Artigo de Revisão Beta-bloqueadores na hipertensão arterial: está encerrada a controvérsia? Dr. Augusto Dê Marco Martins Título de Especialista em Cardiologia pela Sociedade Brasileira de Cardiologia e Associação Médica Brasileira Ex-Presidente da Sociedade Brasileira de Cardiologia-DF Ex-Presidente da Sociedade Brasileira de Cardiologia-Centro-Oeste Ex-Diretor de Relações Governamentais da Sociedade Brasileira de Cardiologia Ex-Chefe da Unidade de Cardiologia do Hospital de Base-DF Ex-Coordenador de Cardiologia da Secretaria de Estado da Saúde-DF Médico Cardiologista da Biocárdios Betabloqueadores (BB) têm longa história de sucesso no manejo de afecções cardiovasculares, incluindo o manejo sintomático da angina de peito, o controle de arritmias associadas à ansiedade, a prevenção secundária de cardiopatia isquêmica e a redução da mortalidade de pacientes com insuficiência cardíaca. Seu principal uso, no entanto, decorrente da frequência de pacientes acometidos, sempre foi a hipertensão arterial. A despeito de ainda permanecerem como opções de primeira linha em diretrizes nacionais e internacionais, essa indicação tem sido objeto de intensa controvérsia em anos recentes. Aqui há um primeiro ponto a esclarecer nessa controvérsia, que corresponde ao fato de se falar em sua menor eficácia somente nos anos recentes, desconhecendo-se já ser fato sobejamente conhecido, em pacientes idosos, desde o ano de 1992. Nesse ano foram publicados os resultados do Medical Research Council Trial(1,2) com pacientes idosos, o único entre os estudos mais antigos a comparar, de forma aleatória e duplocega, diurético e betabloqueador, em separado, com placebo. Esse estudo, com adequado poder estatístico e cuidado metodológico, incluindo exclusivamente pacientes idosos com hipertensão diastólica como critério de ingresso, demonstrou que atenolol, o betabloqueador utilizado, não foi superior ao placebo na prevenção de diversos desfechos cardiovasculares, como acidente vascular encefálico (AVE), doença arterial coronariana (DAC), eventos cardiovasculares e mortalidade total (MT). Recentes meta-análises(3) tem mostrado que os BB não apresentam benefícios em objetivos de mortalidade por todas as causas e infarto do miocárdio (IM) quando comparados com placebo, tanto em idosos quanto em coortes de pacientes jovens. Quando as análises são feitas em “pool” ficam demonstrados que os BB reduzem o risco de AVE em taxas que variam de 16 a 22% quando comparados com placebo. Entretanto, esta redução é considerada sub-ótima quando comparada à redução de 38% obtida com o mesmo grau de redução de pressão arterial (PA), observada com outros agentes anti-hipertensivos. Inegavelmente, os BB reduzem a PA quando comparados com placebo; entretanto, comparados com outros agentes antihipertensivos, sua eficácia é bastante questionada. No Estudo STOP-1(4,5) o controle da PA no grupo em uso de BB foi exatamente a metade, quando comparado com o grupo tratado com diurético (21% vs 43%). Uma criteriosa análise de dez estudos, envolvendo 16.164 pacientes hipertensos alocados para o uso de BB ou diuréticos, utilizados em monoterapia, a hipertensão foi controlada em 66% dos pacientes do grupo que fez uso dos diuréticos e em 28% dos pacientes do grupo que usou BB(6). Uma metanálise de Lindholm e colaboradores(7) demonstrou de forma bastante consistente o “efeito diluição” desses estudos quando se comparam os BB a placebo. A comparação direta entre os BB e o placebo resultou numa redução de 19% na incidência de AVE; entretanto, quando uma análise de sensibilidade foi utilizada separando os estudos que usaram uma associação de diuréticos e BB versus placebo, o grupo de pacientes usando medicação associada subitamente tornou-se muito mais eficaz, com uma redução de risco de AVE de número 03 - março de 2011 11 Arco - Arquivos Centro-Oeste de Cardiologia 45%. Portanto parece claro que a maioria dos efeitos benéficos/não prejudiciais desses estudos, é resultado do emprego dos