBC Collor não consegue implementar o plano e renuncia em 29 de dezembro de 1992, em meio ao processo de impeachment, que, apesar da renúncia, não consegue evitar. Com o afastamento de Collor, o vice-presidente Itamar Franco assumiu o cargo maior da nação em 1993, ano em que a inflação brasileira atingiu seu maior patamar (2.477%). Após trocar três vezes de ministro da Fazenda, Itamar convidou Fernando Henrique Cardoso (FHC) para ocupar o cargo. Fernando Henrique Cardoso fez um discurso dizendo que era sociólogo da Universidade de São Paulo (USP) e não entendia nada de finanças públicas, Banco Central e Ministério da Fazenda. Mas montou uma equipe formada pelos economistas Pérsio Arida, Edmar Bacha, André Lara Resende, Gustavo Franco, Pedro Malan para criar o Plano Real, que finalmente promoveu o controle inflacionário e o equilíbrio fiscal. Antes, em 1993, FHC resolveu fazer, pela primeira vez, o orçamento do setor público consolidado. O objetivo era saber o tamanho do rombo para então estabilizar a economia. Ao contrário dos demais planos anteriores, de caráter heterodoxo (à exceção do Plano Collor), o Plano Real uniu conceitos heterodoxos (combate à inflação inercial) e ortodoxos (ajuste fiscal e política monetária restritiva). O plano se alicerçou em três fundamentos: ajuste fiscal, desindexação da economia e política monetária restritiva. Em seu aspecto heterodoxo, o Plano Real criou na sua primeira fase, em março de 1994, a Unidade Referencial de Valor (URV), um indexador diário e oficial, que existia paralelamente ao padrão monetário oficial, o cruzeiro real (CR$), e que correspondia à variação dos preços dos bens e serviços. 34 Com o Plano Real, o Brasil passou a atrair recursos não para investimentos na produção e sim para auferir altos ganhos em função das elevadas taxas de juros. Isso tornou o país prisioneiro das taxas de juros elevadas, que, se não existirem, não se atraem recursos e não se fecha o Balanço de Pagamentos. E, com isso, surgiriam novas crises. “Dos anos 1990 para cá, são mais de 20 anos em que o país tem as mais altas taxas de juros, que significam moeda nacional valorizada, dificultando as exportações e facilitando importações. Isso transformou a indústria em uma operação comercial”, diz Pochmann. Ele observa que o capitalismo brasileiro a partir do terceiro bloco de investimento de 40 anos atrás, no governo Geisel, convive com ciclos de consumo que apontam para uma tendência de estagnação do desenvolvimento econômico. De 1980 a 2015, a renda per capita foi de 0,8% ao ano e o Produto Interno Bruto (PIB) médio de 2,1% ao ano. Nos períodos de blocos de investimentos como de 1945 a 1980, o PIB cresceu em média 5,8% ao ano. “O produto da estagnação econômica é o esvaziamento da indústria brasileira. No II PND, em 1976, a indústria representava um terço do PIB. Hoje, 40 anos depois, não chega a 10%. Um país que tinha o capital industrial motor do seu crescimento econômico, apequenou-se e esse vácuo foi ocupado por uma dominância financeira. Dos anos 1930 a 1970, os capitais comercial e financeiro eram subordinados à dominância do capital industrial. Hoje todos os capitais estão subordinados à dominância financeira”, analisa Pochmann. Ele explica que esse quadro está associado à arquitetura do PND de Geisel, que recupera os mecanismos do rentismo à lógica do capital internacional. O financiamento aos investimentos não foi feito com a conversão dos bancos nacionais ao financiamento de médio e longo prazos, mas sim com o capital internacional. “Quando ocorre a crise da dívida, de 1981 a 1983, o governo aceita o acordo com o FMI para tirar o foco do mercado interno e se voltar para as exportações a fim de pagar a dívida. Havia 15 mil empresas exportadoras num universo de 3 milhões de empresas. Sem oportunidade de crescer no mercado interno, há uma queda na taxa de lucro da maior parte das empresas, que passa a compensá-la com ganhos financeiros e arrocho salarial”, explica Pochmann, apontando algumas das razões da desindustrialização. Para José Eduardo Cassiolato, professor de economia do Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), do ponto de vista da estrutura econômica, o Brasil é um país que resolveu não avançar no processo de industrialização até o final da Segunda Guerra Mundial. Ele afirma que a Revolu- JANEIRO | FEVEREIRO 2016 ção Industrial passou ao largo