CAPITAL SOCIAL NA AGRICULTURA RURAL ORGÂNICA NO OESTE DO PARANÁ1. Juliane Miyazaki2 Rosana Kátia Nazzari Geysler Rogis Flor Bertolini Juliana Gaffuri Rosana M. Schmidt Paulo Alberto Vilas Boas Teodoro RESUMO: O presente estudo tem por objetivo analisar os efeitos da globalização na agricultura familiar no oeste do Paraná. As conseqüências das mudanças no sistema produtivo geram fragmentação do tecido social e conseqüentemente o desemprego e a exclusão de parcela significativa da população. Todavia, apesar dos dilemas da agricultura familiar do Brasil, esta se apresenta como uma prática eficaz para a economia solidária, inclusão social, diminuição das desigualdades. Neste sentido a integração dos produtores artesanais na cadeia produtiva agroindustrial requer uma boa dose de recursos econômicos, estoque de capital social e de associativismo cooperativo. As principais variáveis de capital social são: confiança, cooperação e a participação política dos cidadãos, colaborando para incrementar políticas públicas eficazes, a fim de que estas possam alavancar o desenvolvimento das comunidades. O principal obstáculo à acumulação de capital social é a existência de um ambiente educacional incoerente com a noção de desenvolvimento tradicionalmente aceito pelo mercado capitalista. O empreendedorismo é responsável pelo rompimento da economia ortodoxa em fluxo circular para uma economia dinâmica, competitiva e geradora de novas oportunidades. Nesse contexto, as crenças e valores culturais e abertura para novos conhecimentos e técnicas vivenciadas e trocadas pelos produtores rurais podem formar uma rede importante para cooperação e expandir os níveis de capital social do desenvolvimento sustentável das comunidades, criando 1 Resultados do Projeto: Gestão das Unidades Artesanais do Edital CNPq 022/2004 do Ministério da Ciência e Tecnologia. 2 Bolsista do CNPq do Projeto Gestão das Unidades Artesanais e Graduando de Ciências Econômicas pela Unioeste. Centro de Ciências Sociais Aplicadas. Rua Universitária 2969 Jardim Universitário. CEP: 85.819.110. Fone: (045) 3220 3223. E-mail: [email protected] condições para que os agricultores permaneçam nas pequenas propriedades agrícolas com melhora significativa da qualidade de vida dos mesmos. PALAVRA-CHAVE: capital social; agricultura familiar; empreendedorismo rural. INTRODUÇÃO: As principais conseqüências das transformações tecnológicas advindas do processo de globalização foram o êxodo rural e a deteriorização das condições de trabalho e da qualidade de vida dos pequenos produtores da agricultura familiar. Neste cenário, o apoio governamental que existia era voltado aos grandes produtores latifundiários, que possuíam acesso à tecnologia, consumo, venda e negociação de seus produtos, tornando-os mais eficiente. Estes fatores tiveram reflexos nas diversas regiões do país, gerando pobreza e desigualdade social. Um discurso modernizante marcado pelo subdesenvolvimento e miserabilidade. Sabe-se que, a desigualdade social no país é uma das maiores do mundo, a maioria da população não possui perspectivas para ampliar seu bem-estar social e oportunizar a melhoria de sua qualidade de vida. Assim, faz-se necessário ampliar os estoques de capital sociais por meio de parcerias entre o Estado e a sociedade civil organizada para indicar as soluções cabíveis e necessárias para alavancar o desenvolvimento do Brasil. As conseqüências das mudanças no sistema produtivo geram fragmentação do tecido social e conseqüentemente o desemprego e a exclusão de parcela significativa da população. Todavia, apesar dos dilemas da agricultura familiar do Brasil, esta se apresenta como uma prática eficaz para a economia solidária, inclusão social, diminuição das desigualdades, bem como, destaca-se nas políticas públicas de incentivo a promoção de emprego e renda para o desenvolvimento sustentável local, porém o mundo rural não deve depender exclusivamente dos resultados econômicos da produção, mas também com a sua integração com a sociedade e economia urbana. Sendo de grande importância a classe de pequenos produtores rurais para o País, no que diz respeito à produção de alimentos básicos para a população urbana. Assim, o problema central deste estudo consiste em verificar o alcance do empreendedorismo e do capital social para o desenvolvimento rural. No entanto, sabe-se que a cultura individualista e o pensamento liberal não colaboram para promover a prática das pessoas na afiliação em associações. Assim, o principal obstáculo à acumulação de capital social é a existência de um ambiente educacional incoerente com a noção de desenvolvimento tradicionalmente aceito pelo mercado capitalista. A existência de lacunas nas ciências sociais no que compete aos temas de capital social