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Noel Joaquim Faiad
REPORTAGEM
30
JANEIRO | FEVEREIRO 2016
Um país em
amadurecimento
Nos últimos 40 anos, em que a Rumos acompanhou os principais processos políticos e econômicos
do Brasil, o país caminhou por águas turvas, viveu grandes crises, mas também celebrou importantes
conquistas – de crescimentos improváveis à estabilização da moeda, culminando com a redução da
pobreza experimentada no período recente. POR CARMEN NERY
O Brasil passou por profundas transformações na política, na
economia e na sociedade desde a criação da Revista Rumos em
1976. Após o período de ditadura militar, com um pouco mais
de três décadas do regime democrático iniciado em 1985 – o
mais longo de toda sua história –, o país experimentou uma
nova e avançada Constituição, vivenciou a reorganização institucional e o ressurgimento dos movimentos sociais, sindicais
e da sociedade civil organizada. Em 2016, ano em que a revista
completa 40 anos, o Brasil vive um novo momento de impasse
com a ameaça de impeachment da presidente Dilma Rousseff
e o crescimento da intolerância política de um país dividido.
Não se pode esquecer que 1976 foi um ano emblemático
na política e na economia brasileiras. Em janeiro, morria nos
porões do Destacamento de Operações Internas – Centro de
Operações de Defesa Interna (DOI-CODI), em São Paulo, o
operário Manoel Fialho Filho, 84 dias após a morte do jornalista Vladimir Herzog, em outubro de 1975, no Destacamento
de Operação de Informações – Centro de Operações de Defesa Interna (DOPS/SP). Os dois episódios forçaram o início da
distensão do regime. O presidente da época, general Ernesto
Geisel, demitiu seu ministro do Exército, o general Sylvio Frota, e o comandante do 2º Exército, Ednardo D´Ávilla Mello. As
duas demissões aceleraram o processo de distensão política
“lenta e gradual” que o presidente iria colocar em prática.
Na economia, o governo Geisel, com seu II Plano Nacional
de Desenvolvimento, também chamado II PND, realizava o
terceiro e último grande bloco de investimentos do país – o primeiro ocorreu na era Vargas e o segundo com o Plano de Metas de Jucelino Kubitschek. Isso que fez com que tivéssemos
percorrido os últimos 40 anos – décadas de 1980, 1990, 2000
e 2010 – apenas com ciclos de consumo, como pontua Márcio Pochmann, economista e professor titular da Unicamp,
ex-presidente do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada
(Ipea) e atual presidente da Fundação Perseu Abramo.
Nos anos 1980, a “década perdida”, e 1990, a “década gaRUMOS
nha”, foram conduzidas diversas tentativas de estabilização da economia com os primeiros planos
heterodoxos – Cruzado, Bresser, Verão, Collor e,
finalmente, o Plano Real, que misturou conceitos
heterodoxos e ortodoxos –, após 20 anos de controle ortodoxo da economia pelos governos militares.
“Em 40 anos prescindindo de um novo bloco
de investimentos, houve apenas tentativas, pós-governos militares, de se retomar forte expansão
econômica”, diz Pochmann. Ele observa que no
Plano Cruzado a ideia era estabilizar a economia
para viabilizar um novo bloco de investimentos, o
que acabou não ocorrendo devido ao fracasso do
plano. No segundo governo de Fernando Henrique
Cardoso (FHC), enfrentando recessão, desemprego e com o fim do câmbio fixo, em 1999, é criado o
Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio como a grande oportunidade de se ter um
plano de investimentos.
“Mas desentendimentos entre os ministérios da
Fazenda e do Desenvolvimento fizeram fracassar a
perspectiva desenvolvimentista. Depois, uma nova
tentativa ocorreu no Governo Lula, com o Plano
de Aceleração do Crescimento (PAC), por meio
de investimentos públicos e privados e do capital
estrangeiro com a retomada dos investimentos da
Petrobras e da Eletrobrás. Mas o movimento foi
travado pela crise financeira de 2008, que transformou a quarta tentativa de criação de um novo
bloco de investimentos em uma política anticíclica”, analisa Pochmann.
