ESTÁGIO CURRICULAR SUPERVISIONADO EM FILOSOFIA

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ESTÁGIO CURRICULAR SUPERVISIONADO EM FILOSOFIA:
NARRATIVAS DAS INTERFACES ENTRE APRENDER - ENSINAR
FILOSOFIA NO ENSINO MÉDIO
SILVA, Marli da,1 - UFSM
CANDELONI, Carolina Fabiane2 - UFSM
IOP, Cintia Aline Schlindweis3 - UFSM
QUADROS, Taiana Flores de4 - UFSM
Grupo de Trabalho - Práticas e Estágios nas Licenciaturas
Agência Financiadora: não contou com financiamento
Resumo
O presente texto tem o intuito de examinar e fazer algumas considerações sobre a experiência
de estágio no processo de ensino - aprendizagem filosófica, destacando a importância do
docente conhecer a cultura juvenil e sua relação com a filosofia, pois entende-se que é no
interior da constituição intersubjetiva que se descobrem possibilidades do valor crítico e
transformador da construção da docência, do saber e do agir humano. A reflexão se faz a
partir da experiência de Estágio Curricular Supervisionado em Filosofia realizado em uma
Escola Pública de Ensino Médio de Santa MARIA/RS. Para a reflexão optou-se em dividir o
texto em dois momentos, a saber: primeiro momento: Desvelando caminhos para a
constituição do projeto de Estágio Curricular Supervisionado em Filosofia; segundo
momento: Diante da turma: o que é próprio dos processos de ensino de Filosofia?. Nas
considerações realizadas no texto destaca-se que o estágio é uma experiência ímpar do
professor em formação, pois se faz necessário no processo de “aprender - ensinar” filosofia.
Tem-se como referencial teórico: Arendt (1972); Cerletti (2009); Gallo (2000); Kohan (2009);
Obiols (2002), Langón (2003), Vázquez (2011), entre outos.
1
Graduada em Filosofia e mestranda em Educação, pela Universidade Federal de Santa Maria; Pesquisadora do
Núcleo de Estudos Sobre Memória e Educação - Clio. E-mail: [email protected].
2
Graduanda em Pedagogia na Universidade Federal de Santa Maria. Bolsista de Iniciação
Científica – FAPERGS. Participante no Núcleo de Estudos sobre Memória e Educação – Clio..
e-mail: [email protected].
3
Graduanda em Educação Especial/UFSM. Bolsista de Iniciação Científica - PIBIC/CNPq. Participante do
Núcleo de Estudos sobre Memória e Educação – Clio. e-mail: [email protected].
4
Graduada em Pedagogia/UFSM; Graduanda em Educação Especial//UFSM; Participante do
Núcleo de Estudos sobre Memória e Educação – Clio. e-mail: [email protected].
Palavras-chave: Educação. Estágio Curricular Supervisionado. Filosofia. Jovem.
Introdução
O presente trabalho é fruto de reflexões realizadas sobre o período de Estágio
Curricular Supervisionado em Filosofia/UFSM, realizado em uma Escola Pública de Ensino
Médio de Santa Maria/RS. No texto, pretende-se examinar e fazer algumas considerações
sobre o processo de ensino - aprendizagem filosófica e a importância do docente conhecer o
aluno (jovem), sendo que é no interior da constituição intersubjetiva que se descobrem
possibilidades do valor crítico e transformador da construção da docência, do saber e do agir
humano, pois entende-se que nas: “[…] escolas ou instituições educativas em geral, são
lugares de encontros entre pessoas, saberes, tradições, pensamentos.” (CERLETTI, 2009, p.
2009).
A fonte do embasamento teórico e reflexivo do texto está pautada no material
produzido e trabalhado no período de Estágio Curricular Supervisionado em Filosofia, como:
textos; questionário respondido pelos alunos; as reuniões de estágio; reuniões com os
professores da escola; as temáticas desenvolvidas, principalmente aquelas relacionadas ao
campo inter-humano da experiência, e leitura de autores, como: Arendt (1972); Cerletti
(2009); Kohan (2009); Langón (2003); Obiols (2002).
