A IMPLEMENTAÇÃO E FUNCIONAMENTO DOS CONSELHOS MUNICIPAIS DE IDOSOS NOS VALES DO JEQUITINHONHA E MUCURI 1. Gabriela Pessoa Marques1 2. Mônica Freitas Ferri2 3. Simone da Cunha Tourino Barros3 RESUMO Este trabalho é resultado de um ano de estudo e pesquisa acerca da implementação e funcionamento dos Conselhos Municipais do idoso nos Vales do Jequitinhonha e Mucuri. A pesquisa surge a partir da experiência do Núcleo de Estudos e Pesquisas sobre o Envelhecimento (NEPE/UFVJM), que executou o projeto de extensão universitária intitulado “Controle Social das Políticas Públicas dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri”, este projeto desenvolveu capacitações para conselheiros, gestores municipais e trabalhadores vinculados às políticas de atendimento ao idoso na região dos Vales. Através de pesquisa bibliográfica e de campo, junto aos participantes das capacitações, analisamos a contribuição da extensão universitária para a efetivação dos conselhos municipais do idoso nos Vales do Jequitinhonha e do Mucuri, bem como, buscamos desvendar os desafios na implantação e efetivação dos conselhos municipais nos Vales. Palavras-chave: envelhecimento, controle social, democracia. 1 Aluna do curso de Serviço Social da Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri. Bolsista da FAPEMIG/PIBIC-UFVM no período de março de 2014 a fevereiro de 2015. Email: [email protected] 2 Assistente Social e Mestre em Política Social pela UFES. Professora do Curso de Serviço Social da Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri. Coordenadora do Núcleo de Estudos e Pesquisas sobre Envelhecimento (NEPE). Email: [email protected] 3 Assistente Social pela UERJ e Mestre em Serviço Social pela UFRJ. Doutoranda do Programa de Pós Graduação em Educação pela UFU. Professora do Curso de Serviço Social da Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri. Coordenadora do Núcleo de Estudos e Pesquisas sobre Envelhecimento (NEPE). Email: [email protected] 1. Introdução A Política Nacional do Idoso (Lei 8.842/94) considera idosa a pessoa com idade a partir de 60 anos. Devido aos avanços tecnológicos do último século a população idosa está crescendo no país, resultado do aumento da expectativa de vida da população. Conforme dados apresentados no último censo do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) o Brasil caminha para um novo perfil demográfico devido ao crescimento da população acima dos 60 anos. Segundo o censo de 2010 a população idosa corresponde a 9,4% da população brasileira. Para Jaccoud (2011) “[...] o envelhecimento é uma das mais significativas transformações sociais que vivenciamos neste início de século”. Tais transformações além de sentidas precisam ser problematizadas e contextualizadas a fim de que possamos planejar nosso futuro enquanto sujeitos sociais e futuros idosos. Concordamos com Bernardes (2007, p. 117) quando ela afirma que A velhice não é uma categoria natural e sim socialmente construída, portanto, não permite um conceito absoluto, possibilitando que uma nova condição seja estabelecida. Logo, envelhecimento é um processo e, assim sendo, é algo que se constrói no transcorrer da existência humana. Esse processo de envelhecimento vem sendo discutido tanto no âmbito internacional quanto no nacional. No Brasil, a partir do período de redemocratização, quando foi aprovada a Constituição em 1988, a sociedade civil organizada começou a discutir as pautas de participação política e proteção social. Na década de 1990 a pauta do envelhecimento e da proteção especial para a população idosa começou a ganhar mais força, sobretudo após a aprovação da Política Nacional do Idoso (PNI) em 1994. Apesar do Conselho Nacional de Direitos do Idoso (CNDI) só ter sido concebido em 2002, tivemos outros avanços no que diz respeito às políticas públicas de atenção ao idoso. A aprovação do Estatuto do Idoso em 2003 foi um passo muito importante para a construção de uma rede de articulação das políticas públicas em prol da proteção social dos idosos. Outros avanços foram obtidos, na assistência a partir da Lei Orgânica de Assistência Social (LOAS) e do Sistema Único de Assistência Social (SUAS) que foram fundamentais para o início de uma agenda especial de proteção ao idoso. Para Jaccoud (2011, p. 26): O Estado brasileiro vem reconhecendo as novas demandas colocadas pelo envelhecimento e respondendo com a ampliação de serviços e de normatizações, com a instituição de critérios de qualidade e de garantia de acesso. Os desafios são muitos e de vulto. A formação de equipes multidisciplinares, a pactuação de protocolos intersetoriais, a oferta casada no território, a complementariedade da ação pública face à família, são várias das questões a serem enfrentadas. 