A RAIZ DAS CRISES ECONÔMICAS
Embora tenha representado o último bloco de
investimentos, o II PND de Geisel era um pro31
grama financiado pelo endividamento
externo. Com os choques do petróleo, o
país viu a dívida externa crescer, gerando, no início dos anos 1980, a chamada
Crise da Dívida, conhecida como a mãe
de todas as crises. O primeiro choque do
petróleo ocorreu em 1973, quando a Organização dos Países Exportadores de
Petróleo (Opep), cartel dos produtores,
aumentou os preços internacionais. Em
valores atualizados, o preço foi de US$
14,30 o barril, em 1973, para US$ 47,50,
no ano seguinte. Isso não impediu Geisel de continuar importando petróleo e
conduzindo os investimentos.
“O Brasil importava petróleo a um
custo caríssimo e o país não quis promover racionamento. Seria necessário
contrair a atividade interna, mas para
não haver recessão, Geisel fez mais dívida para importar petróleo”, analisa
Antônio Carlos Porto Gonçalves, professor da Escola Brasileira de Economia
e Finanças da Fundação Getulio Vargas
(EPGE/FGV). Até que veio a segunda
crise de oferta do petróleo em 1978, com
a revolução islâmica no Irã. A cotação,
que em 1978 estava em US$ 77,70 o barril, pulou para US$ 103,60 em 1980.
“A crise da dívida se agravou ainda
mais com a decisão dos EUA de elevar
os juros para 18% ao ano para controlar
sua economia”, acrescenta Gonçalves.
O crédito farto e barato dos anos 1970
havia estimulado o endividamento dos
países latino-americanos, como Brasil
e México, gerando grandes investimentos e crescimento econômico acelerado,
que, no caso do Brasil, ficou conhecido
como Milagre Econômico. O país cresceu, em média, 8,7% nos anos 1970, chegando a atingir índices de 14%, em 1973,
e 10,3% em 1976.
Apesar do grande crescimento econômico experimentado pelo México,
no final da década de 1970, a sua economia ainda era altamente dependente da
economia norte-americana. O país foi
duramente atingido pela elevação dos
juros nos Estados Unidos da América
(EUA) para combater a inflação provo32
cada pelas crises do petróleo, que gerou
a primeira recessão do pós-guerra na
economia norte-americana. Afetado
pela redução das encomendas dos EUA,
diminuição do crédito e queda nos preços das commodities, o México decretou
a moratória em 13 de agosto de 1982.
Os juros internacionais haviam subido
de uma média anual de 7,5% em 1977
para 20,18% em 1980.
A moratória do México contaminou
todos os países endividados do Terceiro Mundo, na América Latina, Norte
da África e Leste Europeu. No Brasil,
a elevação do serviço da dívida com o
aumento dos juros e a queda das exportações gerou uma crise de liquidez,
levando o país a recorrer, em fevereiro
de 1983, ao Fundo Monetário Internacional (FMI), que impôs como condição
a liberalização da economia e o controle
do déficit público. Por meio de acordo
com os bancos credores foi efetuada a
rolagem da dívida. Era o fim do clico de
crescimento vigoroso e o início do que
ficou conhecida como a década perdida
envolta em sucessivas crises.
