UNIJUÍ – Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul MARCIO FERNANDO GRAEF A SOCIEDADE DE CONSUMO E O DIREITO DE INFORMAÇÃO: TUTELA DO CONSUMIDOR A PARTIR DA COMPREENSÃO DO AMBIENTE INSTITUCIONAL Santa Rosa (RS) 2015 MARCIO FERNANDO GRAEF A SOCIEDADE DE CONSUMO E O DIREITO DE INFORMAÇÃO: TUTELA DO CONSUMIDOR A PARTIR DA COMPREENSÃO DO AMBIENTE INSTITUCIONAL Monografia final do Curso de Graduação em Direito objetivando a aprovação no componente curricular Monografia. UNIJUÍ – Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul. DECJS – Departamento de Ciências Jurídicas e Sociais. Orientador (a): M.ª. Fernanda Serrer. Santa Rosa (RS) 2015 Aos meus pais Ceny e Paulo. Aos meus avós Armindo e Valesca (in memorian) Aos meus ilustríssimos irmãos Nelinho, Cleber e Joel. Ao meu grande amigo Sidinei Reginaldo. AGRADECIMENTOS Em tempos que se aproxima o fim de uma longa caminhada acadêmica, expressar a gratidão a estas pessoas torna-se tarefa bastante delicada. No entanto, de maneira singela, porém sincera remeto meus votos de agradecimento a cada um de vocês que estiveram ao meu lado, e que tiveram a oportunidade de compartilhar e contribuir de alguma forma nessa conquista. Primeiramente à Deus, pelo dom da vida, por sempre mostrar o caminho do bem... Aos meus avós Armindo e Valesca (in memorian), em especial ao meu vô, que sem jamais proferir uma palavra de incentivo, porém trazia em suas atitudes exemplo de determinação, honestidade e trabalho. Saudades eternas. Aos meus pais Ceny e Paulo, pela educação, pelos valores, bem como por patrocinar os estudos. Aos meus irmãos Nelinho e Cleber, por quem tenho infinito respeito e admiração. Amo vocês. Ao meu irmão, padrinho e amigo Joel, pelos bons exemplos, pelas infinitas virtudes, simplicidade e respeito. Ao colega e amigo Sidinei Reginaldo, que sempre estava ao meu lado em todas as horas nessa extensa caminhada. Ao José Abi Knapp, pela oportunidade do emprego e pela confiança e reconhecimento depositado em meu trabalho. Aos colegas do escritório, pela compreensão e pelos ensinamentos dispensados durante todos esses anos. À minha orientadora Fernanda Serrer, pela orientação e oportunidade de expandir os conhecimentos. Enfim, a todos que de algum modo contribuiram para a concretização deste estudo. “O homem morre duas vezes. A primeira vez quando seu coração deixa de bater; a segunda vez quando seu nome deixa de ser lembrado.” Autor desconhecido RESUMO Este estudo objetiva analisar a relação entre as novas tendências de consumo e a necessidade de renovação do ambiente institucional na proteção ao consumidor frente a influência da publicidade sobre as escolhas do consumidor. Neste sentido, busca responder a seguinte pergunta: Quais os desafios para o ambiente institucional na tutela do consumidor frente às novas tendências de relações de consumo considerando a influência da publicidade sobre as escolhas do consumidor? Quantos aos fins, a pesquisa se classifica como exploratória e descritiva. Quanto ao método, a abordagem é hipotética e dedutiva. E a análise dos dados se dá pelo método dialético e análise de conteúdo. Como resultados o trabalho descreveu o ambiente institucional formal de consumo, elementos do mercado de consumo, tendências e comportamento do consumidor e a sua relação com a publicidade e propaganda. Neste contexto foi possível evidenciar que o ambiente institucional acompanhou um conjunto de mudanças no mercado de consumo, principalmente regulando a ação dos agentes econômicos em questões, garantindo a tutela do consumidor. Em outros casos o ambiente institucional ainda é falho e não consegue garantir a tutela do consumidor, como evidenciado nas seguintes situações: empréstimos consignados a idosos, publicidades e propagandas que apresentam informações não verdadeiras. Conclui-se, que o ambiente institucional, precisa instituir novas formas de atuar buscando maior agilidade e efetividade na resolução das disputas jurídicas. Palavras-Chave: Sociedade de Consumo, Ambiente Intitucional, Tendencias de Consumo, Desafios, Direito do Consumidor. ABSTRACT This study aims to analyze the relationship between the new consumer trends and the need for renewal of the institutional environment in the consumer protection front the influence of advertising on consumer choices. In this sense, seeks to answer the following question: What are the challenges to the institutional environment in front of the consumer protection to new trends in consumer relations considering the influence of advertising on consumer choices? As to the purposes, research is classified as exploratory and descriptive. As for the method, the approach is hypothetical and deductive. And the data analysis is given by the dialectical method and content analysis. As a result, the work described the formal institutional environment of consumption, consumer market factors, trends and consumer behavior and its relationship with advertising and propaganda. In this context it became clear that the institutional environment accompanied a set of changes in the consumer market, mainly by regulating the action of economic agents on issues, ensuring consumer protection. In other cases, the institutional environment is still flawed and fails to ensure consumer protection, as evidenced in the following situations: payroll loans to the elderly, advertisements and advertisements that have no real information. It follows that the institutional environment needs to establish new ways of acting seeking greater agility and effectiveness in the resolution of legal disputes. Keywords: Consumer Society, Environment institutionally, Consumer Trends, Challenges, Consumer Law SUMÁRIO INTRODUÇÃO ........................................................................................................................ 