2 Os organismos internacionais têm colocado na agenda das nações a necessidade de promover políticas públicas de proteção social ao idoso. Paiva (2014, p. 173) aponta que Os discursos incorporados nos Planos Mundiais para o Envelhecimento, deliberados nas duas Assembleias, ou seja, do ‘Envelhecimento Saudável’ e ‘Envelhecimento Ativo’ respectivamente, iluminaram os debates e conteúdos das políticas legitimadas no aparato legal brasileiro, destinados aos segmentos mais velhos da população geral. Toda essa movimentação atinge também as universidades, tida a sua importância na construção e disseminação do conhecimento. No que se refere ao papel das universidades em relação ao envelhecimento da população, segundo a Política Nacional de Saúde da Pessoa Idosa (BRASIL, 2006) cabe ao Ministério da Educação (MEC) “[...] a difusão junto às instituições de ensino e seus alunos informações relacionadas à promoção da saúde dos idosos, adequação dos currículos, e formação de profissionais visando ao atendimento das diretrizes fixadas pelo documento supracitado” (MEC/SESu-CAPES). Para Oliveira (2004), as funções sociais atribuídas pelo senso comum à Universidade, como “produção do conhecimento” e “formação de recursos humanos qualificados”, Caracterizam a Universidade como o “locus” permanente de reflexão e crítica acerca dos diferentes processos societários. Este espaço de reflexão e crítica precisa ser, necessariamente, um espaço plural e democrático, espaço que deve pressupor a valorização do fazer em sua relação com o saber (OLIVEIRA, 2004, p. 2). Considerando essa função social da universidade é que desenvolvemos a pesquisa que subsidia esse artigo enquanto parte de um trabalho articulado entre ensino, pesquisa e extensão na Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri (UFVJM). Através do Núcleo de Estudos e Pesquisas sobre o Envelhecimento (NEPE/UFVJM), buscamos fomentar o debate acerca do envelhecimento a fim de contribuir com a efetivação das políticas públicas para o idoso nos Vales do Jequitinhonha e Mucuri. Acreditamos que o fortalecimento do tripé ensino, pesquisa e extensão é imperioso para que a universidade possa cumprir seu papel social de transformação regional. Considerando que os Conselhos Municipais do Idoso são espaços de controle social das políticas públicas, a pesquisa e extensão universitária nessa área de conhecimento e atuação profissional são de grande importância para a contribuição da Universidade na construção de seu papel social transformador. 2. A relação entre Estado e sociedade civil e a construção democrática no Brasil Para compreender o processo de implementação dos conselhos do idoso nos Vales do Jequitinhonha e Mucuri, faz-se necessário uma análise dos elementos sociais relacionados a implementação do controle social no país. 3 É frequente ouvir-se que os conselhos são espaços para controle social da sociedade civil no Estado, esta afirmativa sugere à compreensão de sociedade civil e Estado enquanto categorias homogêneas. Cabe aqui trazer a compreensão gramsciana de sociedade civil e Estado enquanto espaços heterogêneos de disputa de interesses e poder entre as classes sociais dominantes e subalternas, de forma que “[...] o controle social não é do Estado ou da sociedade civil, mas das classes sociais” (CORREIA, 2012, p. 298). Para a teoria social crítica o Estado tem natureza classista e o seu surgimento se deu a partir da propriedade privada e consequentemente da divisão da sociedade em classes sociais, exprimindo assim, seu papel fundamental na manutenção desta ordem social. O Estado burguês tem como função central a preservação da exploração de uma classe sob a outra, de forma que em períodos de crise do modo de produção capitalista, o Estado burguês tende a reestruturar-se em consonância com a reestruturação do capital, a fim de manter a hegemonia da classe capitalista e a dominação desta sob a classe trabalhadora. Para Gramsci (2000) o Estado engloba a sociedade política e a sociedade civil, sendo este conjunto