diuréticos e, por isso esses resultados não podem ser usados como evidência para sugerir efeitos superiores e consistentes dos BB. Em 1997, Psaty e colaboradores(8) já diziam textualmente: “a interpretação possível desses resultados aponta para a exclusão de atenolol do manejo de hipertensos idosos”. Em análise dos estudos mais antigos, separando grupos pelo fármaco inicialmente empregado como primeira linha, Psaty e associados demonstraram que somente diuréticos em baixas doses tinham sido capazes de prevenir igualmente eventos cerebrovasculares e cardíacos, sendo betabloqueadores praticamente ineficazes para a prevenção de AVE. O Estudo MRC(1,2-9) demonstrou que para cada IM ou AVE prevenido, três pacientes tratados com atenolol retiraram-se do estudo em função de impotência sexual e sete em função de fadiga. Para uma doença assintomática, como a hipertensão moderada, por exemplo, a taxa de risco/ benefício não é aceitável. Todas as diretrizes atuais (brasileiras e internacionais) para o tratamento da HA recomendam perda de peso e/ou uma conduta de se evitar o uso de medicamentos que potencialmente possam levar a um aumento de peso em pacientes hipertensos obesos. O uso de BB está associado a um pequeno, mas sistemático aumento de peso. Em pequenos estudos de hipertensão(10) que avaliaram o status do peso corporal, o uso dos BB resultou num ganho de peso de cerca de 1,2 kg. Este ganho de peso secundário ao uso dos BB tem sido atribuí- 12 número 03 - março de 2011 do a efeitos na diminuição de atividade metabólica e outros efeitos no metabolismo energético. Comparado com outros pacientes que mantém o mesmo peso ou perdem peso no decorrer de seu tratamento anti-hipertensivo, os pacientes que ganham peso tem duas a três vezes maior risco de desenvolver diabetes mellitus (DM)(10-11). Interessante observar que no Estudo GEMINI (Glycemic Effects in Diabetes Mellitus CarvedilolMetoprolol Comparison in Hypertensives)(12), o tratamento de pacientes diabéticos com metoprolol resultou num significativo aumento de peso, enquanto o tratamento com carvedilol não, atestando uma vez mais, que de fato, os BB não são todos iguais. Logo, o benefício do emprego de determinados beta-bloqueadores em pacientes obesos ou pacientes com risco de desenvolveram diabetes é, portanto questionável. Os critérios atuais utilizados para uma tomada de uma decisão terapêutica na hipertensão arterial baseiam-se na estratificação do risco cardiovascular e não apenas nos níveis da PA. Assim, a utilização de terapêutica que contemple mais do que a simples queda numérica da PA é obrigatória. Logo, entre os objetivos do tratamento farmacológico da HAS, a utilização de fármacos que atuem ou na regressão ou na prevenção da progressão da hipertrofia ventricular esquerda (HVE) é de importância indiscutível. Sabidamente a HVE é um importante preditor de morbi-mortalidade cardiovascular(13) e sua regressão diminui este risco, independente do efeito na queda da PA. Logo, em pacientes com HAS, medicações que atuam na regressão da HVE são desejáveis. Quando se comparam em pa- cientes hipertensos, aqueles sem qualquer evidência de HVE, com outros pacientes com evidências limítrofes e outros ainda com HVE estabelecida, a incidência média anual de insuficiência cardíaca congestiva (ICC), acidente vascular cerebral isquêmico (AVCi) e IM, é importantemente maior naqueles com padrão de HVE estabelecida, diminuindo significativamente naqueles com padrões de HVE limítrofe com reduções drásticas naqueles sem qualquer evidência de HVE(13). Da mesma forma que a presença da HVE é consistentemente considerada como um fator de risco (FR) independente na população hipertensa, estudos têm demonstrado de forma evidente, que a intervenção sobre a HVE se traduz em benefícios para os pacientes hipertensos. Assim, naqueles pacientes em que se consegue ou reverter ou impedir que a HVE persista ou progrida, há uma nítida diminuição de eventos CV, quando comparada àqueles em que a HVE