8 1 A RELAÇÃO JURÍDICA DE CONSUMO ...................................................... 11 1.1 Consumidor e fornecedor no ciclo econômico ................................................... 12 1.2 Direito básico do consumidor à informação ...................................................... 14 1.3 Práticas comerciais e publicidade nas relações de consumo ............................ 16 1.4 Expectativa frustrada do consumidor ou dissonância cognitiva pela publicidade .............................................................................................................................. 19 1.5 Responsabilidade no código de defesa do consumidor ..................................... 21 1.6 Controle da publicidade ...................................................................................... 26 2 INFORMAÇÃO E COMUNICAÇÃO NA SOCIEDADE DE CONSUMO: ASPECTOS METAJURÍDICOS .......................................................................................... 29 2.1 O mercado de consumo e a influência sobre o consumido ............................................................................................................................... 30 2.2 Publicidade e propaganda: liberdade e poder ................................................... 35 2.3 O processo, as expectativas e os efeitos da publicidade sobre o consumo ...... 38 2.4 A tutela do consumidor a partir da compreensão do ambiente institucional formal ............................................................................................................................... 41 CONCLUSÃO......................................................................................................................... 46 REFERÊNCIAS ..................................................................................................................... 49 8 INTRODUÇÃO Na sociedade contemporânea, segundo Bauman (2008) impera o consumismo descomedido. Existe tão somente o sentimento de adquirir coisas novas e descartar as já usadas, isso com a maior brevidade possível. O ato de consumir faz nascer dentro das pessoas o sentimento de liberdade. Essa nova realidade é o esboço de uma transformação no comportamento das pessoas quando do ato de consumir, nascendo daí novas tendências de mercado. A mídia, por sua vez, atua como mola propulsora dessa cultura consumerista na sociedade brasileira atual, tornando cada vez mais constante a publicidade entre os meios de comunicação. Dessa premissa, revela-se a necessidade de uma intervenção estatal quer seja, política, administrativa e jurídica trazendo mecanismos capazes de regular satisfatoriamente as mais variadas demandas oriundas dessas novas interações consumeristas. É baseado nisso que o ambiente institucional exerce um papel determinante, ao passo que estabelece um regramento capaz de atender as novas tendências e exigências que nascem a cada dia. Importante referir que, o Brasil possui uma das legislações mais bem elaboradas no que toca a regulamentação das relações de consumo, quer seja, a Lei n° 8.078 de 11 de setembro de 1990, também conhecida como Código de Defesa do Consumidor – CDC. No entanto, mesmo sendo considerado um dos regramentos mais abrangentes no assunto, ainda há lacunas que impossibilitam externar as determinações da lei sobre a publicidade de produtos e serviços nas relações de consumo. Além da legislação, no Brasil existem os mecanismos de enforcement que tem a finalidade de fazer cumprir as regras formais 9 estabelecidas. Dentre estes, cita-se o PROCON, o sistema judiciário, entre outros. Este conjunto de legislações e mecanismos de enforcement constituem o ambiente institucional que trata das relações de consumo. Para que o ambiente institucional formal das relações de consumo efetivo, é mister que os regramentos definidos contemplem as principais situações que envolvem as transações entre fornecedores e clientes. Ademais, quando descumpridos esses regramentos é necessária a intervenção dos mecanismos de enforcement. Frente a este contexto, o trabalho apresenta a seguinte pergunta: Quais os desafios para o ambiente institucional na tutela do consumidor frente às novas tendências de relações de consumo considerando a influência da publicidade sobre as escolhas do consumidor? De tal forma, tem-se por objetivo geral: analisar a relação entre as novas tendências de consumo e a necessidade de renovação do ambiente institucional na proteção ao consumidor frente a influência da publicidade sobre as escolhas do consumidor. Justifica-se este estudo pelos seguintes elementos: A) a relevância do tema sociedade de consumo, na qual a intensidade das relações de compra tem aumentado de forma significativa ao longo dos últimos anos promovendo novas formas de produção, promoção e venda dos produtos que até então não eram contempladas pelo ambiente institucional, de tal forma a permitir um comportamento oportunista dos agentes econômicos, impondo novos desafios ao ambiente institucional. O que torna relevante avaliar a sua efetividade frente a estas situações. B) contribuir no debate de novas tendências na sociedade do consumo e os desafios que serão impostos ao ambiente institucional. C) Conhecimento empírico do autor, a partir de sua atuação prática em casos de disputa entre clientes e fornecedores. Metodologicamente, a pesquisa se classifica como descritiva e exploratória quanto aos fins. Em relação ao método o estudo apresenta uma abordagem hipotética e dedutiva. Contempla os seguintes procedimentos: levantamento bibliográfico, leitura e fichamento do material selecionado, reflexão crítica sobre o material selecionado; exposição dos resultados obtidos através de um texto escrito monográfico. Os dados são analisados por meio de análise de conteúdo e método dialético. 