um espaço de poder e terreno de ação política. Hoje, grande parte dos Estados modernos vivenciam a democracia. Para Coutinho (2000) a categoria democracia está intimamente relacionada à categoria alienação, uma vez que a democracia é uma tentativa de romper com a alienação política. O autor define democracia enquanto soberania popular, ou seja, uma participação concreta do conjunto dos cidadãos na formação do governo e no controle da vida social. Compreender a heterogeneidade do Estado e sua natureza classista é fundamental para assimilar a disputa entre distintos projetos políticos no processo de construção democrática. Quando nos propomos a discutir controle social no marco da sociedade capitalista, o debate acerca da disputa de projetos políticos e da construção da cidadania são temáticas centrais, posto que os espaços de controle social constituem-se enquanto espaços de encontros de interesses, e estes encontros não significam consensos (FALEIROS, 2011). Compreendemos projetos políticos enquanto “[...] conjuntos de crenças, interesses, concepções de mundo, representações do que deve ser a vida em sociedade, que orientam a ação política dos diferentes sujeitos” (DAGNINO et al, 2006, p. 38). Os diferentes projetos manifestados nas ações dos sujeitos implicam condições concretas para a sua realização, uma vez que estão vinculados às escolhas realizadas na vida cotidiana dos sujeitos. As ações dos sujeitos aqui referidas são expressas nas mais variadas formas de atuação, esta diversidade 4 abrange ações políticas de sujeitos organizados em instituições4 e sujeitos não organizados5, de maneira que a própria reprodução da vida cotidiana exprime a intencionalidade dos projetos em disputa na sociedade. Dagnino et al (2006) apontam que a disputa pela construção democrática na América Latina envolve três projetos políticos centrais: o projeto autoritário, o projeto neoliberal e o projeto democrático-participativo6. Não cabe aqui uma análise profunda destes projetos, porém, um breve esboço da configuração destes no processo de construção da democracia. O projeto autoritário passou por um período de intensa hegemonia no continente latino americano durante as ditaduras militares e sua eliminação não foi completa. Este projeto, embora tenha recuado após o processo de redemocratização, deixou uma infinidade de implicações nas mais variadas relações – políticas, sociais, econômicas, culturais estabelecidas no continente. No projeto autoritário A relação entre sociedade civil e o Estado caracteriza-se pelo verticalismo, o clientelismo e a repressão ou cooptação, misturadas estas últimas de diversas maneiras. A política pública é entendida como um campo exclusivo de decisão do Estado e é aplicada de forma clientelista e particularista. (DAGNINO et al, 2006, p. 47) No que tange o projeto neoliberal, projeto predominante nos atuais governos da América Latina, este se configura enquanto meio de regular as ações do Estado para que este atenda as necessidades do capitalismo transnacional. O projeto neoliberal tem papel fundamental na regulação das relações sociais de produção e de distribuição da riqueza produzida por meio da “reconfiguração do aparato estatal e das ideologias e práticas que imprimem novos contornos à sociabilidade capitalista, redefinindo mecanismos ideopolíticos necessários à formação de novos e mais eficientes consensos hegemônicos” (ANTUNES apud MOTA, 2009). Essa reconfiguração do Estado tem implicações diretas na participação da população no controle social e nos espaços de poder político. No caso específico da América Latina, a reconfiguração do Estado desencadeou num processo de expansão das organizações da sociedade civil, as chamadas ONG’s (Organizações Não Governamentais) ou “Terceiro 4 Estado, movimentos sociais, partidos políticos, ONG’s, instituições privadas, associações etc. 5 No sentido de não estar ligado à nenhum coletivo de ação política. 