O MOVIMENTO DE INTERNACIONALIZAÇÃO BANCÁRIA NOS

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Instituto de Economia
Universidade Estadual de Campinas
Monografia
O MOVIMENTO DE INTERNACIONALIZAÇÃO
BANCÁRIA NOS ANOS 70 E 90 NO BRASIL
Aluna: Ana Laura Drezza Ungaro
Prof.a Orientadora: Daniela Magalhães Prates -""
Campinas, dezembro de 1999 /
TCC/UNICAMP
Un3m
IE/553
Instituto de Economia
Universidade Estadual de Campinas
O MOVIMENTO DE INTERNACIONALIZAÇÃO
BANCÁRIA NOS ANOS 70 E 90 NO BRASIL
Aluna: Ana Laura Drezza Ungaro
Orientadora: Prof.a Daniela Magalhães Prates
Banca: Prof. Antônio Carlos Macedo e Silva
Monografia apresentada ao
Instituto de Economia da
Universidade Estadual de
Campinas como prérequisito para graduação
em Ciências Econômicas
Campinas, dezembro de 1999
2
RESUMO
Esta monografia descreve os processos de internacionalização ocorridos no Brasil nos
anos 70 e 90. O primeiro ocorreu num contexto internacional de excesso de liquidez nos
mercados financeiros internacionais e, ao mesmo tempo, uma política interna de
desenvolvimento econômico. O segundo está ocorrendo num contexto de globalização
financeira enquanto o governo brasileiro promove um reajuste no sistema financeiro nacional.
Tanto os fatores internos e externos descritos quanto os determinantes da concorrência
bancária nos dois períodos definem a diferença de enfoque das estratégias utilizadas pelos
bancos no movimento de internacionalização. Nos anos 70, o enfoque foi dado sobre a
estratégia de financiamento, já nos anos 90, foi sobre a estratégia de descentralização
bancária.
3
SUMÁRIO
Introdução ................................................................................................................................ 04
Capítulo 1: O contexto internacional.. .................................................................................. 05
O sistema de Bretton Woods .................................................................................................... OS
O Eurornercado ......................................................................................................................... 07
O sistema financeiro nos anos 80 e 90 ...................................................................................... 1O
O processo de globalização ................................................................................................. 1O
A dinâmica da concorrência bancária................................................................................. 13
O movimento de internacionalização bancária ......................................................................... 16
Razões da internacionalização ............................................................................................ 16
Estratégias de internacionalização ...................................................................................... I?
Capítulo 2: A década de 70 ..................................................................................................... 19
A reforma financeira 1964/65 e a estrutura bancária na década de 70 ..................................... 19
A política econômica da década de 70: desenvolvimento através de endividamento externo .. 23
A participação estrangeira no sistema fmanceiro brasileiro nacional ...................................... .27
Capítulo 3: A década de 90 ..................................................................................................... 36
A abertura externa do sistema financeiro brasileiro .................................................................. 36
Processos de ajuste e reestruturação do sistema financeiro ...................................................... 39
Bancos estrangeiros no Brasil. .................................................................................................. 42
Os bancos ingressantes ...................................................................................................... 43
Pontos positivos e negativos: um balanço ........................................................................ .45
Conclusão ................................................................................................................................ .48
Referências Bibliográficas ..................................................................................................... .51
4
INTRODUÇÃO
Atualmente a estrutura do sistema financeiro brasileiro tem passado por
transformações associadas à estabilização econômica, à privatização dos bancos públicos e ao
aumento da participação dos bancos estrangeiros no país. O país já havia passado por um
movimento de internacionalização do sistema financeiro na década de 70, que, no entanto,
ocorreu em condições diferentes tanto da economia mundial quanto da própria economia
brasileira. Naquele período, a economia internacional não apresentava um grau tão alto de
integração financeira e, além disso, a política econômica brasileira opta por não abrir o
mercado financeiro doméstico como hoje.
Nesta pesquisa foi enfocada a participação dos bancos estrangeiros no Brasil no
período após o Plano Real, seus determinantes e desdobramentos sobre a economia brasileira.
Além disso, o atual movimento de internacionalização bancária foi comparado com o
movimento ocorrido na década de 70. Desse modo, pode-se verificar as diferenças entre o
momento atual e o anterior.
Apesar de não enfocar esta discussão diretamente, o estudo foi norteado pela relação
existente entre o grau de participação estrangeira no sistema financeiro e a política de
desenvolvimento realizada pelo governo em cada um dos períodos estudados.
A pesquisa procurou mostrar que as diferenças existentes entre o processo de
internacionalização bancária nas décadas de 70 e 90 estão relacionadas com a política
econômica e de desenvolvimento praticada pelos governos em cada período e que a dinâmica
financeira internacional exerce influências tanto na política econômica interna do país,
determinando as decisões nacionais com relação a internacionalização bancária quanto o
próprio processo de internacionalização.
O tema é, por isso, de extrema relevância na atual conjuntura econômica brasileira.
Por último, vale destacar que o processo de internacionalização financeira atual demanda
pesquisas adicionais a respeito do tema em questão pois ainda há poucos trabalhos nesta área.
5
CAPÍTULO I: O CONTEXTO INTERNACIONAL
Este capítulo tem corno objetivo apresentar as características gerais da evolução do
sistema monetário e financeiro internacional e, particularmente da internacionalização
bancária a partir do Acordo de Bretton Woods, passando pelo surgimento e desenvolvimento
do Euromercado, sua evolução até chegar à globalização financeira dos dias de hoje. Será
feita também uma análise sucinta da dinâmica da concorrência bancária e dos impactos do
movimento de internacionalização sobre este tipo peculiar de concorrência. Assim será
montado
o
cenário
para que
se possa discutir propriamente os
processos
de
internacionalização bancária ocorridos no Brasil nas décadas de 70 e 90, objetivo central
desse estudo.
O capítulo está dividido da seguinte forma:
I) O Sistema de Bretton Woods
2) O Euromercado
3) O sistema financeiro nas décadas de 80 e 90
3.1) O processo de Globalização
3.2) A dinâmica da concorrência bancária
4) O movimento de internacionalização bancária
4.1) Razões da internacionalização
4.2) Estratégias de internacionalização
I) O Sistema de Bretton Woods
Após o fim da 2a Guerra Mundial, restaurou-se o sistema financeiro internacional sob
uma nova ordem, a do Acordo de Bretton Woods (1944). Nesse acordo criou-se o Fundo
Monetário Internacional (FMI) e o Banco Mundial. O FMI foi criado com os objetivos
principais de estabelecer um padrão ouro-dólar, aplicar um código de políticas e mecanismos
de ajuste das balanças de pagamentos e também criar um fundo financeiro de apoio aos
processos de ajuste. O Banco Mundial, por sua vez, teve primeiramente a função de financiar
a reconstrução das economias européias e, posteriormente, as ftmções de reconstrução deram
seu lugar àquelas mais associadas ao crescimento econômico dos países subdesenvolvidos de
desenvolvimento (Baer; Lichtensztejn, 1987). Outras instituições importantes que vigoraram
6
durante o período em que o Acordo de Bretton Woods foi vigente foram o GATT, que tinha
como função estabelecer as regras para o comércio de bens e serviços em nível internacional
objetivando a liberalização das relações comerciais e a "correção" dos possíveis
desequilíbrios nos Balanços de Pagamento dos países membros e os Bancos Regionais de
Desenvolvimento, que procuravam canalizar empréstimos de longo prazo para as nações
membros viabilizarem seu desenvolvimento.
Desse modo,
constituiu~se
a base sobre a qual foi erguido o sistema financeiro
internacional no pós-guerra, através do padrão ouro-dólar. O FMI fixava as paridades das
várias moedas com o dólar. "O ouro constituía ativo de reserva oficial e era também utilizado
para compensações de Balanço de Pagamentos. Assim, as moedas dos países membros se
expressavam em dólar ou em ouro, pois o dólar mantinha uma paridade fixa com o ouro. Em
suma, o valor das várias moedas nacionais traduzia-se no valor do ouro americano." (Pádua
Lima, 1985, p. 30).
O problema de liquidez internacional, devido à escassez de dólares no imediato pósguerra, o qual obstacularizava a reativação do comércio mundial e reconstrução dos países
europeus. Foi em parte resolvido pelo Plano Marshall
1
•
Ademais, houve um esforço de
integração econômica entre os países da Europa Ocidental que acabou intensificando o
comércio entre estes países e facilitando a recuperação de sua economia. Este processo de
integração econômica e monetária da Europa Ocidental permitiu que estes países se tomassem
mais independentes em relação aos EUA. O Japão também se recuperou através da
reorganização de seu capital nacional.
A partir dos anos 60, a hegemonia amencana passou a ser ameaçada devido à
recuperação das economias européias e japonesa. ''No começo dos anos 50, o Balanço de
Pagamentos americano passou a apresentar déficits constantes2 e a posição francamente
credora dos Estados Unidos sofreu reversão" (passou de credor a devedor mundial) (Pádua
Lima, 1985, p. 34). Na verdade, nos anos 50, o Balanço de Pagamentos americano é
deficitário devido ao Plano Marshall e às ajudas bilaterais, isto mais tarde irá desembocar no
problema da abundância de dólares e de perda de confiança nesta moeda do início dos anos
1
O Plano Marshall previa auxílio às nações européias, desde que houvesse, por parte desses países, o
compromisso de estabelecer formas de cooperação mútua. No período de 48 a 50 os EUA canalizaram cerca de
U$ 20 bilhões para a Europa OcidentaL
2
Déficit devido a gastos militares na Guerra da Coréia e aumento dos Investimentos Diretos das empresas
americanas no exterior.
7
60. Durante esta década também houve crescimento dos Investimentos Diretos americanos
principalmente dirigidos a Europa.
Esta saída de capitais pressionou o Balanço de Pagamentos americano fazendo com
que desde a primeira metade da década de 60 o governo adotasse medidas de contenção
desses fluxos de saída de capitais. Além das despesas governamentais e dos investimentos
diretos, outro fator que contribuía para o aumento dos déficits no Balanço de Pagamentos era
o enfraquecimento dos EUA no comércio internacional, tomando o Balanço Comercial
deficitário, e a guerra do Vietnã.
As moedas fortes (marco, iene, franco) tinham a tendência a se valorizar e os Bancos
Centrais destes países eram obrigados a comprar dólares na tentativa de minimizar esta
valorização. Também mantinham suas taxas de juros elevadas para controlar a liquidez de
suas economias.
Temos, assim, que o Padrão Monetário Internacional de Bretton Woods, apesar de
abalado desde o final da década de 50, vigorou durante toda a década de 60. Em agosto de
1971, os EUA declararam o fim da convertibilidade do dólar em ouro. Houve uma tentativa
de realinhar as taxas de dl.mbio das principais moedas com o Acordo Smithsoniano de
dezembro de 71, porém elas não se estabilizaram e no início de 1973 aconteceu uma nova
onda de especulação contra o dólar que resultou no fim do sistema de taxas de câmbio fixas.
"A causa imediata da morte do sistema de Bretton Woods foi a maciça especulação
contra o dólar, sem precedentes na história." (Moffitt, 1983, p. 75).
2) O Euromercado
''O Euromercado pode ser definido como um mercado financeiro intemacional3, cujo
prefixo euro advém do fato de ter-se iniciado e desenvolvido fundamentalmente na Europa.
Posteriormente, suas operações estendiam-se para outras partes do mundo, tendo-se mantido,
entretanto, a nomenclatura original." (Pádua Lima, 1985, p. 63). "Compõe-se de uma rede de
bancos privados que operam em diversos centros financeiros espalhados pelos continentes, e
3
Pode ser assim chamado pois comporta um mercado monetário e de capitais, com operações cujos prazos de
maturidade oscilam de 1 dia a 15 anos ou mais e envolvem vários tipos de ativos fmanceiros.
8
cumpre funções vitais para o avanço do processo de acumulação de capital." (Pádua Lima,
1985, p. 234).
Este novo mercado se estruturou no fim da década de 50. No início predominavam as
operações de curto prazo. Os principais fatores que possibilitaram o aparecimento e
desenvolvimento do Euromercado foram;
I) Depósitos em dólares dos países socialistas em bancos situados na Europa
durante a Guerra Fria;
2) Restrições monetárias na Inglaterra, decorrentes da crise da libra esterlina em
1957;
3) Acordo Monetário Europeu (restituiu a conversibilidade externa das principais
moedas européias em 1958);
4) Déjicits acumulados no BP americano;
5) Medidas restritivas sobre as operações do sistema bancário americano e controles
sobre os fluxos de IDE das empresas americanas, no decorrer da década de 60.