10 Após esta introdução, apresentam-se os o capítulo 1 que descreve o tema abordado, a problemática do estudo, os objetivos, geral e específico, a justificativa e o referencial teórico. O capítulo 2, aborda as relações jurídicas de consumo, na sequencia o capítulo 3 que trata de Informação e Comunicação na Sociedade de Consumo: Aspectos Metajuridicos, e por fim, a conclusão e referencias bibliográficas. 11 1 A RELAÇÃO JURÍDICA DE CONSUMO São inerentes à natureza humana algumas necessidades básicas a exemplo de comer, beber, dormir, locomover. Partindo dessa premissa temos que o mercado percebeu tal fenômeno e passou a desenvolver produtos dos mais diversos tipos com o fito de atender os desejos humanos. Seguindo essa linha de raciocínio é que se pode constatar o nascimento do consumismo. Essas relações de consumo passam se consolidar no cotidiano das pessoas de modo cada vez mais intenso necessitando, por sua vez, de uma regulamentação do Estado no intuito de permitir a continuidade saudável dessa realidade, bem como introduzir regras capazes de reprimir as condutas abusivas dos fornecedores de bens e serviços. Inimaginável é pensar a sociedade moderna sem a presença do consumismo nos moldes hoje solidificados, haja vista que a compra e venda de produtos, a oferta de bens e serviços, e consequente circulação de capital é cada vez mais constante, mais rápida e mais voraz. Como consequência lógica desse sistema de consumo surgem às lesões aos direitos fundamentais do consumidor, decorrentes dos anseios descomedidos das grandes empresas, que visam tão somente o lucro. Com o escopo de proteção, se torna mister a criação e evolução constante de normas e regras que delimitam as relações de consumo, visando tutelar os direitos dos consumidores sem prejudicar as práticas comerciais e a economia. A própria Constituição da República, no inciso XXXII, do art. 5º, do capítulo faz referência aos “direitos e deveres individuais e coletivos”, e mostra a necessidade da tutela imposta pelo Estado democrático, que é garantir, na forma da lei, a defesa do consumidor. Expostas essas colocações iniciais, esclarece-se que este capítulo aborda as relações jurídicas de consumo na forma posta hoje dentro do texto legal, bem como o modo que ele se externaliza nas relações sociais, em especial aos mecanismos de tutela dos direitos dos 12 consumidores frente às práticas comerciais de caráter abusivo, enganoso e lesivo aos direitos do consumidor. 1.1 Consumidor e fornecedor no ciclo econômico A conceituação de consumidor passou a ser conhecida após o advento da Lei 8.078/90, conhecida também como Código de Defesa do Consumidor. O texto da referida lei trata de fazer a definição de consumidor a fim de esclarecer a quem é voltada a proteção nela elencada. Dessa forma, o CDC no seu artigo 2º, entende que “consumidor é toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final” (BRASIL, 2015). Ainda, conceituando consumidor de forma mais abrangente, o artigo 2º, parágrafo único, menciona: “Equipara-se a consumidor a coletividade de pessoas, ainda que indetermináveis, que haja intervindo nas relações de consumo” (BRASIL, 2015). Por sua vez, o artigo 17 dispõe “Para os efeitos desta Seção, equiparam-se aos consumidores todas as vítimas do evento”. E por fim, o artigo 29: “equiparam-se aos consumidores todas as pessoas determináveis ou não, expostas às práticas nele previstas”. Ao definir consumidor José Geraldo Brito Filomeno (2014, p. 20), afirma que “sob o ponto de vista econômico, consumidor é considerado todo indivíduo que se faz destinatário da produção de bens, seja ele adquirente ou não, e seja ou não, a seu turno, também produtor de outros bens”. Pelo texto do artigo 2º do CDC a pessoa jurídica também é considerada consumidora, pois ela também adquire em nome próprio e com destinação final, produtos, bens e serviços, a exemplo das que contraem empréstimos bancários, consomem energia elétrica, serviços telefônicos, material de expediente, na condição de consumidores finais. Acerca da possibilidade da aplicabilidade do Código de Defesa do Consumidor nas demandas que envolvem pessoas jurídicas, o Superior Tribunal de Justiça tem se filiado à corrente finalista. Segundo entendimento latu sensu do STJ, aplica-se no tocante às pessoas jurídicas o finalismo aprofundado. 13 A luz da teoria do “Finalismo Aprofundando”, compete à pessoa jurídica que pretende a incidência das regras previstas no Código de Defesa do Consumidor, a comprovação da vulnerabilidade, seja técnica, jurídica ou informacional, na relação jurídica discutida. Nesse sentido leciona Claudia Lima Marques (2010, p. 107) É uma interpretação finalista mais aprofundada e madura, que deve ser saudada. De um lado, a maioria maximalista e objetiva restringiu seu ímpeto; de outro, os finalistas aumentaram seu subjetivismo, mas relativizaram o finalismo permitindo tratar de casos difíceis de forma mais diferenciada. Em casos difíceis envolvendo pequenas empresas que utilizam insumos para a sua produção, mas não em sua área de expertise ou com uma utilização mista, principalmente na área dos serviços; provada a vulnerabilidade, concluiu-se pela destinação final de consumo prevalente. Assim, por exemplo, um automóvel pode servir para prestar os serviços da pequena empresa, comprado ou em leasing, mas também é o automóvel privado do consumidor. Ou, de forma semelhante ao caso francês do sistema de alarme, uma empresa de alimentos contrata serviços de informática, que não serão usados em sua linha de “produção” a não ser indiretamente, e a jurisprudência tende a considerar estes usuários mistos, ou consumidores finais diretos, como consumidores, uma vez que a interpretação da dúvida sobre a destinação final e sobre sua caracterização é resolvida, de acordo com os