e empreendedorismo no meio rural justifica a realização de estudos que visem buscar alternativas para o problema da cooperação social e para o desenvolvimento regional brasileiro. Daí a importância de investigar fenômenos que causam a obstrução da ação coletiva, entre eles. A ausência de transparência política, o faccionismo, o legado histórico de clientelismo e partrimonialismo fenômenos que, por sua recorrência, geram o isolamento das pessoas da vida pública, comprometem a sua participação política e a construção da democracia no Brasil. Segundo Baquero (2001), entende-se que o capital social é o processo e o instrumento de empoderamento do cidadão e que pode mudar as relações e intercâmbios sociais que gerem mais redes de cooperação e solidariedade. Já para Franco (2005), capital social são os níveis de participação e de organização que uma sociedade possui, sendo uma teia invisível que sustenta tudo. Podendo ser incrementado pela cultura e educação potencializando comportamentos participativos. Os principais pontos de debates em torno do conceito de capital social apontam para três variáveis: a confiança, a cooperação e a participação política dos cidadãos, colaborando para incrementar políticas públicas eficazes, a fim de que estas possam alavancar o desenvolvimento das comunidades. Um estudo feito pela OCDE - Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico em 2005 indica que o Brasil é um dos países que menos concede subsídios para a agricultura. O volume de subsídios aplicado pelo Brasil em sua agricultura não ultrapassa 3% do valor bruto da produção. Pelas regras internacionais da OMC - Organização Mundial do Comércio, os países em desenvolvimento, têm o direito de aplicar o equivalente à no máximo 10% de sua produção agropecuária, sem prejuízo ao mercado global. Os subsídios concedidos no Brasil são destinados a programas de agricultura familiar, que corresponde por 60% dos alimentos que chegam à mesa dos brasileiros. Contraditoriamente, segundo Secretaria de Comunicação de Governo e Gestão Estratégica (2005), o governo federal está destinando para a safra 2004/2005, R$ 7 bilhões por meio do Pronaf – Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar, um recorde em investimento. As dimensões do conceito de capital social envolvem o plano individual, social e institucional: No plano individual desencadeia o sentimento de confiança, reciprocidade, identidade; no plano social, fortalece a cooperação sistêmica, coesão social, atitudes virtuosas e padrões valorativos e éticos no espaço público; e no plano institucional leva ao engajamento em associações voluntárias e na vida cívica, participação política e horizontalidade nas relações sociais e institucionais. A difusão de uma prática de desenvolvimento sustentável depende da inserção do indivíduo na comunidade por meio da criação de redes de associações baseadas em normas compartilhadas, em relações de confiança e no princípio da responsabilidade social. A inserção econômica da agricultura está diretamente ligada a dois grandes segmentos que, tradicionalmente, têm-se denominado antes e depois da porteira. O primeiro é representado pelo setor de suprimento dos insumos utilizados dentro da porteira e caracteriza-se, conforme Veiga (2003a), por uma estrutura de mercado representada por poucos fornecedores que definem as regras do mercado global de fornecimento de insumos a atividade agropecuária. O segundo é o representando pelos agentes econômicos que dão suporte ao produto até a mesa do consumidor final, onde se destacam as empresas compradoras de commodities agrícolas as quais definem a estratégia e os preços a serem pagos aos produtores rurais. Entre os dois segmentos da cadeia do agronegócio está a agricultura. Os agentes econômicos que nela atuam praticamente não interferem na formação dos preços dos produtos agropecuários, em razão das estruturas de mercado dos segmentos antes e pósporteira. Entretanto, a qualidade do alimento que vai para a mesa do consumidor depende essencialmente da produção na propriedade. Nesta direção, Veiga (2003a), destaca o enorme contingente de agente que fazem da agricultura sua principal atividade econômica, não escolheu ser agricultor. De uma maneira geral, essa escolha dá-se mais um processo de transmissão, que transcede gerações e tem uma forte vinculação que se denomina de afetividade em relação à terra. No aspecto negativo, os preços vêm sofrendo constantes reduções, enquanto os custos dos insumos estão se elevando cada vez mais. Acarretando uma margem menor de lucro para os agricultores locais, com a conseqüente desestimulação jovens em permanecer na atividade rural. OBJETIVOS: O presente estudo tem por objetivo geral verificar os índices de capital social dos