Instituto de Economia Universidade Estadual de Campinas Monografia O MOVIMENTO DE INTERNACIONALIZAÇÃO BANCÁRIA NOS ANOS 70 E 90 NO BRASIL Aluna: Ana Laura Drezza Ungaro Prof.a Orientadora: Daniela Magalhães Prates -"" Campinas, dezembro de 1999 / TCC/UNICAMP Un3m IE/553 Instituto de Economia Universidade Estadual de Campinas O MOVIMENTO DE INTERNACIONALIZAÇÃO BANCÁRIA NOS ANOS 70 E 90 NO BRASIL Aluna: Ana Laura Drezza Ungaro Orientadora: Prof.a Daniela Magalhães Prates Banca: Prof. Antônio Carlos Macedo e Silva Monografia apresentada ao Instituto de Economia da Universidade Estadual de Campinas como prérequisito para graduação em Ciências Econômicas Campinas, dezembro de 1999 2 RESUMO Esta monografia descreve os processos de internacionalização ocorridos no Brasil nos anos 70 e 90. O primeiro ocorreu num contexto internacional de excesso de liquidez nos mercados financeiros internacionais e, ao mesmo tempo, uma política interna de desenvolvimento econômico. O segundo está ocorrendo num contexto de globalização financeira enquanto o governo brasileiro promove um reajuste no sistema financeiro nacional. Tanto os fatores internos e externos descritos quanto os determinantes da concorrência bancária nos dois períodos definem a diferença de enfoque das estratégias utilizadas pelos bancos no movimento de internacionalização. Nos anos 70, o enfoque foi dado sobre a estratégia de financiamento, já nos anos 90, foi sobre a estratégia de descentralização bancária. 3 SUMÁRIO Introdução ................................................................................................................................ 04 Capítulo 1: O contexto internacional.. .................................................................................. 05 O sistema de Bretton Woods .................................................................................................... OS O Eurornercado ......................................................................................................................... 07 O sistema financeiro nos anos 80 e 90 ...................................................................................... 1O O processo de globalização ................................................................................................. 1O A dinâmica da concorrência bancária................................................................................. 13 O movimento de internacionalização bancária ......................................................................... 16 Razões da internacionalização ............................................................................................ 16 Estratégias de internacionalização ...................................................................................... I? Capítulo 2: A década de 70 ..................................................................................................... 19 A reforma financeira 1964/65 e a estrutura bancária na década de 70 ..................................... 19 A política econômica da década de 70: desenvolvimento através de endividamento externo .. 23 A participação estrangeira no sistema fmanceiro brasileiro nacional ...................................... .27 Capítulo 3: A década de 90 ..................................................................................................... 36 A abertura externa do sistema financeiro brasileiro .................................................................. 36 Processos de ajuste e reestruturação do sistema financeiro ...................................................... 39 Bancos estrangeiros no Brasil. .................................................................................................. 42 Os bancos ingressantes ...................................................................................................... 43 Pontos positivos e negativos: um balanço ........................................................................ .45 Conclusão ................................................................................................................................ .48 Referências Bibliográficas ..................................................................................................... .51 4 INTRODUÇÃO Atualmente a estrutura do sistema financeiro brasileiro tem passado por transformações associadas à estabilização econômica, à privatização dos bancos públicos e ao aumento da participação dos bancos estrangeiros no país. O país já havia passado por um movimento de internacionalização do sistema financeiro na década de 70, que, no entanto, ocorreu em condições diferentes tanto da economia mundial quanto da própria economia brasileira. Naquele período, a economia internacional não apresentava um grau tão alto de integração financeira e, além disso, a política econômica brasileira opta por não abrir o mercado financeiro doméstico como hoje. Nesta pesquisa foi enfocada a participação dos bancos estrangeiros no Brasil no período após o Plano Real, seus determinantes e desdobramentos sobre a economia brasileira. Além disso, o atual movimento de internacionalização bancária foi comparado com o movimento ocorrido na década de 70. Desse modo, pode-se verificar as diferenças entre o momento atual e o anterior. Apesar de não enfocar esta discussão diretamente, o estudo foi norteado pela relação existente entre o grau de participação estrangeira no sistema financeiro e a política de desenvolvimento realizada pelo governo em cada um dos períodos estudados. A pesquisa procurou mostrar que as diferenças existentes entre o processo de internacionalização bancária nas décadas de 70 e 90 estão relacionadas com a política econômica e de desenvolvimento praticada pelos governos em cada período e que a dinâmica financeira internacional exerce influências tanto na política econômica interna do país, determinando as decisões nacionais com relação a internacionalização bancária quanto o próprio processo de internacionalização. O tema é, por isso, de extrema relevância na atual conjuntura econômica brasileira. Por último, vale destacar que o processo de internacionalização financeira atual demanda pesquisas adicionais a respeito do tema em questão pois ainda há poucos trabalhos nesta área. 5 CAPÍTULO I: O CONTEXTO INTERNACIONAL Este capítulo tem corno objetivo apresentar as características gerais da evolução do sistema monetário e financeiro internacional e, particularmente da internacionalização bancária a partir do Acordo de Bretton Woods, passando pelo surgimento e desenvolvimento do Euromercado, sua evolução até chegar à globalização financeira dos dias de hoje. Será feita também uma análise sucinta da dinâmica da concorrência bancária e dos impactos do movimento de internacionalização sobre este tipo peculiar de concorrência. Assim será montado o cenário para que se possa discutir propriamente os processos de internacionalização bancária ocorridos no Brasil nas décadas de 70 e 90, objetivo central desse estudo. O capítulo está dividido da seguinte forma: I) O Sistema de Bretton Woods 2) O Euromercado 3) O sistema financeiro nas décadas de 80 e 90 3.1) O processo de Globalização 3.2) A dinâmica da concorrência bancária 4) O movimento de internacionalização bancária 4.1) Razões da internacionalização 4.2) Estratégias de internacionalização I) O Sistema de Bretton Woods Após o fim da 2a Guerra Mundial, restaurou-se o sistema financeiro internacional sob uma nova ordem, a do Acordo de Bretton Woods (1944). Nesse acordo criou-se o Fundo Monetário Internacional (FMI) e o Banco Mundial. O FMI foi criado com os objetivos principais de estabelecer um padrão ouro-dólar, aplicar um código de políticas e mecanismos de ajuste das balanças de pagamentos e também criar um fundo financeiro de apoio aos processos de ajuste. O Banco Mundial, por sua vez, teve primeiramente a função de financiar a reconstrução das economias européias e, posteriormente, as ftmções de reconstrução deram seu lugar àquelas mais associadas ao crescimento econômico dos países subdesenvolvidos de desenvolvimento (Baer; Lichtensztejn, 1987). Outras instituições importantes que vigoraram 6 durante o período em que o Acordo de Bretton Woods foi vigente foram o GATT, que tinha como função estabelecer as regras para o comércio de bens e serviços em nível internacional objetivando a liberalização das relações comerciais e a "correção" dos possíveis desequilíbrios nos Balanços de Pagamento dos países membros e os Bancos Regionais de Desenvolvimento, que procuravam canalizar empréstimos de longo prazo para as nações membros viabilizarem seu desenvolvimento. Desse modo, constituiu~se a base sobre a qual foi erguido o sistema financeiro internacional no pós-guerra, através do padrão ouro-dólar. O FMI fixava as paridades das várias moedas com o dólar. "O ouro constituía ativo de reserva oficial e era também utilizado para compensações de Balanço de Pagamentos. Assim, as moedas dos países membros se expressavam em dólar ou em ouro, pois o dólar mantinha uma paridade fixa com o ouro. Em suma, o valor das várias moedas nacionais traduzia-se no valor do ouro americano." (Pádua Lima, 1985, p. 30). O problema de liquidez internacional, devido à escassez de dólares no imediato pósguerra, o qual obstacularizava a reativação do comércio mundial e reconstrução dos países europeus. Foi em parte resolvido pelo Plano Marshall 1 • Ademais, houve um esforço de integração econômica entre os países da Europa Ocidental que acabou intensificando o comércio entre estes países e facilitando a recuperação de sua economia. Este processo de integração econômica e monetária da Europa Ocidental permitiu que estes países se tomassem mais independentes em relação aos EUA. O Japão também se recuperou através da reorganização de seu capital nacional. A partir dos anos 60, a hegemonia amencana passou a ser ameaçada devido à recuperação das economias européias e japonesa. ''No começo dos anos 50, o Balanço de Pagamentos americano passou a apresentar déficits constantes2 e a posição francamente credora dos Estados Unidos sofreu reversão" (passou de credor a devedor mundial) (Pádua Lima, 1985, p. 34). Na verdade, nos anos 50, o Balanço de Pagamentos americano é deficitário devido ao Plano Marshall e às ajudas bilaterais, isto mais tarde irá desembocar no problema da abundância de dólares e de perda de confiança nesta moeda do início dos anos 1 O Plano Marshall previa auxílio às nações européias, desde que houvesse, por parte desses países, o compromisso de estabelecer formas de cooperação mútua. No período de 48 a 50 os EUA canalizaram cerca de U$ 20 bilhões para a Europa OcidentaL 2 Déficit devido a gastos militares na Guerra da Coréia e aumento dos Investimentos Diretos das empresas americanas no exterior. 7 60. Durante esta década também houve crescimento dos Investimentos Diretos americanos principalmente dirigidos a Europa. Esta saída de capitais pressionou o Balanço de Pagamentos americano fazendo com que desde a primeira metade da década de 60 o governo adotasse medidas de contenção desses fluxos de saída de capitais. Além das despesas governamentais e dos investimentos diretos, outro fator que contribuía para o aumento dos déficits no Balanço de Pagamentos era o enfraquecimento dos EUA no comércio internacional, tomando o Balanço Comercial deficitário, e a guerra do Vietnã. As moedas fortes (marco, iene, franco) tinham a tendência a se valorizar e os Bancos Centrais destes países eram obrigados a comprar dólares na tentativa de minimizar esta valorização. Também mantinham suas taxas de juros elevadas para controlar a liquidez de suas economias. Temos, assim, que o Padrão Monetário Internacional de Bretton Woods, apesar de abalado desde o final da década de 50, vigorou durante toda a década de 60. Em agosto de 1971, os EUA declararam o fim da convertibilidade do dólar em ouro. Houve uma tentativa de realinhar as taxas de dl.mbio das principais moedas com o Acordo Smithsoniano de dezembro de 71, porém elas não se estabilizaram e no início de 1973 aconteceu uma nova onda de especulação contra o dólar que resultou no fim do sistema de taxas de câmbio fixas. "A causa imediata da morte do sistema de Bretton Woods foi a maciça especulação contra o dólar, sem precedentes na história." (Moffitt, 1983, p. 75). 2) O Euromercado ''O Euromercado pode ser definido como um mercado financeiro intemacional3, cujo prefixo euro advém do fato de ter-se iniciado e desenvolvido fundamentalmente na Europa. Posteriormente, suas operações estendiam-se para outras partes do mundo, tendo-se mantido, entretanto, a nomenclatura original." (Pádua Lima, 1985, p. 63). "Compõe-se de uma rede de bancos privados que operam em diversos centros financeiros espalhados pelos continentes, e 3 Pode ser assim chamado pois comporta um mercado monetário e de capitais, com operações cujos prazos de maturidade oscilam de 1 dia a 15 anos ou mais e envolvem vários tipos de ativos fmanceiros. 