Este circuito financeiro transformou-se em mercado monetário para os próprios
bancos estrangeiros que se instalaram no Euromercado e significou a ampliação dos negócios
bancários para além dos mercados nacionais. Além disso, serviu de câmara de compensação
dos desequilíbrios dos Balanços de Pagamentos e como fonte de recursos para os países. A
partir da década de 70, os países subdesenvolvido, inclusive o Brasil, financiaram seus
investimentos através de empréstimos neste mercadomercado.
Este movimento de internacionalização financeira ocorrido nas década de 60 e 70 foi
estimulado pelo excedente de dólares gerados pelo déficit no Balanço de Pagamentos
americano e pelos superávits em transações correntes dos países exportadores de petróleo
(petrodólares). Este processo foi essencialmente bancário e possibilitado principalmente por
dois fatores: 1) desregulamentação das operações realizadas entre residentes e não-residentes
em direção aos centros internacionais off-shore e 2) instalação dos grandes bancos
internacionais nesses centros financeiros.
Portanto, o Euromercado teve papel importante como motivador do processo de
internacionalização bancária dos anos 70. Este mercado, baseado em moedas estrangeiras,
acabou por viabilizar o desenvolvimento da intermediação financeira internacional. Assim,
serviu como fonte de recursos de curto e médio prazos que garantiram as operações dos
9
bancos comerciais dos países industrializados (principais intennediadores do período), assim
como local para que os bancos aplicassem seus superávits temporários em moeda estrangeira
de forma mais lucrativa.
Nesse
mercado
off-shore
não
há
supervisão
ou
regulamentação,
e
seu
desenvolvimento e crescimento acabaram sendo incentivados pelo rígido sobre os fluxos de
capitais vigentew no período. O mercado interbancário se ampliou, mediante operações de
transferência de liquidez dos bancos mais líquidos para os menos líquidos. Assim, os bancos
acabaram gerando Iiquidez e surgiram como grandes intermediadores internacionais pois o
Euromercado permitiu que os bancos expandissem seus créditos mais rapidamente do que se
não existisse tal mercado. No caso brasileiro, tiveram grande importância os eurocredits,
créditos sindicalizados concedidos com taxas de juros flutuantes, que serviram para financiar
os programas de desenvolvimento em vigência na década de 70.
O Euromercado sofreu mudanças no decorrer do tempo. Na década de 60, seus
principais fornecedores de fundos eram o Japão e os países da Europa Ocidental. Depois do
"choque do petróleo" e do colapso de Bretton Woods em 1973, os países da OPEP passaram a
desempenhar este papel. Nos anos 70, os principais tomadores foram os países em
desenvolvimento e do Leste Europeu, substituindo os países industrializados, que reduziram
sua demanda por recursos financeiros neste período devido à recessão nos seus países de
origem. Houve também uma mudança no tipo de instituição tomadora. Na década de 60, as
corporações industriais e os bancos privados eram os principais captadores de recursos no
Euromercado, depois passaram a ser instituições oficiais e empresas públicas de países em
desenvolvimento.
Pádua Lima (1985) concluiu em seu trabalho que apesar de o Euromercado ser
intrinsecamente instável, pois reflete a instabilidade do sistema financeiro internacional, sua
permanência está garantida dentro do atual quadro da economia internacional. Sem a sua
existência desapareceria a rede de intermediação financeira internacional que liga os di versos
mercados nacionais.
10
3) O sistema financeiro nas décadas de 80 e 90
3.1) O processo de Globalização
Nos anos 80, há o início do processo de globalização financeira, que se refere ao
"funcionamento de um mercado unificado de dinheiro e ativos não monetários em escala
global." (Cintra; Freitas, 1998, p. 189). Este movimento pressupõe a internacionalização e a
liberdade dos movimentos de capitais, além da integração dos mercados financeiros e de
capitais domésticos e off-shore. Assim, a abertura externa e interna dos sistemas nacionais,
que antes eram fechados e segmentados, constituiu um pilar deste movimento.
Para melhor explicar o desenvolvimento do sistema financeiro nas década de 80 e 90
e entender como chegou-se a este grau de globalização financeira, vamos analisar a evolução
do sistema monetário-financeiro dos Estados Unidos no período de 1982 a 1994, pois é a
economia deste país que mais fortemente influenciou o processo de globalização financeira. A
principal razão disto é que os EUA manteve sua hegemonia após o colapso de Bretton Woods,
sendo que a reafirmação dessa hegemonia ocorre com a política do dólar forte adotada em
1979. Segundo Chesnais, "com a globalização desse sistema americano, iniciou-se a
montagem de um novo esquema de fluxos financeiros, que sintetiza quatro grandes
movimentos: a desregulamentação e a liberalização promoveram a interligação dos diferentes
mercados nacionais, conformando um grande mercado global; a institucionalização da
poupança financeira; o processo de securitização das dívidas; e os instrumentos derivativos."
(Plihon, 1996).
A estrutura institucional do sistema financeiro dos EUA foi construída no início dos
anos 30 a partir de três princípios principais: 1) restrição à competição entre instituições
financeiras, resultando numa estrutura segmentada; 2) proteção estatal, incluindo um sistema
de seguro dos depósitos 4 e mecanismos de supervisão; 3) transparência na gestão dos
negócios5 (Cintra; Freitas, 1998, p.l79).
4
Este foi o mais importante sistema de proteção estatal do país, restaurando a confiança no mercado financeiro
após as corridas bancárias que ocorreram no período de 1931 a 1933. Ele criou duas categorias de intennediários
financeiros: aqueles que possuíam passivos segurados e aqueles que não os possuíam, evidenciando seus riscos.
5
"O princípio da transparência é necessário para a operacionalização de um sistema financeiro fundado no
mercado." (Cintra; Freitas, 1998). Este princípio determina que infonnações confiáveis sobre as condições
financeiras das corporações e dos agentes financeiros que operam nos mercados de capitais sejam de domínio
público.
11
No pós guerra, os títulos públicos denominavam nos portfólios privados. Eles tinham
ampla aceitabilidade e nenhum risco, pois eram trocados facilmente por moeda, determinando
elevado grau de liquidez ao sistema financeiro. A liquidez das instituições financeiras, o baixo
nível do endividamento privado e o seguro de depósito mantiveram as taxas de juros em
níveis baixos e estáveis. Facilitou-se também os empréstimos a taxas de juros fixas, pois os
custos de captação das instituições de depósito eram reduzidos.
Esta estrutura financeira, baseada na estabilidade e rentabilidade do sistema bancário,
contribuiu para o período de crescimento econômico no pós-guerra. Entretanto, este
crescimento acabou modificando as condições em que esta estrutura operava e o arranJO
institucional que permitia a estabilidade acabou se transfonnando em obstáculo.
O nível de estoque de dívidas privadas aumentou, reduziu-se a importância dos
títulos públicos nos portfólios das instituições financeiras e, em meados dos anos 60, a
inflação e as taxas de juros começaram a subir. Assim, os mecanismos de restrição à
concorrência, corno tetos sobre as taxas de juros e limites quantitativos à expansão do crédito
sobre algumas instituições financeiras, passaram a limitar a capacidade de adaptação das
instituições de depósito, provocando instabilidade no sistema.
O governo americano instituía tetos para as taxas de juros nominais dos bancos
comerciais, pois as taxas de juros nominais estavam altas e com tendência à elevação. Porém,
como a inflação estava se acelerando, as taxas reais de juros estavam se tornando negativas, o
que acabou desencadeando um processo de desintermediação financeira, ou seja. a
transferência de recursos das instituições de depósito para os mercados monetários. O
mercado de moedas é um mercado atacadista, de baixo risco, elevada liquidez e instrumentos
de curto prazo. É composto de certificados de depósitos negociáveis, commercial papers e
aceites bancários e, títulos públicos de diversos tipos. Ofereciam maior rentabilidade pois não
estavam sujeitos aos tetos de captação e à proibição de pagamento de juros sobre depósitos a
vista.
As inovações financeiras e tecnológicas aprofundaram a desintermediação no final
dos anos 70 e estimularam o desenvolvimento dos fundos mútuos, que não estavam sujeitos
aos tetos de taxas de juros e, assim, proporcionavam taxas de retorno mais elevadas. A
desintermediação e os fundos mútuos ameaçaram os pequenos bancos e as instituições
comerciais. Os grandes bancos, por outro lado, garantiram seus depósitos através da emissão
12
de certificados de depósitos negociáveis; porém seus pass1vos foram prejudicados pela
necessidade de pagar taxas de juros altas sobre esses certificados.
Ademais, a crise de 1982 fragilizou os grandes bancos comerctms amencanos,
principais responsáveis pelo financiamento dos setores e agentes produtivos nos paises
desenvolvidos e em desenvolvimento nos anos 70.
Outro fenômeno importante neste processo foi o fato de as grandes corporações
passarem a se financiar diretamente no mercado de títulos (high-credit-qualit rating),
enquanto empresas com elevado risco de crédito também emitiam seus títulos com o apoio de
bancos de investimento (high-yield bonds oujunk bonds). "Deste modo, muitos tomadores de
recursos transferiram suas operações do mercado de crédito associado às instituições de
depósito para emissão direta nos mercados de títulos (securities)." (Cintra; Freitas, 1998, p.
184).
Outro fator importante foi a chamada "institucionalização das poupanças"
desencadeada pelo aumento da participação dos investidores institucionais em aplicações nos
mercados de capitais e em títulos de renda fixa, assim como a expansão de ativos disponíveis
para os "money managers".
É neste período que se dá início o processo de securitização das dívidas
6
•
Cintra
(1998) explica que este é resultado principalmente de dois movimentos: os credores líquidos
procuram evitar os passivos bancários devido à deterioração dos balanços dos bancos e os
devedores buscam os mercados de capitais corno alternativa mais barata de endividamento e
capitalização.
A fWlção primeira do sistema financeiro internacional sempre foi a de garantir o
financiamento do comércio mundial e dos balanços de pagamentos, sendo que o próprio
processo de globalização financeira pode ser explicado em parte pela necessidade de financiar
os desequilíbrios mundiais nos balanços de pagamentos. Porém, os fluxos financeiros
internacionais sofreram um grande crescimento, numa magnitude que não poderia mais estar
relacionada às necessidades econômicas mundiais. "A parte essencial das operações
6
Devido à crescente instabilidade e ao risco de crédito associado a ativos de médio e longo prazo, houve uma
intensa flexibilização dos ativos das instituições bancárias, ou seja, sua transformação em instrumentos
negociáveis.
13
financeiras internacionais de hoje consiste nos movimentos permanentes de vaivém entre as
moedas e os diversos instrumentos financeiros." (Plihon, 1995, p. 62).
Plihon (1996) trata também da situação do sistema bancário num cenário de finanças
globalizadas. Segundo ele, a partir de 1982, o crédito bancário diminuiu em termos reais e os
resultados dos bancos chegaram a ser negativos. Os bancos ficaram fragilizados porque não
podiam mais exercer seu papel de financiadores da economia e acabaram sendo obrigados a
assumir riscos e desenvolver operações de natureza especulativo, aumentando sua
vulnerabilidade. Urna estratégia dos bancos foi procurar diversificar suas atividades, assim
tentaram lucrar com créditos especulativos na bolha especulativa do setor imobiliário da
década de 80. Também orientaram sua atividade especulativa para os produtos derivativos.
Com relação ao aumento das aplicações bancárias neste tipo de produto, Plihon afirma: "É
uma situação muito perigosa, quando se sabe que os bancos americanos e ingleses (Barings)
decretaram falência especulando com os derivativos." (Plihon, 1996, p. 114).
Após a ruptura do padrão monetário internacional em 1973, as flutuações das taxas
de inflação, de juros, de câmbio e nos preços dos ativos determinaram o surgimento dos
derivativos, assim chamados porque são ativos que derivam de outros ativos. Estes tomaramse uma das armas mais eficientes da especulação. Uma de suas funções é cobrir uma posição
contra os riscos de taxas de juros e taxas de câmbio. Outro instrumento eficiente na proteção
contra o risco de taxas são os swaps de taxas de juros. "O paradoxo levantado pelos
derivativos decorre do fato de que estes instrumentos têm opor objeto a cobertura contra os
riscos financeiros e, no entanto, tomaram-se urna das causas da instabilidade das cotações
contra a qual eles supostamente defendem os agentes econômicos. Na verdade, constituem
instrumentos particularmente eficientes para os especuladores, em função dos poderosos
efeitos de alavancagem que permitem." (Plihon, 1995, p. 66).
3.2) A dinâmica da concorrência bancária7
Os bancos são empresas inovadoras e dinâmicas em busca de lucros assim como as
empresas não-financeiras, e assim também estão submetidos à lógica de valorização do
capital. Eles executam o papel de criadores de moeda e de intermediários financeiros nos
sistemas de pagamento e de crédito na economia capitalista moderna. "São instituições
empresariais submetidas à lógica de valorização do capital e, por conseqüência, à lógica da
7
Esta seção baseia-se no texto de FREITAS, M.C.P. (1997).