“Havia muita instabilidade política
pelo fato de o país estar trocando um
governo militar por governos civis. Os
anos 1980 foram a pior década, chegando ao final com inflação de 80% ao
mês”, resume Gonçalves. Chegou-se a
este cenário porque a crise da dívida
gerou o aumento do déficit público e
a escalada inflacionária. Surgiram os
planos econômicos que procuraram
estabilizar a economia. Em 28 de fevereiro de 1986, o presidente Sarney –
primeiro presidente civil eleito após o
fim da ditadura militar, ainda de forma
indireta no Colégio Eleitoral – lançou
o Plano Cruzado. O plano consistia no
congelamento dos preços e na troca da
moeda de Cruzeiro para Cruzado com
o corte de três zeros – 1 mil Cruzeiros
equivaliam a um cruzado. Primeiro
plano heterodoxo, após o ciclo militar, tinha como lógica intrínseca que
a inflação era inercial: os preços eram
reajustados para recompor a inflação
JANEIRO | FEVEREIRO 2016
passada. O Plano Cruzado tentou eliminar a inflação inercial via congelamento, mas ao mirar apenas na memória inflacionária do país,
descuidou do outro componente da inflação, o excesso de demanda.
Sem redução dos gastos públicos, a demanda cresceu e o consumo explodiu. Com o congelamento dos preços, Sarney estimulou a população a
fiscalizar os preços, no que ficou conhecido como os “fiscais do Sarney”.
Mas logo passou a faltar mercadorias e Sarney chegou a decretar o confisco do gado no pasto.
“O problema é que o presidente Sarney não controlou o déficit público
e não havia mais recursos para financiar o déficit”, diz Gonçalves. Assim,
em 22 de novembro de 1986, foram efetuados ajustes no plano com o lançamento do Plano Cruzado II. O objetivo era controlar o consumo, o déficit público e, por tabela, a inflação, via aumento de tarifas e de impostos.
Foi criado o chamado “gatilho salarial”: cada vez que a inflação superasse
20% em um determinado período, os trabalhadores teriam a garantia do
reajuste automático no mesmo valor, processo que se tornou frequente.
As mercadorias voltaram a faltar e surgiu o mecanismo de ágio, em que
as pessoas pagavam um valor a mais por fora do congelamento de preços.
“O governo então desfez o Plano Cruzado, a inflação voltou com mais
força ainda e o congelamento acabou”, lembra o professor da FGV. Sem
condições de arcar com os compromissos da dívida externa, o país decretou, em 20 de fevereiro de 1987, a suspensão, por tempo indeterminado, do pagamento dos juros da dívida – o principal já não era pago
havia vários anos. A moratória foi considerada inevitável pelo então
ministro da Fazenda Dilson Funaro, após o fracasso dos Plano Cruzado
I e II, que fizeram os superávits comerciais minguarem. Em janeiro de
1987, o saldo da balança foi de apenas US$ 129 milhões, o pior desde
1983. Desse modo, não havia como fazer frente ao pagamento dos juros – que tinham consumido US$ 55,8 bilhões em cinco anos, desde o
acordo com o FMI.
Assim, em 12 de junho de 1987, o presidente Sarney lançou seu terceiro plano econômico, o Plano Bresser, com choque cambial e tarifário
e congelamento de preços, salários e aluguéis. O objetivo era aumentar
as exportações e, assim, auferir receitas em dólar, após a moratória de
janeiro. A meta também era o controle do déficit público, o que mais uma
vez não ocorreu.
Em 16 de janeiro de 1989, Sarney lançou sua última tentativa de equilibrar a economia e combater a inflação com o Plano Verão, com mais um
congelamento e uma nova troca de moeda e corte de zeros. O Cruzado dá
lugar ao cruzado nNovo numa relação de 1 mil cruzados para 1 cruzado
novo. O plano tentou eliminar a correção monetária por meio da extinção
das Obrigações do Tesouro Nacional (OTN). Mas, aos poucos, os preços
foram descongelados e a inflação atingiu 1.972% ao final de 1989, ano da
primeira eleição direta para presidente.
“O fracasso dos planos heterodoxos dos anos 1980 está relacionado
à restrição do acesso a recursos externos em função da crise da dívida.
Com o Plano Collor, o Brasil entra na globalização financeira e passa a ter
acesso a recursos internacionais. Os planos anteriores não tiveram essa
âncora de estabilização que ocorrerá mais tarde com o Plano Real, com
o dólar funcionando como âncora cambial”, analisa Márcio Pochmann,
professor titular de economia da Unicamp.