agentes da agricultura rural orgânica no oeste do Paraná. E, como objetivos específicos: a) verificar a configuração da agricultura brasileira a partir da modernização conservadora, que teve início nos anos 1960; b) Analisar os efeitos da globalização na agricultura familiar no oeste do Paraná; e c) Traçar alternativas de inserção e comercialização no mercado dos produtos da agricultura familiar no oeste do Paraná. Para tal, utilizar-se-á da metodologia a seguir. METODOLOGIA: Para identificar esse pequeno produtor é necessária a utilização de um conjunto de características: quando a propriedade é trabalhada pela família, isto é, não há mão-de-obra contratada ou assalariada; a produção obtida, normalmente, é destinada para o consumo, comercializando-se, apenas, o excedente; o tamanho da propriedade é, normalmente, reduzido; o nível de renda, de modo geral, é baixo. Neste sentido, a integração dos produtores artesanais na cadeia produtiva agroindustrial requer uma boa dose de recursos econômicos, estoque de capital social e de associativismo cooperativo. A principal variável do capital social é a confiança, que pode trazer a previsibilidade das relações sociais, e por sua vez, gerar a cooperação mútua entre as pessoas. A cooperação, por sua vez, traz a confiança e a reciprocidade entre os membros das associações e agrega a participação nas associações. Para detectar os índices de capital social foi utilizado instrumento survey junto aos agricultores familiares que participam do projeto financiado pelo CNPq sobre Gestão das Unidades Artesanais na UNIOESTE. Níveis de participação sim não associações sindicais associações comunitárias associações religiosas reunões políticas já participou partidos políticos 12 10 8 6 4 2 0 Fonte: Projeto Gestão das Unidades Artesanais – G.U.A. 2005. Com bases nesses dados pode-se perceber de que os níveis de confiança nas instituições de governo estão baixas e a maioria confia pouco, o inverso acontece com a família e a igreja, que possui níveis elevados de confiança. Sabe-se que, níveis de confiança elevados remetem a ampliação da participação das pessoas nos processos de decisões coletivas, como se destaca na Figura 2 a seguir: Níveis de participação sim não associações sindicais associações comunitárias associações religiosas reunões políticas já participou partidos políticos 12 10 8 6 4 2 0 Fonte: Projeto Gestão das Unidades Artesanais – G.U.A. 2005. Após analisarem-se estes dados chega-se à conclusão que os baixos níveis de confiança influência diretamente nos níveis de participação. RESULTADOS: O capital social no seu bojo apresenta dois componentes importantes para compreender o produtor rural enquanto empreendedor. O primeiro está relacionado a toda uma experiência vivida, desde muito cedo o filho do agricultor aprende o manejo e os riscos que a produção sofre, como, por exemplo, ações climáticas, efeitos da demanda e oferta no mercado consumidor, a ocorrência da presença de atravessadores e vários outros, e o segundo componente trata dos aspectos de formação histórica e conhecimento. Nesta direção, a Figura 3 a seguir destaca o número de produtores por categoria no oeste do Paraná. Número de produtores por categoria 15.000 10.000 5.000 0 1 até 15 ha 1 até 30 ha 1 até 50 ha Fonte: Emater (2005). De acordo com os dados da Figura 3, há uma maioria de pequenas propriedades com no máximo 15 ha. Segundo Balsadi (1997), o lado perverso do desenvolvimento da agricultura é que apesar de conseguirem aumentar a produtividade da terra e do trabalho, os pequenos agricultores e trabalhadores rurais acabam sendo exclusos do processo produtivo. Segundo Saraceno (1994), a diversificação do meio rural constitui-se uma nova forma de organização de atividades e que apresenta grandes vantagens: • Facilita a circulação dos riscos da agricultura para fora dos seus limites; • Preserva uma demanda quantitativa adequada de serviços na área rural, evitando o êxodo rural; • Facilita a obtenção de rendas complementares; • Gera formas de cooperação entre os agricultores; • Reduz a necessidade de políticas compensativas; e. • Oferece espaço para negociações entre os conservacionistas ambientais da classe média e os agricultores produtivistas. A busca permanente de diferenciação pelos produtores permite obter vantagens competitivas que proporcionam lucros maiores. Um exemplo é a agricultura orgânica, com a finalidade de diminuir os impactos ambientais, preservando a biodiversidade existente na localidade, excluindo a utilização de substâncias químicas ou outros materiais sintéticos que agridem de alguma forma o ecossistema. A população urbana já iniciou o consumo desse tipo de produto diferenciado, pois possui mais informações sobre a qualidade dos produtos, exigindo-os