LUDICIDADE E CONHECIMENTO: UMA EXPERIÊNCIA COM JOGOS NAS AULAS DE FILOSOFIA DO COLÉGIO TIRADENTES DA BRIGADA MILITAR DE IJUÍ Vânia Lisa Fischer Cossetin[1] 1 INTRODUÇÃO Sabemos que aprendizagem alguma ocorre sem que o aluno esteja pessoalmente interessado, envolvido no processo, logo, disposto a aprender. Talvez este seja o maior desafio daquele que se habilita a ensinar: como conciliar, num único movimento, o ensino, permeado que está das intencionalidades docentes e da aposta na compreensibilidade dos conceitos e conteúdos, e a aprendizagem, enquanto condição de possibilidade de transformação do sujeito em formação? No fundo, o que está em questão, aqui, é a implicação destes âmbitos, pois há que haver envolvimento para que a aprendizagem ocorra. Um envolvimento, porém, de um tipo especial, posto que o interesse do aluno deve afinar-se às intenções do professor. Com o ensino/aprendizagem da Filosofia não é diferente. No entanto, este processo requer algo a mais, a saber: que a justifiquemos. Dificilmente alguém questiona a razão de existir da Matemática, da Física, da Biologia, da Língua Portuguesa. Com respeito à Filosofa, contudo, essa pergunta persiste e se interpõe de tal modo que chega a ser um entrave ao processo de sua recepção. Tamanha é resistência que ela tem de enfrentar, inclusive no próprio currículo. Esta desconfiança é até compreensível diante do conturbado movimento de entra-e-sai da Filosofia do currículo escolar. No Brasil, a Filosofia tornouse facultativa em 1964 e em 1971 é definitivamente expulsa do cenário educacional, com a ditadura. Com o término do regime militar, ela retorna lentamente como disciplina optativa, mas somente em 2008 torna-se obrigatória no Ensino Médio em todo o Brasil. Esse seu retorno, porém, não se deu sem ônus. A obrigatoriedade gerou uma dificuldade: a Filosofia surgiu como uma estranha, uma área do saber sobre a qual os alunos nunca ouviram falar. Em muitos casos, este contexto desconfortável ainda persiste, o que tem exigido que a justifiquemos não apenas aos alunos, mas também aos pais e professores. Hoje debitamos o seu descrédito também a outros fatores, dentre eles a de que a Filosofa não se oferece a uma aplicação e utilidade imediata se comparada com outras áreas do saber, sobretudo, por não prometer imediata ascensão social e/ou sucesso econômico. Ademais, por ser uma disciplina que exige muita leitura e um relativo esforço reflexivo tem sido preterida pela fugacidade do gosto juvenil. Foi pensando em contornar este descompasso entre os objetivos docentes, as características do saber filosófico e as expectativas dos alunos desta faixa etária, é que surgiu a ideia de criar os “jogos filosóficos”. Ou seja, uma atividade que conjugasse ludicidade, socialização e a possibilidade de clarear os conceitos e conteúdos filosóficos centrais não apenas de forma genérica, mas em aprofundamento, já que a escola em questão prepara prioritariamente para o vestibular. E a opção de realizar esta atividade com os alunos do 2º ano justifica-se pela complexidade dos conteúdos filosóficos exigidos nesta etapa do Ensino Médio, dentre eles: Metafísica, Idealismo, Positivismo, Dialética, Fenomenologia, Pragmatismo, Filosofia da Linguagem, Ética. Além disso, os alunos desta etapa do Ensino Médio já estão mais familiarizados com a complexidade e aprofundamento reflexivo que a Filosofia exige, facilitando na elaboração das questões implicadas em cada jogo. 2 PLANEJAMENTO E EXECUÇÃO DOS JOGOS A atividade foi realizada como último momento avaliativo do ano de 2014, portanto, seu objetivo central foi o de sistematizar, revisar e clarear os conteúdos filosóficos trabalhados ao longo do ano mediante uma atividade recreativa, dinâmica e socializadora. A introdução e realização da atividade seguiu os seguintes passos: 1º) Apresentação da proposta, roteiro e critérios de avaliação: ocasião em que a atividade foi encaminhada e apresentados os critérios avaliativos, quais sejam: fidelidade e profundidade na abordagem dos conteúdos; criatividade, capricho, durabilidade e legibilidade do produto final; responsabilidade, cooperação e envolvimento de todos os componentes nas tarefas. 2º) Composição dos grupos: a divisão da turma foi feita de acordo com os conteúdos trabalhados a partir do livro “Filosofando: introdução à filosofia”, de Maria L. de A. Aranha e Maria H. P. Martins, assim denominados: Lógica aristotélica; A busca da verdade; A metafísica da modernidade; A crítica à metafísica; A crise da razão; Entre o bem e o mal; Ninguém nasce moral; Podemos ser livres; Teorias éticas. Cada grande grupo temático se dividiu em outros dois subgrupos a fim de também dividir os conteúdos: um subgrupo responsabilizou-se pela elaboração de um jogo de mesa e o outro grupo pela criação de um jogo dinâmico/interativo; 3º) Planejamento do jogo: definidos os conteúdos, a modalidade e os materiais a serem utilizados, cada grupo precisou discutir, planejar e esboçar a sua criação, elaborando também um Manual de Instruções a fim de auxiliar os jogadores na sua execução. A intenção desta etapa era a de permitir o acompanhamento e o recebimento de sugestões e apontamentos por parte do professor sobre as potencialidades e as fragilidades do projeto; 4º) Questões filosóficas implicadas no jogo: cada grupo elaborou, digitou e entregou ao professor as perguntas e respectivas respostas a serem contempladas no jogo, para que fossem avaliadas segundo a sua relevância, objetividade e nível de complexidade; 5º) Confecção: construção, montagem e acabamento do jogo; 6º) Socialização e execução: momento reservado para que os grupos pudessem experimentar os próprios jogos e trocá-los entre si. 3 CONCLUSÃO A origem etimológica da palavra Filosofia, ou seja, de amizade pelo saber, indica que deveríamos reconhecer a sua possibilidade iminente, segunda qual todos são convidados a filosofar e estariam aptos a ela bastando, para isso, desejar conhecer. O que vemos, no entanto, é uma distância incomensurável entre o que sugere o sentido a partir de sua gênese e como ela se apresenta, particularmente no contexto escolar: ou como sendo tudo e qualquer coisa; ou algo inatingível, um privilégios de “espíritos mais elevados”. Afora o seu lugar controverso no ambiente escolar, se a concebemos como saber indispensável à formação juvenil, é preciso que a tornemos acessível, atrativa, instigante, prazerosa, sem que sua complexidade característica seja comprometida. Complexidade, esta, aliás, que nada tem a ver com inacessibilidade ou incompreensibilidade, e sim com um certo modo especial de pensar as coisas. Tão especial que deve poder acolher a criatividade, a alegria e a emoção. E mais: permitir que, assim, os alunos aprendam filosofia pelo prazer de filosofar.