RUMOS
As mercadorias voltaram a
faltar e surgiu o mecanismo
de ágio, em que as pessoas
pagavam um valor a mais
por fora do congelamento
de preços.
Em março de 1990, a inflação mensal chegou a
82,39%, medida pelo Índice Nacional de Preços ao
Consumidor (IPCA). O presidente Collor de Melo
– que vencera o metalúrgico Luiz Inácio Lula da
Silva no segundo turno das primeiras eleições
presidenciais diretas – lança, em 16 de março, o
Plano Collor, surpreendendo o país com o confisco da poupança, das contas correntes e dos ativos
financeiros. A moeda voltou a se chamar cruzeiro,
porém sem cortes de zeros.
De caráter ortodoxo, a ideia do plano era promover um enxugamento brusco da liquidez. Com a população e as empresas sem recursos para consumir
e investir, a atividade econômica seria reduzida. Os
preços foram congelados e os salários passaram a
ser corrigidos com base na inflação, não mais do
passado, mas na previsão do mês seguinte.
“Em vez do congelamento, Collor provocou
uma recessão brutal, enxugando a liquidez. A demanda caiu e a inflação reduziu de 80% para 40%.
Mas as empresas alegaram que, como não estavam
vendendo, não havia como pagar salários. E o governo liberou recursos para o pagamento de salários”, lembra Gonçalves.
Ações na Justiça começaram a liberar os recursos confiscados e a inflação voltou. Em 31 de janeiro de 1991, o presidente lança o Plano Collor II,
com novo congelamento de preços, contenção salarial e tentativa de incentivar a produção. Surgem
as denúncias de corrupção e, sem apoio político,
33
EM 40 ANOS,
desindustrialização e estagnação
Acervo/EBC
Collor não consegue implementar o plano e renuncia em
29 de dezembro de 1992, em meio ao processo de impeachment, que, apesar da renúncia, não consegue evitar.
Com o afastamento de Collor, o vice-presidente Itamar Franco assumiu o cargo maior da nação em 1993,
ano em que a inflação brasileira atingiu seu maior patamar (2.477%). Após trocar três vezes de ministro da
Fazenda, Itamar convidou Fernando Henrique Cardoso (FHC) para ocupar o cargo. Fernando Henrique
Cardoso fez um discurso dizendo que era sociólogo da
Universidade de São Paulo (USP) e não entendia nada
de finanças públicas, Banco Central e Ministério da
Fazenda. Mas montou uma equipe formada pelos economistas Pérsio Arida, Edmar Bacha, André Lara Resende, Gustavo Franco, Pedro Malan para criar o Plano
Real, que finalmente promoveu o controle inflacionário e o equilíbrio fiscal. Antes, em 1993, FHC resolveu
fazer, pela primeira vez, o orçamento do setor público
consolidado. O objetivo era saber o tamanho do rombo
para então estabilizar a economia.
Ao contrário dos demais planos anteriores, de caráter heterodoxo (à exceção do Plano Collor), o Plano
Real uniu conceitos heterodoxos (combate à inflação
inercial) e ortodoxos (ajuste fiscal e política monetária
restritiva). O plano se alicerçou em três fundamentos: ajuste fiscal, desindexação da economia e política monetária restritiva. Em seu aspecto heterodoxo,
o Plano Real criou na sua primeira fase, em março de
1994, a Unidade Referencial de Valor (URV), um indexador diário e oficial, que existia paralelamente ao
padrão monetário oficial, o cruzeiro real (CR$), e que
correspondia à variação dos preços dos bens e serviços.
34
Com o Plano Real, o Brasil passou a atrair recursos não para
investimentos na produção e sim para auferir altos ganhos em
função das elevadas taxas de juros. Isso tornou o país prisioneiro das taxas de juros elevadas, que, se não existirem, não se
atraem recursos e não se fecha o Balanço de Pagamentos. E, com
isso, surgiriam novas crises.