8 cumpre funções vitais para o avanço do processo de acumulação de capital." (Pádua Lima, 1985, p. 234). Este novo mercado se estruturou no fim da década de 50. No início predominavam as operações de curto prazo. Os principais fatores que possibilitaram o aparecimento e desenvolvimento do Euromercado foram; I) Depósitos em dólares dos países socialistas em bancos situados na Europa durante a Guerra Fria; 2) Restrições monetárias na Inglaterra, decorrentes da crise da libra esterlina em 1957; 3) Acordo Monetário Europeu (restituiu a conversibilidade externa das principais moedas européias em 1958); 4) Déjicits acumulados no BP americano; 5) Medidas restritivas sobre as operações do sistema bancário americano e controles sobre os fluxos de IDE das empresas americanas, no decorrer da década de 60. Este circuito financeiro transformou-se em mercado monetário para os próprios bancos estrangeiros que se instalaram no Euromercado e significou a ampliação dos negócios bancários para além dos mercados nacionais. Além disso, serviu de câmara de compensação dos desequilíbrios dos Balanços de Pagamentos e como fonte de recursos para os países. A partir da década de 70, os países subdesenvolvido, inclusive o Brasil, financiaram seus investimentos através de empréstimos neste mercadomercado. Este movimento de internacionalização financeira ocorrido nas década de 60 e 70 foi estimulado pelo excedente de dólares gerados pelo déficit no Balanço de Pagamentos americano e pelos superávits em transações correntes dos países exportadores de petróleo (petrodólares). Este processo foi essencialmente bancário e possibilitado principalmente por dois fatores: 1) desregulamentação das operações realizadas entre residentes e não-residentes em direção aos centros internacionais off-shore e 2) instalação dos grandes bancos internacionais nesses centros financeiros. Portanto, o Euromercado teve papel importante como motivador do processo de internacionalização bancária dos anos 70. Este mercado, baseado em moedas estrangeiras, acabou por viabilizar o desenvolvimento da intermediação financeira internacional. Assim, serviu como fonte de recursos de curto e médio prazos que garantiram as operações dos 9 bancos comerciais dos países industrializados (principais intennediadores do período), assim como local para que os bancos aplicassem seus superávits temporários em moeda estrangeira de forma mais lucrativa. Nesse mercado off-shore não há supervisão ou regulamentação, e seu desenvolvimento e crescimento acabaram sendo incentivados pelo rígido sobre os fluxos de capitais vigentew no período. O mercado interbancário se ampliou, mediante operações de transferência de liquidez dos bancos mais líquidos para os menos líquidos. Assim, os bancos acabaram gerando Iiquidez e surgiram como grandes intermediadores internacionais pois o Euromercado permitiu que os bancos expandissem seus créditos mais rapidamente do que se não existisse tal mercado. No caso brasileiro, tiveram grande importância os eurocredits, créditos sindicalizados concedidos com taxas de juros flutuantes, que serviram para financiar os programas de desenvolvimento em vigência na década de 70. O Euromercado sofreu mudanças no decorrer do tempo. Na década de 60, seus principais fornecedores de fundos eram o Japão e os países da Europa Ocidental. Depois do "choque do petróleo" e do colapso de Bretton Woods em 1973, os países da OPEP passaram a desempenhar este papel. Nos anos 70, os principais tomadores foram os países em desenvolvimento e do Leste Europeu, substituindo os países industrializados, que reduziram sua demanda por recursos financeiros neste período devido à recessão nos seus países de origem. Houve também uma mudança no tipo de instituição tomadora. Na década de 60, as corporações industriais e os bancos privados eram os principais captadores de recursos no Euromercado, depois passaram a ser instituições oficiais e empresas públicas de países em desenvolvimento. Pádua Lima (1985) concluiu em seu trabalho que apesar de o Euromercado ser intrinsecamente instável, pois reflete a instabilidade do sistema financeiro internacional, sua permanência está garantida dentro do atual quadro da economia internacional. Sem a sua existência desapareceria a rede de intermediação financeira internacional que liga os di versos mercados nacionais. 10 3) O sistema financeiro nas décadas de 80 e 90 3.1) O processo de Globalização Nos anos 80, há o início do processo de globalização financeira, que se refere ao "funcionamento de um mercado unificado de dinheiro e ativos não monetários em escala global." (Cintra; Freitas, 1998, p. 189). Este movimento pressupõe a internacionalização e a liberdade dos movimentos de capitais, além da integração dos mercados financeiros e de capitais domésticos e off-shore. Assim, a abertura externa e interna dos sistemas nacionais, que antes eram fechados e segmentados, constituiu um pilar deste movimento. Para melhor explicar o desenvolvimento do sistema financeiro nas década de 80 e 90 e entender como chegou-se a este grau de globalização financeira, vamos analisar a evolução do sistema monetário-financeiro dos Estados Unidos no período de 1982 a 1994, pois é a economia deste país que mais fortemente influenciou o processo de globalização financeira. A principal razão disto é que os EUA manteve sua hegemonia após o colapso de Bretton Woods, sendo que a reafirmação dessa hegemonia ocorre com a política do dólar forte adotada em 1979. Segundo Chesnais, "com a globalização desse sistema americano, iniciou-se a montagem de um novo esquema de fluxos financeiros, que sintetiza quatro grandes movimentos: a desregulamentação e a liberalização promoveram a interligação dos diferentes mercados nacionais, conformando um grande mercado global; a institucionalização da poupança financeira; o processo de securitização das dívidas; e os instrumentos derivativos." (Plihon, 1996). A estrutura institucional do sistema financeiro dos EUA foi construída no início dos anos 30 a partir de três princípios principais: 1) restrição à competição entre instituições financeiras, resultando numa estrutura segmentada; 2) proteção estatal, incluindo um sistema de seguro dos depósitos 4 e mecanismos de supervisão; 3) transparência na gestão dos negócios5 (Cintra; Freitas, 1998, p.l79). 4 Este foi o mais importante sistema de proteção estatal do país, restaurando a confiança no mercado financeiro após as corridas bancárias que ocorreram no período de 1931 a 1933. Ele criou duas categorias de intennediários financeiros: aqueles que possuíam passivos segurados e aqueles que não os possuíam, evidenciando seus riscos. 5 "O princípio da transparência é necessário para a operacionalização de um sistema financeiro fundado no mercado." (Cintra; Freitas, 1998). Este princípio determina que infonnações confiáveis sobre as condições financeiras das corporações e dos agentes financeiros que operam nos mercados de capitais sejam de domínio público. 11 No pós guerra, os títulos públicos denominavam nos portfólios privados. Eles tinham ampla aceitabilidade e nenhum risco, pois eram trocados facilmente por moeda, determinando elevado grau de liquidez ao sistema financeiro. A liquidez das instituições financeiras, o baixo nível do endividamento privado e o seguro de depósito mantiveram as taxas de juros em níveis baixos e estáveis. Facilitou-se também os empréstimos a taxas de juros fixas, pois os custos de captação das instituições de depósito eram reduzidos. Esta estrutura financeira, baseada na estabilidade e rentabilidade do sistema bancário, contribuiu para o período de crescimento econômico no pós-guerra. Entretanto, este crescimento acabou modificando as condições em que esta estrutura operava e o arranJO institucional que permitia a estabilidade acabou se transfonnando em obstáculo. O nível de estoque de dívidas privadas aumentou, reduziu-se a importância dos títulos públicos nos portfólios das instituições financeiras e, em meados dos anos 60, a inflação e as taxas de juros começaram a subir. Assim, os mecanismos de restrição à concorrência, corno tetos sobre as taxas de juros e limites quantitativos à expansão do crédito sobre algumas instituições financeiras, passaram a limitar a capacidade de adaptação das instituições de depósito, provocando instabilidade no sistema. O governo americano instituía tetos para as taxas de juros nominais dos bancos comerciais, pois as taxas de juros nominais estavam altas e com tendência à elevação. Porém, como a inflação estava se acelerando, as taxas reais de juros estavam se tornando negativas, o que acabou desencadeando um processo de desintermediação financeira, ou seja. a transferência de recursos das instituições de depósito para os mercados monetários. O mercado de moedas é um mercado atacadista, de baixo risco, elevada liquidez e instrumentos de curto prazo. É composto de certificados de depósitos negociáveis, commercial papers e aceites bancários e, títulos públicos de diversos tipos. Ofereciam maior rentabilidade pois não estavam sujeitos aos tetos de captação e à proibição de pagamento de juros sobre depósitos a vista. As inovações financeiras e tecnológicas aprofundaram a desintermediação no final dos anos 70 e estimularam o desenvolvimento dos fundos mútuos, que não estavam sujeitos aos tetos de taxas de juros e, assim, proporcionavam taxas de retorno mais elevadas. A desintermediação e os fundos mútuos ameaçaram os pequenos bancos e as instituições comerciais. Os grandes bancos, por outro lado, garantiram seus depósitos através da emissão 12 de certificados de depósitos negociáveis; porém seus pass1vos foram prejudicados pela necessidade de pagar taxas de juros altas sobre esses certificados. Ademais, a crise de 1982 fragilizou os grandes bancos comerctms amencanos, principais responsáveis pelo financiamento dos setores e agentes produtivos nos paises desenvolvidos e em desenvolvimento nos anos 70. Outro fenômeno importante neste processo foi o fato de as grandes corporações passarem a se financiar diretamente no mercado de títulos (high-credit-qualit rating), enquanto empresas com elevado risco de crédito também emitiam seus títulos com o apoio de bancos de investimento (high-yield bonds oujunk bonds). "Deste modo, muitos tomadores de recursos transferiram suas operações do mercado de crédito associado às instituições de depósito para emissão direta nos mercados de títulos (securities)." (Cintra; Freitas, 1998, p. 184). Outro fator importante foi a chamada "institucionalização das poupanças" desencadeada pelo aumento da participação dos investidores institucionais em aplicações nos mercados de capitais e em títulos de renda fixa, assim como a expansão de ativos disponíveis para os "money managers". É neste período que se dá início o processo de securitização das dívidas 6 • Cintra (1998) explica que este é resultado principalmente de dois movimentos: os credores líquidos procuram evitar os passivos bancários devido à deterioração dos balanços dos bancos e os devedores buscam os mercados de capitais corno alternativa mais barata de endividamento e capitalização. A fWlção primeira do sistema financeiro internacional sempre foi a de garantir o financiamento do comércio mundial e dos balanços de pagamentos, sendo que o próprio processo de globalização financeira pode ser explicado em parte pela necessidade de financiar os desequilíbrios mundiais nos balanços de pagamentos. Porém, os fluxos financeiros internacionais sofreram um grande crescimento, numa magnitude que não poderia mais estar relacionada às necessidades econômicas mundiais. "A parte essencial das operações 6 Devido à crescente instabilidade e ao risco de crédito associado a ativos de médio e longo prazo, houve uma intensa flexibilização dos ativos das instituições bancárias, ou seja, sua transformação em instrumentos negociáveis. 13 financeiras internacionais de hoje consiste nos movimentos permanentes de vaivém entre as moedas e os diversos instrumentos financeiros." (Plihon, 1995, p. 62). Plihon (1996) trata também da situação do sistema bancário num cenário de finanças globalizadas. Segundo ele, a partir de 1982, o crédito bancário diminuiu em termos reais e os resultados dos bancos chegaram a ser negativos. Os bancos ficaram fragilizados porque não podiam mais exercer seu papel de financiadores da economia e acabaram sendo obrigados a assumir riscos e desenvolver operações de natureza especulativo, aumentando sua vulnerabilidade. Urna estratégia dos bancos foi procurar diversificar suas atividades, assim tentaram lucrar com créditos especulativos na bolha especulativa do setor imobiliário da década de 80. Também orientaram sua atividade especulativa para os produtos derivativos. Com relação ao aumento das aplicações bancárias neste tipo de produto, Plihon afirma: "É uma situação muito perigosa, quando se sabe que os bancos americanos e ingleses (Barings) decretaram falência especulando com os derivativos." (Plihon, 1996, p. 114). Após a ruptura do padrão monetário internacional em 1973, as flutuações das taxas de inflação, de juros, de câmbio e nos preços dos ativos determinaram o surgimento dos derivativos, assim chamados porque são ativos que derivam de outros ativos. Estes tomaramse uma das armas mais eficientes da especulação. Uma de suas funções é cobrir uma posição contra os riscos de taxas de juros e taxas de câmbio. Outro instrumento eficiente na proteção contra o risco de taxas são os swaps de taxas de juros. "O paradoxo levantado pelos derivativos decorre do fato de que estes instrumentos têm opor objeto a cobertura contra os riscos financeiros e, no entanto, tomaram-se urna das causas da instabilidade das cotações contra a qual eles supostamente defendem os agentes econômicos. Na verdade, constituem instrumentos particularmente eficientes para os especuladores, em função dos poderosos efeitos de alavancagem que permitem." (Plihon, 1995, p. 66). 3.2) A dinâmica da concorrência bancária7 Os bancos são empresas inovadoras e dinâmicas em busca de lucros assim como as empresas não-financeiras, e assim também estão submetidos à lógica de valorização do capital. Eles executam o papel de criadores de moeda e de intermediários financeiros nos sistemas de pagamento e de crédito na economia capitalista moderna. "São instituições empresariais submetidas à lógica de valorização do capital e, por conseqüência, à lógica da 7 Esta seção baseia-se no texto de FREITAS, M.C.P. (1997). 