art. 4º, I e 47 do próprio CDC, a favor do consumidor. Esta nova linha, em especial do STJ, tem utilizado, sob o critério finalista e subjetivo, expressamente a equiparação do art. 29 do CDC, em se tratando de pessoa jurídica que comprova ser vulnerável e atua fora do âmbito de sua especialidade, como hotel que compra gás. Por outro lado, e não menos importante, é a figura do fornecedor, uma vez que sem ele a relação de consumo não se completa. O fornecedor é definido pelo Código de Defesa do Consumidor, em seu artigo 3º como “toda pessoa física ou jurídica [...] que desenvolvem atividade de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços” (BRASIL, 2015). Para Rizzatto (2014, p. 133): São fornecedores as pessoas jurídicas públicas ou privadas, nacionais ou estrangeiras, com sede ou não no País, as sociedades anônimas, as por quotas de responsabilidade limitada, as sociedades civis, com ou sem fins lucrativos, as fundações, as sociedades de economia mista, as empresas públicas, as autarquias, os órgãos da Administração direta etc. Dadas às acepções de consumidor e fornecedor, é possível vislumbrar o surgimento da cadeia de consumo, uma vez que para a existência de um é estritamente necessária à existência de outro. Do ato de consumir terá o consumidor, em tese, satisfeito o seu desejo na aquisição de bens ou serviços, ao passo que o fornecedor concretizará a venda, completando o ciclo econômico e fomentando a economia do país. 14 Entende Neto (2009, p. 2), por ciclo econômico o “movimento periódico, para cima e para baixo na produção, emprego, consumo, investimento e outras variáveis econômicas relevantes”. Esse movimento na economia é originário da atividade consumista das pessoas, uma vez que consumir é inerente à natureza humana. Assim, a sobrevivência da espécie se sujeita ao consumo de roupas, alimentos, energia, e de tudo mais que seja necessário à vida moderna. No entanto, o consumismo nos moldes atuais não mais atende somente a necessidade humana, mas sim é fator determinante dentro do ciclo econômico, sendo considerada a força motriz da atual economia. Segundo Bauman (2008, p. 51), “a economia consumista se alimenta do movimento das mercadorias e é considerada em alta quando dinheiro mais muda de mãos”. Nesse contexto, portanto, se verifica a relação do consumidor e fornecedor dentro do cenário econômico do país, quando cada um exercendo seu papel, quer seja consumindo, quer seja produzindo, proporciona o crescimento da economia. O fomento das práticas de consumo é de extrema necessidade dentro do cenário econômico de um país, haja vista que delas derivam a circulação de capital, gerando emprego e renda à população. 1.2 Direito básico do consumidor à informação A partir da vigência do Código de Defesa do Consumidor e das novas tendências da sociedade moderna é que o Estado reconheceu que o ato de consumir está diretamente conexo à dignidade da pessoa humana, inserindo em seu texto direitos e garantias fundamentais dos consumidores. Nesse contexto ainda, a informação é tida como direito fundamental do consumidor e visa proteger a vida e a segurança deste, ao passo que possibilita o consumo de bens e serviços de forma honesta, consciente e esclarecida. O direito à informação tem sua base estabelecida na Constituição da República de 1988, em seu artigo 5º, incisos XIV e XXXIII, quando estendido ao CDC visa garantir ao 15 consumidor a proteção para decidir com base em seu livre arbítrio, mas de forma consciente se irá ou não consumir determinados produtos, bens ou serviços. Sobre a relevância do direito à informação como direito básico do consumidor Lobo (2001, p. 43) refere que a [...] informação e o dever de informar tornam realizável o direito de escolha e autonomia do consumidor, fortemente reduzida pelos modos contemporâneos de atividade econômica massificada, despersonalizada e mundializada. Nessa direção, recupera parte da humanização dissolvida no mercado e reencontra a trajetória da modernidade, que prossegue o sonho mais alto do iluminismo, a capacidade de pensar e agir livremente, sem submissão a vontades alheias, cada vez mais difícil na economia globalizada de Estados e direitos nacionais enfraquecidos, onde as principais decisões econômicas são tomadas por conselhos de administração de empresas transnacionais. Cediço é que o fornecedor utiliza de artimanhas bem elaboradas como fito de convencer o consumidor a adquirir o produto que lhe oferece. Para tanto, em determinados casos, acaba omitindo ou desvirtuando informações básicas e importantes sobre os produtos, facilitando a sua venda. Entretanto, com o escopo de proteger o consumidor das práticas mal intencionadas patrocinadas pelos fornecedores é que, o artigo 6º, III, da Lei 8.078/1990, estabelece ser direito básico do consumidor “a informação adequada e clara sobre os diferentes produtos e serviços, com especificação correta de quantidade, características, composição, qualidade, tributos incidentes e preço, bem como sobre os riscos que apresentem” (BRASIL, 2015). 1 Partindo dos preceitos do art. 6º do CDC e observando o direito à informação, compete ao fornecedor sempre proceder com clareza para que haja transparência dentro da relação de consumo ora estabelecida, sendo necessário exigir o dever daquele em informar ao consumidor os dados correlatos ao produto de maneira compreensível que transmita os elementos reais do produto a ser adquirido. 