14
concorrência como todos os outros tipos de empresas capitalistas. A subordinação dos bancos
à lógica de valorização do capital ou da riqueza significa, de um lado, que essas instituições
não respondem passivamente às preferências dos demais agentes e, de outro lado, que estão
em concorrência entre elas e com outras instituições financeiras para a obtenção do poder de
mercado e de maiores lucros nos diferentes mercados financeiros, seja doméstico, seja
internacional." (Freitas, 1997, p. 63).
No entanto, os bancos apresentam quatro diferenças principais em relação às outras
empresas:
1) são os únicos agentes econômicos que criam moeda e servem de vínculo entre a
circulação industrial e financeira;
2) o mercado bancário é instável e a origem de sua instabilidade está na própria
lógica da atividade bancária;
3) não há limitações físicas para sua oferta de produtos (a moeda e o crédito), o que
significa uma certa tendência a subestimar riscos e expandir crédito;
4) não têm grandes despesas para o desenvolvimento de novos produtos, que podem
ser oferecidos rapidamente ao público.
Outra diferença está relacionada com a natureza dos lucro bancário. Ele advém do
diferencial de juros entre as atividades de empréstimo e captação de recursos dos bancos, do
recebimento de comissões e honorários pela prestação de serviços, assim como dos ganhos de
capital através de atividade especulativa.
Mais um fator peculiar da atividade bancária é que ela é marcada por uma tensão
entre os objetivos de estabilidade do sistema e a procura de novas fontes de lucros por parte
dos bancos, já que esses sempre vão buscar escapar dos limites que são fixados pelas
autoridades de regulamentação para aumentar seus lucros.
"Assim, o traço distintivo da concorrência bancária encontra-se na lógica conflitante
que opõe a busca de valorização da riqueza pelos bancos e a natureza de "bem público" da
função monetária, que essas instituições privadas com fins lucrativos desempenham na
economia capitalista." (Freitas, 1997, p. 66). Os bancos acabam reagindo às modificações que
ocorrem no ambiente em que atuam ao mesmo tempo em que estão agindo ativamente sobre
as transformações que são produzidas neste ambiente.
15
Nos anos 80, diferentemente da tendência mrus regulamentadora vigente
anteriormente, ocorre um processo de liberalização que permite a emergência de novos
concorrentes nos sistemas financeiros e a ampliação do leque de atividades permitidas aos
bancos. Este movimento provocou um aumento das pressões competitivas fazendo com que
os bancos privilegiassem operações mais arriscadas, mas que podem oferecer maiores ganhos.
Isto levou a uma aumento da fragilidade financeira e dos riscos de crises sistêrnicas.
É importante lembrar que a internacionalização bancária é um tipo de estratégia
concorrencial utilizado pelos bancos em escala mundial. Eles buscam novos instrumentos,
procedimentos e acordos institucionais que lhes permitam ampliar seus lucros, e também
procuram obter recursos nas condições mais favoráveis possíveis. A concorrência de um
banco internacional se dá entre os similares de seu próprio país de origem, com bancos
internacionais de outros países e com bancos locais dos países em que atua. Isto vai depender
da extensão de sua rede externa e do tipo de serviços que ele oferta.
"Em resumo, a ação dos bancos, a partir de estratégias concorrenciais definidas em
relação a um futuro incerto, tem forte impacto sobre a atividade econômica. Os bancos, como
todos os outros agentes, possuem preferência pela liquidez e expectativas em relação ao
futuro, que norteiam as estratégias que traçam em sua busca incessante de valorização. Nesse
sentido, ele administram ativamente os dois lados do balanço e utilizam igualmente de
expedientes, como as transações fora do balanço. Como o desejo dos bancos em se manterem
líquidos depende de suas considerações otimistas ou pessimistas sobre o estado dos negócios
ao longo do ciclo econômico, é possível que, em certas circunstâncias, eles decidam racionar
o crédito, refreando o crescimento econômico ou mesmo conduzindo à regressão da produção
e dos investimentos. De igual modo, eles podem decidir privilegiar o financiamento da
circulação financeira, financiando os agentes especuladores ou suas próprias atividades
especulativas." (Freitas, 1997, p. 78).
16
4) A internacionalização bancária8
4.1) Razões da Internacionalização
Uma das principais motivações para os bancos se internacionalizarem nos anos 60
foi a internacionalização do capital produtivo. Os bancos seguiram as empresas em seu
desenvolvimento internacional para assegurarem a continuidade e expansão de seus negócios
e, ao mesmo tempo, para evitar o risco de perder seus clientes para os bancos que já tivessem
instalados nas proximidades.
Outro fator que estimulou a expansão externa dos bancos durante o período de
Bretton Woods foi a possibilidade de obter independência dos controles e regulações
bancárias de seus países de origem e também conquistar novos mercados. Os bancos
consideraram a existência de restrições à atividade bancária e a saturação do mercado interno
fortes razões para internacionalização. Assim, os bancos procuraram ao mesmo tempo escapar
das restrições legais e ampliar seu mercado dirigindo-se aos centros financeiros internacionais
e aos chamados "paraísos fiscais", onde é possível obter isenções fiscais e plena liberdade de
atuação.
Os avanços tecnológicos nas áreas de comunicações e de transportes e a necessidade
de obtenção de informações sobre clientes e condições dos países com os quais negocia
serviram tanto como motivadores para internacionalização quanto facilitadores das operações
bancárias em outros países. Estes avanços tecnológicos permitiram às matrizes monitorarem
suas atividades no exterior e controlar com maior eficácia suas dependências e subsidiárias
externas.
Com relação à necessidade de obter informações, os bancos precisam ter acesso a
elas para não perderem oportunidades de negócios, assim como para poder avaliar melhor a
capacidade de solvência do tomador, evitando prejuízos futuros. O melhor modo de obter
estas infonnações é estando instalado nestes novos mercados.
A expansão bancária em direção aos centros financeiros internacionais foi também
expressão da acirrada concorrência bancária dos anos 70. Assim, se um banco pretendia
tomar-se internacional ele deveria estar presente nestas praças por uma questão de imagem
8
Esta seção baseia-se em FREITAS, M.C.P. (1989) e MOFFITT, M. (1983).
17
demonstrando sua capacidade de captar e aplicar recursos em nivel mundial, obtendo também
visibilidade para atrair novos clientes.
Outro fator importante que motivou o movimento de internacionalização bancária
dos anos 60 e 70 foi a existência do Euromercado. Como já foi visto no início deste capítulo,
o Euromercado exerceu papel fundamental no processo de internacionalização bancária da
década de 70, permitindo a expansão dos créditos bancários e viabilizando o desenvolvimento
da intermediação financeira internacional.
"O Euromercado transformou o caráter da atividade bancária. Ao unir mercados
financeiros nacionais, ele criou um único mercado mundial de dinheiro transnacional e
virtualmente livre de qualquer ação de governos." (Moffitt, M., 1983, p.65).
4.2) Estratégias de Internacionalização
Existem três principais estratégias que são utilizadas pelos bancos no processo de
internacionalização: estratégia de apoio, de financiamento internacional e de descentralização
das atividades bancárias. Essas estratégias não são mutuamente exclusivas, os bancos
executam todas elas, o que difere é a ênfase dada a cada uma delas.
A estratégia de apoio é aquela em que os bancos expandem suas atividade para
acompanhar seus clientes, as quais podem estar relacionadas com as necessidades do
comércio exterior ou decorrentes do investimento direto no exterior (neste caso os bancos
estão voltados principalmente para o mercado exterior, o mercado doméstico é meta
secundária).
Na estratégia de financiamento, os bancos procuram ampliar suas operações no
Euromercado, participando da concessão de eurocredits e eurobonds. Estas operações
cresceram aceleradamente acompanhando a expansão do Euromercado.
Nos anos 70, as atividades bancárias relacionadas ao financiamento internacional
expandiram-se muito, mas houve, ao longo da década, uma mudança no tipo de tomador. As
grandes empresas multinacionais, que eram os maiores clientes (e preferenciais) dos bancos,
tomaram-se relativamente independentes do crédito bancário, graças ao aumento de sua
capacidade de auto financiamento, do auxílio de seus próprios bancos, e aos empréstimos entre
estas grandes empresas através de commercial papers. Deste modo, havendo uma retração da
18
demanda por empréstimos dessas empresas multinacionais, os bancos passaram a realizar a
reciclagem dos petrodólares fazendo empréstimos para países do Terceiro Mundo e do Leste
Europeu.
Através da estratégia de descentralização bancária os bancos pretendem penetrar nos
mercados domésticos dos países estrangeiros para atrair depósitos de residentes e realizar
empréstimos para empresas locais. Neste caso, os bancos atuam no segmento de "varejo"
operando com pequenas e médias empresas locais além das multinacionais e firmas de
exportação e importação. Esse tipo de estratégia pode sofrer resistência por parte das
autoridades monetárias e do setor bancário do país local. No caso dos países em
desenvolvimento, a implementação desta estratégia é mais difícil pois a presença de bancos
estrangeiros ali coloca um dilema para os governos locais: se, por um lado eles podem
dinamizar o mercado financeiro doméstico, contribuindo com sua experiência, poder
financeiro, ou ainda, forçando a modernização de outras instituições através da concorrência,
por outro lado há o risco de que os estrangeiros dominem o mercado interno.
Nos anos 90, observa-se que houve um predomínio da estratégia de descentralização
das atividades bancárias. Principalmente as instituições financeiras das áreas comercial e
financeira foram atraídas pelas possibilidades de negócios nos países latino-americanos
associadas à abertura do mercado de capitais, aos processos de privatização, de reestruturação
industrial e de modernização dos setores de infra-estrutura econômica.
19
CAPÍTULO 2: A DÉCADA DE 70
Este capítulo tem corno objetivo expor o cenário econômico brasileiro na década de
70, descrevendo e analisando a política econômica adotada pelo governo, assim como as
reformas financeiras dos anos 60 voltadas a implantação do "novo modelo" de crescimento.
Depois será analisado corno a decisão do governo de promover o crescimento através
do endividamento externo influenciou o movimento de internacionalização bancária ocorrido
nos anos 70. Também será descrita a participação estrangeira nos diversos segmentos
bancários.
O capítulo está dividido em três seções:
1) A Reforma financeira de 1964/65 e a Estrutura bancária na década de 70.
2) A política econômica da década de 70: desenvolvimento através de
endividamento.
3) A participação estrangeira no sistema financeiro nacional.
1) Reforma Financeira de 1964/65 e Estrutura Bancária na década de 709
A reforma financeira realizada nos anos de 1964 a 1967 fez parte de uma tentativa do
governo de implementar um "novo modelo" de crescimento no Brasil. Foram realizadas
mudanças basicamente em três setores: 1) área monetária, através da Lei n° 4595 de
31/12/64 10 ; 2) mercado de capitais, através da Lei n° 4728 de 14/08/65; e 3) área habitacional,
através da Lei n' 4380 de 21/08/64.
Os principais objetivos desta reforma podem ser agrupados em 3 grupos (Zini, 1982):
1) regularizar o mercado monetário, conferindo independência relativa às autoridades
monetárias, evitando, assim, futuros fenômenos de aceleração inflacionária associadas ao
descontrole monetário; 2) regulamentar o mercado financeiro, provendo às atividades
produtivas fluxos financeiros estáveis, a taxas de juros compatíveis com o combate à inflação;
3) aperfeiçoar o mercado de capitais privado para propiciar a elevação da taxa de formação de
9
Esta seção é baseada nos textos de BAER, M. (1986) e ZINI JR., A (1982).
O artigo 18 desta lei estabeleceu que a entrada de instituições financeiras estrangeiras só poderia ocorrer
mediante prévia autorização do Banco Central do Brasil ou decreto do Poder Executivo.
10
20
capital do país. Foi utilizado, para tanto, o Princípio de Compartimentalização cuja concepção
básica era a especialização dos agentes financeiros por área de atuação. Assim, foram criadas
áreas específicas de atuação para cada tipo de instituição financeira, tentando evitar a
superposição de atribuições.
Entretanto, a reforma sofreu algWls "desvios" no decorrer de sua implementação,
entre eles o abandono da política de especialização, que foi substituída, no início dos anos 70,
por urna política de criação de conglomerados financeiros, liderados pelos bancos comerciais.
Assim, o governo induziu movimentos de concentração (aumento da parcela de mercado
atendida pela empresa) e conglomeração (diversificação de atividades por aquisição de
empresas e cartas-patente em outros segmentos do sistema financeiro). Desse modo, o
governo era conscientemente a favor deste processo que buscava fortalecer os grandes grupos
bancários (ZINI, 1982).