6 Os autores apontam que existem riscos quando se fazem grandes generalizações, todavia, durante a pesquisa realizada eles perceberam uma centralidade nestes três projetos 5 Setor”. Essa expansão tem fortalecido a ideia de ineficiência do Estado e de “responsabilidade” da sociedade civil de resolver as mazelas existentes na sociedade capitalista. Outro aspecto importante a ser abordado no que tange o projeto neoliberal é o discurso utilizado por seus agentes, discurso que incorpora categorias como “cidadania”, “democracia” e “participação”, todavia é necessário que se atente às práticas políticas desses agentes, pois “[...] nessa disputa, em que os deslizamentos semânticos, os deslocamentos de sentido, são as armas principais, o terreno da prática política se converte em um terreno minado, onde qualquer passo em falso nos leva ao campo adversário” (DAGNINO et al, 2006, p. 17). O esforço em analisar as práticas dos sujeitos políticos torna-se imprescindível para uma análise concreta das relações políticas estabelecidas e nesse sentido, um olhar sobre as políticas sociais dos governos neoliberais aponta a fragilidade e incoerência do discurso proferido pelos seus agentes. A política econômica de reestruturação do capital através da intervenção direta do Estado na regulação das relações de trabalho, produção e consumo, representou um grande retrocesso para as conquistas da classe trabalhadora, onde a política de privatização e de flexibilização das relações de trabalho são eixos da intervenção neoliberal. A política econômica neoliberal tem objetivos que vão além da mera reprodução do capital, os objetivos ideológicos e políticos e de despolitização da classe trabalhadora ficam expressos nas intervenções do Estado burguês. No caso específico do Brasil, o processo de redemocratização pós ditadura militar representou um grande avanço para as lutas sociais e para a organização da classe trabalhadora, todavia, [...] o que parecia ser um processo linear e ascendente, enfrenta contradições, limites, dilemas, tem um ritmo desigual, de que seu avanço, nas várias dimensões que o compõem, é heterogêneo e acidentado, parece nos fazer esquecer que a disputa política é ingrediente intrinsecamente constitutivo da construção e do aprofundamento da democracia. (DAGNINO et al, 2006, p. 60) Apesar da disputa entre os projetos políticos ser uma constante, é inegável o quanto as lutas organizadas pela sociedade brasileira para revogar a ditadura militar foram importantes para o fortalecimento do projeto democrático participativo. Segundo Dagnino et all (2006, p. 48) a centralidade ideológica do projeto democrático participativo está na “[…] concepção de aprofundamento e radicalização da democracia, que confronta com nitidez os limites atribuídos à democracia neoliberal representativa como forma privilegiada das relações entre Estado e sociedade. ” Assim, este projeto se configura como uma tentativa real e concreta de 6 democratização e socialização da política e da riqueza socialmente produzida. O significado da participação política no projeto democrático-participativo toma contorno muito distinto do significado no projeto neoliberal, bem como, enfrenta a concepção de democracia proferida. No projeto democrático participativo a “[...] participação é vista como instrumento da construção de uma maior igualdade, na medida que ela contribuiria para a formulação de políticas públicas orientadas para esse objetivo” (DAGNINO et al, 2006, p. 48). Nesse sentido, a Constituição brasileira de 1988 representa um marco para a construção do projeto democrático participativo, ao ponto que inaugura e legitima a política de participação popular por meio do controle social quando abre espaço para a implementação dos Conselhos Gestores e dos Orçamentos Participativos. Tanto os conselhos, quanto os orçamentos participativos constituem-se em espaços de exercício da cidadania à medida que são espaços do exercício compartilhado da tomada de decisões por parte da sociedade, uma vez que favorecem o diálogo entre o Estado e a sociedade (FALEIROS, 2011). Para [...] qualificar a expressão controle social, tem que se considerar que: não existe uma oposição entre Estado e sociedade civil, mas uma atitude orgânica já que a separação é apenas metodológica, pois a sociedade civil é um momento do Estado; a sociedade civil não é homogênea, nela circulam interesses das classes antagônicas que compõem a estrutura social; a concepção do Estado que, na sua função de mantenedor do domínio da classe dominante, incorpora interesses das classes subalternas. (CORREIA, 2012, p. 298) Nesse sentido, reconhecer os conselhos gestores enquanto espaços de disputa entre os interesses das classes sociais esclarece os desafios, as dificuldades e as possibilidades de construção do projeto democrático participativo presentes