Procura-se, assim, explicitar possibilidades do processo formador para além da
simples transmissão de conteúdos filosóficos, através da reflexão sobre a experiência vivida
durante o estágio, da qual se destaca o papel da ética na prática pedagógica, que enquanto
processo intersubjetivo condiciona a construção do saber e, mais ainda, a própria razão
filosófica. Mas, o que se entende por ética?
A ética a partir da perspectiva de Vázquez (2011) é compreendida como sendo a
reflexão teórica que analisa os fundamentos e princípios que norteiam a prática moral, pois:
A ética depara com uma experiência histórico-social no terreno da moral, ou seja,
como uma série de práticas morais já em vigor e, partindo delas, procura determinar
a essência da moral, sua origem, as condições objetivas e subjetivas do ato moral, as
fontes da avaliação moral, a natureza e a função dos juízos morais, os critérios de
justificação destes juízos e o princípio que rege a mudança e a sucessão de diferentes
sistemas
morais
(VÁZQUEZ,
2011,
p.
22).
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Dessa forma, segundo Vázquez (2011), a ética revela uma relação entre as vida
humana. Neste sentido, o diálogo com a temática “Ética, Cidadania, Juventude(s) nas
Políticas Públicas” contempla o exercício de (re)construção e a compreensão de categorias,
como: liberdade, cidadania, responsabilidade, justiça, autonomia, conceitos estes, encontradas
em documentos de Políticas Públicas (PCN, Lei de Diretrizes e Bases, Orientação Curricular
Nacional, entre outros), para a promoção da melhoria na qualidade das relações
intersubjetivas e o agir humano. Hermann (2001) analisa a preocupação em distinguir “ética”
e “moral” como sendo uma preocupação que é acentuada a partir da Modernidade, como
decorrência do agir humano social e individual diante do processo crescente da pluralidade e
complexidade da sociedade.
As questões do agir humano se tornaram objeto de discussões e se incorporaram ao
cotidiano dos sujeitos, expressando a urgência da (re)educação do agir humano na relação do
saber curricular, o professor e o jovem. Neste sentido, a escola tem sido alvo de críticas por
ter fortes indicativos de estar sendo constituída por uma lógica educacional que prioriza os
interesses econômicos de corporações ou de uma pequena parcela da sociedade, assim, não
atende às necessidades de transformação dos conflitos e desigualdades sociais para a
promoção da cidadania e do ethos juvenil.
A desorientação dos educadores é fácil de constatar, assim como, de toda a sociedade
diante de acontecimentos que nos colocam em contato com a temática. Apesar de todos
afirmarem a necessidade e a importância da interdisciplinaridade5 e o conhecimento da Ética
no saber curricular de Ensino Médio, para a promoção da cidadania e do ethos, o que se
constata, de modo geral, é a insipiência sobre o tema, por parte de educadores de cursos de
Pós-Graduação, Graduação, Ensino Médio e demais níveis de ensino.
Sendo assim, a pesquisa que desenvolvemos teve o intuito de explicitar o papel social,
que a abordagem da ética filosófica no currículo da Escola Básica (Ensino Médio), pode
contribuir nos processos de (re)construção do conhecimento e do ethos juvenil, a partir das
narrativas do professor (principal colaborador) de Ensino Médio da Rede Pública de Santa
Maria/RS, e da compreensão da (re)apresentação e (re)significação que o jovem santamariense constrói sobre o tema durante a Escola Básica.
A partir do tema eleito, definiu-se como questão geradora da pesquisa: Como a
5
Interdisciplinaridade: entende-se como axiomática comum a um grupo de disciplinas conexas e definida no
nível hierárquico imediatamente superior, o que introduz a noção de finalidade.
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temática “Ética, Cidadania, Juventude(s) nas Políticas Públicas” é (re)significada e
necessidades e comportamento moral, ou seja, a ética possibilita situar no devido lugar a
moral efetiva, do grupo social. A ética difere da moral, pois a moral é entendida como um
conjunto de regras e normas, que tem como finalidade regular as relações sociais em uma
determinada sociedade, e a mesma, sofre variações históricas nas diferentes sociedades.