14 concorrência como todos os outros tipos de empresas capitalistas. A subordinação dos bancos à lógica de valorização do capital ou da riqueza significa, de um lado, que essas instituições não respondem passivamente às preferências dos demais agentes e, de outro lado, que estão em concorrência entre elas e com outras instituições financeiras para a obtenção do poder de mercado e de maiores lucros nos diferentes mercados financeiros, seja doméstico, seja internacional." (Freitas, 1997, p. 63). No entanto, os bancos apresentam quatro diferenças principais em relação às outras empresas: 1) são os únicos agentes econômicos que criam moeda e servem de vínculo entre a circulação industrial e financeira; 2) o mercado bancário é instável e a origem de sua instabilidade está na própria lógica da atividade bancária; 3) não há limitações físicas para sua oferta de produtos (a moeda e o crédito), o que significa uma certa tendência a subestimar riscos e expandir crédito; 4) não têm grandes despesas para o desenvolvimento de novos produtos, que podem ser oferecidos rapidamente ao público. Outra diferença está relacionada com a natureza dos lucro bancário. Ele advém do diferencial de juros entre as atividades de empréstimo e captação de recursos dos bancos, do recebimento de comissões e honorários pela prestação de serviços, assim como dos ganhos de capital através de atividade especulativa. Mais um fator peculiar da atividade bancária é que ela é marcada por uma tensão entre os objetivos de estabilidade do sistema e a procura de novas fontes de lucros por parte dos bancos, já que esses sempre vão buscar escapar dos limites que são fixados pelas autoridades de regulamentação para aumentar seus lucros. "Assim, o traço distintivo da concorrência bancária encontra-se na lógica conflitante que opõe a busca de valorização da riqueza pelos bancos e a natureza de "bem público" da função monetária, que essas instituições privadas com fins lucrativos desempenham na economia capitalista." (Freitas, 1997, p. 66). Os bancos acabam reagindo às modificações que ocorrem no ambiente em que atuam ao mesmo tempo em que estão agindo ativamente sobre as transformações que são produzidas neste ambiente. 15 Nos anos 80, diferentemente da tendência mrus regulamentadora vigente anteriormente, ocorre um processo de liberalização que permite a emergência de novos concorrentes nos sistemas financeiros e a ampliação do leque de atividades permitidas aos bancos. Este movimento provocou um aumento das pressões competitivas fazendo com que os bancos privilegiassem operações mais arriscadas, mas que podem oferecer maiores ganhos. Isto levou a uma aumento da fragilidade financeira e dos riscos de crises sistêrnicas. É importante lembrar que a internacionalização bancária é um tipo de estratégia concorrencial utilizado pelos bancos em escala mundial. Eles buscam novos instrumentos, procedimentos e acordos institucionais que lhes permitam ampliar seus lucros, e também procuram obter recursos nas condições mais favoráveis possíveis. A concorrência de um banco internacional se dá entre os similares de seu próprio país de origem, com bancos internacionais de outros países e com bancos locais dos países em que atua. Isto vai depender da extensão de sua rede externa e do tipo de serviços que ele oferta. "Em resumo, a ação dos bancos, a partir de estratégias concorrenciais definidas em relação a um futuro incerto, tem forte impacto sobre a atividade econômica. Os bancos, como todos os outros agentes, possuem preferência pela liquidez e expectativas em relação ao futuro, que norteiam as estratégias que traçam em sua busca incessante de valorização. Nesse sentido, ele administram ativamente os dois lados do balanço e utilizam igualmente de expedientes, como as transações fora do balanço. Como o desejo dos bancos em se manterem líquidos depende de suas considerações otimistas ou pessimistas sobre o estado dos negócios ao longo do ciclo econômico, é possível que, em certas circunstâncias, eles decidam racionar o crédito, refreando o crescimento econômico ou mesmo conduzindo à regressão da produção e dos investimentos. De igual modo, eles podem decidir privilegiar o financiamento da circulação financeira, financiando os agentes especuladores ou suas próprias atividades especulativas." (Freitas, 1997, p. 78). 16 4) A internacionalização bancária8 4.1) Razões da Internacionalização Uma das principais motivações para os bancos se internacionalizarem nos anos 60 foi a internacionalização do capital produtivo. Os bancos seguiram as empresas em seu desenvolvimento internacional para assegurarem a continuidade e expansão de seus negócios e, ao mesmo tempo, para evitar o risco de perder seus clientes para os bancos que já tivessem instalados nas proximidades. Outro fator que estimulou a expansão externa dos bancos durante o período de Bretton Woods foi a possibilidade de obter independência dos controles e regulações bancárias de seus países de origem e também conquistar novos mercados. Os bancos consideraram a existência de restrições à atividade bancária e a saturação do mercado interno fortes razões para internacionalização. Assim, os bancos procuraram ao mesmo tempo escapar das restrições legais e ampliar seu mercado dirigindo-se aos centros financeiros internacionais e aos chamados "paraísos fiscais", onde é possível obter isenções fiscais e plena liberdade de atuação. Os avanços tecnológicos nas áreas de comunicações e de transportes e a necessidade de obtenção de informações sobre clientes e condições dos países com os quais negocia serviram tanto como motivadores para internacionalização quanto facilitadores das operações bancárias em outros países. Estes avanços tecnológicos permitiram às matrizes monitorarem suas atividades no exterior e controlar com maior eficácia suas dependências e subsidiárias externas. Com relação à necessidade de obter informações, os bancos precisam ter acesso a elas para não perderem oportunidades de negócios, assim como para poder avaliar melhor a capacidade de solvência do tomador, evitando prejuízos futuros. O melhor modo de obter estas infonnações é estando instalado nestes novos mercados. A expansão bancária em direção aos centros financeiros internacionais foi também expressão da acirrada concorrência bancária dos anos 70. Assim, se um banco pretendia tomar-se internacional ele deveria estar presente nestas praças por uma questão de imagem 8 Esta seção baseia-se em FREITAS, M.C.P. (1989) e MOFFITT, M. (1983). 17 demonstrando sua capacidade de captar e aplicar recursos em nivel mundial, obtendo também visibilidade para atrair novos clientes. Outro fator importante que motivou o movimento de internacionalização bancária dos anos 60 e 70 foi a existência do Euromercado. Como já foi visto no início deste capítulo, o Euromercado exerceu papel fundamental no processo de internacionalização bancária da década de 70, permitindo a expansão dos créditos bancários e viabilizando o desenvolvimento da intermediação financeira internacional. "O Euromercado transformou o caráter da atividade bancária. Ao unir mercados financeiros nacionais, ele criou um único mercado mundial de dinheiro transnacional e virtualmente livre de qualquer ação de governos." (Moffitt, M., 1983, p.65). 4.2) Estratégias de Internacionalização Existem três principais estratégias que são utilizadas pelos bancos no processo de internacionalização: estratégia de apoio, de financiamento internacional e de descentralização das atividades bancárias. Essas estratégias não são mutuamente exclusivas, os bancos executam todas elas, o que difere é a ênfase dada a cada uma delas. A estratégia de apoio é aquela em que os bancos expandem suas atividade para acompanhar seus clientes, as quais podem estar relacionadas com as necessidades do comércio exterior ou decorrentes do investimento direto no exterior (neste caso os bancos estão voltados principalmente para o mercado exterior, o mercado doméstico é meta secundária). Na estratégia de financiamento, os bancos procuram ampliar suas operações no Euromercado, participando da concessão de eurocredits e eurobonds. Estas operações cresceram aceleradamente acompanhando a expansão do Euromercado. Nos anos 70, as atividades bancárias relacionadas ao financiamento internacional expandiram-se muito, mas houve, ao longo da década, uma mudança no tipo de tomador. As grandes empresas multinacionais, que eram os maiores clientes (e preferenciais) dos bancos, tomaram-se relativamente independentes do crédito bancário, graças ao aumento de sua capacidade de auto financiamento, do auxílio de seus próprios bancos, e aos empréstimos entre estas grandes empresas através de commercial papers. Deste modo, havendo uma retração da 18 demanda por empréstimos dessas empresas multinacionais, os bancos passaram a realizar a reciclagem dos petrodólares fazendo empréstimos para países do Terceiro Mundo e do Leste Europeu. Através da estratégia de descentralização bancária os bancos pretendem penetrar nos mercados domésticos dos países estrangeiros para atrair depósitos de residentes e realizar empréstimos para empresas locais. Neste caso, os bancos atuam no segmento de "varejo" operando com pequenas e médias empresas locais além das multinacionais e firmas de exportação e importação. Esse tipo de estratégia pode sofrer resistência por parte das autoridades monetárias e do setor bancário do país local. No caso dos países em desenvolvimento, a implementação desta estratégia é mais difícil pois a presença de bancos estrangeiros ali coloca um dilema para os governos locais: se, por um lado eles podem dinamizar o mercado financeiro doméstico, contribuindo com sua experiência, poder financeiro, ou ainda, forçando a modernização de outras instituições através da concorrência, por outro lado há o risco de que os estrangeiros dominem o mercado interno. Nos anos 90, observa-se que houve um predomínio da estratégia de descentralização das atividades bancárias. Principalmente as instituições financeiras das áreas comercial e financeira foram atraídas pelas possibilidades de negócios nos países latino-americanos associadas à abertura do mercado de capitais, aos processos de privatização, de reestruturação industrial e de modernização dos setores de infra-estrutura econômica. 19 CAPÍTULO 2: A DÉCADA DE 70 Este capítulo tem corno objetivo expor o cenário econômico brasileiro na década de 70, descrevendo e analisando a política econômica adotada pelo governo, assim como as reformas financeiras dos anos 60 voltadas a implantação do "novo modelo" de crescimento. Depois será analisado corno a decisão do governo de promover o crescimento através do endividamento externo influenciou o movimento de internacionalização bancária ocorrido nos anos 70. Também será descrita a participação estrangeira nos diversos segmentos bancários. O capítulo está dividido em três seções: 1) A Reforma financeira de 1964/65 e a Estrutura bancária na década de 70. 2) A política econômica da década de 70: desenvolvimento através de endividamento. 3) A participação estrangeira no sistema financeiro nacional. 1) Reforma Financeira de 1964/65 e Estrutura Bancária na década de 709 A reforma financeira realizada nos anos de 1964 a 1967 fez parte de uma tentativa do governo de implementar um "novo modelo" de crescimento no Brasil. Foram realizadas mudanças basicamente em três setores: 1) área monetária, através da Lei n° 4595 de 31/12/64 10 ; 2) mercado de capitais, através da Lei n° 4728 de 14/08/65; e 3) área habitacional, através da Lei n' 4380 de 21/08/64. Os principais objetivos desta reforma podem ser agrupados em 3 grupos (Zini, 1982): 1) regularizar o mercado monetário, conferindo independência relativa às autoridades monetárias, evitando, assim, futuros fenômenos de aceleração inflacionária associadas ao descontrole monetário; 2) regulamentar o mercado financeiro, provendo às atividades produtivas fluxos financeiros estáveis, a taxas de juros compatíveis com o combate à inflação; 3) aperfeiçoar o mercado de capitais privado para propiciar a elevação da taxa de formação de 9 Esta seção é baseada nos textos de BAER, M. (1986) e ZINI JR., A (1982). O artigo 18 desta lei estabeleceu que a entrada de instituições financeiras estrangeiras só poderia ocorrer mediante prévia autorização do Banco Central do Brasil ou decreto do Poder Executivo. 