nestes espaços. As conquistas obtidas através da Constituição Federal de 1988 foram, e tem sido, fundamentais para o fortalecimento da democracia participativa. Dentre os princípios da nossa Constituição, está o da democracia participativa, enquanto exercício compartilhado de tomada de decisões políticas por parte da sociedade (FALEIROS, 2011). A democracia participativa consiste no compartilhamento de decisões políticas por parte da sociedade, seja por meio de plebiscito, referendo, projeto popular, consultas ou por meio de conselhos paritários. É uma forma de se fazer ouvir a voz dos setores periféricos ao poder e de incorporá-los nas decisões sobre o plano de governo dentro dos limites da lei. Ela favorece o diálogo entre estado e sociedade de forma direta (FALEIROS, 2011, p. 27). Dessa forma, através dos instrumentos de democracia participativa e de democracia representativa7 a sociedade civil exerce o controle social da gestão pública, onde as 7 “A democracia representativa se caracteriza como a escolha de dirigentes pertencentes a um partido político para o governo nacional, estadual ou municipal. 7 instituições e a sociedade civil se integram a fim de responder às demandas coletivas. Sobre o controle social através dos conselhos de representação social, Faleiros (2011, p. 28) aponta que “[…] a participação da sociedade nos conselhos não só canaliza reivindicações e manifesta pressões e interesses de vários segmentos sociais organizados, como possibilita a formação de um tecido social associativo, muitas vezes fragmentados pela pulverização de organizações. ” O controle social é um instrumento que permite uma construção democrática e participativa da gestão pública, de forma que a participação política vai além do voto e torna os cidadãos corresponsáveis com a gestão, fiscalização e avaliação das políticas públicas. 3. Conselhos do Idoso no Brasil: marco histórico, desafios e funcionamento Conforme discutido no item anterior, os conselhos gestores são espaços de exercício da democracia, com foco na participação política dos cidadãos na elaboração, fiscalização e avaliação das políticas públicas. No Brasil, a criação dos conselhos gestores de políticas públicas ocorre a partir da Constituição de 1988 através dos princípios da gestão democrática e descentralizada. Em conformidade com a Constituição e o Pacto Federativo foram e estão sendo criados conselhos em todo o país. Os conselhos são estruturas legais paritárias, compostas por membros representantes do governo e da sociedade civil. Os conselhos podem ser deliberativos ou apenas consultivos e são criados a partir de projetos de leis. Os conselhos se dividem entre conselhos de direitos (da pessoa idosa, de mulheres, de crianças e adolescentes etc.) e conselhos de políticas setoriais (saúde, educação, assistência etc.) (BERNARDES, 2007). A criação do Conselho Nacional de Direitos do Idoso (CNDI) está prevista na Política Nacional do Idoso (PNI)8, todavia, o CNDI só foi concebido a partir de decreto presidencial no ano de 2012. Hoje, o CNDI integra a estrutura regimental da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República (SDH/PR). Segundo a Política Nacional do Idoso: Art. 6º Os conselhos nacional, estaduais, do Distrito Federal e municipais do idoso serão órgãos permanentes, paritários e deliberativos, compostos por igual número de 8 Lei Federal nº 8.842/94 8 representantes dos órgãos e entidades públicas e de organizações representativas da sociedade civil ligadas à área. Art. 7º Compete aos conselhos de que trata o artigo anterior a formulação, coordenação, supervisão e avaliação da política nacional do idoso, no âmbito das respectivas instâncias político-administrativas. No estado de Minas Gerais, o Conselho Estadual do Idoso (CEI) foi criado em 1999 a partir da lei nº 13.176/99 como um órgão deliberativo e controlador das políticas e das ações voltadas ao idoso de âmbito estadual. Conforme levantamento da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG) em 2004 existiam 25 conselhos municipais do idoso no estado, hoje existem mais de 200 (ALMG, 2014). Muitas são as dificuldades enfrentadas para o funcionamento efetivo dos Conselhos de Direitos no Brasil, em todos os níveis existem desafios colocados aos agentes que se dispõem a defender a garantia dos direitos dos idosos. No âmbito municipal, muitas são as particularidades