se estabelece ou persiste(13). Numa metanálise de 109 estudos em pacientes hipertensos(14), comparando várias estratégias anti-hipertensivas com vistas à redução da HVE, a terapia com BB foi a que menos regressão mostrou, quando comparada aos inibidores da enzima conversora (IECA), bloqueadores dos canais de cálcio (BCC) e diuréticos. Diferentemente dos IECA, os BB não diminuem o conteúdo de colágeno do miocárdio e por isso não são eficazes na regressão da HVE. O benefício do uso de determinados beta-bloqueadores em pacientes com hipertrofia ventricular esquerda é, portanto, questionável. Além da estratificação do ris- Arco - Arquivos Centro-Oeste de Cardiologia co cardiovascular, também como preceito básico da abordagem medicamentosa do paciente hipertenso, a decisão terapêutica deve basear-se nos efeitos que esta estratégia possa exercer sobre a síndrome metabólica. Ao classificar as famílias de anti-hipertensivos de acordo com a sua chance de desenvolver uma maior ou menor tolerância à glicose, nos vemos frente ao seguinte quadro: os BB mostram o pior perfil, diminuindo importantemente a sensibilidade à insulina, tendo os diuréticos efeitos muito próximos; os alfa-bloqueadores apresentam o melhor perfil metabólico, aumentando a sensibilidade insulínica, mas como todos sabemos têm uma indicação médica bastante restrita. Os antagonistas dos canais de cálcio têm efeito nulo e os IECA e os BRA melhoram sensivelmente a resistência insulínica. Na verdade, a busca da escolha do agente anti-hipertensivo é antiga e desde 1960, os efeitos metabólicos dos BB têm sido largamente estudados e questionados. Em estudos e observações mais antigas, já haviam evidências consistentes demonstrando que o número de pacientes diabéticos e intolerantes à glicose era sempre maior no grupo dos pacientes em tratamento para HAS – que na época eram sistematicamente feitos com betabloqueadores e diuréticos(15-16). Num interessante estudo, publicado por Verdecchia e colaboradores em 2004(17), numa avaliação de 795 pacientes hipertensos não complicados e inicialmente não tratados, ficou demonstrado que a taxa de eventos cardiovasculares por 100/pacientes ano durante o tratamento, foi três vezes maior nos pacientes que desenvolveram diabetes durante o tratamento quando comparados aos pacientes não diabéticos, com comportamento idêntico ao observado nos pacientes que já eram portadores de DM no início do tratamento, demonstrando de forma inequívoca, uma vez mais, o negativo efeito metabólico dessas medicações. Cabe ressaltar uma vez mais, que no Estudo GEMINI (Glycemic Effects in Diabetes Mellitus Carvedilol-Metoprolol Comparison in Hypertensives) (12) , o tratamento de pacientes diabéticos com metoprolol resultou num aumento da hemoglobina glicada (HbA1c) enquanto o tratamento com carvedilol não, atestando uma vez mais que de fato, os BB não são todos iguais. Logo, o benefício do uso de betabloqueadores em pacientes com risco de diabetes (idade avançada, história familiar de diabetes, intolerância à glicose, obesidade, síndrome metabólica), é também muito questionável. 1. Outro aspecto peculiar se refere às diretrizes conjuntas do American College of Cardiology (ACC) e da American Heart Association (AHA) de 2007 (Guidelines on Perioperative Cardiovascular Evaluation and Care for Noncardiac Surgery)(18), que recomendam o emprego dos BB, que devem ser iniciados antes de cirurgias eletivas não cardíacas – particularmente naqueles pacientes de alto risco cardiovascular – com uma titulação de dosagem baseada no parâmetro de que a frequência cardíaca (FC) fique entre 50 e 60 bpm. Publicado em 2007, o Estudo POISE(19) randomizou 8.351 pacientes com 45 anos ou mais que estavam se submetendo a cirurgias não cardíacas eletivas, portadores ou com risco de doença aterosclerótica. Todos tinham história de DAC, doença arterial vascular periférica (DAVP), AVE ou ICC nos últimos 3 anos e/ou tinham sido submetidos a grandes cirurgias vasculares ou ainda que