Outros "desvios" foram a falta de autonomia do Banco Central e acúmulo de
funções nesta instituição como executor da política monetária e da política cambial, banco
emissor, banco dos bancos, banqueiro do governo, banco de fomento, controlador das
operações com o exterior, fiscal do sistema financeiro; o caráter híbrido do Banco do Brasil,
pois não houve transferência de todas as funções de autoridade monetária para o Banco
Central; e a subordinação do Conselho Monetário Nacional ao Ministério da Fazenda, entre
outros (ZINI, 1982).
A Reforma Financeira contribuiu para o boom econômico ocorrido de 1968 a 1973
ao criar instrumentos de financiamento do gasto governamental, consumo e construção
habitacional (BNH). Entretanto, introduziu algumas disfuncionalidades ao sistema financeiro,
como as tendências ao financiamento de curto prazo, à especulação e ao endividamento
externo, podendo-se dizer, inclusive, que a Reforma falhou num de seus principais objetivos:
o desenvolvimento do financiamento privado de longo prazo.
No contexto da internacionalização bancária ocorrida no Brasil é importante
mencionar a implementação do estatuto básico para os capitais estrangeiros (Lei n° 4131 de
1962, modificada parcialmente em 1964 pela Lei n° 4390).
"No âmbito do sistema financeiro brasileiro e suas instituições procurou-se reter ao
máximo o controle interno, já que era considerado um setor nacional estratégico" (Baer, 1986,
p. 13). Vale mencionar que antes da implementação do estatuto para capitais estrangeiros, não
21
havia distinção no tratamento conferido aos bancos nacionais e estrangeiros, sendo que a
propriedade de capital dos bancos podia estar sob controle exclusivo de estrangeiros.
Com a Lei ll0 4131,
adotou~se
o princípio de igualdade de tratamento para o capital
estrangeiro e nacional. Entretanto, abriu-se uma exceção para os bancos: "aos bancos
estrangeiros cujas matrizes têm sede em países onde a legislação impõe restrições à operação
de bancos brasileiros, fica vedado adquirir de bancos nacionais, mais de 30% das ações com
direito a voto." (idem). Este instrumento também regulamentava a captação direta de crédito
externo pelas empresas.
A Lei n° 4131 também definiu o princípio de reciprocidade. A política brasileira em
relação tanto às condições de entrada de bancos estrangeiros quanto às atividades permitidas
pautava-se por acordos bilaterais recíprocos mantidos com outros país. Desse modo, os
bancos estrangeiros estariam sujeitos às mesmas restrições ou proibições aplicáveis aos
bancos brasileiros presentes ou interessados em se estabelecer nas praças financeiras de suas
matrizes.
Esta política estava associada a dois interesses governamentais: forte protecionismo
ao setor financeiro nacional e ampliação da absorção de capital externo na forma de
empréstimo. Havia maior interesse na entrada de investimentos diretos simultânea à entrada
de capital de empréstimo, seja captado diretamente pelas empresas, seja intermediado pelo
setor financeiro.
O crédito externo via Lei no 4131 era uma alternativa atrativa às grandes empresas,
especialmente às filiais de multinacionais. Esta lei representou o alargamento das bases de
financiamento, especialmente de longo prazo, que o sistema financeiro brasileiro privado era
incapaz de atender. Também possibilitou a ampliação das operações de curto prazo e ocupou
o espaço dos bancos de investimento, que atendiam basicamente a demanda por
financiamento de curto prazo. Além disso, esta modalidade de crédito tinha um custo bem
inferior para os mutuários do que aqueles observados nas faixas não subsidiadas de crédito 11
disponível nas instituições financeiras domésticas. No caso das empresas multinacionais, estas
substituíram o capital de risco (investimento externo direto) por capital de empréstimo via Lei
n° 4131 devido às vantagens fiscais oferecidas por essa lei.
11
O crédito subsidiado pelo governo provinha principalmente do BNDE, banco de desenvolvimento criado no
início dos anos 50, no governo Getúlio Vargas.
22
Além da Lei
TI
0
4131, os fatores que mais contribuíram para que a reestruturação
permitisse a internacionalização financeira foram: a Lei n° 4595 de 31/12/64 que criou o
Banco Central (substituindo a SUMOC) e refonnulou o sistema bancário, promovendo a
especialização financeira; a institucionalização da Resolução n° 63 em 1967; e a
implementação do mecanismo de correção cambial em 1968.
A Resolução n° 63 estabeleceu a "ponte" entre o sistema financeiro nacional e o
internacional, pennitindo que agentes financeiros instalados no Brasil obtivessem
empréstimos no exterior para repassá-los internamente. Já os ajustes periódicos no câmbio
fizeram com que os riscos de uma captação externa praticamente se igualassem aos de uma
fonte interna de financiamento.
Através da Resolução n° 63, as instituições financeiras locais absorveram recursos
originários do sistema financeiro dos países avançados no contexto de internacionalização
financeira. Estas operações ampliaram o horizonte de atividade dos bancos comerciais e de
investimento representando fonte de captação que não depósitos a vista e a prazo realizados
no mercado doméstico.
Os principais beneficiários desta medida foram os bancos comerciais estrangeiros.
Restringidos em seu poder de concorrência na disputa por maiores fatias de captação de
recursos no mercado interno, esses bancos ampliaram suas operações ativas a partir das
operações de repasse de recursos externos.
"Através da Reforma, os agentes da política econômica promoveram a associação
com o capital estrangeiro para facilitar o acesso ao mercado financeiro internacional mas
procuraram reter o controle nacional sobre o conjunto das instituições." (Baer, 1986, p. 17).
2) A Política Econômica da década de 70: desenvolvimento através de
endividamento
12
Depois de implantadas as reformas financeiras e monetárias na década de 60, no
início dos anos 70, o Brasil passa por uma abertura comercial e financeira de sua economia.
Num contexto de aumento dos fluxos de comércio e de capitais internacionais, a abertura
12
Esta seção é baseada nos textos de BAER, M. (1986) e DAVIDOFF CRUZ, P.R. (1984).
23
comercial se deu através de políticas de minidesvalorizações, de estímulos fiscais e
creditícios, assim como da própria expansão do comércio internacional devido ao boom das
economias avançadas. A abertura financeira se deu, principalmente através da absorção de
empréstimos em moeda Este fenômeno é viabilizado e estimulado pelo excesso de liquidez
no Euromercado, assim como pela expansão no volume das operações bancárias
internacionais.
Baer (1986) conclui que a internacionalização financeira no Brasil esteve ligada
estreitamente à dinâmica produtiva e se realizou através do endividamento externo das
empresas. Sendo assim, vamos analisar mais profundamente o processo de endividamento
externo brasileiro.
Davidoff (1984) divide a década de 70 em quatro períodos principais, analisando a
evolução da dívida externa, assim como a política econômica adotada na época. No primeiro
período (68 a 73), a política econômica visava promover uma trajetória de crescimento
acelerado e sustentado da economia brasileira. Para isso, o governo considerava desejável o
recurso à "poupança externa", já que esta proporcionaria níveis de investimento superiores
aos possibilitados pela poupança interna. O endividamento externo foi apresentado como
fundamental para o ciclo expansivo em uma economia em desenvolvimento como a brasileira.
Isto porque havia insuficiências quanto à produção de bens intermediários e de capital,
fazendo com que a economia brasileira, ao acelerar sua taxa de crescimento, sofresse
restrições tanto pelo lado do setor externo quanto pela poupança interna.
Houve basicamente dois condicionantes deste processo de endividamento: 1) o
aumento no coeficiente de importações, com maior aumento da importação de bens
intermediários e de capital (este "hiato de recursos" é financiado pela entrada massiva de
capitais de empréstimo); 2) busca do equilíbrio no Balanço de Pagamentos através da atração
de fluxo regular de capitais externos.
O aumento da dívida externa neste período pode ser explicado pelo aumento das
reservas internacionais, ou seja, criação de poder de compra que não se realiza, retomando ao
circuito financeiro internacional. Esse aumento é possível dada a abundante liquidez
internacional. Havia disponibilidade de recursos no mercado bancário internacional a custos e
prazos mais favoráveis do que no mercado interno, o que fez com que o endividamento
brasileiro aumentasse para atender à demanda crescente do setor privado.
24
No biênio 72/73 houve um "excesso de endividamento". Visando eliminar o aumento
de liquidez derivado do crescimento das reservas devido aos seus possíveis efeitos
inflacionários, houve o lançamento de Letras do Tesouro Nacional, aumentando, assim, a
dívida interna brasileira.
No período seguinte, de 1974 a 1976, o cenário internacional é desfavorável, com
taxas de crescimento negativas e aumento do preço do petróleo. Assim, o Balanço Comercial,
que antes conseguia se equilibrar apesar do grande volume de importações, agora é deficitário
por causa da conjuntura internacional. A economia brasileira ainda apresenta taxas elevadas
de crescimento, apesar de esta taxa ter sofrido uma desaceleração.
O governo lança então o II PND, criado para realizar a última etapa do processo de
substituição de importação, ou seja, para erradicar a dependência externa brasileira via
ampliação do setor de bens de produção. Assim, seriam realizados projetos públicos nas áreas
de infra-estrutura e de insumos básicos, dando impulso à indústria doméstica de bens de
capital.
Acreditava-se que as "poupanças externas" senam utilizadas para eliminar a
dependência da economia brasileira com relação às economias avançadas e depois o país
estaria estruturalmente apto para resgatar a dívida contraída através da geração de superávits
comerc1ats.
Do ponto de vista financeiro, no período em questão houve um aumento do estoque
da dívida e deterioração das condições de crédito internacional, com o aumento da taxa de
juros e dos spreads, aumentando o custo da dívida. Nesta conjuntura de liquidez restrita,
foram necessárias queimas de reservas e surgiram déficits globais no Balanço de Pagamentos.
Já durante o biênio 1977-78, há relativa estabilidade nas relações comerciais do
Brasil com o resto do mundo e, portanto, o déficit do Balanço de Pagamentos é pequeno e
atenuado pela entrada de capitais de risco. Entretanto, o aumento do custo da dívida, que
requer volumosos recursos para seu financiamento e o acúmulo de reservas internacionais
revela o caráter financeiro da dívida. Há um novo aumento do endividamento, pois neste
período há também expansão da liquidez internacional, propiciando aumento dos prazos e
diminuição dos spreads. Novamente as medidas governamentais tornaram o papel dos
recursos externos fundamental, estimulando ainda mais o crescimento da dívida.
25
O período de 1979 a 1980 foi marcado pela volta dos desequilíbrios comerctats,
associada ao 2o choque do petróleo e à conjuntura de estagflação nas economias centrais. Os
déficits nas contas de bens e serviços produtivos são um pouco amenizados pelo ingresso dos
capitais de risco. Porém, o aumento das taxas de juros internacionais foi o fato que mms
afetou o Brasil, aumentando consideravelmente o custo da dívida externa.
Assim, o saldo da conta de capital apresentou sinal negativo pela primeira vez, o que
revelou a insuficiência de recursos para fechar o Balanço de Pagamentos, diante da
deterioração das condições do crédito internacional, e também a pressão exercida pelos
credores externos contra a política econômica heterodoxa adotada pelo Ministro Delfim
Netto, considerada agravadora dos desequilíbrios externos. Esta política supunha que seria
perfeitamente possível crescer economicamente utilizando as margens de capacidade ociosa
existentes na indústria e agricultura. Havia a proposição geral de que a reaceleração do
crescimento contribuiria para conter o ritmo de aumento dos preços, pois o déficit do governo,
causado pelo endividamento externo, era considerado a principal causa da inflação. As
medidas tomadas seguiram três linhas principais: atualização da capacidade de auto
financiamento e controle rigoroso dos gastos das empresas estatais; eliminação progressiva
dos subsídios; e implantação de reforma tributária. Estes ajustes tiveram grande impacto
inflacionário na economia. Para fechar as contas externas neste periodo foi necessário
"queimar" reservas internacionais e tomar empréstimos de curto prazo a custos mais elevados.
À medida que o endividamento cresceu, a economia brasileira se tomou duplamente
vulnerável às conjunturas mundiais recessivas e inflacionárias, que acabaram tendo efeito
negativo na conta de comércio. Por outro lado, houve também um impacto negativo na conta
financeira, pelo fato de os países centrais terem adotado políticas monetárias ortodoxas de
ajuste através da elevação das taxas de juros.
A tabela a seguir mostra o desenvolvimento do endividamento brasileiro em moeda
estrangeira via Lei n° 4131. É importante notar a diferença entre a tomada de empréstimos
pelo setor público e privado.
26
Empréstimo em moeda (Lei n°4131)
Comparação entre o crescimento das captações públicas e privadas 1972-1980
Captações médias anuais (US$ 1011 )
Crescimento(%)
Discriminação
72/76 (A)
77178 (B)
79/80 (C)
B/A
C/B
Setor Privado
1.869,8
2.934,2
1.565,8
56,9
-46,6
Setor Público
1.341,2
3.909,0
5.165,0
191,4
32,1
Total
3.211,0
6.843,2
6.730,8
113,1
-1,6
Fonte dos Dados Brutos: Registros efetuados junto à Fiscalização e Registro de Capitais Estrangeiros
do Banco Central do Brasil., apud DavidoffCruz (1984, p.l15)
FIRCE.