1 Segundo o texto do inciso III do art. 6º do Código de Defesa do Consumidor são direitos básicos do consumidor “III - a informação adequada e clara sobre os diferentes produtos e serviços, com especificação correta de quantidade, características, composição, qualidade, tributos incidentes e preço, bem como sobre os riscos que apresentem” (BRASIL, 1990); 16 É de suma importância que a informação constante no produto esteja investida de verdade e de precisão para que possibilite ao consumidor exercer à livre escolha dentre os demais assemelhados, com base no conhecimento que possui sobre as respectivas características do produto, inclusive no que diz respeito aos riscos e à segurança (EFING; BAGGIO; MANCIA, 2009 p. 15). Portanto, da Constituição Federal e do Código de Defesa do Consumidor derivam regras que dão enfoque especial a transparência e ao direito à informação, permitindo ao consumidor o exercício do poder de escolha de determinado produto de maneira consciente sabendo os efeitos e eventuais riscos que os produtos e serviços podem causar a sua saúde e a sua segurança. 1.3 Práticas comerciais e publicidade nas relações de consumo As interações consumeristas entre consumidor final e fornecedor dentro do ciclo econômico são perfectibilizadas por intermédio das práticas comerciais. Segundo Donato apud Martins (2001, p. 4) as práticas comerciais “são técnicas, meios de que o fornecedor se utiliza para comercializar, vender, oferecer o seu produto ao consumidor potencial, atingindo a quem se pretende transformar em destinatário final”. Ocorre que o ávido e voraz objetivo de lucrar inerente à atividade econômica das empresas, faz com que estas utilizem de métodos publicitários descomedidos, exagerados e, portanto, abusivos na divulgação e venda do seu produto, gerando graves prejuízos aos indivíduos alvos dessa prática, ou seja, os consumidores finais. Ademais, compete dizer que as práticas comerciais ganham vida através da publicidade vinculada nos mais diversos meios de comunicação existentes, sempre com o viés de convencer o consumidor a adquirir o produto, bem ou serviço ora ofertado. No entanto, como já referido, em alguns casos essas práticas se tornam abusivas ao ponto de levar o consumidor à claudicação, gerando prejuízos de ordem patrimonial e extrapatrimonial. Com efeito, é justamente isso que o Código de Defesa do Consumidor busca coibir. Para Rizzatto (2014, p. 597) a prática comercial abusiva se concretiza como um conjunto 17 de “ações e/ou condutas que, uma vez existentes, caracterizam-se como ilícitas, independentemente de se encontrar ou não algum consumidor lesado ou que se sinta lesado”, em outras palavras, “são ilícitas em si, apenas por existirem de fato no mundo fenomênico”. Sempre com o objetivo protecionista é que o CDC regulamentou a questão das práticas abusivas, trazendo no seu artigo 39 um rol exemplificativo de situações consideradas excessivas e que ferem o direito do consumidor.2 Uma conhecida e corriqueira prática abusiva exercida pelos comerciantes é a “venda casada”, por sua vez vedada pelo inciso I do art. 39 do Código do Consumidor. Assim, o consumidor está diante de uma venda casada quando “para adquirir o produto ou serviço que deseja, deve obrigatoriamente adquirir outro em conjunto” (AMATRUDO, 2004, p. 182). O fornecedor em total desrespeito ao direito do consumidor, se utiliza dessa prática para fins de adquirir lucro maior, se aproveitando da condição de hipossuficiência intelectual do indivíduo. Segundo Amatrudo (2014, p. 183) na hipótese da “venda casada” a condição imposta ao consumidor “para aquisição do produto ou serviço é ilícita uma vez que se este quiser o bem Segundo o Art. 39 do Código de Defesa do Consumidor “É vedado ao fornecedor de produtos ou serviços, dentre outras práticas abusivas: I - condicionar o fornecimento de produto ou de serviço ao fornecimento de outro produto ou serviço, bem como, sem justa causa, a limites quantitativos; II - recusar atendimento às demandas dos consumidores, na exata medida de suas disponibilidades de estoque, e, ainda, de conformidade com os usos e costumes; III - enviar ou entregar ao consumidor, sem solicitação prévia, qualquer produto, ou fornecer qualquer serviço; IV - prevalecer-se da fraqueza ou ignorância do consumidor, tendo em vista sua idade, saúde, conhecimento ou condição social, para impingir-lhe seus produtos ou serviços; V - exigir do consumidor vantagem manifestamente excessiva; VI - executar serviços sem a prévia elaboração de orçamento e autorização expressa do consumidor, ressalvadas as decorrentes de práticas anteriores entre as partes; VII - repassar informação depreciativa, referente a ato praticado pelo consumidor no exercício de seus direitos; VIII - colocar, no mercado de consumo, qualquer produto ou serviço em desacordo com as normas expedidas pelos órgãos oficiais competentes ou, se normas específicas não existirem, pela Associação Brasileira de Normas Técnicas ou outra entidade credenciada pelo Conselho Nacional de Metrologia, Normalização e Qualidade Industrial (Conmetro); IX - recusar a venda de bens ou a prestação de serviços, diretamente a quem se disponha a adquiri-los mediante pronto pagamento, ressalvados os casos de intermediação regulados em leis especiais; X - elevar sem justa causa o preço de produtos ou serviços. XI - Dispositivo incluído pela MPV nº 1.890-67, de 22.10.1999, transformado em inciso XIII, quando da conversão na Lei nº 9.870, de 23.11.1999. XII - deixar de estipular prazo para o cumprimento de sua obrigação ou deixar a fixação de seu termo inicial a seu exclusivo critério. XIII - aplicar fórmula ou índice de reajuste diverso do legal ou contratualmente estabelecido. Parágrafo único. Os serviços prestados e os produtos remetidos ou entregues ao consumidor, na hipótese prevista no inciso III, equiparam-se às amostras grátis, inexistindo obrigação de pagamento”. (BRASIL, 1990). 