“Dos anos 1990 para cá, são mais de 20 anos em que o país
tem as mais altas taxas de juros, que significam moeda nacional valorizada, dificultando as exportações e facilitando importações. Isso transformou a indústria em uma operação comercial”, diz Pochmann.
Ele observa que o capitalismo brasileiro a partir do terceiro
bloco de investimento de 40 anos atrás, no governo Geisel, convive com ciclos de consumo que apontam para uma tendência de estagnação do desenvolvimento econômico. De 1980 a 2015, a renda
per capita foi de 0,8% ao ano e o Produto Interno Bruto (PIB) médio de 2,1% ao ano. Nos períodos de blocos de investimentos como
de 1945 a 1980, o PIB cresceu em média 5,8% ao ano.
“O produto da estagnação econômica é o esvaziamento da indústria brasileira. No II PND, em 1976, a indústria representava
um terço do PIB. Hoje, 40 anos depois, não chega a 10%. Um país
que tinha o capital industrial motor do seu crescimento econômico, apequenou-se e esse vácuo foi ocupado por uma dominância
financeira. Dos anos 1930 a 1970, os capitais comercial e financeiro eram subordinados à dominância do capital industrial. Hoje
todos os capitais estão subordinados à dominância financeira”,
analisa Pochmann.
Ele explica que esse quadro está associado à arquitetura do
PND de Geisel, que recupera os mecanismos do rentismo à lógica
do capital internacional. O financiamento aos investimentos não
foi feito com a conversão dos bancos nacionais ao financiamento
de médio e longo prazos, mas sim com o capital internacional.
“Quando ocorre a crise da dívida, de 1981 a 1983, o governo
aceita o acordo com o FMI para tirar o foco do mercado interno e
se voltar para as exportações a fim de pagar a dívida. Havia 15 mil
empresas exportadoras num universo de 3 milhões de empresas.
Sem oportunidade de crescer no mercado interno, há uma queda
na taxa de lucro da maior parte das empresas, que passa a compensá-la com ganhos financeiros e arrocho salarial”, explica Pochmann, apontando algumas das razões da desindustrialização.
Para José Eduardo Cassiolato, professor de economia do Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro
(UFRJ), do ponto de vista da estrutura econômica, o Brasil é um
país que resolveu não avançar no processo de industrialização
até o final da Segunda Guerra Mundial. Ele afirma que a Revolu-
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ção Industrial passou ao largo do país
e havia apenas algumas indústrias de
bens de consumo não duráveis. No pós-guerra, nos anos de 1950, a indústria
se expandiu com bens de consumo duráveis e, nos anos 1970, Geisel avançou
com os setores de química e construção
pesada e metal mecânica, entre outros
setores que geraram uma capacidade
de engenharia.
“No final dos anos 1970, o Brasil tinha um parque industrial complexo e
a participação da indústria no PIB era
de cerca de 40%. Foi nesse momento
que o mundo estava entrando na 2ª revolução tecnológica, com a informática e países de industrialização tardia,
como a Coreia, puderam dar um salto,
introduzindo na sua estrutura produtiva a revolução da microeletrônica”,
analisa Cassiolato.
Ele fixa como marco o ano de 1981
com o lançamento do IBM PC com
Windows, o primeiro computador de
mesa. A partir de então, as indústrias
que conseguiram se transformar o fizeram usando Tecnologias da Informação
e Comunicação (TICs).O Brasil criou a
Reserva de Mercado para a informática
que, na sua avaliação, teve alguns equívocos, como se limitar aos microcomputadores. A partir de 1984, a política de
informática passou a sofrer ataques.
“Era uma política de substituição
de importações na área de microinformática. Em telecomunicações havia o
Centro de Pesquisa e Desenvolvimento
em Telecomunicações (CPqD), criado
em 1976 como parte da política de desenvolvimento do setor, em que o Estado usava seu poder de compra. Com
a abertura de Collor e a liberalização
de FHC, essas políticas foram extintas.