Davidoff (1984) levanta a hipótese de que o endividamento brasileiro não era
indispensável para superação de restrições externas e internas ao desenvolvimento econômico
nacional, nem para o equilíbrio das contas externas, já que no início de seu endividamento, o
Brasil apresentava superávits no BP. Muito pelo contrário, o endividamento foi responsável
pelo agravamento do desequilíbrio das contas externas. Na verdade, as condições de excesso
de liquidez internacional e uma política governamental que induzia a tomada de recursos
externos foram os fatores que estimularam o endividamento, que teve menos a ver com a
captação de "poupança externa" do que com um fenômeno predominantemente financeiro. O
autor apresenta então um paradoxo existente com relação à divida externa: "O endividamento
externo, justificado como um elemento de superação de 'constrangimentos externos', como
potenciador de crescimento econômico, revelava-se o contrário, ou seja, um elemento
agudizador das dificuldades externas ou, radicalizando o argumento, um elemento de geração
de 'constrangimentos externos'." (DavidoffCruz, 1984, p.27).
3) A participação estrangeira no sistema fmanceiro nacional
13
O processo de endividamento externo que foi analisado no item anterior está
estreitamente ligado ao aumento da participação estrangeira no sistema financeiro nacional.
Segundo Baer (1986), "Embora as condições internas para a internacionalização financeira já
estivessem dadas desde fins dos anos cinqüenta, quando se estruturou o padrão de acumulação
com a participação do capital estrangeiro, ela só se desencadeou com a crise e expansão
27
financeira mundial na década de setenta. Isto nos leva a considerar que o processo de
internacionalização financeira do Brasil através do endividamento externo só pode explicar-se
articulando, por um lado, condicionamentos internos e externos e, por outro, o conteúdo
produtivo e financeiro deste processo."
Vamos, a seguir, analisar a participação dos bancos estrangeiros principalmente nos
seguintes subsetores do mercado financeiro: bancos comerciais, bancos de investimento,
financeiras, leasing (companhias de arrendamento mercantil), escritórios de representação de
bancos estrangeiros e conglomerados fmanceiros.
As principais conclusões retiradas desta análise são que as restrições que foram
impostas à atuação dos bancos estrangeiros na intermediação financeira nacional fizeram com
que estes expandissem suas atividades principalmente na área de bancos de investimento e de
empresas de leasing. Assim, acabaram dando maior ênfase a concessão de créditos de médio e
longo prazo para grandes projetos de investimento.
Os escritórios de representação, por sua vez, também tiveram grande importância
neste processo, principalmente na internacionalização via endividamento externo. Isto ocorreu
porque as principais estratégias utilizadas pelos bancos estrangeiros neste processo de
internacionalização eram a de apoio e principalmente, no caso brasileiro, a estratégia de
financiamento.
Assim, a internacionalização
através de abertura de
escritórios
de
representação envolvia menor investimento de capital ao mesmo tempo que intermediava
operações financeiras corno transferências e créditos à indústria.
Além disso, nota-se que os processos de especializaçílo, associação e conglomeração
foram movimentos articulados, que apoiaram o processo de internacionalização do sistema
financeiro nacional.
Bancos comerciais
Já na década de 60, apesar das restrições existentes, já haviam se instalado no Brasil
alguns grandes bancos internacionais como o Chase Manhattan, Bank of Arnerica, Deutsche
Bank e Swiss Bank, alguns deles em associação com capitais nacionais .
13
Esta seção é baseada no textos de BAER, M. (1986) e TEIXEIRA, N.G. (1985).
28
Neste setor houve um grande aumento do número de bancos estrangeiros no país na
década de 70, passando de 17 bancos em 1974 para 26 em 1981, sendo a maioria deles de
origem latino-americana e espanhola.
O número de bancos comerciais estrangeiros era expressivo nos anos 70, mas sua
operação no mercado brasileiro era bastante limitada. A entrada desses bancos esteve
associada à expansão de alguns bancos brasileiros no exterior, sendo que sua instalação
correspondeu às exigências de reciprocidade da Lei n° 4131.
Há poucos casos de participação societária estrangeira 14 . O que ocorreu mms
comumente foram casos de bancos de controle acionário estrangeiro e de bancos associados
ao capital estrangeiro. Os estrangeiros procuravam diversificar sua participação no capital dos
bancos com o objetivo de preservar sua autonomia diretiva e a facilidade e flexibilidade na
tornada de empréstimos externos em moeda para repasses no mercado financeiro nacional,
não se referindo necessariamente à capacidade de capitalização da instituição.
Participação relativa do capital estrangeiro nos bancos comerciais privados no Brasil
(em porcentagem)
Depósitos
Bancos Nacionais
Bancos Estrangeiros
Empréstimos
Bancos Nacionais
Bancos Estrangeiros
1970
1975
1980
100,0
88,4
11,6
100,0
86,7
13,3
100,0
85,6
14,4
100,0
82,4
17,7
100,0
84,8
15,2
100,0
71,1
28,9
Fonte: Quem é quem na economia brasileira. São Paulo, Visão, ns. De agosto de 1970, de 1976 e de 1981,
apud Baer (1986, p. 28)
Como os bancos comerciais estrangeiros sofreram restrições quanto à abertura de
novas agências, a participação relativa dos depósitos nesses bancos no total de depósitos
nunca superou 15,2% na década de 70 inteira. Por outro lado, esta limitação foi compensada
pelo processo de concentração bancária, em que os grandes bancos incorporaram os pequenos
e ficaram com suas agências. O processo de concentração ocorrido foi fomentado pela política
14
Existem três categorias de classificação para os bancos estrangeiros segundo controle de capital: bancos
estrangeiros são as dependências ou filiais de bancos sediados no exterior; bancos privados nacionais com
controle estrangeiro são aqueles cuja maioria do capital votante pertence, direta ou indiretamente, a instituições
bancárias sediadas no exterior e bancos privados nacionais com participação estrangeira são aqueles em que de
10% a 50% do capital votante pertence, de modo direto ou indireto, a bancos sediados no exterior.
29
econômica, que restringiu a entrada de novos bancos comerciais estrangeiros e incentivou a
procura por recursos externos.
Se a participação nos depósitos era pequena, em compensação a participação
estrangeira aumentou muito na concessão de empréstimos, que passou de 13,3% em 1970
para quase 30% em 1980. Este fenômeno se relaciona com as mudanças na política
econômica, que estimulou a procura de empréstimos no exterior ao mesmo tempo que
restringiu a expansão da liquidez e do crédito internos. Como foi explicado na seção anterior,
para evitar que o acúmulo de reservas internacionais gerasse aumento da liquidez do sistema e
assim pressões inflacionárias, o governo adotou a estratégia de conter este aumento mediante
a emissão de títulos públicos.
Bancos de Investimento
O surgimento de bancos de investimento no Brasil se deu principalmente depois da
Reforma Financeira realizada de 64 a 67. Esta reforma estimulou o crescimento desses
bancos, tanto por permitir e facilitar a captação de recursos no exterior quanto por permitir
diversificação das operações dos bancos num período de tendência à concentração bancária.
Os grandes bancos estrangeiros associavam-se aos bancos de investimento e outras
instituições locais procurando diversificar suas operações, rateando seus custos fixos, o que
permitia a elevação de sua rentabilidade. Os bancos estrangeiros menores, por sua vez,
tentavam garantir uma participação nos bancos de investimento de acordo com os limites
impostos na época.
Em 1970, onze bancos de investimento já tinham participação de capital estrangeiro,
mas como eles se associavam participando de maneira conjunta, cada um deles detinha run
controle relativamente pequeno. "Em bancos como, por exemplo, o Banco de Investimento
Industrial e o Banco Finasa de Investimento, chegaram a participar, de uma só vez, seis a oito
bancos estrangeiros. Isto implicava em que nenhum dos associados internacionais chegasse a
exercer urna grande influência nas diretrizes da instituição." (Baer, 1986, p.30).
Porém, durante a primeira metade da década de 70, houve uma mudança na forma da
participação estrangeira nos bancos de investimento. Alguns grupos financeiros nacionais
como o Bradesco, Bozano Simonsen e Itaú se interessaram em se associar a bancos
internacionais. Este interesse surgiu como tentativa dos bancos nacionais de fortalecerem suas
30
posições no sistema financeiro nacional devido principalmente a dois fatores: 1) os
financiamentos externos em moeda através da Resolução n° 63 era uma importante fonte de
recursos para os bancos nacionais 2) foi neste período que se deu a forte concentração e
conglomeração bancária no Brasil. Assim pode-se dizer que a associação de grandes grupos
nacionais com bancos estrangeiros na área de bancos de investimento era urna forma desses
grupos fortalecerem sua posição no próprio sistema financeiro nacional. Com este incentivo,
em 1980, dos dez maiores bancos de investimento no Brasil, só dois não contavam com a
participação estrangeira.
Os bancos de investimento mais importantes, entretanto, são aqueles pertencentes a
conglomerados nacionais com participação estrangeira minoritária. Estes têm acesso aos
mercados internacionais de capitais, mas captam a maior parte dos recursos disponíveis
internamente. Já os bancos totalmente estrangeiros têm restrições em relação à captação de
recursos internos.
Participação relativa do capital estrangeiro nos bancos de investimento no Brasil
(em porcentagem)
Empréstimos
Bancos Nacionais
Bancos com participação estrangeira
1970
1975
1980
100,0
56,2
43,8
100,0
44,2
55,8
100,0
33,5
66,5
Fonte: Quem é quem na economia brasileira. São Paulo, Visão, ns. De agosto de 1970, de 1976 e de 1981,
apudBaer (1986, p. 31)
Como se pode notar através dos dados da tabela actma, neste setor, o grau de
internacionalização observado foi alto já que houve tanto o interesse de entrada dos bancos
estrangeiros quanto o interesse dos grandes bancos nacionais em se associarem com os
estrangeiros.
Financeiras
O termo financeiras refere-se às sociedades de crédito, financiamento e investimento.
Estas operam basicamente com crédito ao consumo de bens duráveis e suas fontes de recursos
são provenientes do mercado interno. Assim, este setor não era muito atrativo ao capital
estrangeiro, já que a vantagem destes está justamente em sua capacidade de captação no
mercado internacional.
3!
Havia dois tipos de financeiras com participação estrangeira. As financeiras
vinculadas a grandes empresas estrangeiras produtoras de bens de consumo duráveis como,
por exemplo, Volkswagen, General Motors, Ford e Fiat. O outro grupo inclui aquelas
vinculadas diretamente a um conglomerado financeiro, como estratégia de diversificação de
atuação destes conglomerados.
A expansão do capital estrangeiro nas financeiras vinculadas a conglomerados
financeiros deu-se durante o periodo de 68 a 73, caracterizado pela expansão da produção e
consumo de bens de consumo duráveis, reduzindo-se no período posterior. Já no caso das
financeiras vinculadas a empresas multinacionais produtoras destes bens, houve aumento de
suas operações em função da necessidade de apoiar o processo de comercialização de seus
bens numa situação de demanda interna menos dinâmica no período pós-73.
Participação relativa do capital estrangeiro nas financeiras no Brasil
(em porcentagem)
1970
1975
1980
100,0
100,0
!00,0
Empréstimos
87,4
85, I
80,4
Financeiras nacionais
12,6
14,9
19,6
Financeiras estrangeiras
3,7
5,9
!0,1
• Complexos industriais
8,9
9,0
9,5
• Complexos bancários
Fonte: Quem é quem na economia brasileira. São Paulo, Visão, ns. De agosto de 1970, de 1976 e de 1981,
apud Baer (1986, p. 35)
Leasing (Companhias de arrendamento mercantil)
Neste setor a penetração de capital estrangeiro foi muito intensa. Isto se deveu
principalmente a dois fatores: por esta atividade ser praticamente desconhecida no país e pelo
setor de bens de capital ainda não ter a importância que viria a ter na economia a partir da
década de 70
15
.
Pode-se distinguir três etapas no desenvolvimento das operações de leasing no
Brasil:
32
I) De 1970 a 1974
Durante este período houve grande entrada de empresas de leasing no mercado
brasileiro. A maioria delas era controlada totalmente por capitais estrangeiros sendo estes
principalmente de origem norte-americana. Esta entrada se deu basicamente de duas formas:
através de uma estratégia de diversificação de operações por parte das instituições financeiras
já instaladas no país e através de instalações de empresas de arrendamento mercantil por parte
de grandes bancos internacionais que não estavam fisicamente instalados no país, como é o
caso da Manufactures Hannover Corp., a mais importante delas.
