Jovem para de comer ao ser chamada de gorda: `nesse dia, eu pirei`

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G1 - Portal de Notícias da Globo - SP
11/03/2014 - 06:30
Jovem para de comer ao ser chamada de gorda: 'nesse
dia, eu pirei'
Estudante desenvolveu anorexia e bulimia após comentário de amiga. Pesquisa
mostra que transtornos alimentares ameaçam jovens em SP.
Do G1 Santos
Arquivo Pessoal / Letícia Ferri
Letícia Ferri em foto à esquerda, quando
enfrentava transtornos alimentares, e em
imagem atual, à direita.
Uma pesquisa da Secretaria de Saúde do Estado de São
Paulo, feita em janeiro deste ano, com 150 jovens com
idades entre 10 e 24 anos, apontou que 77% das meninas
nesta faixa etária estão propensas a desenvolver algum
tipo de transtorno alimentar, como bulimia e anorexia.
Segundo especialistas e pacientes ouvidos pelo G1, o
fator praia contribui para essa preocupação ser ainda
maior no litoral de São Paulo. Uma estudante, por
exemplo, chegou a ficar internada durante uma semana
após parar de comer ao ser chamada de gorda.
As estatísticas assustam, mas podem ser explicadas. De
acordo com a nutricionista Marianna Durante Unger, a
obsessão pela magreza imposta pela sociedade é a
causa do problema. “A cobrança tem começado cada vez mais cedo, em uma fase em que as
meninas não têm maturidade suficiente para lidar com isso”, afirma a médica, acrescentando
que a pré-disposição genética a ter estas doenças pode acelerar o processo.
Marianna explica que não há uma regra para a ocorrência da bulimia e da anorexia. “É mais
comum que a anorexia, que é a repulsa pelo alimento, apareça primeiro. A paciente para de
comer. Depois, ela evolui para uma bulimia, que é a compulsão pela comida com mecanismo
compensatório. Ou seja, ela vai comer bastante e depois vomitar. Mas, não há uma ordem
certa”, diz.
Obsessão
Este foi o caso da estudante Verônica Alonso Rezende, de 21 anos, que desenvolveu os
primeiros sintomas da anorexia aos 17 anos. Ela conta que, desde a infância, a doença já se
manifestava. “Quando era pequena, colava fotos de mulheres magras na porta do guarda-roupa.
Eu cultuava aquele padrão de beleza. Sempre soube que eu tinha anorexia. Era consciente”,
comenta a jovem.
Verônica chegou a pesar 40 quilos. Ela passou pela fase clássica das doenças, mas só
percebeu a gravidade quando esteve perto da morte e foi obrigada a renunciar à dança, sua
grande paixão. “Eu estudava e dançava. Fazia dança contemporânea. Além disso, não comia
bem e comecei a emagrecer. Gostei do resultado, queria cada vez mais. Comecei a dançar o
dia todo, até desmaiar no meio de um ensaio e não acordar, porque havia tido um problema no
coração. Foi quando me proibiram de dançar”.
Não poder dançar foi um choque na vida da bailarina. Ela recorda emocionada o que realmente
a fez buscar ajuda profissional. “Os meus pais ficaram sem chão. Minha mãe chegou a dizer
que ia me internar. Eu sofri bastante preconceito por parte das minhas amigas, elas diziam que
eu era fresca. Mas, ainda assim, eu não queria melhorar, porque a anorexia era sinônimo de
magreza e eu queria ser magra”, lembra a estudante, que passou uma curta temporada na
Bélgica enquanto se recuperava das doenças. Fora do Brasil, ela aprendeu que a beleza vem
de dentro para fora. “É uma questão de aceitação”, define.
Chamada de gorda
O drama da estudante Letícia Ferri, de 18 anos, se assemelha ao de Verônica. Porém, ela conta
que era uma adolescente normal antes de aparecerem os primeiros sintomas da bulimia. “Foi
durante as férias da escola. A gente fica em casa e come bastante, vê televisão, não tem aquela
rotina. Uma semana antes de voltarem as aulas, estive com uma amiga e ela comentou que eu
tinha engordado. Nesse dia, eu pirei”, revela a estudante, que chegou a pesar 37 quilos durante
o período em que esteve doente.
Já na anorexia, Letícia passou a se automedicar. “Eu tomava laxantes e diuréticos por conta
própria, pensando que eles iam eliminar tudo de ruim que estava no meu corpo”, confessa. A
menina também chegou a desmaiar. “Estava no colégio e, de repente, eu caí. Me levaram para
o hospital e fiquei internada por uma semana, só tomando soro”, revela.
Para a estudante, o pior momento foi quando segurou na mão do pai e falou que não ia resistir.
“Achei que eu fosse morrer. Naquele dia, quando peguei a mão dele e falei que não ia
aguentar. Vi meu pai desesperado”, relata.
Em meio ao tratamento, Letícia começou a trabalhar como modelo fotográfica. Foi assim que
descobriu que não precisava ser tão magra para ser bonita. “Fiz vários trabalhos. Era algo que
eu queria. E na agência já me falaram isso”, conta a estudante. Para cursar jornalismo, ela
passou a morar sozinha e agora é responsável por sua alimentação. “Procuro comer bem e de
forma saudável. Tanto a bulimia quanto a anorexia me ensinaram que não posso pensar só no
meu umbigo. Existem pessoas que me amam e precisam de mim”, completa.
Tratamento
Os pacientes com bulimia e anorexia procuram ajuda, mas sentem medo. As calorias ganhas
com a comida são um pesadelo. Pensando nisso, a estratégia para fazer um cardápio menos
assustador para eles é montada com cuidado, segundo a experiência de Marianna Unger.
“Na teoria, deve ser um cardápio calórico. Mas, se eu disser para o paciente que ele precisa
comer pizza, lasanha ou chocolate, ele nunca mais comparece às consultas”, brinca a
nutricionista, alertando que é preciso entrar em consenso com a pessoa que está doente. “É
preciso respeitar os limites. Então, a gente faz um cardápio para uma pessoa que pretende
emagrecer. Coloca um frango grelhado, uma salada. Na semana seguinte, inclui uma batata
doce e por aí vai”, diz.
Marianna salienta que o objetivo é convencer o paciente de que, mesmo ganhando peso, o
corpo dele não vai mudar. “Os pacientes já chegam sabendo tudo no consultório. Eles sabem
de cor o valor calórico de cada alimento. Por isso, é necessário haver proximidade e confiança,
para que eles acreditem quando falamos que o corpo deles vai continuar igual”, finaliza.
Arquivo Pessoal / Letícia Ferri
Letícia trabalha como modelo fotográfica
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