Clique no artigo de Maílson da Nóbrega publicado no Jornal Valor

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05/10/2016 - Se a China nos invadir…
Estaria em estudo no governo o fim de restrições legais à compra de terras por estrangeiros. A
medida pode livrar o país de obstáculos legais, visões ideológicas e ingenuidades que cercam o
tema.
A propriedade da terra foi questão básica desde a Antiguidade. Na Suméria e no Egito antigos,
as ideias sobre riqueza, propriedade da terra e agricultura se fundiram em meio à expansão da
irrigação e da urbanização. A proteção do Estado aos proprietários era essencial para assegurar
a oferta de alimentos à população.
No feudalismo, a terra pertencia ao monarca, que a distribuía aos aristocratas, os quais a
entregavam a arrendatários. Até princípios do século XIX, nos Estados Unidos e na Europa
votavam apenas a aristocracia (onde existia) e os proprietários.
A riqueza decorria da exploração da terra e da construção de palácios. Isso começou a mudar
com a Revolução Comercial (do século XIII ao XVIII), os grandes descobrimentos e a expansão
colonial. A descoberta do caminho para as Índias deslocou o comércio marítimo do Mediterrâneo
para o Atlântico. Surgiram novas fontes de riqueza. Leis de patentes, particularmente a inglesa
de 1624, resultaram na febre de invenções que dariam origem à máquina a vapor. Ao substituir a
roda d’água como fonte de energia, essa máquina permitiu a operação de fábricas em qualquer
lugar (e não apenas à margem de rios). A Revolução Industrial deslanchou.
Antes das patentes, a riqueza era limitada fisicamente pelo estoque de terras e edificações.
Agora provinha também da propriedade intelectual, detida pelos que tinham suas inovações
reconhecidas e protegidas da concorrência por certo tempo. A propriedade tornou-se ilimitada.
Adicionalmente, com a substituição do feudalismo pelo capitalismo, a terra começou a perder
seu reinado.
Esse processo se acentuou a partir do século XIX diante da rápida expansão da economia, que
se beneficiava da industrialização e do surgimento de múltiplas formas de enriquecimento:
indústria, comércio, finanças, transportes, comunicações e, mais tarde, todos os tipos de
serviços.
Mesmo assim, a terra manteve o fascínio entre os que não perceberam as transformações e a
nova lógica, a da economia de mercado. É o que se vê nos pareceres da Advocacia-Geral da
União dos tempos petistas, que reforçaram preconceitos contra a venda de terras a estrangeiros.
Em um deles, destaca-se opinião anticapitalista de conhecido advogado, para quem a
propriedade da terra “não poderia ficar unicamente em subserviência aos caprichos da natureza
humana, no sentido de aproveitá-la ou não, e, ainda, como conviesse ao proprietário”. A cultura
intervencionista e a xenofobia fundamentaram aqueles pareceres, cuja aprovação tornou muito
restritiva a venda de terras a estrangeiros. Para tanto, foram invocados, entre outras tolices, uma
suposta crise mundial de alimentos e o risco de não explorarmos a produção de biocombustíveis
em larga escala.
Não há risco em vender terras a estrangeiros, pessoas físicas ou jurídicas. Ambas se sujeitam
às leis do país e à capacidade de ação do Estado para defender nossos interesses. À disposição
do governo está o poder de controlar exportações – caso necessário –, assim como o de impor o
cumprimento de normas fitossanitárias, de defesa meio ambiente, de preservação florestal e de
proteção de mananciais. Incluem-se ainda o poder de requisição de produtos rurais e a
expropriação.
Assim, o risco, se existe, é do investidor estrangeiro. A nós interessa atraí-lo com seus capitais,
sua tecnologia e suas redes de comercialização. Há quem defenda a ideia de que ao menos se
proíba a compra de terras por empresas estatais chinesas, pois o comprador seria o Estado, e
não investidores privados. A ideia é improcedente. Quem quer seja o proprietário, governo ou
particulares, estará sujeito à lei e à soberania nacionais.
O risco seria uma invasão do nosso território pela China, com o objetivo de garantir suas
propriedades. Mesmo nessa hipótese improvável, de nada valeriam as restrições à venda de
terras a chineses ou a outros.
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