Sendo assim, enfatiza-se que na livre decisão pela Filosofia, o sujeito caminha para a
autodeterminação, confirmando a vocação do pensamento como prática da reflexão e
compromisso com uma ideia que se explicita e se enriquece ao longo de uma existência. Por
outro lado, o pressuposto dessa autonomia e liberdade é, paradoxalmente, uma
responsabilidade ilimitada e não circunscrita pela espontaneidade do sujeito do saber, ou
ainda, é o despertar para uma convocação que conduz o sujeito à estranha condição de ser
chamado a responder, a despeito de sua liberdade.
Conseqüentemente, a insistência sobre uma fundamentação última do conhecimento e
da ciência vai de par com a tomada de consciência da necessidade de se determinar a essência
da práxis6 filosófica sob a forma de relação pedagógica. Mais do que atingir ou conquistar
conhecimentos ou verdades, o que o filósofo faz é, principalmente, interrogar-se sobre a
constituição intersubjetiva do mundo, bem como acerca do valor crítico e transformador dessa
constituição. Para alguns filósofos o sentido do saber objetivo ou científico depende da
dimensão relacional do ensinar e do aprender. Esse sentido se expressa na vida intersubjetiva,
realizando, na comunidade cultural, o eidos7 de uma humanidade autêntica.
Diante do exposto até agora, espera-se que o leitor não fique decepcionado se ao
término da leitura, concluir que nada de novo foi dito, ou que nenhuma fórmula “mágica” foi
receitada para solucionar os problemas filosóficos - educacionais do Ensino Médio. O que se
propõe, é relatar a experiência de Estagio Curricular em Filosofia, na cidade de Santa
Maria/RS, e também, fazer ponderações sobre o fato de que, além do conteúdo filosófico, nós,
professores, estamos diante do sujeito (jovem), que traz consigo vivências que podem nos
causar ”estranhamento” ao ponto de questionarmos: é a teoria que nos ensina o que é a
aprendizagem ou é a situação de ensino, vivida concretamente (intersubjetivamente) pelos
6
Entende-se práxis, como: Se recorrermos à acepção marxista de práxis, observaremos que
práxis e “prática” são conceitos diferentes. No sentido que lhe atribui o marxismo, práxis diz
respeito a “atividade livre, universal, criativa e auto-criativa, por meio da qual o homem cria
(faz, produz) e transforma (conforma) seu mundo humano e histórico a si mesmo”
(BOTTOMORE, T. Dicionário do Pensamento Marxista. RJ: Ed. Jorge Zahar, 1997.).
7
Eidos vem do termo grego que significa “forma” ou “ideia”.
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sujeitos que deve nos guiar na tarefa de edificar nossa docência.
Desvelando caminhos para a constituição do projeto de Estágio Curricular
Supervisionado em Filosofia
O estágio deu-se em uma escola da Rede Pública de Santa Maria/RS, localizada em
uma das vilas da cidade e próxima a Universidade Federal de Santa Maria/UFSM. No intento
de explicitar a experiência de estágio vivida, este trabalho narra as duas etapas do estágio, a
saber: o primeiro momento constituíu-se em um período de observação e planejamento do
projeto para assumir a regência. No segundo momento, foi à experiência na regência em uma
turma de terceiro ano, no período da manhã.
No primeiro momento, o tempo de que se disponibilizou para as observações foi de
março à junho, e este período comportou desde a análise da metodologia, as relações
intersubjetivas, até a construção do projeto para assumir a sala de aula, e exercer o ofício de
professora. Neste período de observação, constatou-se que havia um “abismo” entre a
vivência acadêmica da pesquisadora e a realidade da escola de Ensino Médio, assim, surgiram
as perguntas: O que fazer com os imprevistos, com as inquietações e indisposições dos
alunos? E mais ainda: Estamos tendo a formação adequada para ensinar Filosofia no Ensino
Médio? O que ensinar? Qual a didática mais eficaz no ensino de Filosofia? Como fazer a
transposição dos conhecimentos filosóficos construídos ao longo da Graduação?