10 20 capital do país. Foi utilizado, para tanto, o Princípio de Compartimentalização cuja concepção básica era a especialização dos agentes financeiros por área de atuação. Assim, foram criadas áreas específicas de atuação para cada tipo de instituição financeira, tentando evitar a superposição de atribuições. Entretanto, a reforma sofreu algWls "desvios" no decorrer de sua implementação, entre eles o abandono da política de especialização, que foi substituída, no início dos anos 70, por urna política de criação de conglomerados financeiros, liderados pelos bancos comerciais. Assim, o governo induziu movimentos de concentração (aumento da parcela de mercado atendida pela empresa) e conglomeração (diversificação de atividades por aquisição de empresas e cartas-patente em outros segmentos do sistema financeiro). Desse modo, o governo era conscientemente a favor deste processo que buscava fortalecer os grandes grupos bancários (ZINI, 1982). Outros "desvios" foram a falta de autonomia do Banco Central e acúmulo de funções nesta instituição como executor da política monetária e da política cambial, banco emissor, banco dos bancos, banqueiro do governo, banco de fomento, controlador das operações com o exterior, fiscal do sistema financeiro; o caráter híbrido do Banco do Brasil, pois não houve transferência de todas as funções de autoridade monetária para o Banco Central; e a subordinação do Conselho Monetário Nacional ao Ministério da Fazenda, entre outros (ZINI, 1982). A Reforma Financeira contribuiu para o boom econômico ocorrido de 1968 a 1973 ao criar instrumentos de financiamento do gasto governamental, consumo e construção habitacional (BNH). Entretanto, introduziu algumas disfuncionalidades ao sistema financeiro, como as tendências ao financiamento de curto prazo, à especulação e ao endividamento externo, podendo-se dizer, inclusive, que a Reforma falhou num de seus principais objetivos: o desenvolvimento do financiamento privado de longo prazo. No contexto da internacionalização bancária ocorrida no Brasil é importante mencionar a implementação do estatuto básico para os capitais estrangeiros (Lei n° 4131 de 1962, modificada parcialmente em 1964 pela Lei n° 4390). "No âmbito do sistema financeiro brasileiro e suas instituições procurou-se reter ao máximo o controle interno, já que era considerado um setor nacional estratégico" (Baer, 1986, p. 13). Vale mencionar que antes da implementação do estatuto para capitais estrangeiros, não 21 havia distinção no tratamento conferido aos bancos nacionais e estrangeiros, sendo que a propriedade de capital dos bancos podia estar sob controle exclusivo de estrangeiros. Com a Lei ll0 4131, adotou~se o princípio de igualdade de tratamento para o capital estrangeiro e nacional. Entretanto, abriu-se uma exceção para os bancos: "aos bancos estrangeiros cujas matrizes têm sede em países onde a legislação impõe restrições à operação de bancos brasileiros, fica vedado adquirir de bancos nacionais, mais de 30% das ações com direito a voto." (idem). Este instrumento também regulamentava a captação direta de crédito externo pelas empresas. A Lei n° 4131 também definiu o princípio de reciprocidade. A política brasileira em relação tanto às condições de entrada de bancos estrangeiros quanto às atividades permitidas pautava-se por acordos bilaterais recíprocos mantidos com outros país. Desse modo, os bancos estrangeiros estariam sujeitos às mesmas restrições ou proibições aplicáveis aos bancos brasileiros presentes ou interessados em se estabelecer nas praças financeiras de suas matrizes. Esta política estava associada a dois interesses governamentais: forte protecionismo ao setor financeiro nacional e ampliação da absorção de capital externo na forma de empréstimo. Havia maior interesse na entrada de investimentos diretos simultânea à entrada de capital de empréstimo, seja captado diretamente pelas empresas, seja intermediado pelo setor financeiro. O crédito externo via Lei no 4131 era uma alternativa atrativa às grandes empresas, especialmente às filiais de multinacionais. Esta lei representou o alargamento das bases de financiamento, especialmente de longo prazo, que o sistema financeiro brasileiro privado era incapaz de atender. Também possibilitou a ampliação das operações de curto prazo e ocupou o espaço dos bancos de investimento, que atendiam basicamente a demanda por financiamento de curto prazo. Além disso, esta modalidade de crédito tinha um custo bem inferior para os mutuários do que aqueles observados nas faixas não subsidiadas de crédito 11 disponível nas instituições financeiras domésticas. No caso das empresas multinacionais, estas substituíram o capital de risco (investimento externo direto) por capital de empréstimo via Lei n° 4131 devido às vantagens fiscais oferecidas por essa lei. 11 O crédito subsidiado pelo governo provinha principalmente do BNDE, banco de desenvolvimento criado no início dos anos 50, no governo Getúlio Vargas. 22 Além da Lei TI 0 4131, os fatores que mais contribuíram para que a reestruturação permitisse a internacionalização financeira foram: a Lei n° 4595 de 31/12/64 que criou o Banco Central (substituindo a SUMOC) e refonnulou o sistema bancário, promovendo a especialização financeira; a institucionalização da Resolução n° 63 em 1967; e a implementação do mecanismo de correção cambial em 1968. A Resolução n° 63 estabeleceu a "ponte" entre o sistema financeiro nacional e o internacional, pennitindo que agentes financeiros instalados no Brasil obtivessem empréstimos no exterior para repassá-los internamente. Já os ajustes periódicos no câmbio fizeram com que os riscos de uma captação externa praticamente se igualassem aos de uma fonte interna de financiamento. Através da Resolução n° 63, as instituições financeiras locais absorveram recursos originários do sistema financeiro dos países avançados no contexto de internacionalização financeira. Estas operações ampliaram o horizonte de atividade dos bancos comerciais e de investimento representando fonte de captação que não depósitos a vista e a prazo realizados no mercado doméstico. Os principais beneficiários desta medida foram os bancos comerciais estrangeiros. Restringidos em seu poder de concorrência na disputa por maiores fatias de captação de recursos no mercado interno, esses bancos ampliaram suas operações ativas a partir das operações de repasse de recursos externos. "Através da Reforma, os agentes da política econômica promoveram a associação com o capital estrangeiro para facilitar o acesso ao mercado financeiro internacional mas procuraram reter o controle nacional sobre o conjunto das instituições." (Baer, 1986, p. 17). 2) A Política Econômica da década de 70: desenvolvimento através de endividamento 12 Depois de implantadas as reformas financeiras e monetárias na década de 60, no início dos anos 70, o Brasil passa por uma abertura comercial e financeira de sua economia. Num contexto de aumento dos fluxos de comércio e de capitais internacionais, a abertura 12 Esta seção é baseada nos textos de BAER, M. (1986) e DAVIDOFF CRUZ, P.R. (1984). 23 comercial se deu através de políticas de minidesvalorizações, de estímulos fiscais e creditícios, assim como da própria expansão do comércio internacional devido ao boom das economias avançadas. A abertura financeira se deu, principalmente através da absorção de empréstimos em moeda Este fenômeno é viabilizado e estimulado pelo excesso de liquidez no Euromercado, assim como pela expansão no volume das operações bancárias internacionais. Baer (1986) conclui que a internacionalização financeira no Brasil esteve ligada estreitamente à dinâmica produtiva e se realizou através do endividamento externo das empresas. Sendo assim, vamos analisar mais profundamente o processo de endividamento externo brasileiro. Davidoff (1984) divide a década de 70 em quatro períodos principais, analisando a evolução da dívida externa, assim como a política econômica adotada na época. No primeiro período (68 a 73), a política econômica visava promover uma trajetória de crescimento acelerado e sustentado da economia brasileira. Para isso, o governo considerava desejável o recurso à "poupança externa", já que esta proporcionaria níveis de investimento superiores aos possibilitados pela poupança interna. O endividamento externo foi apresentado como fundamental para o ciclo expansivo em uma economia em desenvolvimento como a brasileira. Isto porque havia insuficiências quanto à produção de bens intermediários e de capital, fazendo com que a economia brasileira, ao acelerar sua taxa de crescimento, sofresse restrições tanto pelo lado do setor externo quanto pela poupança interna. Houve basicamente dois condicionantes deste processo de endividamento: 1) o aumento no coeficiente de importações, com maior aumento da importação de bens intermediários e de capital (este "hiato de recursos" é financiado pela entrada massiva de capitais de empréstimo); 2) busca do equilíbrio no Balanço de Pagamentos através da atração de fluxo regular de capitais externos. O aumento da dívida externa neste período pode ser explicado pelo aumento das reservas internacionais, ou seja, criação de poder de compra que não se realiza, retomando ao circuito financeiro internacional. Esse aumento é possível dada a abundante liquidez internacional. Havia disponibilidade de recursos no mercado bancário internacional a custos e prazos mais favoráveis do que no mercado interno, o que fez com que o endividamento brasileiro aumentasse para atender à demanda crescente do setor privado. 24 No biênio 72/73 houve um "excesso de endividamento". Visando eliminar o aumento de liquidez derivado do crescimento das reservas devido aos seus possíveis efeitos inflacionários, houve o lançamento de Letras do Tesouro Nacional, aumentando, assim, a dívida interna brasileira. No período seguinte, de 1974 a 1976, o cenário internacional é desfavorável, com taxas de crescimento negativas e aumento do preço do petróleo. Assim, o Balanço Comercial, que antes conseguia se equilibrar apesar do grande volume de importações, agora é deficitário por causa da conjuntura internacional. A economia brasileira ainda apresenta taxas elevadas de crescimento, apesar de esta taxa ter sofrido uma desaceleração. O governo lança então o II PND, criado para realizar a última etapa do processo de substituição de importação, ou seja, para erradicar a dependência externa brasileira via ampliação do setor de bens de produção. Assim, seriam realizados projetos públicos nas áreas de infra-estrutura e de insumos básicos, dando impulso à indústria doméstica de bens de capital. Acreditava-se que as "poupanças externas" senam utilizadas para eliminar a dependência da economia brasileira com relação às economias avançadas e depois o país estaria estruturalmente apto para resgatar a dívida contraída através da geração de superávits comerc1ats. Do ponto de vista financeiro, no período em questão houve um aumento do estoque da dívida e deterioração das condições de crédito internacional, com o aumento da taxa de juros e dos spreads, aumentando o custo da dívida. Nesta conjuntura de liquidez restrita, foram necessárias queimas de reservas e surgiram déficits globais no Balanço de Pagamentos. Já durante o biênio 1977-78, há relativa estabilidade nas relações comerciais do Brasil com o resto do mundo e, portanto, o déficit do Balanço de Pagamentos é pequeno e atenuado pela entrada de capitais de risco. Entretanto, o aumento do custo da dívida, que requer volumosos recursos para seu financiamento e o acúmulo de reservas internacionais revela o caráter financeiro da dívida. Há um novo aumento do endividamento, pois neste período há também expansão da liquidez internacional, propiciando aumento dos prazos e diminuição dos spreads. Novamente as medidas governamentais tornaram o papel dos recursos externos fundamental, estimulando ainda mais o crescimento da dívida. 25 O período de 1979 a 1980 foi marcado pela volta dos desequilíbrios comerctats, associada ao 2o choque do petróleo e à conjuntura de estagflação nas economias centrais. Os déficits nas contas de bens e serviços produtivos são um pouco amenizados pelo ingresso dos capitais de risco. Porém, o aumento das taxas de juros internacionais foi o fato que mms afetou o Brasil, aumentando consideravelmente o custo da dívida externa. Assim, o saldo da conta de capital apresentou sinal negativo pela primeira vez, o que revelou a insuficiência de recursos para fechar o Balanço de Pagamentos, diante da deterioração das condições do crédito internacional, e também a pressão exercida pelos credores externos contra a política econômica heterodoxa adotada pelo Ministro Delfim Netto, considerada agravadora dos desequilíbrios externos. Esta política supunha que seria perfeitamente possível crescer economicamente utilizando as margens de capacidade ociosa existentes na indústria e agricultura. Havia a proposição geral de que a reaceleração do crescimento contribuiria para conter o ritmo de aumento dos preços, pois o déficit do governo, causado pelo endividamento externo, era considerado a principal causa da inflação. As medidas tomadas seguiram três linhas principais: atualização da capacidade de auto financiamento e controle rigoroso dos gastos das empresas estatais; eliminação progressiva dos subsídios; e implantação de reforma tributária. Estes ajustes tiveram grande impacto inflacionário na economia. Para fechar as contas externas neste periodo foi necessário "queimar" reservas internacionais e tomar empréstimos de curto prazo a custos mais elevados. À medida que o endividamento cresceu, a economia brasileira se tomou duplamente vulnerável às conjunturas mundiais recessivas e inflacionárias, que acabaram tendo efeito negativo na conta de comércio. Por outro lado, houve também um impacto negativo na conta financeira, pelo fato de os países centrais terem adotado políticas monetárias ortodoxas de ajuste através da elevação das taxas de juros. A tabela a seguir mostra o desenvolvimento do endividamento brasileiro em moeda estrangeira via Lei n° 4131. É importante notar a diferença entre a tomada de empréstimos pelo setor público e privado. 26 Empréstimo em moeda (Lei n°4131) Comparação entre o crescimento das captações públicas e privadas 1972-1980 Captações médias anuais (US$ 1011 ) Crescimento(%) Discriminação 72/76 (A) 77178 (B) 79/80 (C) B/A C/B Setor Privado 1.869,8 2.934,2 1.565,8 56,9 -46,6 Setor Público 1.341,2 3.909,0 5.165,0 191,4 32,1 Total 3.211,0 6.843,2 6.730,8 113,1 -1,6 Fonte dos Dados Brutos: Registros efetuados junto à Fiscalização e Registro de Capitais Estrangeiros do Banco Central do Brasil., apud DavidoffCruz (1984, p.l15) FIRCE. Davidoff (1984) levanta a hipótese de que o endividamento brasileiro não era indispensável para superação de restrições externas e internas ao desenvolvimento econômico nacional, nem para o equilíbrio das contas externas, já que no início de seu endividamento, o Brasil apresentava superávits no BP. Muito pelo contrário, o endividamento foi responsável pelo agravamento do desequilíbrio das contas externas. Na verdade, as condições de excesso de liquidez internacional e uma política governamental que induzia a tomada de recursos externos foram os fatores que estimularam o endividamento, que teve menos a ver com a captação de "poupança externa" do que com um fenômeno predominantemente financeiro. O autor apresenta então um paradoxo existente com relação à divida externa: "O endividamento externo, justificado como um elemento de superação de 'constrangimentos externos', como potenciador de crescimento econômico, revelava-se o contrário, ou seja, um elemento agudizador das dificuldades externas ou, radicalizando o argumento, um elemento de geração de 'constrangimentos externos'." (DavidoffCruz, 1984, p.27). 