dos municípios e consequentemente dos conselhos ou da inexistência destes espaços. Segundo Santos Jr, Ribeiro e Azevedo (2004, p.18) [...] Os municípios brasileiros diferem muito no que respeita à constituição dos espaços conselhistas. Não só o grau de associativismo da população é bastante diferenciado entre as regiões, e mesmo no interior das cidades, como também há diferenças significativas entre os padrões de relação entre o poder público e os espaços conselhistas. Em consequência, são muito distintas as possibilidades de constituição dos conselhos em razão dos diversos contextos sociais – heterogêneos e diversificados – que caracterizam a realidade brasileira. Dentre as mais variadas realidades locais, o grande desafio colocado aos conselhos municipais é o seu funcionamento efetivo, é conseguir aglutinar pessoas em torno do controle social das políticas públicas, de forma que os cidadãos possam participar da vida política de sua localidade. Mas, para garantir essa participação da população é necessário empenho dos governos (municipais, estaduais e federais) na organização destes espaços. Para que os conselhos funcionem adequadamente é necessário infraestrutura, autonomia da sociedade sem tutela de gestores e partidos (FALEIROS, 2011). Em dezembro de 2014, foi aprovado o Plano Mineiro de Atenção Integral à Pessoa Idosa (MINAS GERAIS, 2014), em parceria do governo do estado com o Conselho Estadual do Idoso –MG e outras instituições públicas e privadas. O Plano tem três diretrizes e 19 eixos temáticos como horizonte de ação, as diretrizes adotadas são “Pessoas Idosas e o 9 Desenvolvimento”, “Promoção da Saúde e Bem Estar na Velhice” e “Criação de Ambiente Propício e Favorável”. O Plano Mineiro de Atenção à Pessoa Idosa se apresenta enquanto um […] instrumento essencial para a realização de um planejamento acerca da implantação, coordenação e fortalecimento de políticas públicas voltadas para o idoso. Um plano estadual assume, portanto, a função de sistematizar as ações a serem tomadas. Tudo isso contribui para que as ações possam ter maior efetividade, uma vez que se encontrarão bem delineadas com metas específicas (MINAS GERAIS, 2014, p.8) Acreditamos que a aprovação desse Plano seja uma conquista para o estado de Minas Gerais e mais uma ferramenta a ser usada pela população local no controle social das políticas públicas destinadas ao idoso. 4. A implementação dos conselhos nos Vales do Jequitinhonha e Mucuri A pesquisa teve como objetivos gerais analisar a contribuição da extensão universitária para a efetivação dos conselhos municipais do idoso nos Vales do Jequitinhonha e Mucuri; Desvendar os desafios na implantação e efetivação dos conselhos municipais do idoso nos Vales. Para coleta de dados foram identificados os participantes das capacitações para conselheiros municipais de idosos realizadas pelo NEPE nos anos de 2012 e 2013, a partir dessa identificação foram enviados questionários para todos os participantes (69), acompanhado do TCLE atendendo aos requisitos do Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade. Recebemos o aceite de apenas 3 participantes, representantes de 3 municípios dos Vales. 5.1 Resultados da pesquisa de campo Os participantes da pesquisa relataram sobre a situação dos conselhos municipais do idoso nos seguintes municípios: Teófilo Otoni, Poté e Ponto dos Volantes. O município de Ponto dos Volantes fica localizado na região do Vale do Jequitinhonha e tem cerca de 11.345 habitantes, segundo o último censo demográfico (IBGE, 2010), 13,4% da população tem idade acima de 60 anos. Os dados do IBGE também apontam que 64% da população reside na zona rural e apenas 36% na zona urbana do município. O município de Poté fica localizado na região do Vale do Mucuri e tem cerca de 15.667 habitantes, dentre os quais, 14% tem idade superior a 60 anos (IBGE,2010). Diferentemente de Ponto dos Volantes, o município de Poté tem maior parte da população 10 residente da zona urbana (60%), mas, ainda tem uma quantidade significativa de habitantes na zona rural (40%). O município de Teófilo Otoni também fica localizado na região do Vale do Mucuri e é cidade pólo da região, cidade inclusive onde fica localizado o nosso campus da UFVJM. Teófilo Otoni possui uma população idosa correspondente a 12,6% da sua população total que é de 134.745 habitantes (IBGE, 2010). Dentre os três municípios