A despeito dessas indagações, teve-se plena consciência de que os jovens que estariam
sob a nossa responsabilidade não eram meros “receptores de saberes filosóficos”, mas agentes
de sua própria história, e que não bastaria “transmitir conteúdos filosóficos”, mas seria
necessário desafiá-los a incorporarem o conhecimento filosófico em suas vivências,
promovendo, assim, o movimento de: aluno ► conhecimento ► reflexão ► ação ═
alteridade.
O segundo momento do estágio se deu no segundo semestre, na turma A do 3º ano
(diurno), onde os alunos eram da faixa etária entre 16 e 18 anos, alguns trabalhavam, e a
maioria deles eram oriundos das camadas sociais D e E.
A docência possibilitou identificar a amplitude e a diferença entre os papéis de uma
“observadora crítica” e a de uma “professora” com recursos didáticos precários e tempo de
aula de 45 minutos, tempo este, que pensa-se ser insuficiente para trabalhar com qualidade a
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disciplina de Filosofia ou qualquer outra disciplina.
Seguindo o movimento sujeito (jovem/estudante) ► ensino ► aprendizagem =
vivências, procurou-se levar em consideração o contexto cultural do jovem que estava sob
nossa responsabilidade, suas inquietações, a falta de empatia dos mesmos pela Tradição
Filosófica, procurando cativá-los, sensibilizá-los e envolvê-los nos “problemas filosóficos”,
estabelecendo, sempre que possível, “ganchos” dos conteúdos com suas vivências. Foram
constantes no estágio perguntas, como: o que deve-se priorizar nos conteúdos filosóficos, já
que a maioria deles não queria fazer o Vestibular (conteúdos contemplados no Ensino Médio
de Santa Maria/RS), mas talvez um curso técnico que lhes permitissem melhorar de vida.
À medida que vivenciávamos a docência, percebia-se que todos os cuidados e
considerações feitas na elaboração do projeto de estágio não eram garantias suficientes para
que tivéssemos êxito como estagiários da disciplina de Filosofia. Inquietações como: O que
fazer com a frustração ao perceber que em alguns momentos, as aulas não surtiam o efeito
desejado ou planejado?
A resposta a essa pergunta ainda permanece em construção, mas através dos diálogos
firmados com a orientadora do estágio, a regente da turma, e com colegas, pudemos construir
e experimentar possibilidades de maior êxito no planejamento e execução dos planos de aula.
Diante da turma: o que é próprio dos processos de ensino de Filosofia?
Partindo dessa pergunta, pode-se comentar pelo menos três modelos de planejamento
de aulas de Filosofia, a saber: 1- aulas de Filosofia com base em questões filosóficas sem o
uso da História da Filosofia; 2- aulas de Filosofia a partir da História da Filosofia; 3- aulas de
Filosofia a partir da História dos Problemas Filosóficos.
No primeiro modelo, a aula de Filosofia é organizada exclusivamente a partir de
“questões filosóficas”. Deixa-se de lado a História da Filosofia, priorizando, assim, os
problemas que a constituem. Esse modelo tem sua sustentação na ideia de que as questões
filosóficas são as mesmas de sempre e que fazem parte das nossas vivências, não havendo,
portanto, necessidade de saber a História da Filosofia para aprender a pensar filosoficamente,
ou seja, enfatiza-se a importância da mediação do professor entre aluno e os problemas
filosóficos.
Já no segundo modelo, tem-se a aula de Filosofia organizada a partir da História da
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Filosofia. Este pode ser chamado de “modelo tradicional”, que trata a Filosofia a partir de
uma ordem cronológica. Neste, inicia-se com os autores e teorias da Filosofia Antiga,
percorrendo a Filosofia da Idade Média, da Idade Moderna até a Filosofia Contemporânea.
Um dos argumentos utilizado pelos seus defensores é de que sempre se faz necessário
conhecer o que foi pensado antes, para se conhecer integralmente aquilo que foi pensado
depois sobre um determinado tema. Esse modelo acarreta problemas quando se pensa em
desenvolver um programa dessa natureza, pois se corre o risco de acabar deixando de lado
autores de extrema relevância.
A oposição entre os dois primeiros modelos já se tornou uma célebre discussão
filosófica, a saber: ensinar a filosofar ou ensinar filosofia? O modelo pautado em Problemas
Filosóficos é adequado ao ensinar a filosofar, enquanto que o modelo Histórico é adequado ao
processo de ensinar filosofia.