Para se ter uma idéia do aumento das empresas de leasing no período em questão, em
1970 havia apenas três empresas estrangeiras, enquanto em 1975 este número já era de 19.
Neste período, o arrendamento mercantil de veículos era o que tinha maior
importância devido ao desenvolvimento deste setor na economia. Algumas empresas de
leasing chegavam a funcionar vinculadas à indústria, como é o caso da Volkswagen.
2) De 1975 a 1977
Este período é marcado pela regulamentação das empresas de leasing. Em primeiro
lugar, foram proibidas operações com equipamentos importados. Em segundo, restringiu-se a
participação estrangeira permitida nas empresas a 33% do capital com direito a voto.
Com a economia crescendo cerca de 5% ao ano e com o setor de bens de capital em
expansão, aumentaram as operações de arrendamento principalmente de equipamentos
pesados e de minicomputadores. As empresas estrangeiras levavam vantagem sobre as
nacionais, pois as operações eram baseadas em dólares, e não em moeda nacional.
3) A partir de 78
Neste período também houve uma forte expansão das operações de arrendamento
mercantil e uma maior participação dos grandes conglomerados financeiros nacionais. Dado o
contexto de desaceleração do crescimento e aumento das dificuldades financeiras das
empresas, as operações de leasing representavam as seguintes vantagens: diminuição do risco
e lucro tributável das empresas arrendatárias, além de o equipamento não ser considerado
15
As empresas de leasing promovem o arrendamento mercantil de bens de consumo duráveis e bens de capital
principalmente. Elas viabilizaram um aumento de vendas do setor de bens de capital e por isso era do interesse
33
ativo imobilizado; a amortização e os juros pagos eram contabilizados como custos; e também
deve-se considerar que num contexto de política restritiva de crédito o leasing é fonte
adicional de recursos para as empresas.
Outro fator importante a se discutir é o aumento do interesse dos conglomerados
nesta área, ou seja, houve um aumento da tendência de grupos nacionais de se associarem
com o capital estrangeiro na área de leasing. Isto se deveu aos seguintes fatores: 1) a
associação permite que os grupos nacionais cubram todas as faixas de mercado de leasing,
operações de menor porte com recursos internos e de maior porte com recursos externos por
tratar-se de quantias maiores; e 2) pela necessidade de refinanciamento da dívida externa, as
operações de leasing funcionavam como mecanismo de captação de dólares no exterior e,
conseqüentemente, forma de aliviar pressões sobre a balança comercial.
Escritórios de Representação dos Bancos Estrangeiros
A importância dos escritórios de representação no contexto de internacionalização
bancária deveu-se às restrições existentes aos bancos estrangeiros para atuarem diretamente
no sistema financeiro nacional. Esta forma de atuação, na qual as instituições praticamente
não tem capital investido, representou um dos mecanismos mais importantes do processo de
internacionalização financeira via endividamento externo.
Apesar de estes escritórios serem impedidos de concretizar qualquer operação, eles
exerciam importantes funções no sistema financeiro: 1) intermediar operações financeiras,
principalmente transferências e créditos diretos à indústria; para isto mantiveram estreitas
relações com bancos nacionais, indústrias e órgãos governamentais e 2) acompanhar o
desempenho da economia brasileira para servir como fonte de informação aos seus clientes e
também corno peças-chave para avaliação do Country-Risk dos países devedores.
Na primeira metade da década de 70 houve uma grande expansão dos escritórios de
representação, como se pode notar pelos seguintes dados: em 1969, havia 36 escritórios no
Brasil, representando 31 bancos estrangeiros principalmente da Alemanha, EUA e Suíça; já
em 1975, havia 157 escritórios que representavam 137 bancos estrangeiros, agora com uma
participação maior também de outros países como Japão, Inglaterra e França.
deste segmento a entrada de empresas estrangeiras de leasing no Brasil.
34
Esta expansão ocorreu, em pnme1ro lugar, em função do grande crescimento
econômico e do forte processo de internacionalização dos setores de ponta ocorridos no
período do chamado "milagre brasileiro"; e em segundo lugar, à aceleração da atividade
especulativa internacional e nacional provocada pela livre flutuação das moedas no sistema
internacionaL
Com a crise do final da década, estes escritórios continuaram sendo importantes
como articuladores para entrada de capital de risco e no refinanciamento da dívida externa.
Apesar de não serem participantes diretos do sistema financeiro nacional, foram peças-chave
na internacionalização deste.
Conglomerados Financeiros
Com a refmma financeira, foram criadas instituições financeiras especializadas e
juridicamente autônomas, mas que podiam operar de maneira integrada. Este tipo de
agrupamento não é característica exclusiva dos bancos privados nacionais, mas também dos
bancos públicos e instituições financeiras estrangeiras.
Principais conglomerados no sistema financeiro brasileiro
Participação relativa em 31-12-81
Empréstimos
Patrimônio líquido
100,0
100,0
49 maiores conglomerados
11,7
26,6
Públicos
88,3
73,4
Privados
100,0
Conglomerados privados
100,0
75,3
87,3
Nacionais
Estrangeiros
24,7
12,7
Fonte: Balanço Financeiro, 31-03-82, apudBaer (1986, p. 51)
Para esta análise, considerou-se como conglomerados o agrupamento de bancos
comerciais, bancos de investimentos e financeiras. Assim, em 1981, havia 12 conglomerados
estrangeiros entre os 49 maiores do país. "Considerou-se corno conglomerado estrangeiro
aquele constituído por um grupo de instituições financeiras que, sem serem todas controladas
por capital externo, opera de maneira articulada com um banco comercial majoritariamente
estrangeiro que determina as diretrizes do conjunto." (Baer, 1986, p. 45).
35
A expansão destes conglomerados estrangeiros deveu-se ao eixo de atividades dos
principais bancos estrangeiros instalados no país e ao processo de endividamento externo do
país. "Os clientes em potencial destes bancos são tanto as grandes empresas multinacionais,
aqui instaladas, como as empresas nacionais que não têm acesso direto ao mercado financeiro
internacional, sejam privadas ou públicas, do setor produtivo ou inclusive do próprio setor
financeiro." (Baer, 1986, p.52).
36
CAPÍTULO 3: A DÉCADA DE 90
Neste capítulo será tratado o movimento de internacionalização bancária que está em
curso na década de 90. Primeiramente será feita uma análise resumida do processo de abertura
financeira ocorrida no Brasil, e também do ajuste e reestruturação do sistema financeiro
brasileiro após a estabilização da economia. Depois será feita uma análise mais aprofundada
da entrada dos bancos estrangeiros, expondo os aspectos positivos e negativos da
internacionalização bancária no Brasil nos anos 90.
O capítulo está dividido em:
1) Abertura externa do sistema financeiro brasileiro
2) Processos de ajuste e reestruturação do sistema financeiro
3) Bancos estrangeiros no Brasil
3.1) Os bancos ingressantes
3.2) Pontos positivos e negativos: um balanço
1) Abertura externa do sistema financeiro brasileiro
Corno já foi visto no primeiro capítulo deste trabalho, desde os anos 80 houve
grandes transformações no mercado financeiro internacional. Destacam-se os processos de
globalização financeira e de securitização das dívidas, que provocaram um aumento dos
fluxos financeiros internacionais. Esses fluxos se direcionaram para as economias latinoamericanas a partir do final dos anos 80 devido à queda da taxa de juros e a recessão dos
países centrais, que tomaram as taxas de juros dessas economias bastante vantajosas para os
investidores internacionais. Os fluxos também foram estimulados pelos programas de
estabilização e de ajuste implantados por recomendação dos organismos multilaterais e pelos
acordos de renegociação da dívida externa, sendo importante citar o processo de privatização
de empresas estatais (Baer, 1996).
Estes dois fatores mostram que o direcionamento dos fluxos de capitais
internacionais para o Brasil na década de 90 não esteve primeiramente associado ao processo
de estabilização e ajustes estruturais como dizem muitos analistas. "Ao contrário, foi o influxo
37
destes capitais uma das condições básicas para viabilizar a implementação de um programa de
estabilização com ênfase em taxas de câmbio reais ou ascendentes." (Baer, 1996, p. 5).
O motivo principal do interesse das autoridades econômicas em atrair capital externo
estava ligado aos esforços de estabilização, para os quais era importante que houvesse uma
redução da restrição externa. Também houve interesse dos segmentos nacionais na abertura,
pois a maior parte do influxo de recursos correspondia a capitais repatriados.
A volta dos capitais extemos não apenas para o Brasil, mas para toda América
Latina, ajudou a reverter a situação de restrição cambial e a diminuir o desequilíbrio
financeiro e fiscal do setor público, duas causas essenciais dos processos inflacionários
observados na região. Este influxo diminuiu o risco cambial e também reforçou o processo de
estabilização através de âncora cambial.
É importante citar na discussão da abertura fmanceira o investimento de portfólio no
mercado financeiro doméstico, já que este é um dos principais componentes dos fluxos de
capitais globais no contexto atuaL Um dos marcos desta abertura foi, em 1991, a instituição
do Anexo IV à Resolução 1289/87, "o qual permitiu a entrada direta de investidores
institucionais estrangeiros no mercado acionário sem critérios de composição, capital mínimo
inicial e periodo de permanência no País." (Prates, 1998, p. vii). Esta tomou-se a principal
modalidade de investimento de portfólio no Brasil. Já os fluxos de hot money ingressaram
principalmente pelas contas de não-residentes do mercado de câmbio flutuante (CC-5), que
não apresentava restrições quanto ao tipo de aplicação permitida. Já com relação à captação
de recursos externos, o seu retomo ocorreu através da emissão de títulos de dívida direta no
mercado internacional de capitais. Para viabilização da captação de recursos, o marco
regulatório foi alterado, adequando-o ao modelo de financiamento internacional "ancorado na
securitização das dívidas e na dissolução das fronteiras entre os segmentos de renda fixa e
variável e entre mercados de crédito e de capitais ... " (Freitas; Prates, 1998, p. xi). É
importante notar que o único instrumento de canalização de recursos externos através do
sistema bancário doméstico são os repasses dos recursos captados pelos bancos mediante a
emissão de títulos no exterior.
Embora tenha havido na década de 90 um aumento significativo na captação de
recursos externos não houve, entretanto, mudanças importantes na composição do funding do
38
sistema bancário doméstico. Foi a arbitragem de juros o principal fator de estímulo ao influxo
de capitais, que se direcionou principalmente para títulos públicos.
"É importante ressaltar que o pequeno grau de dolarização do sistema bancário
brasileiro e a adoção de uma gestão macroeconômica menos receptiva aos fluxos de capitais,
vis-à-vis outros países latino-americanos, como México e Argentina, atenua a vulnerabilidade
do sistema financeiro doméstico às mudanças na direção dos fluxos de capitais. Todavia, vale
salientar que o fato da maior parte dos passivos bancários dolarizados estarem com hedge, em
títulos públicos indexados à taxa de câmbio, uma eventual fuga de capitais, seguida de uma
crise cambial, pode ter impactos deletérios sobre as finanças públicas." (Freitas; Prates, 1998,
p.xiv).
2) Processos de ajuste e reestruturação do sistema financeiro
A estabilização monetária do Brasil foi baseada na utilização de âncora cambial. Isto
só foi possível graças à abertura financeira realizada e à volta dos capitais externos para o
Brasil, que contribuiu para reverter a situação de restrição cambial e diminuir o desequilíbrio
financeiro e fiscal do setor público. Na década de 90 também foi realizada a abertura
comercial, que combinada com a moeda nacional valorizada, implicou forte competição dos
produtos importados, forçando os produtores nacionais a reduzirem suas margens de lucro e a
aumentarem sua eficiência. Esta competição foi fundamental na contenção do aumento dos
preços internos, entretanto, gerou um aumento das importações e ampliação dos déficits em
transações correntes, financiados pelo ingresso de fluxos de capitais voláteis. Foram estes
fluxos que também viabilizaram a acumulação de reservas internacionais, fator fundamental
para a manutenção da confiança dos agentes econômicos na capacidade de defesa da taxa de
câmbio nominal. Outro fator importante no processo de estabilização foi o ajuste patrimonial
do Estado através da privatização de empresas estatais.
Mendonça de Barros e Almeida Júnior (1997) dividem em 3 fases as mudanças
ocorridas no sistema financeiro brasileiro, após a implementação do Plano Real em julho de
1994.
A pnmena fase é caracterizada por: 1) diminuição do número de bancos na
economia, devido a processos de liquidação, incorporação , fusão e transferência de controle
39
acionário de várias instituições bancárias e 2) implementação do Proer e outras modificações
quanto à legislação e supervisão bancária. A segunda fase inicia-se em meados de 1996 e é
caracterizada pela entrada de bancos estrangeiros e início dos ajustes do sistema financeiro
público. A terceira e última fase ainda está em curso e deverá refletir mudanças no modelo
operacional do sistema financeiro devido à perda das receitas inflacionárias e do potencial de
crescimento dos serviços de intermediação financeira e da oferta de serviços bancários. Esta
monografia irá, portanto, concentra-se na segunda fase de mudanças do sistema financeiro
nacional.