A infraestrutura de uma empresa como
a Embratel nos EUA até hoje é públi-
RUMOS
ca. No Brasil, optou-se pela Houve disponibilização
privatização e a empresa foi de inúmeras vagas de
adquirida por uma compaensino superior com a
nhia americana. Houve um
criação de universidades e
processo de desnacionalização e a produção industrial escolas técnicas públicas.
A economia cresceu
caiu”, lamenta Cassiolato.
Ele observa que no Brasil e mudou-se a matriz
não há uma burguesia in- econômica.
dustrial, a não ser aquela subordinada ao capital estrangeiro. Para ele, um dos problemas desse quadro é não poder internalizar a
3ª revolução tecnológica. Ele se recente do fato de o país não contar com
uma política industrial, alegando que as que foram adotadas têm sido fracas, baseadas apenas em incentivos e crédito e não distinguem empresas
nacionais das multinacionais. Após a vitória de Lula em 2002, o mundo assistiu ao boom da China, com um processo de revolução produtiva profunda, tornando-se o motor da economia global.
Cassiolato destaca que o Brasil foi capaz de pegar o bonde da China,
aproveitando o crescimento das commodities e do mercado interno com a
grande transformação promovida pelo governo Lula em termos de melhoria de renda da população pobre. Cerca de 40 milhões de pessoas engrossaram o mercado de consumo. Houve disponibilização de inúmeras vagas de
ensino superior com a criação de universidades e escolas técnicas públicas.
A economia cresceu e mudou-se a matriz econômica. O país foi capaz de
saltar a crise econômica de 2008 com o apoio do crédito do BNDES, num
momento em que o mundo inteiro restringiu o crédito.
“Só que, após este período, tivemos uma série de decisões equivocadas
de política industrial de incentivo ao automóvel. O crescimento por meio
de política de estímulo ao consumo começou a dar errado por causa de
uma leitura equivocada, no início do governo Dilma, de que a crise estava
acabando. Mas a crise se aprofundou em 2012 na Europa, atingindo Espanha, Irlanda, Grécia. E inclusive nos EUA ainda há crise. E a China, que
crescia 13%, caiu para um crescimento de 7%”, analisa.
No plano internacional o mundo tem convivido com baixas taxas de
crescimento e o comércio global tem caído para taxas negativas. Para
Cassiolato, as medidas adotadas em 2011 e 2012 foram muito fracas,
tendo em vista as fragilidades da nossa estrutura produtiva.
Ele observa que as políticas industriais foram extintas no governo
FHC. Até meados dos anos 1990 o país tinha a segunda maior indústria
naval do mundo, que foi dizimada no final dos anos 1990, com FHC. O
presidente Lula tentou recuperar a indústria naval, mas o processo
não é simples ,pois a indústria não se atualizou. Mas ele considera que
há potencial na indústria que floresce fora dos grandes centros econômicos do Sudeste.
35
Evolução da força de trabalho - 1992-2014
6
no ano seguinte a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) para conter os gastos
Pessoas
Pessoas
dos governos. Em paralelo, o governo
Pessoas
Economicamente
Taxa de
Ano
Desocupadas
Ocupadas (PO)
Ativas - PEA (PO
desocupação
adotou medidas como o aumento da
(PD)
+ PD)
taxa de juros para restringir a atividade
65.152.614
4.556.801
69.709.415
6,5
1992
econômica e segurar a inflação.