mais saudáveis, mudando dessa forma, seus hábitos alimentares. Os produtos agrícolas mais utilizados na produção orgânica são: soja, milho, mandioca, trigo, horticultura, fruticultura, cana-de-açúcar, arroz e feijão. Diante deste cenário, observa-se que, a agricultura familiar pode se incentivada pelas boas políticas públicas, conscientização da população no incentivo e consumo de seus produtos, e por isto, representa importante canal de desenvolvimento regional, promovendo o emprego e renda no oeste do Paraná. CONCLUSÃO: É de fundamental importância relacionar agricultura familiar com o desenvolvimento sustentado, no qual, a geração de emprego, renda, preservação do meio ambiente, produção de alimentos e o desenvolvimento local são os principais fatores de equilíbrio no meio rural. Nesse contexto, as crenças e valores culturais e abertura para novos conhecimentos e técnicas vivenciadas e trocadas pelos produtores rurais podem formar uma rede importante para cooperação e expandir os níveis de capital social do desenvolvimento sustentável das comunidades, criando condições para que os agricultores permaneçam nas pequenas propriedades agrícolas com melhora significativa da qualidade de vida dos mesmos, implicando a ocorrência de profundas transformações produtivas, tecnológicas e estruturais. Tais transformações irão depender, em última análise, da iniciativa e capacidade empresarial dos agentes econômicos e sociais das zonas rurais mas irão implicar, necessariamente, um adequado enquadramento político-institucional. Com a melhora nos níveis educacionais dos pequenos agricultores e na eficácia judiciária podem reduzir os efeitos dos baixos níveis de relações de confiança, que ocasiona o baixo nível de participação, em sua maioria, nas instituições governamentais o que leva aos baixos estoques de capital social entre os pequenos produtores do oeste do Paraná. REFERÊNCIAS BIBLIOGRAFICAS: ABRAMOVAY, Ricardo. A agricultura brasileira na contra mão. Jornal Gazeta Mercantil. 10/01/01, p. A 3. São Paulo, 2001. AED. Agência de Educação para o Desenvolvimento. Disponível em: www.aed.org.br. Acesso em: 06 set. 2005. BAQUERO, Marcello. Reinventando a Sociedade na América Latina: cultura política, gênero exclusão e capital social. Porto Alegre. UFRGS, 2001a p. 19-49. BALSADI, O. V. Emprego Agrícola no Brasil e no Estado de São Paulo nos Anos 90. Revista Ops, Salvador, v.2, n.7, Inverno, 1997. 10p. BRANDENBURG, Alfio. Agricultura familiar, ONGS e desenvolvimento sustentável, Curitiba: UFPR, 1999. CEPAL - Comissão Econômica para a América Latina. Indicadores rurais na América Latina. Informe 2002. Comentários. Disponível em: <www.cepal.org.br>. Acesso em: 30 jan. 2004. COLEMAN, James S. Foundations of social theory. Cambridge: Harvard University Press, 1990. DEGEN, Ronald Jean. O empreendedor: fundamentos da iniciativa empresarial. São Paulo: McGraw Hill, 1989. FRANCO, Augusto de. Entrevista com o coordenador geral da AED. Disponível em: www.aed.org.br. Acesso em: 06 set. 2005. NAZZARI, Rosana Katia. Capital social, cultura e socialização política: a juventude brasileira. Tese de Doutorado em Ciência Política. Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Porto Alegre: UFRGS, 2003. NYCHAI, Luci. Sustentabilidade do modelo de produção agroindustrial de pequeno porte voltado à propriedade rural familiar do município de Guarapuava, PR. Dissertação de Doutorado em Engenharia Agrícola. Universidade Estadual do Oeste do Paraná. Cascavel: UNIOESTE, 2004. PERES, Fernando Curi. Capital social: a nova estrela do crescimento econômico. Disponível em: <www.pa.esalq.usp.br>. Acesso em: 06 ago. 2003. PUTNAM, Robert D. Comunidade e democracia - a experiência da Itália moderna. Editora da Fundação Getúlio Vargas, Rio de Janeiro, 1996. REVISTA GLOBO RURAL – FRANCO, Luciana. Coisa de gente rica. Nº 237, jul. 2005. P. 28. SARACENO, E. Alternative readings of spatial differentiation: the rural versus the local economy approach in Italy. European Review of Agricultural Economics, v.21, p.451-74, 1994. SCHUMPETER, Joseph Alois. Teoria do desenvolvimento econômico. São Paulo: Abril Cultural, 1982. SECRETARIA DE COMUNICAÇÃO DE GOVERNO E GESTÃO ESTRATÉGICA. Disponível em: www.presidencia.gov.br . Acesso em: 04 ago. 2005. VEIGA, José Eli da. O subsídio agrícola que interessa - sentido histórico da opção pela agricultura familiar é incorporar família rural à classe média. Disponível: <www.alainet.org>. Acesso em: 15 mai 2003a. VEIGA, José Eli da. Empreendedorismo rural - uma primeira aproximação. USP/FEA - Depto. Economia. Disponível em: <www.econ.fea.usp.br>. Acesso em: 18 nov. 2003b. ZIMMERNANN, Jorge. Desenvolvimento sustentável e agricultura: tempo e presença, São Paulo: Publicação do CEDI, 1992.