3) A participação estrangeira no sistema fmanceiro nacional 13 O processo de endividamento externo que foi analisado no item anterior está estreitamente ligado ao aumento da participação estrangeira no sistema financeiro nacional. Segundo Baer (1986), "Embora as condições internas para a internacionalização financeira já estivessem dadas desde fins dos anos cinqüenta, quando se estruturou o padrão de acumulação com a participação do capital estrangeiro, ela só se desencadeou com a crise e expansão 27 financeira mundial na década de setenta. Isto nos leva a considerar que o processo de internacionalização financeira do Brasil através do endividamento externo só pode explicar-se articulando, por um lado, condicionamentos internos e externos e, por outro, o conteúdo produtivo e financeiro deste processo." Vamos, a seguir, analisar a participação dos bancos estrangeiros principalmente nos seguintes subsetores do mercado financeiro: bancos comerciais, bancos de investimento, financeiras, leasing (companhias de arrendamento mercantil), escritórios de representação de bancos estrangeiros e conglomerados fmanceiros. As principais conclusões retiradas desta análise são que as restrições que foram impostas à atuação dos bancos estrangeiros na intermediação financeira nacional fizeram com que estes expandissem suas atividades principalmente na área de bancos de investimento e de empresas de leasing. Assim, acabaram dando maior ênfase a concessão de créditos de médio e longo prazo para grandes projetos de investimento. Os escritórios de representação, por sua vez, também tiveram grande importância neste processo, principalmente na internacionalização via endividamento externo. Isto ocorreu porque as principais estratégias utilizadas pelos bancos estrangeiros neste processo de internacionalização eram a de apoio e principalmente, no caso brasileiro, a estratégia de financiamento. Assim, a internacionalização através de abertura de escritórios de representação envolvia menor investimento de capital ao mesmo tempo que intermediava operações financeiras corno transferências e créditos à indústria. Além disso, nota-se que os processos de especializaçílo, associação e conglomeração foram movimentos articulados, que apoiaram o processo de internacionalização do sistema financeiro nacional. Bancos comerciais Já na década de 60, apesar das restrições existentes, já haviam se instalado no Brasil alguns grandes bancos internacionais como o Chase Manhattan, Bank of Arnerica, Deutsche Bank e Swiss Bank, alguns deles em associação com capitais nacionais . 13 Esta seção é baseada no textos de BAER, M. (1986) e TEIXEIRA, N.G. (1985). 28 Neste setor houve um grande aumento do número de bancos estrangeiros no país na década de 70, passando de 17 bancos em 1974 para 26 em 1981, sendo a maioria deles de origem latino-americana e espanhola. O número de bancos comerciais estrangeiros era expressivo nos anos 70, mas sua operação no mercado brasileiro era bastante limitada. A entrada desses bancos esteve associada à expansão de alguns bancos brasileiros no exterior, sendo que sua instalação correspondeu às exigências de reciprocidade da Lei n° 4131. Há poucos casos de participação societária estrangeira 14 . O que ocorreu mms comumente foram casos de bancos de controle acionário estrangeiro e de bancos associados ao capital estrangeiro. Os estrangeiros procuravam diversificar sua participação no capital dos bancos com o objetivo de preservar sua autonomia diretiva e a facilidade e flexibilidade na tornada de empréstimos externos em moeda para repasses no mercado financeiro nacional, não se referindo necessariamente à capacidade de capitalização da instituição. Participação relativa do capital estrangeiro nos bancos comerciais privados no Brasil (em porcentagem) Depósitos Bancos Nacionais Bancos Estrangeiros Empréstimos Bancos Nacionais Bancos Estrangeiros 1970 1975 1980 100,0 88,4 11,6 100,0 86,7 13,3 100,0 85,6 14,4 100,0 82,4 17,7 100,0 84,8 15,2 100,0 71,1 28,9 Fonte: Quem é quem na economia brasileira. São Paulo, Visão, ns. De agosto de 1970, de 1976 e de 1981, apud Baer (1986, p. 28) Como os bancos comerciais estrangeiros sofreram restrições quanto à abertura de novas agências, a participação relativa dos depósitos nesses bancos no total de depósitos nunca superou 15,2% na década de 70 inteira. Por outro lado, esta limitação foi compensada pelo processo de concentração bancária, em que os grandes bancos incorporaram os pequenos e ficaram com suas agências. O processo de concentração ocorrido foi fomentado pela política 14 Existem três categorias de classificação para os bancos estrangeiros segundo controle de capital: bancos estrangeiros são as dependências ou filiais de bancos sediados no exterior; bancos privados nacionais com controle estrangeiro são aqueles cuja maioria do capital votante pertence, direta ou indiretamente, a instituições bancárias sediadas no exterior e bancos privados nacionais com participação estrangeira são aqueles em que de 10% a 50% do capital votante pertence, de modo direto ou indireto, a bancos sediados no exterior. 29 econômica, que restringiu a entrada de novos bancos comerciais estrangeiros e incentivou a procura por recursos externos. Se a participação nos depósitos era pequena, em compensação a participação estrangeira aumentou muito na concessão de empréstimos, que passou de 13,3% em 1970 para quase 30% em 1980. Este fenômeno se relaciona com as mudanças na política econômica, que estimulou a procura de empréstimos no exterior ao mesmo tempo que restringiu a expansão da liquidez e do crédito internos. Como foi explicado na seção anterior, para evitar que o acúmulo de reservas internacionais gerasse aumento da liquidez do sistema e assim pressões inflacionárias, o governo adotou a estratégia de conter este aumento mediante a emissão de títulos públicos. Bancos de Investimento O surgimento de bancos de investimento no Brasil se deu principalmente depois da Reforma Financeira realizada de 64 a 67. Esta reforma estimulou o crescimento desses bancos, tanto por permitir e facilitar a captação de recursos no exterior quanto por permitir diversificação das operações dos bancos num período de tendência à concentração bancária. Os grandes bancos estrangeiros associavam-se aos bancos de investimento e outras instituições locais procurando diversificar suas operações, rateando seus custos fixos, o que permitia a elevação de sua rentabilidade. Os bancos estrangeiros menores, por sua vez, tentavam garantir uma participação nos bancos de investimento de acordo com os limites impostos na época. Em 1970, onze bancos de investimento já tinham participação de capital estrangeiro, mas como eles se associavam participando de maneira conjunta, cada um deles detinha run controle relativamente pequeno. "Em bancos como, por exemplo, o Banco de Investimento Industrial e o Banco Finasa de Investimento, chegaram a participar, de uma só vez, seis a oito bancos estrangeiros. Isto implicava em que nenhum dos associados internacionais chegasse a exercer urna grande influência nas diretrizes da instituição." (Baer, 1986, p.30). Porém, durante a primeira metade da década de 70, houve uma mudança na forma da participação estrangeira nos bancos de investimento. Alguns grupos financeiros nacionais como o Bradesco, Bozano Simonsen e Itaú se interessaram em se associar a bancos internacionais. Este interesse surgiu como tentativa dos bancos nacionais de fortalecerem suas 30 posições no sistema financeiro nacional devido principalmente a dois fatores: 1) os financiamentos externos em moeda através da Resolução n° 63 era uma importante fonte de recursos para os bancos nacionais 2) foi neste período que se deu a forte concentração e conglomeração bancária no Brasil. Assim pode-se dizer que a associação de grandes grupos nacionais com bancos estrangeiros na área de bancos de investimento era urna forma desses grupos fortalecerem sua posição no próprio sistema financeiro nacional. Com este incentivo, em 1980, dos dez maiores bancos de investimento no Brasil, só dois não contavam com a participação estrangeira. Os bancos de investimento mais importantes, entretanto, são aqueles pertencentes a conglomerados nacionais com participação estrangeira minoritária. Estes têm acesso aos mercados internacionais de capitais, mas captam a maior parte dos recursos disponíveis internamente. Já os bancos totalmente estrangeiros têm restrições em relação à captação de recursos internos. Participação relativa do capital estrangeiro nos bancos de investimento no Brasil (em porcentagem) Empréstimos Bancos Nacionais Bancos com participação estrangeira 1970 1975 1980 100,0 56,2 43,8 100,0 44,2 55,8 100,0 33,5 66,5 Fonte: Quem é quem na economia brasileira. São Paulo, Visão, ns. De agosto de 1970, de 1976 e de 1981, apudBaer (1986, p. 31) Como se pode notar através dos dados da tabela actma, neste setor, o grau de internacionalização observado foi alto já que houve tanto o interesse de entrada dos bancos estrangeiros quanto o interesse dos grandes bancos nacionais em se associarem com os estrangeiros. Financeiras O termo financeiras refere-se às sociedades de crédito, financiamento e investimento. Estas operam basicamente com crédito ao consumo de bens duráveis e suas fontes de recursos são provenientes do mercado interno. Assim, este setor não era muito atrativo ao capital estrangeiro, já que a vantagem destes está justamente em sua capacidade de captação no mercado internacional. 3! Havia dois tipos de financeiras com participação estrangeira. As financeiras vinculadas a grandes empresas estrangeiras produtoras de bens de consumo duráveis como, por exemplo, Volkswagen, General Motors, Ford e Fiat. O outro grupo inclui aquelas vinculadas diretamente a um conglomerado financeiro, como estratégia de diversificação de atuação destes conglomerados. A expansão do capital estrangeiro nas financeiras vinculadas a conglomerados financeiros deu-se durante o periodo de 68 a 73, caracterizado pela expansão da produção e consumo de bens de consumo duráveis, reduzindo-se no período posterior. Já no caso das financeiras vinculadas a empresas multinacionais produtoras destes bens, houve aumento de suas operações em função da necessidade de apoiar o processo de comercialização de seus bens numa situação de demanda interna menos dinâmica no período pós-73. Participação relativa do capital estrangeiro nas financeiras no Brasil (em porcentagem) 1970 1975 1980 100,0 100,0 !00,0 Empréstimos 87,4 85, I 80,4 Financeiras nacionais 12,6 14,9 19,6 Financeiras estrangeiras 3,7 5,9 !0,1 • Complexos industriais 8,9 9,0 9,5 • Complexos bancários Fonte: Quem é quem na economia brasileira. São Paulo, Visão, ns. De agosto de 1970, de 1976 e de 1981, apud Baer (1986, p. 35) Leasing (Companhias de arrendamento mercantil) Neste setor a penetração de capital estrangeiro foi muito intensa. Isto se deveu principalmente a dois fatores: por esta atividade ser praticamente desconhecida no país e pelo setor de bens de capital ainda não ter a importância que viria a ter na economia a partir da década de 70 15 . Pode-se distinguir três etapas no desenvolvimento das operações de leasing no Brasil: 32 I) De 1970 a 1974 Durante este período houve grande entrada de empresas de leasing no mercado brasileiro. A maioria delas era controlada totalmente por capitais estrangeiros sendo estes principalmente de origem norte-americana. Esta entrada se deu basicamente de duas formas: através de uma estratégia de diversificação de operações por parte das instituições financeiras já instaladas no país e através de instalações de empresas de arrendamento mercantil por parte de grandes bancos internacionais que não estavam fisicamente instalados no país, como é o caso da Manufactures Hannover Corp., a mais importante delas. Para se ter uma idéia do aumento das empresas de leasing no período em questão, em 1970 havia apenas três empresas estrangeiras, enquanto em 1975 este número já era de 19. Neste período, o arrendamento mercantil de veículos era o que tinha maior importância devido ao desenvolvimento deste setor na economia. Algumas empresas de leasing chegavam a funcionar vinculadas à indústria, como é o caso da Volkswagen. 2) De 1975 a 1977 Este período é marcado pela regulamentação das empresas de leasing. Em primeiro lugar, foram proibidas operações com equipamentos importados. Em segundo, restringiu-se a participação estrangeira permitida nas empresas a 33% do capital com direito a voto. Com a economia crescendo cerca de 5% ao ano e com o setor de bens de capital em expansão, aumentaram as operações de arrendamento principalmente de equipamentos pesados e de minicomputadores. As empresas estrangeiras levavam vantagem sobre as nacionais, pois as operações eram baseadas em dólares, e não em moeda nacional. 