tivessem pelo menos três dos seguintes fatores de risco: história prévia de IC, história prévia de DM, história prévia de insuficiência renal (IR), história prévia de acidente isquêmico transitório (AIT), idade > de 70 anos, ter sido submetido a cirurgia de alto risco e/ou ter sido submetido a cirurgia em caráter de urgência ou emergêncial. Os pacientes foram recrutados em 193 centros de 23 países e randomizados para: metoprolol CR ou placebo. Seu uso devia ser de 2-4 horas, no pré-operatório e continuado até 30 dias, obedecidos os seguintes parâmetros: 100mg no pré-operatório, 100mg após 6 horas, 200 mg após 12 horas e 200mg/dia até completar 30 dias. Os objetivos primários foram: composto de morte cardiovascular, infarto do miocárdio não fatal, e parada cardiorrespiratória (PCR) não fatal, até 30 dias após a randomização. Os objetivos secundários foram: mortalidade total, morte CV, IM, necessidade de cirurgia de revascularização miocárdica (CRM), quadro de fibrilação atrial (FA), bradicardia, hipotensão significante e AVE. Concluiu-se que, em pacientes que estão sendo submetidos a cirurgias eletivas não cardíacas – mesmo naqueles de alto risco – embora o emprego do BB (metoprolol CR) reduza o risco de IM, sua utilização aumenta ao mesmo tempo, o risco de AVE incapacitante e a mortalidade por todas as causas. O Estudo POISE demonstrou que para cada 1.000 pacientes tratados, o metoprolol CR, neste contexto, pode prevenir quinze (15) IM, mas pode causar um excesso de oito (8) mortes e cinnúmero 03 - março de 2011 13 Arco - Arquivos Centro-Oeste de CardiologiaEntrevista co (5) severos e incapacitantes quadros de AVE. Segundo os autores, hipotensão e bradicardia, mais frequentes no grupo que recebeu metoprolol, teriam sido responsáveis pela maior ocorrência de complicações, em especial AVC(19). Importante ressaltar que as conclusões do POISE não foram compartilhadas por muitos investigadores, o que contribuiu para que esse estudo não representasse a palavra final sobre o uso de betabloqueadores no peri-operatório de cirurgias não cardíacas. Alguns autores – numa análise crítica – apontaram problemas com relação à escolha da dose de metoprolol adotada pelo estudo POISE: 100 mg na primeira dose, atingindo 200 mg por dia; ou seja, 50% da dose máxima permitida para esse medicamento. Segundo um editorial, essa dose é muito mais alta do que a utilizada em estudos anteriores, o que poderia explicar a ocorrência elevada de hipotensão e bradicardia(20). Numa metanálise bastante interessante e pertinente, publicada em 2008(21), avaliou-se através da análise de doze (12) estudos randomizados e controlados, envolvendo 112.177 pacientes, a eficácia dos BB na prevenção da progressão para a IC, comparando-o aos IECA, BRA, BCC e diuréticos. Os resultados demonstraram com bastante consistência que comparados aos outros clássicos anti-hipertensivos, os BB além de não demonstrarem qualquer incremento em resultados de mortalidade por todas as causas, mortalidade CV e IM, aumentaram o risco de AVE em torno de 19% na população idosa. Os autores concluíram, advertindo que os BB só devem ser usados na prevenção primária da 14 número 03 - março de 2011 IC, em condições bem definidas, como pacientes já acometidos de infarto. Já está razoavelmente estabelecido que a frequência cardíaca em repouso representa um fator de risco para a morbi-mortalidade cardiovascular na população geral e em pacientes com doenças cardíacas. Pacientes acometidos de IC, anginosos ou já infartados experimentam efeito cardioprotetor dos BB, que entre outras ações, é atribuído à queda da frequência cardíaca. Numa meta-análise recente(22,23,24), os autores avaliaram o papel da redução farmacológica da FC usando os BB, na prevenção de eventos cardiovasculares em pacientes com HAS. Para esta metanálise foram compilados dados do MEDLINE, EMBASE, e dados centrais de estudos clínicos randomizados publicados entre 1966 e maio de 2008. Para inclusão na análise, os estudos tinham