POSFÁCIO INTERESSANTÍSSIMO Neysa Campos – Médica e Especialista e Filosofia Clínica Reflexões sobre as relações possíveis entre a Filosofia da Mente e a Filosofia Clínica a partir da leitura do livro Filosofia da Mente e Psicoterapias de Monica Aiub. Já no prefácio, Aiub declara que seu interesse pelas questões da causação mental surgiu no consultório de filosofia clínica, observando casos em que as alterações mentais provocavam alterações orgânicas. Esta preocupação já se fazia presente também em seu livro “Sensorial e Abstrato” (2000) onde estudou as relações entre o corpo e a mente, entre o vivido e o pensando. O livro em questão aborda a filosofia acadêmica e a filosofia da mente. Apesar de não enfatizar a filosofia clínica, busca uma aproximação com esta, através do posfácio. Esta estrutura da obra oferece diferentes possibilidades de leitura, de acordo com os interesses e os objetivos do leitor, possibilitando certa reflexão. Com intuito de aprofundar nas questões referentes às relações entre filosofia clínica e filosofia da mente, julgo necessário o estudo direcionado ao posfácio desta obra por ter conteúdo instigante do meu ponto de vista. Fica claro neste estudo que Aiub busca uma aproximação entre filosofia clínica e filosofia da mente, através do conceito de plasticidade proposto por Packter e o emergentismo proposto por Mario Bunge. Para Bunge “o ser humano é um organismo que possui plasticidade e que pode modificar sua composição, organização e em conseqüência modificar algumas de suas funções. Portanto, uma pessoa modifica-se constantemente no decorrer de sua vida, modifica o ambiente a sua volta e é modificado por ele. No materialismo emergentista proposto por Bunge, as funções mentais emergem do físico, mas não se limitam a ele. Sua proposta apresenta uma dupla emergência: propriedades mentais emergem de um sistema nervoso central; elas não são encontradas em sua base física, mas surgem durante o processo evolutivo. Seu surgimento pode retroagir sobre o físico, provocando nele novas modificações. Em filosofia clínica, novos tópicos e submodos, que não eram encontrados na forma de ser inicial, surgem no decorrer da existência da pessoa e passa a ser parte constituinte dela, podendo provocar outros movimentos existenciais.” Aiub prossegue as colocações bungeanas buscando estabelecer as relações possíveis entre filosofia clínica e filosofia da mente. “Os organismos vivos são para Bunge um sistema formado por três elementos fundamentais: composição entorno e estrutura. O entorno se refere às coisas que não compõem o sistema, mas atuam sobre seus componentes ou são influenciados por ele. A estrutura é o conjunto de relações entre os componentes ou entre estes e o entorno. O comportamento é gerado pelo organismo em sua totalidade, ou por algum subsistema constituído dele. A mente é um subsistema formado por uma coleção de funções do sistema. Como um subconjunto dos estados cerebrais, os estados mentais são um conjunto de estados possíveis ao organismo.Eles não possuem locais fixos, são sistemas itinerantes de neurônios formados para cada ocasião em especial. Segundo Aiub, se estabelecêssemos uma comparação entre os elementos propostos por Bunge e o instrumental da filosofia clínica, encontraríamos como característica comum a plasticidade humana, na leitura autogênica de seus três eixos: exames categoriais, estrutura de pensamento e submodos. Conforme observa Aiub o que Bunge coloca como entorno corresponde ao que observamos nos exames categoriais e a composição Bungeana poderia estar relacionada à estrutura de pensamento em filosofia clínica. “O objetivo da clínica corresponderia a ativar o que Bunge denomina como sendo a função do cérebro: conhecer a si mesmo e ao mundo ao seu redor situar-se para encontrar as melhores possibilidades para lidar com as questões que surgem. Assim, como para Bunge o mesmo processo mental pode servir a diferentes sistemas, em diferentes contextos, os mesmos conjuntos de tópicos da estrutura de pensamento e dos submodos podem servir a diferentes formas de ser em situações diversas, ou diferentes categorias.” Ainda sob o prisma de Aiub quando Bunge descreve os estados mentais, ele dissolve as distinções entre o físico e o mental considerando tal distinção irrelevante. Ora, como sabemos, na filosofia clínica não há um único tópico que se aplique apenas a estados mentais ou apenas estados físicos, mas é possível encontrar tanto os estados mentais quanto os físicos, em cada um dos tópicos, categorias e submodos. Aiub destaca que a plasticidade é para Bunge a capacidade do sistema nervoso central de modificar sua composição ou sua organização estrutural modificando, assim algumas de suas funções e que o estabelecimento ou reforço de conexões sinápticas a partir desse processo é o que ele denomina aprendizagem, ou seja, é o exercício da plasticidade. Aiub observa que em seus cadernos de Filosofia Clínica Packter afirma que a filosofia clínica encontra-se no âmbito pedagógico, referindo-se a esta como exercício de plasticidade que nos é natural para encontrarmos formas de vida mais adequadas às nossas necessidades e às exigências do ambiente. Se para Bunge as desordens mentais são desordens neuronais e podem ter origem sistêmica, ou seja, causadas por uma relação com o ambiente ou por uma movimentação interna, é possível, conforme coloca Aiub, que um processo terapêutico resolva a questão, promovendo a aprendizagem dada à plasticidade do organismo. Se a alteração de um sistema ou de um elemento deste pode