3) A partir de 78 Neste período também houve uma forte expansão das operações de arrendamento mercantil e uma maior participação dos grandes conglomerados financeiros nacionais. Dado o contexto de desaceleração do crescimento e aumento das dificuldades financeiras das empresas, as operações de leasing representavam as seguintes vantagens: diminuição do risco e lucro tributável das empresas arrendatárias, além de o equipamento não ser considerado 15 As empresas de leasing promovem o arrendamento mercantil de bens de consumo duráveis e bens de capital principalmente. Elas viabilizaram um aumento de vendas do setor de bens de capital e por isso era do interesse 33 ativo imobilizado; a amortização e os juros pagos eram contabilizados como custos; e também deve-se considerar que num contexto de política restritiva de crédito o leasing é fonte adicional de recursos para as empresas. Outro fator importante a se discutir é o aumento do interesse dos conglomerados nesta área, ou seja, houve um aumento da tendência de grupos nacionais de se associarem com o capital estrangeiro na área de leasing. Isto se deveu aos seguintes fatores: 1) a associação permite que os grupos nacionais cubram todas as faixas de mercado de leasing, operações de menor porte com recursos internos e de maior porte com recursos externos por tratar-se de quantias maiores; e 2) pela necessidade de refinanciamento da dívida externa, as operações de leasing funcionavam como mecanismo de captação de dólares no exterior e, conseqüentemente, forma de aliviar pressões sobre a balança comercial. Escritórios de Representação dos Bancos Estrangeiros A importância dos escritórios de representação no contexto de internacionalização bancária deveu-se às restrições existentes aos bancos estrangeiros para atuarem diretamente no sistema financeiro nacional. Esta forma de atuação, na qual as instituições praticamente não tem capital investido, representou um dos mecanismos mais importantes do processo de internacionalização financeira via endividamento externo. Apesar de estes escritórios serem impedidos de concretizar qualquer operação, eles exerciam importantes funções no sistema financeiro: 1) intermediar operações financeiras, principalmente transferências e créditos diretos à indústria; para isto mantiveram estreitas relações com bancos nacionais, indústrias e órgãos governamentais e 2) acompanhar o desempenho da economia brasileira para servir como fonte de informação aos seus clientes e também corno peças-chave para avaliação do Country-Risk dos países devedores. Na primeira metade da década de 70 houve uma grande expansão dos escritórios de representação, como se pode notar pelos seguintes dados: em 1969, havia 36 escritórios no Brasil, representando 31 bancos estrangeiros principalmente da Alemanha, EUA e Suíça; já em 1975, havia 157 escritórios que representavam 137 bancos estrangeiros, agora com uma participação maior também de outros países como Japão, Inglaterra e França. deste segmento a entrada de empresas estrangeiras de leasing no Brasil. 34 Esta expansão ocorreu, em pnme1ro lugar, em função do grande crescimento econômico e do forte processo de internacionalização dos setores de ponta ocorridos no período do chamado "milagre brasileiro"; e em segundo lugar, à aceleração da atividade especulativa internacional e nacional provocada pela livre flutuação das moedas no sistema internacionaL Com a crise do final da década, estes escritórios continuaram sendo importantes como articuladores para entrada de capital de risco e no refinanciamento da dívida externa. Apesar de não serem participantes diretos do sistema financeiro nacional, foram peças-chave na internacionalização deste. Conglomerados Financeiros Com a refmma financeira, foram criadas instituições financeiras especializadas e juridicamente autônomas, mas que podiam operar de maneira integrada. Este tipo de agrupamento não é característica exclusiva dos bancos privados nacionais, mas também dos bancos públicos e instituições financeiras estrangeiras. Principais conglomerados no sistema financeiro brasileiro Participação relativa em 31-12-81 Empréstimos Patrimônio líquido 100,0 100,0 49 maiores conglomerados 11,7 26,6 Públicos 88,3 73,4 Privados 100,0 Conglomerados privados 100,0 75,3 87,3 Nacionais Estrangeiros 24,7 12,7 Fonte: Balanço Financeiro, 31-03-82, apudBaer (1986, p. 51) Para esta análise, considerou-se como conglomerados o agrupamento de bancos comerciais, bancos de investimentos e financeiras. Assim, em 1981, havia 12 conglomerados estrangeiros entre os 49 maiores do país. "Considerou-se corno conglomerado estrangeiro aquele constituído por um grupo de instituições financeiras que, sem serem todas controladas por capital externo, opera de maneira articulada com um banco comercial majoritariamente estrangeiro que determina as diretrizes do conjunto." (Baer, 1986, p. 45). 35 A expansão destes conglomerados estrangeiros deveu-se ao eixo de atividades dos principais bancos estrangeiros instalados no país e ao processo de endividamento externo do país. "Os clientes em potencial destes bancos são tanto as grandes empresas multinacionais, aqui instaladas, como as empresas nacionais que não têm acesso direto ao mercado financeiro internacional, sejam privadas ou públicas, do setor produtivo ou inclusive do próprio setor financeiro." (Baer, 1986, p.52). 36 CAPÍTULO 3: A DÉCADA DE 90 Neste capítulo será tratado o movimento de internacionalização bancária que está em curso na década de 90. Primeiramente será feita uma análise resumida do processo de abertura financeira ocorrida no Brasil, e também do ajuste e reestruturação do sistema financeiro brasileiro após a estabilização da economia. Depois será feita uma análise mais aprofundada da entrada dos bancos estrangeiros, expondo os aspectos positivos e negativos da internacionalização bancária no Brasil nos anos 90. O capítulo está dividido em: 1) Abertura externa do sistema financeiro brasileiro 2) Processos de ajuste e reestruturação do sistema financeiro 3) Bancos estrangeiros no Brasil 3.1) Os bancos ingressantes 3.2) Pontos positivos e negativos: um balanço 1) Abertura externa do sistema financeiro brasileiro Corno já foi visto no primeiro capítulo deste trabalho, desde os anos 80 houve grandes transformações no mercado financeiro internacional. Destacam-se os processos de globalização financeira e de securitização das dívidas, que provocaram um aumento dos fluxos financeiros internacionais. Esses fluxos se direcionaram para as economias latinoamericanas a partir do final dos anos 80 devido à queda da taxa de juros e a recessão dos países centrais, que tomaram as taxas de juros dessas economias bastante vantajosas para os investidores internacionais. Os fluxos também foram estimulados pelos programas de estabilização e de ajuste implantados por recomendação dos organismos multilaterais e pelos acordos de renegociação da dívida externa, sendo importante citar o processo de privatização de empresas estatais (Baer, 1996). Estes dois fatores mostram que o direcionamento dos fluxos de capitais internacionais para o Brasil na década de 90 não esteve primeiramente associado ao processo de estabilização e ajustes estruturais como dizem muitos analistas. "Ao contrário, foi o influxo 37 destes capitais uma das condições básicas para viabilizar a implementação de um programa de estabilização com ênfase em taxas de câmbio reais ou ascendentes." (Baer, 1996, p. 5). O motivo principal do interesse das autoridades econômicas em atrair capital externo estava ligado aos esforços de estabilização, para os quais era importante que houvesse uma redução da restrição externa. Também houve interesse dos segmentos nacionais na abertura, pois a maior parte do influxo de recursos correspondia a capitais repatriados. A volta dos capitais extemos não apenas para o Brasil, mas para toda América Latina, ajudou a reverter a situação de restrição cambial e a diminuir o desequilíbrio financeiro e fiscal do setor público, duas causas essenciais dos processos inflacionários observados na região. Este influxo diminuiu o risco cambial e também reforçou o processo de estabilização através de âncora cambial. É importante citar na discussão da abertura fmanceira o investimento de portfólio no mercado financeiro doméstico, já que este é um dos principais componentes dos fluxos de capitais globais no contexto atuaL Um dos marcos desta abertura foi, em 1991, a instituição do Anexo IV à Resolução 1289/87, "o qual permitiu a entrada direta de investidores institucionais estrangeiros no mercado acionário sem critérios de composição, capital mínimo inicial e periodo de permanência no País." (Prates, 1998, p. vii). Esta tomou-se a principal modalidade de investimento de portfólio no Brasil. Já os fluxos de hot money ingressaram principalmente pelas contas de não-residentes do mercado de câmbio flutuante (CC-5), que não apresentava restrições quanto ao tipo de aplicação permitida. Já com relação à captação de recursos externos, o seu retomo ocorreu através da emissão de títulos de dívida direta no mercado internacional de capitais. Para viabilização da captação de recursos, o marco regulatório foi alterado, adequando-o ao modelo de financiamento internacional "ancorado na securitização das dívidas e na dissolução das fronteiras entre os segmentos de renda fixa e variável e entre mercados de crédito e de capitais ... " (Freitas; Prates, 1998, p. xi). É importante notar que o único instrumento de canalização de recursos externos através do sistema bancário doméstico são os repasses dos recursos captados pelos bancos mediante a emissão de títulos no exterior. Embora tenha havido na década de 90 um aumento significativo na captação de recursos externos não houve, entretanto, mudanças importantes na composição do funding do 38 sistema bancário doméstico. Foi a arbitragem de juros o principal fator de estímulo ao influxo de capitais, que se direcionou principalmente para títulos públicos. "É importante ressaltar que o pequeno grau de dolarização do sistema bancário brasileiro e a adoção de uma gestão macroeconômica menos receptiva aos fluxos de capitais, vis-à-vis outros países latino-americanos, como México e Argentina, atenua a vulnerabilidade do sistema financeiro doméstico às mudanças na direção dos fluxos de capitais. Todavia, vale salientar que o fato da maior parte dos passivos bancários dolarizados estarem com hedge, em títulos públicos indexados à taxa de câmbio, uma eventual fuga de capitais, seguida de uma crise cambial, pode ter impactos deletérios sobre as finanças públicas." (Freitas; Prates, 1998, p.xiv). 2) Processos de ajuste e reestruturação do sistema financeiro A estabilização monetária do Brasil foi baseada na utilização de âncora cambial. Isto só foi possível graças à abertura financeira realizada e à volta dos capitais externos para o Brasil, que contribuiu para reverter a situação de restrição cambial e diminuir o desequilíbrio financeiro e fiscal do setor público. Na década de 90 também foi realizada a abertura comercial, que combinada com a moeda nacional valorizada, implicou forte competição dos produtos importados, forçando os produtores nacionais a reduzirem suas margens de lucro e a aumentarem sua eficiência. Esta competição foi fundamental na contenção do aumento dos preços internos, entretanto, gerou um aumento das importações e ampliação dos déficits em transações correntes, financiados pelo ingresso de fluxos de capitais voláteis. Foram estes fluxos que também viabilizaram a acumulação de reservas internacionais, fator fundamental para a manutenção da confiança dos agentes econômicos na capacidade de defesa da taxa de câmbio nominal. Outro fator importante no processo de estabilização foi o ajuste patrimonial do Estado através da privatização de empresas estatais. Mendonça de Barros e Almeida Júnior (1997) dividem em 3 fases as mudanças ocorridas no sistema financeiro brasileiro, após a implementação do Plano Real em julho de 1994. A pnmena fase é caracterizada por: 1) diminuição do número de bancos na economia, devido a processos de liquidação, incorporação , fusão e transferência de controle 39 acionário de várias instituições bancárias e 2) implementação do Proer e outras modificações quanto à legislação e supervisão bancária. A segunda fase inicia-se em meados de 1996 e é caracterizada pela entrada de bancos estrangeiros e início dos ajustes do sistema financeiro público. A terceira e última fase ainda está em curso e deverá refletir mudanças no modelo operacional do sistema financeiro devido à perda das receitas inflacionárias e do potencial de crescimento dos serviços de intermediação financeira e da oferta de serviços bancários. Esta monografia irá, portanto, concentra-se na segunda fase de mudanças do sistema financeiro nacional. Com a estabilização monetária os bancos perderam suas receitas inflacionárias e de float 16, que eram propiciados pela perda do valor real dos depósitos a vista e/ou pela correção dos depósitos bancários em valores abaixo da inflação. A perda do jloat significou que o sistema financeiro teria que se ajustar à nova realidade de preços estáveis. Um dos ajustes a serem feitos foi a redução do número de agências bancárias, pois o número elevado só era viabilizado pelas transferências inflacionárias. Além disso, urna das fonnas que o sistema bancário encontrou para compensar a perda do jloat foi a expansão das operações de crédito. Nos seis meses após a implementação do Real foram observados aumentos de 165,4% dos depósitos a vista e de aproximadamente 40% dos depósitos a prazo. Como este aumento já era esperado, para evitar uma expansão muito grande do crédito, já no início do Plano Real, o Banco Central elevou os recolhimentos compulsórios sobre os depósitos a vista e a prazo. Mesmo assim houve um aumento de 58,7% nos empréstimos do setor bancário para o setor privado no primeiro ano póswReaL "O grande problema em períodos de expansão rápida dos créditos é o aumento da vulnerabilidade das instituições financeiras." (Barros; Almeida, 1997, p. 5). Isto porque períodos de expansão de crédito são também períodos de expansão macroeconômica que levam os bancos a aumentarem sua carteira de crédito, mas ao mesmo tempo dificulta uma análise rigorosa de risco por parte dos bancos. Deste modo, quando houve redução no ritmo de crescimento da economia brasileira e aumento da taxa de juros, em 1995, observouwse grande aumento nos créditos em atraso e em liquidação no sistema financeiro. Este fato ajuda a explicar a deterioração dos ativos de instituições que já eram vulneráveis antes do Plano Real, corno por exemplo os bancos Econômico e Nacional. 