Com a estabilização monetária os bancos perderam suas receitas inflacionárias e de
float 16, que eram propiciados pela perda do valor real dos depósitos a vista e/ou pela correção
dos depósitos bancários em valores abaixo da inflação. A perda do jloat significou que o
sistema financeiro teria que se ajustar à nova realidade de preços estáveis. Um dos ajustes a
serem feitos foi a redução do número de agências bancárias, pois o número elevado só era
viabilizado pelas transferências inflacionárias. Além disso, urna das fonnas que o sistema
bancário encontrou para compensar a perda do jloat foi a expansão das operações de crédito.
Nos seis meses após a implementação do Real foram observados aumentos de 165,4% dos
depósitos a vista e de aproximadamente 40% dos depósitos a prazo. Como este aumento já era
esperado, para evitar uma expansão muito grande do crédito, já no início do Plano Real, o
Banco Central elevou os recolhimentos compulsórios sobre os depósitos a vista e a prazo.
Mesmo assim houve um aumento de 58,7% nos empréstimos do setor bancário para o setor
privado no primeiro ano póswReaL "O grande problema em períodos de expansão rápida dos
créditos é o aumento da vulnerabilidade das instituições financeiras." (Barros; Almeida, 1997,
p. 5).
Isto porque períodos de expansão de crédito são também períodos de expansão
macroeconômica que levam os bancos a aumentarem sua carteira de crédito, mas ao mesmo
tempo dificulta uma análise rigorosa de risco por parte dos bancos. Deste modo, quando
houve redução no ritmo de crescimento da economia brasileira e aumento da taxa de juros,
em 1995, observouwse grande aumento nos créditos em atraso e em liquidação no sistema
financeiro. Este fato ajuda a explicar a deterioração dos ativos de instituições que já eram
vulneráveis antes do Plano Real, corno por exemplo os bancos Econômico e Nacional.
16
As receitas de float referemwse ao rendimento adicional gerado pelos recursos não-remunerados ao serem
aplicados pelos bancos, mesmo com inflação zero, diferentemente das receitas inflacionárias, que se referem aos
40
Depois da quebra do Econômico, as autoridades monetárias foram impulsionadas a
realizar mudanças na legislação e na supervisão bancária e a implementarem o Proer e o
Proes 17 . Além de permitir o ingresso de bancos estrangeiros, ponto que será desenvolvido
com maiores detalhes na próxima seção.
Puga (1999) analisou as mudanças realizadas no sistema financeiro e concluiu que o
grau de vulnerabilidade dos bancos privados nacionais se reduziu desde o Plano Real. O grau
de alavancagem observado em dezembro de 98 foi o menor no período 94-98. Já o nível de
inadimplência dos bancos privados era de 4,2% na mesma época. Além disso, o autor vê o
ingresso de bancos estrangeiros corno um importante elemento para dar mais solidez e
eficiência ao sistema financeiro nacional. Finaliza dizendo que a desvalorização cambial não
atingiria seriamente o sistema financeiro pois uma parcela significativa das captações externas
são realizadas por bancos estrangeiros, que têm cobertura de suas matrizes no exterior. Além
disso, as obrigações externas líquidas dos bancos são direcionadas principalmente para
empresas exportadoras, que possuem receita em dólar; importadores, que têm contratos
futuros que os protegem de uma desvalorização; e títulos com hedge cambial.
A tabela abaixo ilustra os efeitos da estabilização da economia e dos programas de
reestruturação sobre o número de instituições financeiras.
Número de Instituições Financeiras
Dez/88
Jun/94
Dez/98
Bancos Públicos Federais
6
6
6
Múltiplos
Comerciais
De Desenvolvimento
Caixa Econômica Federal
o
I
I
2
2
I
I
2
2
I
I
Bancos Públicos Estaduais
37
34
24
o
24
23
2
16
2
Tipos de Instituição
Múltiplos
Comerciais
4
~
ganhos derivados da corrosão, pela inflação, dos valores reais de recursos de terceiros depositados nos bancos,
sem remuneração ou remunerados abaixo da inflação.
17
O Proer (Programa de Estímulo à Reestruturação e ao Fortalecimento do Sistema Financeiro Nacional) foi
instituído em novembro de 1995. As instituições que participaram desse programa tiveram acesso a uma linha de
crédito especial, entre outros privilégios. É um programa que visava garantir a estabilidade do sistema
financeiro, evitando que problemas de liquidez e solvência ocasionassem uma crise sistêmica.
O Proes (Programa de Estímulo à Reestruturação do Sistema Financeiro Público Estadual) foi instituído em
junho de 1998 e seu objetivo é a redução da presença do setor público na atividade fmanceira bancária,
preferencialmente pela privatização, extinção ou transformação em instituição não-fmanceira ou agência de
fomento.
41
-De Desenvolvimento
-
lO
7
6
I
o
Filiais de Bancos Estrangeiros (Comerciais)
4
44
3
41
18
147
138
9
19
106
101
5
16
Bancos com Controle Estrangeiro
7
19
19
Caixa Econômica Estadual
Bancos Privados Nacionais
Múltiplos
Comerciais
Múltiplos
o
Comerciais
31
29
2
Bancos de Investimentos
7
5
1
4
49
17
36
34
-2
23
21
2
22
Total do Sistema Bancário Nacional
166
273
233
Sociedade de Crédito, Financiamento e Invest.
102
54
259
419
55
598
42
288
376
24
912
o
o
46
83
233
212
20
1.222
4
1.653
1.987
2.053
Bancos com Participação Estrangeira
Múltiplos
Comerciais
Sociedade de Arrendamento Mercantil
-Corretoras de Câmbio e Valores Mobiliários
Distribuidoras de Câmbio e Valores Mobiliários
Soe. Crédito Imobiliário e Assoe. de Poup. e Emp.
Cooperativas de Crédito
Companhias Hipotecárias
Total do Sistema Financeiro Nacional
o
72
·-
Fonte: Banco Central do Brasil, apud Puga (1999, p.14)
3)
--
-
Bancos estrangeiros no Brasil
Desde a promulgação da Constituição de 1988, a entrada de capital estrangeiro ficou
proibida. Entretanto, o artigo 52 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias admite o
ingresso de bancos estrangeiros no Brasil em casos de acordos internacionais, aplicação do
princípio de reciprocidade ou de "interesse nacional". No momento atual, estes interesses
seriam o de solucionar problemas de bancos em dificuldades, fortalecer o sistema financeiro
nacional e dar continuidade à política de abertura externa do sistema financeiro.
Sendo assim, através da Exposição de Motivos n° 311, editada pelo ministro da
Fazenda em 23 de agosto de 1995, o governo brasileiro estabeleceu que é do interesse do país
a entrada e/ou o aumento da participação de instituições estrangeiras no sistema financeiro.
42
Simultaneamente, o contexto internacional de liberalização e a desregulamentação
financeira somados ao surgimento de novos instrumentos e agentes financeiros provocaram
um acirramento da concorrência bancária, que motivou a diversificação das atividades dos
bancos internacionais e também um movimento de concentração e centralização através de
fusões e aquisições (ver capítulo 1, item 3). A atual dinâmica concorrencial do sistema
financeiro também vem estimulando a diversificação geográfica e a atuação global nos
diferentes mercados e segmentos econômicos (Freitas; 1998). Apesar de os principais clientes
no exterior ainda serem as filiais locais das empresas do país de origem, o fato de o
financiamento das grandes empresas atualmente se dar através dos mercados internacionais de
capitais fez com que os bancos procurassem ampliar suas atividades no exterior através de
aquisição e/ou participação acionária em instituições domésticas. Freitas (1998, p. 93) conclui
que "as estratégias de apoio e financiamento externo e diversificação que prevaleceram no
passado cederam a primazia à estratégia de diversificação das atividades no mercado local, o
que exige redes de agências mais densas e maior integração com o mercado doméstico."
E por que o direcionamento para o Brasil? O que aumentou o interesse das
instituições financeiras em atuar no país foram as perspectivas de estabilização sustentada da
economia brasileira criadas com a implementação do Plano Real em julho de 94.
Adicionalmente, a "abertura do mercado de capitais, o processo de privatização e as
perspectivas de negócios na área de financiamento da infra-estrutura atraíram diversas
instituições estrangeiras. Pois, são amplas as possibilidades de negócio e de lucros, sobretudo
no segmento bancário de investimento, com destaque para a administração de recursos de
investidores estrangeiros, a estruturação de operações de privatização e project finance, o
lançamento de ações e títulos brasileiros no país e no exterior e assessoria nos processos de
reestruturação de empresas brasileiras." (Freitas; 1998, p. 95).
3.1) Os bancos ingressantes
O primeiro banco a ingressar no país após a Exposição de Motivos n° 311 foi o
banco holandês Raibobank Nederlands, que já possuía escritório de representação no Brasil.
Em 1996, foi autorizada a entrada de mais cinco instituições. O ano de 1997 foi o de maior
número de autorizações de ingresso para instituições estrangeiras. No total foram 13,
43
somando bancos comerciais, de investimento e financeiras. Todas pagaram "pedágio" 18 , com
exceção do Wachovia Corporation, que comprou a subsidiária brasileira do Banco Português
Atlântico e do Hongkong Shangai Banking Corporation (HSBC), que adquiriu o Bamerindus
com recursos do Proer.
O HSBC tomou-se, em 1997,o maior banco estrangeiro tanto em volume de ativos
quanto por extensão da rede bancária. Além disso, foi a primeira vez que a falência de urna
grande instituição bancária brasileira foi resolvida através de sua venda à entidade estrangeira.
Em 1997 também ocorreram as aquisições pelo espanhol Santander do Banco Geral
do Comércio e do Noroeste, e no mês de setembro, ocorreu a transferência do controle
acionário do Boavista para o Banco InterAtlàntico, controlado pelo banco português Espírito
Santo, o Grupo Monteiro Aranha e o banco francês Crédit Agrico1e.
Quatro novas instituições estrangeiras ingressaram no mercado brasileiro nos quatro
primeiros meses de 1998. Em março de 1998, o Sudameris adquiriu o controle do banco
América do Sul. O Banco Bilbao Viscaya, que ingressou no país através da aquisição do
Banco Excel-Econômico (o sétimo maior banco privado nacional), começou, em agosto, com
55% do capital votante, passando para 100% no mês de outubro.
Em maio de 98, o Banco Garantia, principal banco de investimentos brasileiro, foi
comprado pelo Crédit Suisse First Boston (CSFB), banco de investimento do Grupo Crédit
Suisse.
Além do ingresso de novas instituições, houve expansão dos bancos estrangeiros já
em atividade no sistema financeiro nacional. "Entre julho de 1995 e abril de 1998,
registraram-se 19 operações envolvendo o aumento da presença estrangeira, sob várias
formas: instalação de novas unidades de negócio, associações, aquisição e/ou ampliação da
participação acionária em instituições domésticas." (Freitas; 1998, p. 103) Um exemplo é o
Banco Santander. Ele já atuava no mercado brasileiro através de uma surcusal e investiu na
compra do Banco Geral do Comércio e do Banco Noroeste, o primeiro em agosto de 1997, e o
segundo em outubro do mesmo ano.
18
O "pedágio" é cobrado a título de contribuição para a recuperação dos recursos públicos utilizados no
saneamento do sistema financeiro. Seu valor é determinado em função do capital mínimo exigido para cada
modalidade de instituição financeira. É cobrado tanto nas autorizações de ingresso de novas instituições como na
ampliação da presença estrangeira.
44
Em novembro de 1998, o Conselho Monetário Nacional aprovou a compra do total
das ações com direito a voto do Banco Real pelo ABN Amro Bank, que já detinha 40% de
tais ações desde julho de 98. Este banco já tinha comprado o Bandepe (Banco do Estado de
Pernambuco). Assim além de ser o maior banco da Holanda, passou a ocupar o posto de
maior banco estrangeiro no Brasil, ocupado desde 1997 pelo Banco HSBC.
Houve também o aumento da presença estrangeira através da instalação ou aquisição
de instituições não-bancárias. O Deutsche Bank instalou uma corretora de valores, o Citibank
e o BankBoston constituíram companhias hipotecárias e o Lloyds Bank adquiriu a financeira
Losango.
Por outro lado, alguns bancos estrangeiros tiveram dificuldades para se estabelecer
no mercado brasileiro, por exemplo o francês Crédit Lyonais vendeu o controle do BFB para
o Itaú em 1996. Outros bancos optaram pela área de atacado em vez de varejo: o Chase
Manhattan deixou o varejo em 1992 para atuar como banco de investimentos, o Deutsche
Bank, por sua vez, decidiu se especializar nas áreas de gestão de recursos, finanças
corporativas e custódia de valores.