Segundo alguns autores, como Sílvio Gallo (2000); Walter Kohan (2009) e Guillermo
Obiols (2002), nem uma nem outra dessas posições pode ter o sucesso que se espera, pois
ambas são pontos de vistas radicais e comprometedores. Quando Gallo (2000) nos diz que
“[...] só se pode filosofar pela história da filosofia e só se faz história filosófica da filosofia, o
que não é mera reprodução”, podemos chegar ao terceiro modelo de aula, a saber: o ensino de
Filosofia baseado na História dos Problemas Filosóficos.
Neste último modelo, há uma cumplicidade entre o conhecimento histórico da filosofia
e o exercício do filosofar, possibilitando, assim, uma aula organizada prioritariamente com
questões filosóficas, as quais são tratadas através da análise de posições que foram tomadas a
seu respeito, ao longo da História. Aqui também se encontra o problema de estabelecer
critérios para decidir quais autores merecem destaque nas questões abordadas. Contudo, esse
problema não chega a ter relevância, visto que os autores não são priorizados nas discussões
como acontece no modelo histórico.
Na experiência de estágio trabalhou-se na perspectiva do “ensino de filosofia” baseado
na História dos Problemas Filosóficos. A escolha pautou-se nos seguintes critérios: Projeto
Político Pedagógico da Escola, contexto cultural dos alunos, recursos didáticos, avaliação dos
alunos no que diz respeito à aprendizagem dos conceitos filosóficos ministrados até a nossa
regência, além da compreensão de que esse seria o modelo de planejamento de aula mais
eficaz para contemplar o que Obiols (2002) em suas pesquisas, conclui:
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[…] aprender a filosofar só pode ser feito estabelecendo um diálogo crítico com a
filosofia. Do que resulta que se aprende a filosofar aprendendo filosofia de um modo
crítico, quer dizer, que o desenvolvimento dos talentos filosóficos de cada um se
realiza pondo-os à prova na atividade de compreender e criticar com a maior
seriedade a filosofia do passado ou do presente […] (Obiols, 2002, p. 77).
Dessa forma, a filosofia assume o papel de levar os alunos a constituírem uma base de
conhecimento das proposições do pensamento filosófico e também possibilitar a atitude
filosófica dos mesmos.
Considerações Finais
No que tange às atividades, as dificuldades dos alunos se evidenciavam em suas
escritas, que eram sucintas, sem desenvolvimento, sem coerência em seus argumentos (tanto
nas atividades escritas como nas orais), com erros de ortografia, com opiniões pessoais que
prevaleciam em relação aos conceitos estudados. Além disso, havia ainda muita resistência
em escrever, ler, atualizar-se quanto às questões abordadas. O que fazer diante dessa situação?
Partindo da identificação das dificuldades que os alunos apresentavam, e entendendo a
“avaliação” como um “processo contínuo”, que visa o aproveitamento dos alunos e a
qualidade das aulas ministradas, as atividades desenvolvidas durante o estágio se deram da
seguinte forma: trabalhos em grupo, trabalhos individuais, leitura de fragmentos de textos
filosóficos, filmes, discussões, aulas expositivas, trabalhos extraclasse, uso do quadro, do
Dicionário Filosófico, do Dicionário de Língua Portuguesa, apresentação de obras clássicas
referentes aos temas desenvolvidos, “ganchos” com outras disciplinas (Literatura, Arte, entre
outros) e meios de comunicação (jornal, revista, rádio, televisão, internet...), visitas com os
alunos à biblioteca da escola.
É bem verdade que nem sempre conseguiu-se ter sucesso nas atividades, pois, à
medida que elas eram propostas, as dificuldades surgiam, e muitas vezes os alunos
mostravam-se resistentes em reconhecê-las, alegando mera falta de vontade de fazer as tarefas
e acabando por inventar desculpas para não executá-las.