do país e havia apenas algumas indústrias de bens de consumo não duráveis. No pós-guerra, nos anos de 1950, a indústria se expandiu com bens de consumo duráveis e, nos anos 1970, Geisel avançou com os setores de química e construção pesada e metal mecânica, entre outros setores que geraram uma capacidade de engenharia. “No final dos anos 1970, o Brasil tinha um parque industrial complexo e a participação da indústria no PIB era de cerca de 40%. Foi nesse momento que o mundo estava entrando na 2ª revolução tecnológica, com a informática e países de industrialização tardia, como a Coreia, puderam dar um salto, introduzindo na sua estrutura produtiva a revolução da microeletrônica”, analisa Cassiolato. Ele fixa como marco o ano de 1981 com o lançamento do IBM PC com Windows, o primeiro computador de mesa. A partir de então, as indústrias que conseguiram se transformar o fizeram usando Tecnologias da Informação e Comunicação (TICs).O Brasil criou a Reserva de Mercado para a informática que, na sua avaliação, teve alguns equívocos, como se limitar aos microcomputadores. A partir de 1984, a política de informática passou a sofrer ataques. “Era uma política de substituição de importações na área de microinformática. Em telecomunicações havia o Centro de Pesquisa e Desenvolvimento em Telecomunicações (CPqD), criado em 1976 como parte da política de desenvolvimento do setor, em que o Estado usava seu poder de compra. Com a abertura de Collor e a liberalização de FHC, essas políticas foram extintas. A infraestrutura de uma empresa como a Embratel nos EUA até hoje é públi- RUMOS ca. No Brasil, optou-se pela Houve disponibilização privatização e a empresa foi de inúmeras vagas de adquirida por uma compaensino superior com a nhia americana. Houve um criação de universidades e processo de desnacionalização e a produção industrial escolas técnicas públicas. A economia cresceu caiu”, lamenta Cassiolato. Ele observa que no Brasil e mudou-se a matriz não há uma burguesia in- econômica. dustrial, a não ser aquela subordinada ao capital estrangeiro. Para ele, um dos problemas desse quadro é não poder internalizar a 3ª revolução tecnológica. Ele se recente do fato de o país não contar com uma política industrial, alegando que as que foram adotadas têm sido fracas, baseadas apenas em incentivos e crédito e não distinguem empresas nacionais das multinacionais. Após a vitória de Lula em 2002, o mundo assistiu ao boom da China, com um processo de revolução produtiva profunda, tornando-se o motor da economia global. Cassiolato destaca que o Brasil foi capaz de pegar o bonde da China, aproveitando o crescimento das commodities e do mercado interno com a grande transformação promovida pelo governo Lula em termos de melhoria de renda da população pobre. Cerca de 40 milhões de pessoas engrossaram o mercado de consumo. Houve disponibilização de inúmeras vagas de ensino superior com a criação de universidades e escolas técnicas públicas. A economia cresceu e mudou-se a matriz econômica. O país foi capaz de saltar a crise econômica de 2008 com o apoio do crédito do BNDES, num momento em que o mundo inteiro restringiu o crédito. “Só que, após este período, tivemos uma série de decisões equivocadas de política industrial de incentivo ao automóvel. O crescimento por meio de política de estímulo ao consumo começou a dar errado por causa de uma leitura equivocada, no início do governo Dilma, de que a crise estava acabando. Mas a crise se aprofundou em 2012 na Europa, atingindo Espanha, Irlanda, Grécia. E inclusive nos EUA ainda há crise. E a China, que crescia 13%, caiu para um crescimento de 7%”, analisa. No plano internacional o mundo tem convivido com baixas taxas de crescimento e o comércio global tem caído para taxas negativas. Para Cassiolato, as medidas adotadas em 2011 e 2012 foram muito fracas, tendo em vista as fragilidades da nossa estrutura produtiva. Ele observa que as políticas industriais foram extintas no governo FHC. Até meados dos anos 1990 o país tinha a segunda maior indústria naval do mundo, que foi dizimada no final dos anos 1990, com FHC. O presidente Lula tentou recuperar a indústria naval, mas o processo não é simples ,pois a indústria não se atualizou. Mas ele considera que há potencial na indústria que floresce fora dos grandes centros econômicos do Sudeste. 