que obtivemos resposta nos questionários, Teófilo Otoni é o que têm a maior população residente na zona urbana (82%) e, respectivamente, a menor população residente na zona rural (18%). No município de Teófilo Otoni, o conselho municipal do idoso existe desde 2008, todavia ficou sem funcionar de dezembro de 2013, quando foi realizada a última eleição, até julho de 2015, período em que esteve aguardando a posse dos conselheiros ser realizada pelo prefeito.9. De acordo com os dados coletados o maior desafio para o funcionamento do conselho do idoso de Teófilo Otoni é o retorno às atividades, e segundo resposta da entrevistada, “o NEPE foi um grande agente propulsor do fortalecimento do próprio conselho”. Entre 2008 e 2013 o Conselho de Direitos do Idoso de Teófilo Otoni esteve ativo e obteve conquistas relevantes, foi um período de forte mobilização com ações de cidadania, sobretudo nas datas comemorativas (Dia de combate à violência contra o idoso, Dia Internacional do idoso). Cabe apontar que, apesar da relevância dessas ações, o Conselho tinha suas limitações, de forma que as ações no âmbito da proposição, acompanhamento e avaliação das políticas públicas na área do envelhecimento, foram afetadas pelas próprias dificuldades de funcionamento do Conselho, da rede de proteção ao idoso e do poder público municipal. A paralisação total do funcionamento do CMDI-TO mostra a fragilidade na articulação do conselho, bem como, a negligência da gestão municipal com o controle social e com a população idosa. O município de Poté não possui conselho municipal do idoso e o maior desafio para a implementação do mesmo é “a representação deste segmento (idosos) pela sociedade civil organizada, pois atualmente este segmento é representado apenas pelo poder público”. A dificuldade na mobilização da população idosa em torno do controle social tem sido um obstáculo para todos os Conselhos de Direitos do Idoso que tivemos contato, onde a necessidade de articular a população idosa em prol da participação política é um grande 9 Cabe ressaltar que esta realidade perdurou até o final da pesquisa (fevereiro/2015), no segundo semestre de 2015 ocorreu a posse dos conselheiros pelo prefeito após intervenção do Ministério Público. 11 desafio. Segundo Bernardes (2007, p. 114) “[...] um grande desafio é transformar esse segmento etário e completamente heterogêneo, oriundo de uma cultura que não priorizava participação, em cidadãos participativos”. Dessa forma, compreendemos que a dificuldade em mobilizar a população em torno do controle social não é exclusividade da nossa região, mas sim, um fator da própria conjuntura política do país. O município de Ponto dos Volantes possui conselho municipal do idoso desde dezembro de 2012 e o maior desafio é a “participação efetiva dos conselheiros”. Acreditamos que a “falta de comprometimento”, “falta de articulação” dos idosos, dentre outras dificuldades apresentadas, refletem a necessidade da promoção de espaços de formação para a população destes munícipios. Onde a partir de espaços de debates e formação, sobre cidadania e participação política por exemplo, começam a surgir articulações que podem desembocar em fóruns, conferências e então integrar a população em torno da rede de proteção ao idoso. Segundo Bernardes (2007, p. 108) […] mostra-se cada vez mais indispensável a realização de uma proposta emancipatória em dois níveis de atuação: a divulgação dos órgãos em defesa do idoso (dada a carência histórico-cultural de não valorizá-lo) e a promoção de campanhas que representam um contraponto a essa questão cultural de indiferença em relação ao idoso e ao que ele representa para a sociedade. Segundo o questionário do participante de Ponto dos Volantes, as conquistas obtidas pelo conselho municipal foram algumas medidas de proteção conseguidas a partir da atuação de membros do conselho. No que diz respeito aos impactos da extensão na implementação dos conselhos, foi levantado, a partir dos questionários, que as capacitações contribuíram “para o despertar da sua necessidade (conselho do idoso) enfrentamento às dificuldades de sua implementação”. As respostas que obtivemos é que as capacitações foram importantes e devem continuar, dentre os temas sugeridos pelos entrevistados para futuras capacitações destacamos “Criação do Fundo Municipal do Idoso”, “Integração entre os conselheiros” e “Violência contra o idoso”. 