Contudo, as atividades planejadas para o Estágio Curricular Supervisionado
procuraram de alguma forma conduzir os alunos a um maior entendimento dos conceitos
filosóficos relacionados às unidades trabalhadas (Ética e Política). Foram desenvolvidos
planos de aula que tinham como meta ir além do âmbito da mera transmissão e reprodução da
História da Filosofia, para que assim, os alunos tivessem possibilidades de construir, de
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reconhecer-se no mundo de forma mais crítica e responsável, desfazendo ou pelo menos
despertando reflexões sobre a ideia que tinham de que “a aula de filosofia é uma viagem, são
só conceitos abstratos”.
Houve momentos que a pesquisadora esteve fortemente inclinada a desistir, mas logo
centrava-se nos propósitos assumidos e na referência de Arendt (1972) que conceitua a
educação, como:
A educação é o ponto em que decidimos se amamos o mundo o bastante
para assumirmos a responsabilidade por ele e, com tal gesto, salvá-lo da ruína que
seria inevitável não fosse a renovação e a vinda dos novos e dos jovens. A educação
é, também, onde decidimos se amamos nossas crianças o bastante para não expulsálas de nosso mundo e abandoná-las a seus próprios recursos, e tampouco arrancar de
suas mãos a oportunidade de empreender alguma coisa nova e imprevista para nós,
preparando-as em vez disso com antecedência para a tarefa de renovar um mundo
comum.” (ARENDT, 1972, p. 234-247).
Sendo assim, o diálogo e a escuta dos relatos das experiências em sala de aula dos
colegas estagiários, da professora orientadora, e da regente de classe, possibilitaram caminhos
e estratégias para administrar e superar as dificuldades, pois entende-se que: “Um bom
docente será alguém que se situa à altura dessa responsabilidade e problematiza, sempre, que
é o que ele ou ela realiza enquanto ensinante e, em nosso caso, que sentido há em fazê-lo sob
a denominação “filosofia” (CERLETTI, 2009, p. 9).
No intuito de entender a experiência de estágio no que diz respeito ao comportamento
e o desempenho da turma, e a partir disso qualificar-nos, visto que, “[...] Ensinar Filosofia é
dar um lugar ao pensamento do outro. Não tem sentido transmitir “dados” filosóficos (isto é,
informação extraída da história) como se fossem peças de uma loja de antiguidades com a
qual os jovens não teriam qualquer relação.” (CERLETTI, 2009, p. 87),
procurou-se
estabelecer uma convivência pautada no diálogo com os professores da escola e com os
alunos, pois: “A filosofia não é uma questão privada, ela se constrói no diálogo (CERLETTI,
2009, p. 87).
Dessa forma, essa atitude permitiu-nos reconhecer que as dificuldades não se
limitavam apenas à nossa disciplina, aos conteúdos filosóficos, mas era uma espécie de
“efeito dominó”, que se fazia presente no processo de ensino-aprendizagem da escola. Assim,
também buscou-se conhecer mais a estrutura psicológica e cultural da juventude(s), os seus
prazeres e suas inquietações, pois mesmo tendo estudado disciplinas pedagógicas na
Graduação, essas questões não tiveram aprofundamento nas disciplinas do curso.
Deixa-se registrado aqui, que apesar de muitas vezes o sentimento de frustração vir à
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tona em função dos resultados, a turma do terceiro ano obteve melhoras significativas no seu
processo de aprendizagem filosófica, tendo em vista que “[...] o ensino de filosofia deveria
contribuir, em seu exercício, para fazer dos estudantes agentes críticos capazes de pensar,
avaliar e poder decidir da melhor maneira as condições de sua incorporaçao ao mundo de hoje
(CERLETTI, 2009, p. 49-50). E, para ilustrar o que estamos dizendo, tem-se o depoimento de
uma das jovens da turma de terceiro ano:
As aulas foram muito boas e dinâmicas, houve um melhor aprendizado por parte dos
alunos e a produtividade da turma aumentou. Conseguimos entender melhor o que é
filosofia e o que ela tem a nos oferecer. A professora explica bem, além de sempre
tentar fazer o melhor possível pelo aprendizado da turma. (Fonte: Coleta de dados,
2008).
O escrito surpreendeu-nos, pois a aluna, durante o estágio esteve sempre reclamando
das tarefas que eram solicitadas e no decorrer das aulas, foi-se compreendendo os motivos,
pois eles, não tinham a cultura de desenvolver atividades extraclasses, assim como, o de
relacionar o saber(s) curricular, em especial, a filosofia com suas vivências para a
(re)construção do conhecimento e do ethos.