2 18 deverá aceitar as condições não só de preço muito mais onerosa, mas também, outro produto a este vinculado que nem sempre é de seu interesse”. Outra prática conhecida e muito utilizada, principalmente pelas entidades bancárias ou assemelhadas é o envio ao consumidor de cartão de crédito sem solicitação prévia, também vedada pelo inciso III do art. 39 do CDC. Trata-se de ato pré-contratual em que a lesão ao direito do consumidor se perfectibiliza antes mesmo da contratação do serviço para com o fornecedor. Nesse sentido Amatrudo (2014, p. 185) destaca que o [...] consumidor não está obrigado a aceitar o produto ou serviço que lhe é enviado, podendo deste modo, recusá-lo sobre o embasamento da liberdade nas contratações ou ainda, aceitá-lo se assim o desejar, porém poderá questionar a legitimidade de seu envio, fazendo o uso da coisa como se amostra grátis fosse. Ao contextualizar práticas abusivas, é imprescindível mencionar que elas se externalizam no mundo dos fatos através da publicidade vinculada nos meios de comunicação dos mais diversos tipos, quais sejam, mídia televisiva, rede mundial de computadores, rádio, outdoors, etc. A publicidade tem o condão de convencer o consumidor final de que determinado produto é melhor e mais útil que aquele oferecido pela concorrência, independente dessa informação retratar ou não a realidade. Dessa forma, o CDC traz em seu artigo 37 o conceito de publicidade enganosa e abusiva. Por publicidade enganosa o legislador entende [...] qualquer modalidade de informação ou comunicação de caráter publicitário, inteira ou parcialmente falsa, ou, por qualquer outro modo, mesmo por omissão, capaz de induzir em erro o consumidor a respeito da natureza, características, qualidade, quantidade, propriedades, origem, preço e quaisquer outros dados sobre produtos e serviços. (BRASIL, 2015) A publicidade enganosa traz elementos com conteúdo fraudulento capaz de distorcer a informação e levar o consumidor ao erro, ou seja, apresenta o produto com determinadas características quando na verdade estas não compõem o mesmo. 19 O exemplo disso são as informações vinculadas nos comerciais televisivos relacionados a produtos fumígeros. A publicidade atrelada a esses produtos era investida de tamanha persuasão que levava várias pessoas a consumir tais produtos de forma inconsciente, como sinal de garantia de satisfação pessoal e auto-afirmação. Já a publicidade abusiva se concretiza através de fins contrários à ordem pública, ao direito e à moral (SAAD, 1999, p. 353). Nesse sentido o § 2º, do art. 37 do Código de Defesa do Consumidor define publicidade abusiva como aquela [...] discriminatória de qualquer natureza, a que incite à violência, explore o medo ou a superstição, se aproveite da deficiência de julgamento e experiência da criança, desrespeita valores ambientais, ou que seja capaz de induzir o consumidor a se comportar de forma prejudicial ou perigosa à sua saúde ou segurança. (BRASIL, 2015) Portanto, depreende-se do texto do Código de Defesa do Consumidor a conceituação das práticas abusivas, da publicidade enganosa e abusiva, e por fim o claro objetivo de coibir a sua proliferação nas mais diversas relações de consumo, tudo com a ideia de proteger a parte mais vulnerável que é o consumidor. Corrobora ainda, no intuito de coibir a publicidade enganosa e abusiva o Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária, o CONAR, que tem como missão impedir que a publicidade enganosa ou abusiva cause constrangimento ao consumidor ou a empresas e defender a liberdade de expressão comercial. 1.4 Expectativa frustrada do consumidor ou dissonância cognitiva pela publicidade A publicidade exerce papel de suma importância dentro das relações consumeristas, tendo em vista que a partir dela as empresas fornecedoras de produtos, bens e serviços tornam pública a sua oferta, com foco claro na venda de produtos e de serviços. Nesse aspecto, Bauman (2010, p. 36) refere que “tanto as mercadorias quanto os anúncios publicitários são pensados para suscitar desejos e fisgar vontades”. No mesmo contexto, refere Spinatto (2003, p. 33): 20 A publicidade representa o próprio símbolo da sociedade de consumo. Sabemos que através de um sistema de informação adequado, as necessidades humanas podem ser atendidas de maneira mais eficaz. Por outro lado, a real necessidade de um produto ou de um serviço na sociedade de consumo, muitas vezes, não está ligada à realidade do individuo, mas sim, à satisfação do interesse dos fornecedores de bens ou serviço. Dito isso, frisa-se que na sociedade contemporânea há uma prática incongruente entre a publicidade vinculada nos meios de comunicação e a efetiva entrega de bens ou serviços ao consumidor final, isso porque a oferta vinculada tem o condão de tornar o produto atrativo de tal maneira a despertar na pessoa o desejo de consumi-lo, independente de ter ou não a real necessidade na aquisição. Segundo Bauman (2010, p. 35) “a economia líquido-moderna, centrada no consumidor, se baseia no excesso de ofertas, no envelhecimento cada vez mais acelerado do que se oferece e na rápida dissipação de seu poder se sedução”. Essa enxurrada de ofertas trazidas pela publicidade, por sua vez enganosa ou abusiva, acaba por ludibriar a ideia do consumidor no intuito claro e perverso de fazê-lo consumir impensadamente. A grande questão disso tudo está focada, no entanto, na dissonância, e mais, no desrespeito quando da venda do produto com a entrega deste ao consumidor final. A exemplo disso torna-se mister mencionar os casos de contratação de empréstimos bancários, em especial os créditos consignados aos aposentados e pensionistas, quando são inúmeras as ocorrências de lesão aos direitos desses consumidores. Com efeito, no momento da assinatura do contrato de mútuo, popularmente conhecido como empréstimo de dinheiro, a entidade financeira oferta a seu provável cliente condições “especiais” de contratação, com “vantagens exclusivas” e “facilidades” no pagamento, ao passo que uma vez assinado o contrato, o