modificar um estado mental, esta modificação poderá provocar outras modificações no sistema, inclusive físicas. Assim, segundo Aiub, é possível explicar os motivos pelos quais uma psicoterapia pode trazer mudanças no comportamento, pode fazer com que a pessoa se sinta melhor ou pior e pode inclusive provocar modificações de ordem orgânica. Se o ser humano é um organismo plástico inserido em um contexto tanto as movimentações ocorridas em seu interior são refletidas em seu entorno, quanto o que ocorre a sua volta lhe afeta e movimenta. Desta forma, alterações internas e externas ocorrem em uma via de mão dupla, e são verificáveis, não apenas subjetivamente, mas, por vezes, de maneira pública explícita, manifestando-se em seus corpos, falas e ações. Bunge afirma que os animais capazes de plasticidade podem modificar seu processo e sistema valorativos, permitindo a deliberação, o direcionamento do comportamento, reforçando ou enfraquecendo as conexões neurais e com isso provocando alterações no organismo. Aiub considera que cada vez que a pessoa conta sua historicidade uma nova representação pode surgir e que o esclarecimento de um significado pela pessoa poderá, não somente para o filósofo, mas, também para si mesma esclarecer este significado, alterando sua representação sobre o fato ou questão. O processo clínico, ainda que com interferências mínimas, poderá provocar modificações significativas à pessoa, inclusive, em aspectos bioquímicos. Bunge diferencia a memória humana da dos computadores: “Não armazenamos dados, temos provavelmente, propensões a ativar certos circuitos neuronais e incluímos modificações importantes no passado, por isso não o revivemos fielmente.” De acordo com Aiub, estabelecemos com essas ativações maior ou menor força entre as conexões neurais de acordo com o uso e assim ao recordarmos nossas historias, diferentes vezes e de diversos modos, é possível reativar sistemas corporais, ativar mapas externos. Se essas recordações não são um relato idêntico ao vivido, mas uma ficção, uma criação, cada vez que as recontamos poderíamos, com esse processo, construir novos caminhos neurais. Isso, além de ordenar ideias e promover novos significados, poderia ter implicações orgânicas, originar elementos constitutivos de nosso organismo ou desenvolver novas funções, ainda não existentes nele. Prosseguindo em sua tese, Aiub explica que ao contar o que se passa a pessoa, muitas vezes constrói uma nova representação para o vivido e conseqüentemente encontra formas de lidar com o problema. Ao contar algo a outra pessoa é preciso tornar o relato minimamente organizado, para que o outro possa compreendê-lo e é nesse exercício que muitas vezes as idéias se organizam, estabelecendo novas conexões neurais, podendo levar a resolução da questão. Sob o prisma de Aiub quando o filósofo clínico, ainda na conversa inicial sobre o assunto imediato, pede o contexto da questão já é possível levar a pessoa a repensar as conexões que estabelece entre o que ocorre consigo e seu entorno. Se o problema residir neste âmbito consequentemente será detectado e dissolvido ou compreendido e administrado. Podem também ser estabelecidas novas conexões que implicarão em novo comportamento diante do entorno, gerando alterações e resolvendo o problema. Por seu método a Filosofia clínica ao coletar a historicidade da pessoa e fazer uso da divisão e ao solicitar que a mesma conte novamente sua historia é possível provocar novos percursos e promover o acesso a outros caminhos neuronais. Durante todo o processo, o filósofo clínico observa cuidadosamente os exames, categorias, estrutura de pensamento e submodos estudando o que se passa com a pessoa, como ela se constitui e como lida com suas questões visando compreender seus processos. Aiub chama atenção para o procedimento do enraizamento que busca a origem, a gênese das constituições tópicas do modo de ser da pessoa e que possibilita uma compreensão dos movimentos de plasticidade e aprendizagem para compreender como ocorrem, o que os provocam, o que eles geram na pessoa e ao seu entorno. Aiub observa, finalmente, que se necessário, o filósofo clínico irá construir um planejamento, visando provocar a pessoa a pensar, a descobrir ou a criar uma maneira de lidar com as questões utilizando os movimentos de plasticidade e aprendizagem habituais para que ela possa aprender e exercitar novas formas de vida, mais adequadas, segundo suas necessidades. Nas palavras finais do Posfácio diz Aiub: “O papel de provocador faz do filósofo clínico um elemento do entorno, promovendo a aprendizagem, levando a pessoa a movimentações em seu sistema, movimentações estas que poderão se manifestar de diferentes formas, sendo compreendidas como alterações mentais (organização de idéias, por exemplo) ou físicas (novos comportamentos, alterações no sistema imunológico, entre outros exemplos). Não importa se as alterações se manifestam em aspectos físicos ou mentais, importa que elas sejam compatíveis com as necessidades da pessoa. Como mostra Bunge, se considerarmos sua teoria viável, podemos afirmar que houve uma modificação no sistema, desenvolvendo-o no sentido de oferecer-lhe formas de vida mais adequadas à sua sobrevivência.” E conclui: “Estas foram algumas das correlações que estabeleci entre meu trabalho no consultório de Filosofia Clínica e a pesquisa sobre causação mental. Continuo a pesquisa, pois ela é inconclusiva, e há muitos outros aspectos que gostaria de apontar, mas isso será assunto para um próximo trabalho, já em desenvolvimento.”