5. Considerações Finais A construção dos espaços de controle social na região dos Vales não está desassociada do âmbito estadual e nacional, podemos afirmar que o controle social tem passado por momentos de assenso e de retrocesso. Conforme discutimos anteriormente, o nível de organização e atuação dos conselhos vai depender de diversos fatores, dentre eles, a 12 conjuntura política local e o nível de associativismo da população de cada localidade. Para Paiva (2014, p.164) Referente às questões do envelhecimento, das lutas pelos direitos sociais dos homens velhos e mulheres velhas no Brasil, de maneira geral, é visível um atual retrocesso, pelo menos em intensidade, posto que está configurado um momento de paralização do potencial de deliberação dos Conselhos de Direitos e de não realização das Conferências em todas as esferas (municipal, estadual e federal), ou seja, o esvaziamento desses espaços legitimados para o exercício do controle social democrático. No município de Teófilo Otoni foi possível verificar esse esvaziamento no conselho municipal no último ano, assim como no município de Ponto dos Volantes que foi apontado um esvaziamento do espaço. Consideramos que esse esvaziamento tem grande responsabilidade por parte do poder público municipal, pois os governos municipais tem a responsabilidade de fortalecer os conselhos. Bernardes (2007) aponta as contradições existentes na relação entre estado e sociedade civil, onde, os conselhos são estruturas dinâmicas e resultado de luta e de conquista. As contradições existentes na construção do controle social, da participação política, da cidadania são contradições da nossa própria sociedade, são as contradições da sociedade de classes. Dessa forma, os momentos de recuo na participação política da população no controle social são processos e não se encerram em si, não é porque o conselho não está funcionando hoje que não existe força para fazê-lo funcionar amanhã. Para alcançar um bom nível de organização e articulação da sociedade, apostamos na mobilização, no diálogo e no enfrentamento. Para Faleiros (2011) “[…] se não houver a mobilização das próprias pessoas idosas para confronto de posições e democratização dos conselhos, estes serão mais um órgão burocrático e não uma instancia de defesa de direitos”. Acreditamos que o NEPE/UFVJM pode ser e tem sido um instrumento importante para estimular a organização da população idosa na região dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri, um instrumento para fortalecer a participação dos idosos na vida política e social. Assim, concluímos que a extensão universitária tem contribuído não só para a efetivação dos conselhos municipais do idoso na região, como também tem contribuído para a formação profissional dos estudantes, para o fortalecimento das políticas de atenção ao idoso, para a construção de um novo paradigma de envelhecimento e para o fortalecimento da Universidade enquanto espaço democrático de construção social. 13 7. Referencias 1. ALMG. Conselho Estadual do Idoso. Disponível em: http://www.almg.gov.br/opencms/export/sites/default/acompanhe/eventos/hotsites/2010/idoso/ docs/silvania.pdf. Acesso em: 02/02/2014. 2. BERNARDES, A. F. Conselhos de representação: espaços para os idosos se organizarem na defesa de seus direitos. São Paulo: Revista Kairós, dez-2007, p. 107-121. 3. BRASIL. Política Nacional do Idoso. Lei 8842 de 04 de janeiro de 1994. 4. BRASIL. Política Nacional de Saúde da Pessoa Idosa. Portaria Nº 2.528 de 19 de outubro de 2006. 5. CORREIA, M. Sociedade Civil e controle social: desafios para o Serviço Social. In. BRAVO, M.; MENEZES, J. Saúde, Serviço Social, Movimentos Sociais e Conselhos. São Paulo: Cortez, 2012, p. 293-306. 6. COUTINHO, C. N. Cultura e Sociedade no Brasil: ensaios sobre ideias e formas. Rio de Janeiro: DP&A, 2000. 7. FALEIROS, V. de P. Fortalecimento e Integração dos Conselhos: Participar e Comprometer-se com a Defesa dos Direitos das Pessoas Idosas. In: Revista dos Direitos da Pessoa Idosa: o compromisso de todos por um envelhecimento digno no Brasil. Presidência da República; Secretaria de Direitos Humanos. Brasília/DF, 2011. 8. IBGE. Censo Demográfico 2010. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatistica, 2010. Disponível em: www.ibge.gov.br. Acesso em: 02/02/2015. 9. 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