A tabela abaixo mostra a evolução do ingresso de bancos estrangeiros no mercado
brasileiro no periodo após a Exposição de Motivos no 311.
~-
Evolução do Número de Bancos Estrangeiros no Brasil
Jun/95
Dez/98
17
16
36
Total dos Bancos Múltiplos e Comerciais (B)
20
37
240
203
Participação dos Estrangeiros (A/B) (%)
15,4
25,6
Tipos de Instituição
Filiais de Bancos Estrangeiros
--
Bancos Privados com Controle Estrangeiro
Total de Bancos Estrangeiros (A)
52
Fonte dos dados brutos: Sisbacen, apud Puga (1999, p.l7)
Em julho de 1999 o governo brasileiro anunciou que a entrada mediante a criação de
novas instituições não seria mais permitida.
45
3.2) Pontos positivos e negativos: um balanço
Na Exposição de Motivos
ll
0
311 apresentada pelo ministro da Fazenda foram
citados os fatores considerados importantes para mostrar a necessidade de capitais externos
para o desenvolvimento do sistema financeiro nacional. Entre eles, a alta qualidade dos
serviços prestados pelas instituições estrangeiras já presentes no Brasil; introdução de novas
tecnologias e inovações que gerariam mais eficiência alocativa da economia brasileira, visto
que haveria escassez de capitais nacionais para dar continuidade ao processo de atualização
tecnológica; maior concorrência dentro do sistema nacional que reduziria os preços dos
serviços e os custos dos recursos bancários.
Executivos de bancos nacionais e estrangeiros concordam com os aspectos positivos
do ingresso dos bancos estrangeiros, basicamente no que se refere ao aumento do nível de
capitalização, inserção de novas tecnologias, o fato de o aumento da concorrência poder
provocar uma redução dos preços, e ainda a redução dos spreads bancários. Estes fatores
beneficiariam tanto o sistema financeiro, propiciando urna maior solidez, quanto a sociedade
em geral, já que os serviços bancários ficariam mais baratos e com melhor qualidade.
No entanto, corno destaca Freitas (1998), a redução dos spreads, segundo os
empresários entrevistados em seu trabalho, resultaria da diminuição do risco da atividade
bancária, o que dependeria da retração das taxas de juros e da inadimplência e não de um
acirramento da concorrência.
O argumento mais forte a favor da desnacionalização é que esta resultaria no
aumento da solidez patrimonial do sistema bancário brasileiro e, assim, numa mawr
capacidade de absorção dos choques macroeconômicos, reduzindo a possibilidade de crise
sistêmica.
Já a redução dos preços e tarifas e dos custos dos empréstimos pode não se efetivar
pms existem outras formas de concorrência mais eficientes como, por exemplo, a
diferenciação dos serviços oferecidos aos clientes.
"Em resumo, a ação dos bancos, a partir de estratégias concorrenciais definidas em
relação a um futuro incerto, tem um forte impacto sobre a atividade econômica, mas nem
sempre no sentido esperado pelas autoridades ou previsto nos manuais econômicos." (Freitas;
1998, p. 121).
46
Além disso, essa autora lembra que os mercados financeiros não podem ser
considerados "alocadores eficientes" pois os agentes financeiros formam suas expectativas
baseados no comportamento dos mercados, que refletem a opinião média da comunidade
financeira sobre o futuro incerto e não sobre os fundamentos da economia. "A volatilidade
dos mercados é a resultante desse processo interativo de fonnação de expectativas autoM
realizadoras. Neste sentido, é questionável a tese de que a entrada de bancos estrangeiros
provoca mruor eficiência alocativa da economia brasileira, pela introdução de novas
tecnologias de gerenciamento de recursos, inovações de produtos e serviços e 'maior
concorrência'." (Freitas; 1998, pp. 121-122).
Um dos pontos mais discutidos contra a ampliação da presença estrangeira no
mercado brasileiro é a possibilidade de esta causar uma redução do poder de atuação da
política monetária. Outros fatores são apontados por Costa (1998a): I) aumento da
vulnerabilidade da moeda nacional, pois os bancos estrangeiros poderiam lucrar apostando
contra a moeda brasileira; 2) maior dificuldade de colocar títulos de dívida pública junto aos
bancos estrangeiros; 3) menor nível de controle sobre o funding dos bancos estrangeiros; 4)
menor controle sobre o fluxo de entrada e saída de capital externo; 5) a decisão sobre a
alocação da poupança seria tomada no exterior, sem levar em consideração os pontos
prioritários da política econômica interna; 6) possível perda da soberania nacional, pois
nenhum país desenvolvido, na prática, permite que seus maiores bancos sejam comprados por
estrangeiros.
Freitas argumenta que, na verdade, não é uma maior presença no mercado bancário
nacional que toma a moeda brasileira mais vulnerável, pois os bancos estrangeiros podem
tanto remeter recursos para o exterior, quanto trazer recursos do exterior, podendo agravar ou
sustentar a situação cambial vigente. O que representa uma ameaça à moeda nacional é muito
mais a dependência do capital externo sob a forma de investimento de portfólio no mercado
doméstico e emissão de títulos no mercado internacional. Quanto à diminuição da capacidade
do Banco Central de executar a política monetária, a ameaça maior vem dos fluxos de capitais
voláteis e é uma tendência observada em todos os países que liberalizaram os controle sobre
movimentos de capitais.
O controle sobre os bancos estrangeiros, por sua vez, segundo a autora, deve ser o
mesmo vigente sobre as instituições nacionais pois estes estão sujeitos às mesmas regras e
cumprem as mesmas exigências e normas. A perda de crédito do Banco Central é mais um
47
argumento equivocado, pois corno a economia brasileira está fundada no regime de moeda de
crédito, a moeda emitida exclusivamente pela autoridade monetária é a moeda de pagamento
de todos os saldos monetários das instituições bancárias. Sendo assim, os bancos estrangeiros
precisarão dessa moeda para liquidar suas transações. O que pode acontecer é que essas
instituições se recusem a comprar títulos públicos brasileiros, mas isso não vai depender da
nacionalidade da instituição.
No que se refere à decisão da alocação da poupança, é importante dizer que este
sempre foi um dos maiores problemas do sistema fmanceiro brasileiro. O financiamento de
longo prazo nunca dependeu da oferta de crédito das instituições privadas, que sempre
atuaram apenas como repassadoras de capital de empréstimo externo ou de recursos de
agências de fomento. "Tanto os bancos privados nacionais como os bancos estrangeiros
sempre se concentraram no financiamento dos déficits governamentais e na concessão de
crédito de curto prazo para o setor privado. Com maior ou menor presença estrangeira, o
papel dos bancos privados no financiamento do desenvolvimento ainda é uma incógnita. Com
o acesso das grandes empresas aos mercados internacionais de capitais, a forma de atuação
dos bancos pode não se alterar significativamente. Nesse caso, as operações tradicionais de
crédito continuariam, portanto, restritas ao curto prazo." (Freitas; 1998, p. 129).
48
CONCLUSÃO
O contexto econômico internacional na década de 70 era de excesso de liquidez nos
mercados financeiro internacionais, essencialmente no Eurornercado, que constituiu uma
importante fonte de recursos para países em desenvolvimento como o BrasiL Foi através
principalmente
dos
bancos
internacionais
privados
que
o
capital
financeiro
se
internacionalizou e adquiriu agilidade e flexibilidade. No caso do Brasil, foram os bancos
estrangeiros aqui instalados os mais importantes repassadores do capital captado no exterior e,
portanto, atores importantes no processo de desenvolvimento da economia brasileira.
Apesar de o controle nacional do sistema financeiro brasileiro sempre ter
predominado, a internacionalização acabou avançando através da entrada de capitais de risco
e também do reinvestimento dos lucros das instituições financeiras estrangeiras já instaladas
no Brasil.
Como estas instituições tinham fácil acesso aos mercados financeiros internacionais,
suas atividades se concentraram nos repasses de recursos externos. Este movimento foi
reforçado pelo interesse dos bancos privados brasileiros em acessar os recursos disponíveis no
mercado financeiro internacional.
Os bancos estrangeiros expandiram suas atividades principalmente nos setores de
bancos de investimento e empresas de leasing. Deste modo, as instituições estrangeiras
acabaram dando maior ênfase aos créditos de médio e longo prazo para grandes projetos de
investimento.
Com estas características, os bancos estrangeiros exerceram principalmente duas
funções na economia na década de 70, a primeira refere-se à própria transferência de recursos
externos e a segunda ao fato de terem sido os principais credores da dívida externa brasileira.
De acordo com Baer (1986, p. 17) "o principal eixo de internacionalização financeira
no Brasil esteve estreitamente vinculado à dinâmica produtiva e se realizou diretamente
através do endividamento externo das empresas. Ou seja, as bases sobre as quais se estruturou
a indústria brasileira, com uma grande participação do capital estrangeiro e a expansão do
setor público no âmbito produtivo, promoveram a própria internacionalização financeira via
endividamento externo."
49
Já o movimento de internacionalização ocorrido na década de 90 é conseqüência
direta do processo de globalização financeira em âmbito internacional. O contexto
internacional de liberalização, a desregulamentação financeira, o surgimento de novos
instrumentos e agentes financeiros provocaram o acirramento da concorrência bancária.
Sendo assim, a dinâmica da concorrência bancária tem motivado movimentos de
concentração e centralização em âmbito doméstico e de diversificação geográfica e busca de
um crescimento na atuação global.
A perspectiva de estabilização sustentada da economia brasileira criada com a
implementação do Plano Real em junho de 1994 aumentou o interesse das instituições
financeiras estrangeiras em atuar no país. Além disso, o sistema financeiro brasileiro tem um
grande potencial de crescimento, como a área de intermediação financeira tradicional, pois os
bancos ainda operam no mercado de crédito com baixa alavancagem; e mesmo na oferta de
sen'iços bancários.
A política econômica nacional teve interesse na abertura externa do sistema
financeiro brasileiro, o que permitiu a entrada de capitais externos e auxiliou nos esforços de
estabilização, através da restrição externa. A entrada dos bancos estrangeiros foi possibilitada
por esse processo de abertura financeira e incentivada pelo governo no processo de reajuste
do sistema financeiro nacional. As autoridades econômicas acreditavam que este movimento
de internacionalização teria a função de fortalecer e modernizar o sistema financeiro.
Enquanto o movimento de internacionalização bancária nos anos 70 se deu através
da implantação de entidades no exterior com o objetivo de acompanhar a internacionalização
de seus clientes nacionais, de viabilizar o acesso de grandes empresas domésticas ao mercado
internacional de eurocredits e, em menor grau, de conquistar espaço no mercado bancário
local. Nos anos 90, apesar de os principais clientes dos bancos no exterior ainda serem as
empresas de seus países de origem, o objetivo dos bancos tem sido ampliar seus serviços nos
mercados de serviços financeiros através de aquisição e/ou participação acionária nas
instituições domésticas.
Como se pôde notar, durante a década de 70, os bancos enfatizaram as estratégias de
apoio e de financiamento esterno no processo de internacionalização. Já na década de 90, a
ênfase foi dada na estratégia de descentralização bancária. Estas diferenças de enfoque
devem-se em primeiro lugar aos diferentes contextos internacionais: excesso de liquidez
50
internacional nos anos 70 e globalização financeira nos ano 90, que detemünam as condições
de concorrência bancária, podendo estimular ou não a internacionalização; em segundo lugar,
aos interesses econômicos do país: a política de financiamento do desenvolvimento nos anos
70 e o reajuste do sistema financeiro após estabilização financeira. É fato que a política
econômica interna viabiliza este movimento de internacionalização bancária, mas não é um
determinante deste processo. Os fatores que o determinam se originam no contexto
econômico internacional e na conjuntura da dinâmica concorrencial bancária.
O processo de reestruturação do sistema financeiro somado à abertura ao capital
externo e à adaptação ao ambiente de baixa inflação ainda está em curso e tem como um de
seus objetivos corrigir uma das maiores falhas do setor financeiro brasileiro: a falta de uma
política que priorize o financiamento de longo prazo da economia, sem isso as dificuldades de
se promover um desenvolvimento sustentado fica ainda mais difícil.
"No Brasil, onde já estavam presentes importantes bancos estrangeiros de distintas
procedências, o sistema financeiro privado jamais se envolveu na concessão de financiamento
de longo prazo para as empresas produtivas, exceto como repassadores de capital de
empréstimo externo ou de recursos das agências oficiais de fomento. A entrada de novas
instituições financeiras estrangeiras não vai promover por si só a resolução desse problema."
(Freitas; 1998, p.ISO).
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