consumidor se depara com realidade bem diferente daquela então ofertada. Essa realidade geralmente se resume em taxas de juros abusivas, prazo de pagamento estendido, cobrança de taxas e encargos contratuais, que ao final resultam e um valor demasiadamente desproporcional àquele que se desejava contratar por parte do consumidor. Essas práticas resultam corriqueiramente em demandas judiciais que visam a revisão dos contratos, e a consequente redução do valor a ser pago pelo consumidor. Acerca do cabimento da revisão contratual, compete mencionar trecho do voto proferido na Apelação 21 Cível nº 70062908777, pelo Desembargador Pedro Celso Dal Prá que integra a Décima Oitava Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul. A revisão judicial do contrato em comento é juridicamente possível, calcada que é em preceitos constitucionais e nas regras de direito comum. Encontra-se inserto na Constituição Federal de 1988, entre as garantias fundamentais (art. 5º, inciso XXXV), dispositivo que assegura a intervenção do Poder Judiciário para apreciação de lesão ou ameaça a direito da parte. Em se tratando de relação de consumo, esta intervenção encontra-se reforçada pelo inciso XXXII do art.5º da Carta Magna, e pelas disposições contidas no Código de Defesa do Consumidor, entre as quais aquelas elencadas no art. 51 da Lei Consumerista. Não se cuida, por outro lado, de fazer letra morta do princípio da força obrigatória dos contratos - “pacta sunt servanda” –, que permanece vigente, mas sim, como é juridicamente apropriado, de redimensioná-lo em seus termos, quando se constatar a abusividade ou onerosidade excessiva de uma das partes em prejuízo da outra. Fulcrado o pleito inicial na alegação da existência de violação de preceitos constitucionais e legais na avença revisanda, representada por cláusulas iníquas e abusivas, adequada e pertinente a intervenção do Poder Judiciário para adequá-las ao ordenamento jurídico vigente. Essa discrepância entre a oferta do produto ou do serviço trazida pela publicidade gera uma expectativa no consumidor que ao final poderá ser frustrada se não for efetivamente contemplada da maneira como inicialmente proposta. O Código de Defesa do Consumidor objetiva justamente evitar essas práticas, ao passo que o § 2º do art. 20 menciona que “são impróprios os serviços que se mostrem inadequados para os fins que razoavelmente deles se esperam, bem como aqueles que não atendam as normas regulamentares da prestabilidade” (BRASIL, 2015). No mesmo sentido, o art. 30 do CDC determina que [...] toda informação ou publicidade, suficientemente precisa, veiculada por qualquer forma ou meio de comunicação com relação a produtos e serviços, oferecidos ou apresentados, obriga o fornecedor que a fizer veicular ou dela se utilizar e integra o contrato que vier a ser celebrado (BRASIL, 2015 p.). Assim conclui Filomeno (2014, p. 223) quem “prometeu, tem de cumprir”. Portanto, uma vez feita a oferta, ou veiculada a mensagem publicitária, o anunciante fica obrigado, nos termos da oferta realizada, a contratar com os eventuais consumidores. A oferta, portanto, integra os termos do contrato celebrado. 1.5 Responsabilidade no Código de Defesa do Consumidor 22 Diante das práticas abusivas utilizadas pelas empresas fornecedoras, o consumidor tem o direito e a necessidade de reagir de forma a ver os agentes de tais condutas serem devidamente punidos. Para tanto, o Código de Defesa do Consumidor elenca alguns mecanismos que podem ser utilizados com a finalidade repressiva e punitiva. Nesse contexto, o CDC visa à proteção do consumidor no âmbito administrativo, civil e penal. As sanções administrativas aplicáveis nas relações de consumo quando incidirem em práticas potencialmente lesivas ao direito do consumidor estão elencadas no artigo 56 da Lei 8.078/1990. Para o presente trabalho compete fazer um recorte especial para a sanção aplicada às praticas relacionadas à propaganda abusiva e enganosa. Assim, a pena de contrapropaganda será aplicada ao comerciante quando este fizer o emprego de propaganda abusiva e enganosa, infringindo as determinações do artigo 36 do Código de Defesa do Consumidor, arcando com as despesas dessa nova vinculação publicitária. Nos termos do caput e parágrafo primeiro do artigo 60 do CDC: Art. 60. A imposição de contrapropaganda será cominada quando o fornecedor incorrer na prática de publicidade enganosa ou abusiva, nos termos do art. 36 e seus parágrafos, sempre às expensas do infrator. § 1º A contrapropaganda será divulgada pelo responsável da mesma forma, freqüência e dimensão e, preferencialmente no mesmo veículo, local, espaço e horário, de forma capaz de desfazer o malefício da publicidade enganosa ou abusiva (BRASIL, 2015) O fornecedor obrigatoriamente deverá divulgar a contrapropaganda nos mesmos moldes, frequência e dimensão, e se possível no mesmo veículo de comunicação, espaço e horários, tudo de maneira satisfatoriamente capaz de desfazer os danos causados pela publicidade enganosa, conforme determina o art. 60 do CDC. Já no tocante da responsabilidade civil, Filomeno (2014, p. 211) refere ser “a circunstância de alguém ser compelido a ressarcir algum prejuízo causado a outrem pela prática de um ato ilícito, quer por dolo, quer por culpa”. 