Lembra-se que teve momentos nas aulas, em que a mesma aluna, chamava-nos até a
sua classe, para dizer: “[...] professora a senhora sempre dá tarefas prá gente fazer, tenho que
dizer prá senhora que eu não gosto nem um pouco disso.” (Fonte: Coleta de dados, 2008).
Mesmo a aluna fazendo essa afirmativa, ela realizou todas as tarefas, destacando-se nas aulas,
demonstrando habilidades de argumentação escrita e oral.
Por tudo o que foi exposto, ou seja, as relações estabelecidas; os desafios superados; a
precariedade dos recursos educacionais; a desvalorização do docente; a lacuna de Políticas
Públicas de médio e longo prazo para suprir a demanda vigente da juventude(s); o desafio de,
aprender - ensinar filosofia, destaca-se que o estágio foi/é uma experiência ímpar e
indispensável no processo de formação do licenciado, visto que, o ato de ensinar, é:
[…] colocar alguém na antessala de desafios que, em última instância, são pessoais.
O que caberia a um professor de filosofia seria estimular a levar adiante esse
desafio. Filosofar é atrever-se a pensar por si mesmo, e fazê-lo requerer uma
decisão. Há que atrever-se a pensar, porque supõe uma maneira nova de relacionarse com o mundo e com os conhecimentos, e não meramente reproduzi-los
(CERLETTI, 2009, p. 80).
Portanto, pensa-se que valeu a pena ter vivenciado todas as etapas do Estágio
Curricular Supervisionado em Filosofia, visto que, as etapas percorridas nesse processo de
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constituição da docência contribuíram de forma significativa na nossa formação, pois:
[…] a atividade filosófica do mestre consiste em gerar ou dar poder ao outro: isto
quer dizer também fazê-lo responsável. Nisto reside a fecundidade, a atividade de
"produzir" a capacidade de pensar, dizer e agir de outro, que implica a realização de
pensamentos, palavras, ações diferentes das do mestre, que lhe escapam ao querer e
ao "controle" (...). Querer que o outro pense, diga e faça o que queira, isto não é um
querer fácil (LANGÓN, 2003, p. 94).
Pressupondo-se como base de promoção da alteridade juvenil, esta citação, caracteriza
a importância da reflexão filosófica como, método do pensar sobre, questões e
comportamentos que promovam os processos de civilidade. Sendo assim, busca-se conciliar
esses estudos no grupo de pesquisa Povo de Clio/CNPq., no intuito de colaborar com as
Políticas Públicas para a Juventude(s) e os processos de ensinar - aprender filosofia no Ensino
Médio.
REFERÊNCIAS
ARENDT, H. A crise na educação: III e IV. Entre o passado e o futuro. SP: Perspectiva,
1972.
BOTTOMORE, T. Dicionário do Pensamento Marxista. RJ: Ed. Jorge
Zahar, 1997.).
CERLETTI, A. O ensino de filosofia: como problema filosófico. Trad. Ingridt Müller
Xavier, BH: Ed. Autêntica, 2009.
GALLO, S.; KOHAN, W. Crítica de alguns lugares-comuns ao se pensar a filosofia no ensino
médio. In: GALLO, S.; KOHAN, W. Filosofia no ensino médio. Petrópolis: Editora Vozes,
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KOHAN, W. Filosofia: o paradóxo de aprender e ensinar. Trad. Ingridt Müller Xavier, BH:
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LANGÓN, M. Filosofia do ensino de filosofia. In: GALLO, S.; CORNELLI, G.; DANELON,
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OBIOLS, G. Uma introdução ao ensino de filosofia. Trad. Silvio Gallo, RS, Ijuí: Ed. Unijuí,
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PERRENOUD, P. Escola e Cidadania: O papel da escola na formação para a democracia.
Porto Alegre: Artmed, 2005.
22700
VÁZQUEZ, A. S. Ética. Trad. João Dell Anna, 32º Ed. RJ: Civilização Brasileira, 2011.
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