35 Evolução da força de trabalho - 1992-2014 6 no ano seguinte a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) para conter os gastos Pessoas Pessoas dos governos. Em paralelo, o governo Pessoas Economicamente Taxa de Ano Desocupadas Ocupadas (PO) Ativas - PEA (PO desocupação adotou medidas como o aumento da (PD) + PD) taxa de juros para restringir a atividade 65.152.614 4.556.801 69.709.415 6,5 1992 econômica e segurar a inflação. 66.304.454 4.378.984 70.683.438 6,2 1993 Com recessão e taxa de desempre69.438.576 4.502.434 73.941.010 6,1 1995 go média de 10%, FHC não conseguiu 67.920.787 5.076.190 72.996.977 7,0 1996 fazer seu sucessor, perdendo a eleição 69.331.507 5.881.776 75.213.283 7,8 1997 em 2002 para Lula. Após três derrotas 69.963.113 6.922.619 76.885.732 9,0 1998 seguidas, Lula se elegeu presidente, 73.345.531 7.830.218 81.175.749 9,6 1999 vencendo o economista José Serra, 76.936.438 7.949.826 84.886.264 9,4 2001 candidato oficial, duas vezes ministro 79.708.522 8.041.301 87.749.823 9,2 2002 de FHC e uma das principais lideran80.775.414 8.709.298 89.484.712 9,7 2003 ças do PSDB. A iminência de sua vitó85.245.933 8.317.854 93.563.787 8,9 2004 ria chegou a assustar os mercados e o 87.695.271 8.986.775 96.682.046 9,3 2005 dólar disparou. Mas, em sua gestão, 89.636.973 8.222.820 97.859.793 8,4 2006 Lula manteve o tripé macroeconômi90.854.655 8.044.520 98.899.175 8,1 co baseado em metas de inflação, me2007 tas fiscais e câmbio flutuante. 93.420.362 7.165.931 100.586.293 7,1 2008 “Lula aprofundou as políticas 93.783.537 8.497.336 102.280.873 8,3 2009 sociais. Convidou Armínio Fraga 94.763.220 6.822.433 101.585.653 6,7 2011 para o Banco Central, que recusou, 96.100.290 6.362.771 102.463.061 6,2 2012 e acabou indicando Henrique Mei96.659.379 6.742.085 103.401.464 6,5 2013 reles, então deputado pelo PSDB. O 99.447.612 7.376.798 106.824.410 6,9 2014 partido ficou sem condições de fazer Fonte: Banco Multidimensional de Estatísticas (BME) do IBGE oposição porque Lula encampou as Condição de ocupação, semana de referência: Ocupado políticas econômicas do PSDB. O Nota: Seleção por expressão conjuntiva presidente aproveitou ainda a década de ouro e fez um sucesso diabólico, deixando a presidência com mais Assim, os preços transformados em URVs eram estáveis, crian- de 60% de aprovação popular”, ressalta Gonçalves. Lula também conseguiu fazer de Dilma Rousseff sua sucessora. do uma história não inflacionária. Em 1º de julho de 1994, a URV ganha paridade e é substi- Mas, na avaliação do economista da FGV, o seu perfil é de mituída pelo real, a nova moeda, estável até os dias de hoje. O litante, sem grande capacidade de articulação política. Pochmann, da Unicamp, observa que o governo Dilma alinhamento de preços evitou o movimento de recomposição de perdas e derrubou a inflação já no primeiro mês de adoção continuou as políticas anticíclicas implementadas por Lula da URV. FHC se elege em primeiro turno presidente do país a partir de 2008 com objetivo de encurtar a crise. Estaem 1994. Com o sucesso do Plano Real, conquista um segundo beleceram uma política semelhante a uma ponte que liga mandato em 1998, vencendo novamente Luís Inácio Lula da uma margem a outra a fim de facilitar a recuperação, com Silva. Um ano depois, a economia deu sinais do esgotamento o Estado gastando mais do que arrecada. A ideia era de, na recuperação, passar a arrecadar mais do que gastar. “A dos instrumentos do real. Em 1998, veio a crise da Rússia devido à transição acelerada e aposta é de que estaríamos numa crise pequena. Ocorre que malsucedida de uma economia planificada para uma economia o outro lado da ponte não chegou até agora e ainda não se de mercado, em meio ao colapso político da União Soviética. Essa encontrou a saída de uma crise que já dura oito anos”, diz crise afetou o Brasil. Um dos problemas do Plano Real foi o fato Pochmann. Ele observa que, numa tentativa de sustentar a de se alicerçar numa âncora cambial. A isso somaram-se dese- taxa de lucro do setor privado, usamos demais as políticas quilíbrios fiscais. Houve uma valorização cambial acompanhada anticíclicas e o uso generalizado de desonerações fiscais. de juros elevados, que acabaram levando à maxidesvalorização Para o economista, faltaram reformas, mas só se fazem redo real no 1999. Foi então criado o regime de meta de inflação e formas com maioria política. 36 JANEIRO | FEVEREIRO 2016