que contemplar comparações entre BB com outros agentes, inclusive placebo, como medicação anti-hipertensiva de primeira linha, com um seguimento mínimo de 1 ano e avaliação dos resultados cardiovasculares e da frequência cardíaca. Vinte e dois estudos foram elegíveis dos quais nove tinham dados relativos à frequência cardíaca. Os BBs avaliados foram atenolol, oxprenolol, metoprolol, pindolol e propranolol. A média da queda pressórica no grupo BB caiu de 166/100 mmHg para 144/86 mmHg e a queda do grupo comparativo (com os outros agentes anti-hipertensivos) foi de 167/100 mmHg para 145/87 mmHg (ns). Como era de se esperar, houve uma significativa redução da frequência cardíaca (12%) observada no grupo em uso de BB comparada com uma não significativa queda (1%) no grupo dos outros agentes anti-hipertensivos. Observou-se um aumento na mortalidade por todas as causas (r = -0.51; p < .0001), mortalidade cardiovascular (r = -0.61; p < .0001), infarto do miocárdio (r = -0.85; p < .0001), acidente vascular encefálico (r = -0.20; p = .06) e IC (r = -0.64; p < .0001). Os autores concluíram que os pacientes com HAS, que se encontram bradicárdicos em função de terapia beta-bloqueadora têm maior risco de eventos CV e morte. Os achados foram absolutamente inesperados e contrastam com aqueles observados em pacientes com infarto do miocárdio ou insuficiência cardíaca, nos quais o efeito cardioprotetor dos BB é exatamente atribuído à queda da frequência cardíaca. Um aspecto particularmente interessante foi que a comparação da diferença da frequência cardíaca entre os dois grupos de tratamento no final do estudo, para avaliação de redução relativa de risco para eventos cardiovasculares, indicou que quanto mais efetivo foi o BB para a redução da FC, maior foi o risco de eventos. Os autores sugeriram que estes achados podem ser parcialmente explicados por um aumento na pressão aórtica central e/ou aumento na pressão de pulso em função da queda farmacológica da FC. Lembram que no Estudo CAFE (Conduit Artery Function Evaluation)(25) houve uma importante ascensão da pressão arterial sistólica (PAS) aórtica e na pressão de pulso, naqueles pacientes submetidos à terapia com atenolol quando comparados com aqueles submetidos a terapia com amlodipina, para uma mesma pressão sanguínea periférica, com aumento de risco para eventos coronários e AVE. Arco - Arquivos Centro-Oeste de Cardiologia No editorial que acompanha o artigo, Norman M. Kaplan, MD (University of Texas Southwestern Medical Center, Dallas)(26) descreve o estudo de Bangalore e colaboradores, como outra evidência “post-mortem” da falha dos BB, referindo que a alta mortalidade associada com a queda da FC tem sido observada também com outras drogas que induzem bradicardia. Num outro importante e atual estudo, ALLHAT (27), que inclusive serviu de norteamento para o VII JOINT(28), ficou solidamente reconhecida, após quatro anos de seguimento, a ineficácia dos betabloqueadores como primeira opção no tratamento da hipertensão não complicada, não os incluindo como fármaco comparativo com novas opções. Outras diferenças acentuadas em favor desse estudo foram sua grande amostragem (qualquer grupo comparativo era maior do que o total de outros estudos) e o real desenho randomizado e duplo-cego. A superioridade de clortalidona sobre lisinopril e anlodipino ficou evidente para diversos desfechos, incluindo até a prevenção de doença renal terminal em pacientes com diabetes e filtração glomerular entre 60 e 90 ml/minuto na linha de base. A mais recente diretriz brasileira para o tratamento da HAS(29) inclui os BB como terapêutica de primeira linha, junto a todas as outras classes de anti-hipertensivos. As Diretrizes da Sociedade Européia de Cardiologia e Sociedade Européia de Hipertensão, embora também recomendem a escolha de uma das cinco classes de anti-hipertensivos como terapia inicial, fazem uma ressalva importante, quando especificam que os BB, especificamente em combinação com diuréticos