16 As receitas de float referemwse ao rendimento adicional gerado pelos recursos não-remunerados ao serem aplicados pelos bancos, mesmo com inflação zero, diferentemente das receitas inflacionárias, que se referem aos 40 Depois da quebra do Econômico, as autoridades monetárias foram impulsionadas a realizar mudanças na legislação e na supervisão bancária e a implementarem o Proer e o Proes 17 . Além de permitir o ingresso de bancos estrangeiros, ponto que será desenvolvido com maiores detalhes na próxima seção. Puga (1999) analisou as mudanças realizadas no sistema financeiro e concluiu que o grau de vulnerabilidade dos bancos privados nacionais se reduziu desde o Plano Real. O grau de alavancagem observado em dezembro de 98 foi o menor no período 94-98. Já o nível de inadimplência dos bancos privados era de 4,2% na mesma época. Além disso, o autor vê o ingresso de bancos estrangeiros corno um importante elemento para dar mais solidez e eficiência ao sistema financeiro nacional. Finaliza dizendo que a desvalorização cambial não atingiria seriamente o sistema financeiro pois uma parcela significativa das captações externas são realizadas por bancos estrangeiros, que têm cobertura de suas matrizes no exterior. Além disso, as obrigações externas líquidas dos bancos são direcionadas principalmente para empresas exportadoras, que possuem receita em dólar; importadores, que têm contratos futuros que os protegem de uma desvalorização; e títulos com hedge cambial. A tabela abaixo ilustra os efeitos da estabilização da economia e dos programas de reestruturação sobre o número de instituições financeiras. Número de Instituições Financeiras Dez/88 Jun/94 Dez/98 Bancos Públicos Federais 6 6 6 Múltiplos Comerciais De Desenvolvimento Caixa Econômica Federal o I I 2 2 I I 2 2 I I Bancos Públicos Estaduais 37 34 24 o 24 23 2 16 2 Tipos de Instituição Múltiplos Comerciais 4 ~ ganhos derivados da corrosão, pela inflação, dos valores reais de recursos de terceiros depositados nos bancos, sem remuneração ou remunerados abaixo da inflação. 17 O Proer (Programa de Estímulo à Reestruturação e ao Fortalecimento do Sistema Financeiro Nacional) foi instituído em novembro de 1995. As instituições que participaram desse programa tiveram acesso a uma linha de crédito especial, entre outros privilégios. É um programa que visava garantir a estabilidade do sistema financeiro, evitando que problemas de liquidez e solvência ocasionassem uma crise sistêmica. O Proes (Programa de Estímulo à Reestruturação do Sistema Financeiro Público Estadual) foi instituído em junho de 1998 e seu objetivo é a redução da presença do setor público na atividade fmanceira bancária, preferencialmente pela privatização, extinção ou transformação em instituição não-fmanceira ou agência de fomento. 41 -De Desenvolvimento - lO 7 6 I o Filiais de Bancos Estrangeiros (Comerciais) 4 44 3 41 18 147 138 9 19 106 101 5 16 Bancos com Controle Estrangeiro 7 19 19 Caixa Econômica Estadual Bancos Privados Nacionais Múltiplos Comerciais Múltiplos o Comerciais 31 29 2 Bancos de Investimentos 7 5 1 4 49 17 36 34 -2 23 21 2 22 Total do Sistema Bancário Nacional 166 273 233 Sociedade de Crédito, Financiamento e Invest. 102 54 259 419 55 598 42 288 376 24 912 o o 46 83 233 212 20 1.222 4 1.653 1.987 2.053 Bancos com Participação Estrangeira Múltiplos Comerciais Sociedade de Arrendamento Mercantil -Corretoras de Câmbio e Valores Mobiliários Distribuidoras de Câmbio e Valores Mobiliários Soe. Crédito Imobiliário e Assoe. de Poup. e Emp. Cooperativas de Crédito Companhias Hipotecárias Total do Sistema Financeiro Nacional o 72 ·- Fonte: Banco Central do Brasil, apud Puga (1999, p.14) 3) -- - Bancos estrangeiros no Brasil Desde a promulgação da Constituição de 1988, a entrada de capital estrangeiro ficou proibida. Entretanto, o artigo 52 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias admite o ingresso de bancos estrangeiros no Brasil em casos de acordos internacionais, aplicação do princípio de reciprocidade ou de "interesse nacional". No momento atual, estes interesses seriam o de solucionar problemas de bancos em dificuldades, fortalecer o sistema financeiro nacional e dar continuidade à política de abertura externa do sistema financeiro. Sendo assim, através da Exposição de Motivos n° 311, editada pelo ministro da Fazenda em 23 de agosto de 1995, o governo brasileiro estabeleceu que é do interesse do país a entrada e/ou o aumento da participação de instituições estrangeiras no sistema financeiro. 42 Simultaneamente, o contexto internacional de liberalização e a desregulamentação financeira somados ao surgimento de novos instrumentos e agentes financeiros provocaram um acirramento da concorrência bancária, que motivou a diversificação das atividades dos bancos internacionais e também um movimento de concentração e centralização através de fusões e aquisições (ver capítulo 1, item 3). A atual dinâmica concorrencial do sistema financeiro também vem estimulando a diversificação geográfica e a atuação global nos diferentes mercados e segmentos econômicos (Freitas; 1998). Apesar de os principais clientes no exterior ainda serem as filiais locais das empresas do país de origem, o fato de o financiamento das grandes empresas atualmente se dar através dos mercados internacionais de capitais fez com que os bancos procurassem ampliar suas atividades no exterior através de aquisição e/ou participação acionária em instituições domésticas. Freitas (1998, p. 93) conclui que "as estratégias de apoio e financiamento externo e diversificação que prevaleceram no passado cederam a primazia à estratégia de diversificação das atividades no mercado local, o que exige redes de agências mais densas e maior integração com o mercado doméstico." E por que o direcionamento para o Brasil? O que aumentou o interesse das instituições financeiras em atuar no país foram as perspectivas de estabilização sustentada da economia brasileira criadas com a implementação do Plano Real em julho de 94. Adicionalmente, a "abertura do mercado de capitais, o processo de privatização e as perspectivas de negócios na área de financiamento da infra-estrutura atraíram diversas instituições estrangeiras. Pois, são amplas as possibilidades de negócio e de lucros, sobretudo no segmento bancário de investimento, com destaque para a administração de recursos de investidores estrangeiros, a estruturação de operações de privatização e project finance, o lançamento de ações e títulos brasileiros no país e no exterior e assessoria nos processos de reestruturação de empresas brasileiras." (Freitas; 1998, p. 95). 3.1) Os bancos ingressantes O primeiro banco a ingressar no país após a Exposição de Motivos n° 311 foi o banco holandês Raibobank Nederlands, que já possuía escritório de representação no Brasil. Em 1996, foi autorizada a entrada de mais cinco instituições. O ano de 1997 foi o de maior número de autorizações de ingresso para instituições estrangeiras. No total foram 13, 43 somando bancos comerciais, de investimento e financeiras. Todas pagaram "pedágio" 18 , com exceção do Wachovia Corporation, que comprou a subsidiária brasileira do Banco Português Atlântico e do Hongkong Shangai Banking Corporation (HSBC), que adquiriu o Bamerindus com recursos do Proer. O HSBC tomou-se, em 1997,o maior banco estrangeiro tanto em volume de ativos quanto por extensão da rede bancária. Além disso, foi a primeira vez que a falência de urna grande instituição bancária brasileira foi resolvida através de sua venda à entidade estrangeira. Em 1997 também ocorreram as aquisições pelo espanhol Santander do Banco Geral do Comércio e do Noroeste, e no mês de setembro, ocorreu a transferência do controle acionário do Boavista para o Banco InterAtlàntico, controlado pelo banco português Espírito Santo, o Grupo Monteiro Aranha e o banco francês Crédit Agrico1e. Quatro novas instituições estrangeiras ingressaram no mercado brasileiro nos quatro primeiros meses de 1998. Em março de 1998, o Sudameris adquiriu o controle do banco América do Sul. O Banco Bilbao Viscaya, que ingressou no país através da aquisição do Banco Excel-Econômico (o sétimo maior banco privado nacional), começou, em agosto, com 55% do capital votante, passando para 100% no mês de outubro. Em maio de 98, o Banco Garantia, principal banco de investimentos brasileiro, foi comprado pelo Crédit Suisse First Boston (CSFB), banco de investimento do Grupo Crédit Suisse. Além do ingresso de novas instituições, houve expansão dos bancos estrangeiros já em atividade no sistema financeiro nacional. "Entre julho de 1995 e abril de 1998, registraram-se 19 operações envolvendo o aumento da presença estrangeira, sob várias formas: instalação de novas unidades de negócio, associações, aquisição e/ou ampliação da participação acionária em instituições domésticas." (Freitas; 1998, p. 103) Um exemplo é o Banco Santander. Ele já atuava no mercado brasileiro através de uma surcusal e investiu na compra do Banco Geral do Comércio e do Banco Noroeste, o primeiro em agosto de 1997, e o segundo em outubro do mesmo ano. 18 O "pedágio" é cobrado a título de contribuição para a recuperação dos recursos públicos utilizados no saneamento do sistema financeiro. Seu valor é determinado em função do capital mínimo exigido para cada modalidade de instituição financeira. É cobrado tanto nas autorizações de ingresso de novas instituições como na ampliação da presença estrangeira. 44 Em novembro de 1998, o Conselho Monetário Nacional aprovou a compra do total das ações com direito a voto do Banco Real pelo ABN Amro Bank, que já detinha 40% de tais ações desde julho de 98. Este banco já tinha comprado o Bandepe (Banco do Estado de Pernambuco). Assim além de ser o maior banco da Holanda, passou a ocupar o posto de maior banco estrangeiro no Brasil, ocupado desde 1997 pelo Banco HSBC. Houve também o aumento da presença estrangeira através da instalação ou aquisição de instituições não-bancárias. O Deutsche Bank instalou uma corretora de valores, o Citibank e o BankBoston constituíram companhias hipotecárias e o Lloyds Bank adquiriu a financeira Losango. Por outro lado, alguns bancos estrangeiros tiveram dificuldades para se estabelecer no mercado brasileiro, por exemplo o francês Crédit Lyonais vendeu o controle do BFB para o Itaú em 1996. Outros bancos optaram pela área de atacado em vez de varejo: o Chase Manhattan deixou o varejo em 1992 para atuar como banco de investimentos, o Deutsche Bank, por sua vez, decidiu se especializar nas áreas de gestão de recursos, finanças corporativas e custódia de valores. A tabela abaixo mostra a evolução do ingresso de bancos estrangeiros no mercado brasileiro no periodo após a Exposição de Motivos no 311. ~- Evolução do Número de Bancos Estrangeiros no Brasil Jun/95 Dez/98 17 16 36 Total dos Bancos Múltiplos e Comerciais (B) 20 37 240 203 Participação dos Estrangeiros (A/B) (%) 15,4 25,6 Tipos de Instituição Filiais de Bancos Estrangeiros -- Bancos Privados com Controle Estrangeiro Total de Bancos Estrangeiros (A) 52 Fonte dos dados brutos: Sisbacen, apud Puga (1999, p.l7) Em julho de 1999 o governo brasileiro anunciou que a entrada mediante a criação de novas instituições não seria mais permitida. 45 3.2) Pontos positivos e negativos: um balanço Na Exposição de Motivos ll 0 311 apresentada pelo ministro da Fazenda foram citados os fatores considerados importantes para mostrar a necessidade de capitais externos para o desenvolvimento do sistema financeiro nacional. Entre eles, a alta qualidade dos serviços prestados pelas instituições estrangeiras já presentes no Brasil; introdução de novas tecnologias e inovações que gerariam mais eficiência alocativa da economia brasileira, visto que haveria escassez de capitais nacionais para dar continuidade ao processo de atualização tecnológica; maior concorrência dentro do sistema nacional que reduziria os preços dos serviços e os custos dos recursos bancários. Executivos de bancos nacionais e estrangeiros concordam com os aspectos positivos do ingresso dos bancos estrangeiros, basicamente no que se refere ao aumento do nível de capitalização, inserção de novas tecnologias, o fato de o aumento da concorrência poder provocar uma redução dos preços, e ainda a redução dos spreads bancários. Estes fatores beneficiariam tanto o sistema financeiro, propiciando urna maior solidez, quanto a sociedade em geral, já que os serviços bancários ficariam mais baratos e com melhor qualidade. No entanto, corno destaca Freitas (1998), a redução dos spreads, segundo os empresários entrevistados em seu trabalho, resultaria da diminuição do risco da atividade bancária, o que dependeria da retração das taxas de juros e da inadimplência e não de um acirramento da concorrência. O argumento mais forte a favor da desnacionalização é que esta resultaria no aumento da solidez patrimonial do sistema bancário brasileiro e, assim, numa mawr capacidade de absorção dos choques macroeconômicos, reduzindo a possibilidade de crise sistêmica. Já a redução dos preços e tarifas e dos custos dos empréstimos pode não se efetivar pms existem outras formas de concorrência mais eficientes como, por exemplo, a diferenciação dos serviços oferecidos aos clientes. "Em resumo, a ação dos bancos, a partir de estratégias concorrenciais definidas em relação a um futuro incerto, tem um forte impacto sobre a atividade econômica, mas nem sempre no sentido esperado pelas autoridades ou previsto nos manuais econômicos." (Freitas; 1998, p. 121). 