66.304.454
4.378.984
70.683.438
6,2
1993
Com recessão e taxa de desempre69.438.576
4.502.434
73.941.010
6,1
1995
go média de 10%, FHC não conseguiu
67.920.787
5.076.190
72.996.977
7,0
1996
fazer seu sucessor, perdendo a eleição
69.331.507
5.881.776
75.213.283
7,8
1997
em 2002 para Lula. Após três derrotas
69.963.113
6.922.619
76.885.732
9,0
1998
seguidas, Lula se elegeu presidente,
73.345.531
7.830.218
81.175.749
9,6
1999
vencendo o economista José Serra,
76.936.438
7.949.826
84.886.264
9,4
2001
candidato oficial, duas vezes ministro
79.708.522
8.041.301
87.749.823
9,2
2002
de FHC e uma das principais lideran80.775.414
8.709.298
89.484.712
9,7
2003
ças do PSDB. A iminência de sua vitó85.245.933
8.317.854
93.563.787
8,9
2004
ria chegou a assustar os mercados e o
87.695.271
8.986.775
96.682.046
9,3
2005
dólar disparou. Mas, em sua gestão,
89.636.973
8.222.820
97.859.793
8,4
2006
Lula manteve o tripé macroeconômi90.854.655
8.044.520
98.899.175
8,1
co baseado em metas de inflação, me2007
tas fiscais e câmbio flutuante.
93.420.362
7.165.931
100.586.293
7,1
2008
“Lula aprofundou as políticas
93.783.537
8.497.336
102.280.873
8,3
2009
sociais. Convidou Armínio Fraga
94.763.220
6.822.433
101.585.653
6,7
2011
para o Banco Central, que recusou,
96.100.290
6.362.771
102.463.061
6,2
2012
e acabou indicando Henrique Mei96.659.379
6.742.085
103.401.464
6,5
2013
reles, então deputado pelo PSDB. O
99.447.612
7.376.798
106.824.410
6,9
2014
partido ficou sem condições de fazer
Fonte: Banco Multidimensional de Estatísticas (BME) do IBGE
oposição porque Lula encampou as
Condição de ocupação, semana de referência: Ocupado
políticas econômicas do PSDB. O
Nota: Seleção por expressão conjuntiva
presidente aproveitou ainda a década de ouro e fez um sucesso diabólico, deixando a presidência com mais
Assim, os preços transformados em URVs eram estáveis, crian- de 60% de aprovação popular”, ressalta Gonçalves. Lula
também conseguiu fazer de Dilma Rousseff sua sucessora.
do uma história não inflacionária.
Em 1º de julho de 1994, a URV ganha paridade e é substi- Mas, na avaliação do economista da FGV, o seu perfil é de mituída pelo real, a nova moeda, estável até os dias de hoje. O litante, sem grande capacidade de articulação política.
Pochmann, da Unicamp, observa que o governo Dilma
alinhamento de preços evitou o movimento de recomposição
de perdas e derrubou a inflação já no primeiro mês de adoção continuou as políticas anticíclicas implementadas por Lula
da URV. FHC se elege em primeiro turno presidente do país a partir de 2008 com objetivo de encurtar a crise. Estaem 1994. Com o sucesso do Plano Real, conquista um segundo beleceram uma política semelhante a uma ponte que liga
mandato em 1998, vencendo novamente Luís Inácio Lula da uma margem a outra a fim de facilitar a recuperação, com
Silva. Um ano depois, a economia deu sinais do esgotamento o Estado gastando mais do que arrecada. A ideia era de,
na recuperação, passar a arrecadar mais do que gastar. “A
dos instrumentos do real.
Em 1998, veio a crise da Rússia devido à transição acelerada e aposta é de que estaríamos numa crise pequena. Ocorre que
malsucedida de uma economia planificada para uma economia o outro lado da ponte não chegou até agora e ainda não se
de mercado, em meio ao colapso político da União Soviética. Essa encontrou a saída de uma crise que já dura oito anos”, diz
crise afetou o Brasil. Um dos problemas do Plano Real foi o fato Pochmann. Ele observa que, numa tentativa de sustentar a
de se alicerçar numa âncora cambial. A isso somaram-se dese- taxa de lucro do setor privado, usamos demais as políticas
quilíbrios fiscais. Houve uma valorização cambial acompanhada anticíclicas e o uso generalizado de desonerações fiscais.
de juros elevados, que acabaram levando à maxidesvalorização Para o economista, faltaram reformas, mas só se fazem redo real no 1999. Foi então criado o regime de meta de inflação e formas com maioria política.
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