tiazídicos, não de- vem ser utilizados em pacientes com síndrome metabólica ou alto risco de desenvolvimento de diabetes(30). Já as Diretrizes Britânicas(31) se mostraram mais severas e definem mais claramente as questões: em pacientes hipertensos acima de 55 anos de idade ou pacientes da raça negra de qualquer idade, a terapia de escolha inicial deverá ser bloqueadores dos canais de cálcio (BCA) ou diurético tiazídico (DT). Em pacientes hipertensos acima de 55 anos de idade, a primeira escolha de tratamento anti-hipertensivo deve ser o IECA; se a terapia anti-hipertensiva teve início com bloqueadores dos canais de cálcio ou diurético tiazídico e uma segunda droga é requerida, um IECA deve ser adicionado; se a terapia inicial foi com IECA um BCA ou diurético tiazídico deve ser adicionado. Se houver a necessidade do uso de três drogas anti-hipertensivas, a combinação IECA, bloqueadores dos canais de cálcio e diurético tiazídico deve ser preferida. Se uma quarta droga é requerida, sugere-se antes: aumentar a dose do diurético tiazídico, adicionar outro diurético, e só então, BB e/ou alfa bloqueador. Deixam claramente explicitados que os BB não são a terapia inicial indicada para a hipertensão arterial, mas podem ser considerados em pacientes jovens, mulheres em idade fértil, pacientes com evidência de atividade simpática elevada e os pacientes com intolerância aos IECA e aos BRA. Em pacientes cuja meta está atingida com um regime que inclui o BB, revisões periódicas devem ser feitas e não há a necessidade absoluta (grifo meu) de se trocar o BB. Sem dúvida, os beta-bloqueadores permanecem como agen- tes bastante eficazes para o tratamento da insuficiência cardíaca, angina do peito, certos tipos de arritmias, cardiomiopatia hipertrófica obstrutiva e pacientes com infarto do miocárdio prévio. Da mesma forma que se analisa o número necessário para tratar (NNT) para se estabelecer o custo-benefício de um procedimento, deve-se avaliar também o NNH (número necessário de pacientes tratados que possam determinar algum dano). Comparado com outros agentes anti-hipertensivos, o NNH dos BB, baseado na metanálise de Lindholm e colaboradores(7) é de 2.500 pacientes (ou seja, o tratamento de 2.500 pacientes com BB por um ano, resulta em 1 AVE). Entretanto, quando são analisados estudos em que os BB foram utilizados isoladamente, o número decresce para 909 pacientes por ano de tratamento (ou seja, o tratamento de 990 pacientes com BB por um ano, resulta em 1 AVE). Quando a análise se restringe ao atenolol o número decresce ainda mais para 714 pacientes e quando se analisa os pacientes idosos cai para 625 por ano de tratamento, ou seja, para cada 625 pacientes hipertensos tratados, esta abordagem terapêutica provoca um acidente vascular encefálico(7-32). Como existem nos EEUU aproximadamente 58 milhões de pacientes hipertensos, o emprego dos BB resultaria em 208 mil acidentes vasculares encefálicos desnecessários por ano. Desta forma, os BB quando usados em monoterapia para a hipertensão arterial, seu uso para esta indicação, violaria claramente o aforisma hipocrático do princípio do primum non nocere (antes de tudo, não prejudicar)(32). número 03 - março de 2011 15 Arco - Arquivos Centro-Oeste de Cardiologia Entretanto, é necessário claramente enfatizar que todos os estudos de resultados que não demonstraram benefícios consistentemente claros na hipertensão não complicada, foram conduzi- dos com tradicionais BB, como o atenolol e metoprolol. Se os novos agentes, com propriedades vasodilatadoras e/ou antioxidantes, como o nebivolol e o carvedilol, que parecem ter um perfil REFERÊNCIAS 1.MRC Working Party. Medical Research Council Trial of treatment of hypertension in older adults: BMJ 1992; 304:405–12. 2.Lever AF, Brennan PJ. Medical Research Council Trial of treatment in elderly hypertensives. Clin Exp Hypertens 1993; 15:941–52. 3.Bangalore S, Messerli FH, Kostis JB, Pepine CJ. 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