46 Além disso, essa autora lembra que os mercados financeiros não podem ser considerados "alocadores eficientes" pois os agentes financeiros formam suas expectativas baseados no comportamento dos mercados, que refletem a opinião média da comunidade financeira sobre o futuro incerto e não sobre os fundamentos da economia. "A volatilidade dos mercados é a resultante desse processo interativo de fonnação de expectativas autoM realizadoras. Neste sentido, é questionável a tese de que a entrada de bancos estrangeiros provoca mruor eficiência alocativa da economia brasileira, pela introdução de novas tecnologias de gerenciamento de recursos, inovações de produtos e serviços e 'maior concorrência'." (Freitas; 1998, pp. 121-122). Um dos pontos mais discutidos contra a ampliação da presença estrangeira no mercado brasileiro é a possibilidade de esta causar uma redução do poder de atuação da política monetária. Outros fatores são apontados por Costa (1998a): I) aumento da vulnerabilidade da moeda nacional, pois os bancos estrangeiros poderiam lucrar apostando contra a moeda brasileira; 2) maior dificuldade de colocar títulos de dívida pública junto aos bancos estrangeiros; 3) menor nível de controle sobre o funding dos bancos estrangeiros; 4) menor controle sobre o fluxo de entrada e saída de capital externo; 5) a decisão sobre a alocação da poupança seria tomada no exterior, sem levar em consideração os pontos prioritários da política econômica interna; 6) possível perda da soberania nacional, pois nenhum país desenvolvido, na prática, permite que seus maiores bancos sejam comprados por estrangeiros. Freitas argumenta que, na verdade, não é uma maior presença no mercado bancário nacional que toma a moeda brasileira mais vulnerável, pois os bancos estrangeiros podem tanto remeter recursos para o exterior, quanto trazer recursos do exterior, podendo agravar ou sustentar a situação cambial vigente. O que representa uma ameaça à moeda nacional é muito mais a dependência do capital externo sob a forma de investimento de portfólio no mercado doméstico e emissão de títulos no mercado internacional. Quanto à diminuição da capacidade do Banco Central de executar a política monetária, a ameaça maior vem dos fluxos de capitais voláteis e é uma tendência observada em todos os países que liberalizaram os controle sobre movimentos de capitais. O controle sobre os bancos estrangeiros, por sua vez, segundo a autora, deve ser o mesmo vigente sobre as instituições nacionais pois estes estão sujeitos às mesmas regras e cumprem as mesmas exigências e normas. A perda de crédito do Banco Central é mais um 47 argumento equivocado, pois corno a economia brasileira está fundada no regime de moeda de crédito, a moeda emitida exclusivamente pela autoridade monetária é a moeda de pagamento de todos os saldos monetários das instituições bancárias. Sendo assim, os bancos estrangeiros precisarão dessa moeda para liquidar suas transações. O que pode acontecer é que essas instituições se recusem a comprar títulos públicos brasileiros, mas isso não vai depender da nacionalidade da instituição. No que se refere à decisão da alocação da poupança, é importante dizer que este sempre foi um dos maiores problemas do sistema fmanceiro brasileiro. O financiamento de longo prazo nunca dependeu da oferta de crédito das instituições privadas, que sempre atuaram apenas como repassadoras de capital de empréstimo externo ou de recursos de agências de fomento. "Tanto os bancos privados nacionais como os bancos estrangeiros sempre se concentraram no financiamento dos déficits governamentais e na concessão de crédito de curto prazo para o setor privado. Com maior ou menor presença estrangeira, o papel dos bancos privados no financiamento do desenvolvimento ainda é uma incógnita. Com o acesso das grandes empresas aos mercados internacionais de capitais, a forma de atuação dos bancos pode não se alterar significativamente. Nesse caso, as operações tradicionais de crédito continuariam, portanto, restritas ao curto prazo." (Freitas; 1998, p. 129). 48 CONCLUSÃO O contexto econômico internacional na década de 70 era de excesso de liquidez nos mercados financeiro internacionais, essencialmente no Eurornercado, que constituiu uma importante fonte de recursos para países em desenvolvimento como o BrasiL Foi através principalmente dos bancos internacionais privados que o capital financeiro se internacionalizou e adquiriu agilidade e flexibilidade. No caso do Brasil, foram os bancos estrangeiros aqui instalados os mais importantes repassadores do capital captado no exterior e, portanto, atores importantes no processo de desenvolvimento da economia brasileira. Apesar de o controle nacional do sistema financeiro brasileiro sempre ter predominado, a internacionalização acabou avançando através da entrada de capitais de risco e também do reinvestimento dos lucros das instituições financeiras estrangeiras já instaladas no Brasil. Como estas instituições tinham fácil acesso aos mercados financeiros internacionais, suas atividades se concentraram nos repasses de recursos externos. Este movimento foi reforçado pelo interesse dos bancos privados brasileiros em acessar os recursos disponíveis no mercado financeiro internacional. Os bancos estrangeiros expandiram suas atividades principalmente nos setores de bancos de investimento e empresas de leasing. Deste modo, as instituições estrangeiras acabaram dando maior ênfase aos créditos de médio e longo prazo para grandes projetos de investimento. Com estas características, os bancos estrangeiros exerceram principalmente duas funções na economia na década de 70, a primeira refere-se à própria transferência de recursos externos e a segunda ao fato de terem sido os principais credores da dívida externa brasileira. De acordo com Baer (1986, p. 17) "o principal eixo de internacionalização financeira no Brasil esteve estreitamente vinculado à dinâmica produtiva e se realizou diretamente através do endividamento externo das empresas. Ou seja, as bases sobre as quais se estruturou a indústria brasileira, com uma grande participação do capital estrangeiro e a expansão do setor público no âmbito produtivo, promoveram a própria internacionalização financeira via endividamento externo." 49 Já o movimento de internacionalização ocorrido na década de 90 é conseqüência direta do processo de globalização financeira em âmbito internacional. O contexto internacional de liberalização, a desregulamentação financeira, o surgimento de novos instrumentos e agentes financeiros provocaram o acirramento da concorrência bancária. Sendo assim, a dinâmica da concorrência bancária tem motivado movimentos de concentração e centralização em âmbito doméstico e de diversificação geográfica e busca de um crescimento na atuação global. A perspectiva de estabilização sustentada da economia brasileira criada com a implementação do Plano Real em junho de 1994 aumentou o interesse das instituições financeiras estrangeiras em atuar no país. Além disso, o sistema financeiro brasileiro tem um grande potencial de crescimento, como a área de intermediação financeira tradicional, pois os bancos ainda operam no mercado de crédito com baixa alavancagem; e mesmo na oferta de sen'iços bancários. A política econômica nacional teve interesse na abertura externa do sistema financeiro brasileiro, o que permitiu a entrada de capitais externos e auxiliou nos esforços de estabilização, através da restrição externa. A entrada dos bancos estrangeiros foi possibilitada por esse processo de abertura financeira e incentivada pelo governo no processo de reajuste do sistema financeiro nacional. As autoridades econômicas acreditavam que este movimento de internacionalização teria a função de fortalecer e modernizar o sistema financeiro. Enquanto o movimento de internacionalização bancária nos anos 70 se deu através da implantação de entidades no exterior com o objetivo de acompanhar a internacionalização de seus clientes nacionais, de viabilizar o acesso de grandes empresas domésticas ao mercado internacional de eurocredits e, em menor grau, de conquistar espaço no mercado bancário local. Nos anos 90, apesar de os principais clientes dos bancos no exterior ainda serem as empresas de seus países de origem, o objetivo dos bancos tem sido ampliar seus serviços nos mercados de serviços financeiros através de aquisição e/ou participação acionária nas instituições domésticas. Como se pôde notar, durante a década de 70, os bancos enfatizaram as estratégias de apoio e de financiamento esterno no processo de internacionalização. Já na década de 90, a ênfase foi dada na estratégia de descentralização bancária. Estas diferenças de enfoque devem-se em primeiro lugar aos diferentes contextos internacionais: excesso de liquidez 50 internacional nos anos 70 e globalização financeira nos ano 90, que detemünam as condições de concorrência bancária, podendo estimular ou não a internacionalização; em segundo lugar, aos interesses econômicos do país: a política de financiamento do desenvolvimento nos anos 70 e o reajuste do sistema financeiro após estabilização financeira. É fato que a política econômica interna viabiliza este movimento de internacionalização bancária, mas não é um determinante deste processo. Os fatores que o determinam se originam no contexto econômico internacional e na conjuntura da dinâmica concorrencial bancária. O processo de reestruturação do sistema financeiro somado à abertura ao capital externo e à adaptação ao ambiente de baixa inflação ainda está em curso e tem como um de seus objetivos corrigir uma das maiores falhas do setor financeiro brasileiro: a falta de uma política que priorize o financiamento de longo prazo da economia, sem isso as dificuldades de se promover um desenvolvimento sustentado fica ainda mais difícil. "No Brasil, onde já estavam presentes importantes bancos estrangeiros de distintas procedências, o sistema financeiro privado jamais se envolveu na concessão de financiamento de longo prazo para as empresas produtivas, exceto como repassadores de capital de empréstimo externo ou de recursos das agências oficiais de fomento. A entrada de novas instituições financeiras estrangeiras não vai promover por si só a resolução desse problema." (Freitas; 1998, p.ISO). 51 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ADACHI, V. (1999). "Estrangeiros já dominam 35% do sistema bancário." Folha de São Paulo, São Paulo, 3 jan., dinbeiro, p. 3. BAER, M. (1986). A internacionalização financeira no Brasil. Petrópolis: Vozes. BAER, M. (1996). Os mercados financeiros latino-americanos a partir da reinserção internacional e das experiências de estabilização nos anos 90. Rio de Janeiro: BNDES, mimeo, fev. BARROS, J.R.M. de; ALMEIDA JUNIOR, M.F. de (1997). Análise do ajuste do sistema financeiro no Brasil. Brasília, DF: Ministério da Fazenda/SPE, rnimeo, maio. BARROS, J.R.M. de; LOYOLA, G.J.L.; BOGDANSKI, I. (1998). Reestruturação do Setor Financeiro. Brasília, DF: Ministério da Fazenda!SPE, mimeo, jan. BRAGA, J.C. de S.; PRATES, D.M. (1998). Os bancos da Era FHC. São Paulo: FUNDAP, m1meo. CINTRA, M.A.M.; FREITAS, M.C.P. (1998). Transformações Institucionais dos Sistemas Financeiros. São Paulo: Edições Fundap/Fapesp. COSTA, F.N. da (1998a). Desnacionalização bancária: prós e contras, mimeo, Instituto de Economia, Unicamp, Campinas. COSTA, F.N. da (1998b). Desnacionalização bancária: construir, destruir, reconstruir... , mimeo, Instituto de Economia, Unicamp, Campinas. COSTA, F.N. da (1999). Economia Monetária e Financeira: uma abordagem pluralista. São Paulo: Makron Books. DAVIDOFF CRUZ, P.R. (1984). Dívida externa e política econômica: a experiência brasileira nos anos setenta. São Paulo: Brasiliense. DAVIDOFF CRUZ, P.R. (1994). "Notas sobre o financiamento de longo prazo na economia brasileira do após-guerra", Revista Economia e Sociedade, Campinas, TI 0 3, pp. 65-80, dez. FREITAS, M.C.P. (1989). Bancos brasileiros no exterior: expansão, crise e ajustamento. Campinas, (Dissertação de Mestrado), Instituto de Economia - Universidade Estadual de Campinas, nov. FREITAS, M.C.P. (1997). "A natureza particular da concorrência bancária e seus efeitos sobre a estabilidade financeira", Revista Economia e Sociedade, Campinas, n° 9, pp. 51-84, JUn. FREITAS, M.C.P (1998). "A abertura do sistema bancário brasileiro ao capital estrangeiro" in Abertura externa e sistema financeiro, Freitas, M.C. (coord), São Paulo: FUNDAP, maio. 52 FUCS, J. (1998). "O céu é o limite: os bancos estrangeiros conquistam um espaço sem precedentes e dificultam o jogo para seus rivais no país." Revista Exame, 14 de janeiro, pp. 48-57. FURTADO, C. (1998). O capitalismo global. São Paulo: Paz e Terra. GONÇALVES, R.; BAUMANN, R.; PRADO, L.C.D.;CANUTO, O. (1998). A nova economia internacional. Rio de Janeiro: Campus. MADI, M.A.C.; MELETI, P.M. de F. (1995). Tendências estruturais dos bancos privados no Brasil: a dinâmica da relação entre bancos e empresas não-financeiras (1990-1994). São Paulo: FUNDAP, mimeo, agosto. MERCADANTE, A. (org) (1997). O Brasil pós-Real: a política econômica em debate. Campinas: UNICAMP. !E. MOFFIT, M. (1983). O dinheiro do mundo. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1984. OLIVEIRA, G. (1996). Brasil Real: desafios da pós estabilização na virada do milênio. São Paulo: Mandarim. PÁDUA LIMA, M.L.L.M. (1985). O euromercado e a expansão do capital financeiro internacional. Campinas, (Dissertação de Mestrado), Instituto de Economia - Universidade Estadual de Campinas, dez. PLIHON, D. (1995). "A ascensão das fmanças especulativas", Revista Economia e Sociedade, Campinas, n° 5, pp. 61-78, dez. PLIHON, D. (1996). "Desequilíbrios mundiais e instabilidade financeira. (A responsabilidade das políticas liberais: um ponto de vista keynesiano)", Revista Economia e Sociedade, Campinas, no 7, pp. 85-127, dez. PRATES, D .. M. (1998). "Investimento de portfólio no mercado financeiro doméstico" m Abertura externa e sistema .financeiro, Freitas, M.C. (coord.), São Paulo: FUNDAP, maio. PUGA, F.P. (1999). Sistema financeiro brasileiro: reestruturação recente, comparações internacionais e vulnerabilidade à crise cambial. Brasília, DF: BNDES, mimeo, mar. TA V ARES, M. da C.; FlORI, J.L. (1997). Poder e Dinheiro: Uma economia política da globalização. Petrópolis, RJ: Editora Vozes. TEIXEIRA, N.G. (1985). O sistema bancário brasileiro e suas transformações frente à crise atual. Campinas, (Dissertação de Mestrado), Instituto de Economia- Universidade Estadual de Campinas, dez. VASSALO, C. (1998). "Vai sobrar algum?- Qual o futuro do Bradesco?", Revista Exame, ano 31, n"l3, 17 de junho, capaepp. 22-23. 53 ZINI JR., A. (1982). Uma avaliação do setor financeiro no Brasil: da Reforma de 1964165 à crise dos anos oitenta. Campinas, (Dissertação de Mestrado), Instituto de Economia Universidade Estadual de Campinas, jun. ~