23 Sob a ótica protecionista estabelecida pela Lei 8.078/90: [...] em defesa do consumidor no âmbito civil queremos nos referir diretamente à satisfação do consumidor com relação a prejuízos sofridos em decorrência de dada relação de consumo, ou mesmo com relação ao próprio adimplemento das obrigações assumidas pelo produtor de bens e serviços, ou ainda na prevenção de prejuízos (FILOMENO, 2014, p. 211). O Código de Defesa do Consumidor adotou no seu texto a teoria da responsabilidade objetiva, que compreende o afastamento da obrigação do consumidor em produzir prova da culpa do fornecedor com relação a um defeito do produto. Júnior (2012, p. 725), à luz do artigo 123 do CDC ensina que A norma estabelece a responsabilidade objetiva como sendo o sistema geral da responsabilidade do CDC. Assim, toda indenização derivada de relação de consumo, sujeita-se ao regime da responsabilidade objetiva, salvo quando o Código expressamente disponha em contrário. Há responsabilidade objetiva do fornecedor pelos danos causados ao consumidor, independentemente da investigação de culpa. Assim, caso o fornecedor venha a ferir algum direito básico do consumidor, terá este o direito de ver aquele punido pela sua conduta, mediante imputação de indenizações com caráter desestimulador de outras práticas abusivas. À empresa que por intermédio de uma prática abusiva originar algum dano ao consumidor, quer seja de ordem material, moral, estético ou à imagem, deve ser responsabilizada na melhor forma de direito. Por fim, existem ainda sanções de cunho penal e cabíveis nas demandas de consumo. Frisa-se que o direito penal dentro do CDC é de aplicação subsidiária, tendo como objetivo a proteção penal na relação consumerista. A matéria penal em comento está disciplinada dentro do Código de Defesa do Consumidor no seu Título II, nos artigos 61 e 80 das infrações penais nas relações consumo. Segundo o Art. 12 do Código de Defesa do Consumidor “O fabricante, o produtor, o construtor, nacional ou estrangeiro, e o importador respondem, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos decorrentes de projeto, fabricação, construção, montagem, fórmulas, manipulação, apresentação ou acondicionamento de seus produtos, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua utilização e riscos”. (BRASIL, 1990). 3 24 Destarte, a aplicação das penas previstas no ordenamento consumerista não afasta a imputação de outras sanções também de natureza penal determinas no Código Penal Brasileiro ou outra legislação específica. Quanto às sanções penais tipificadas no Código de Defesa do Consumidor é possível citar o conteúdo dos artigos 67, 68 e 69, que tratam especificamente da responsabilidade quando da vinculação de publicidade enganosa ou abusiva. Art. 67. Fazer ou promover publicidade que sabe ou deveria saber ser enganosa ou abusiva: Pena Detenção de três meses a um ano e multa. Art. 68. Fazer ou promover publicidade que sabe ou deveria saber ser capaz de induzir o consumidor a se comportar de forma prejudicial ou perigosa a sua saúde ou segurança: Pena - Detenção de seis meses a dois anos e multa. Art. 69. Deixar de organizar dados fáticos, técnicos e científicos que dão base à publicidade: Pena Detenção de um a seis meses ou multa (BRASIL, 2015 p.). No caso do artigo 67 serão culpados o agente publicitário e/ou os demais responsáveis pela veiculação de publicidade ou propaganda que contenha conteúdo enganoso ou abusivo, que visou ludibriar o conhecimento do consumidor. Assim, A objetividade jurídica deste crime é em primeiro lugar tutelar as relações de consumo e segundo proteger a integridade psíquica dos consumidores. O sujeito ativo são os publicitários ou os responsáveis pela veiculação da comunicação o qual fora propaganda a publicidade enganosa ou abusiva. Já os sujeitos passivos são os consumidores considerados na forma difusa e os que foram expostos a esta publicidade. (JUNIOR e MARTINS, 2015, p.4) O artigo 68 imputa pena ao fornecedor que promover publicidade que sabe ou deveria saber ser capaz de induzir o consumidor a se comportar de forma prejudicial ou ameaçadora a sua saúde ou segurança, aplicando a pena de detenção de seis meses a dois anos e multa. Sempre visando preservar a segurança do consumidor é que o artigo 68 imputa pena em dobro, se comparada com a cominação do art. 67, pois as consequências para o consumidor da vinculação de publicidade enganosa está diretamente relaciona a sua vida. Conforme leciona Almeida (1993, p. 77) a conduta tipificada pelo artigo 68 do CDC é “aquela capaz de induzir o 25 consumidor a se comportar de forma prejudicial ou perigosa a sua saúde ou segurança” (BRASIL, 2015). Por fim, o artigo 69 impõe pena ao fornecedor que “deixa de organizar dados fáticos, técnicos e científicos que dão base à publicidade”, aplicando a pena de detenção de um a seis meses ou multa. (BRASIL, 2015) Filomeno (2000, p.658), sobre a tipificação legal do artigo 69, e sua proteção jurídica leciona Se necessário o ajuizamento de qualquer ação, quer no âmbito individual, quer no âmbito coletivo, em se tratando de publicidade enganosa ou abusiva, o judiciário terá melhores condições de aquilatar sobre a tendenciosidade ou não de determinada publicidade ou então os órgãos administrativos incumbidos de seu controle, sobretudo na área de saúde. No crime em comento figuram como sujeito ativo os fornecedores dos produtos, ao passo que o sujeito passivo será a coletividade dos consumidores, tendo como elemento subjetivo o dolo, inexistindo o crime em sua forma tentada (JUNIOR; MARTINS, 2015). Compete frisar que conquanto o Código de Defesa do Consumidor tenha tratado da legislação voltada à proteção do consumidor, existem algumas práticas exercidas pelos fornecedores que terão afastadas da imputação de sanção desde que devidamente comprovadas às causas excludentes. Nesse sentido, determina o artigo 12, § 3 que o fabricante, o construtor, o produtor ou importador só não será responsabilizado quando provar: “I - que não colocou o produto no mercado; II - que, embora haja colocado o produto no mercado, o defeito inexiste; III - a culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro” (BRASIL, 2015). Acerca da exclusão da responsabilidade do caso do inciso I, Benjamin (1991, p. 65) menciona que [...] é até supérfluo dizer que inexiste responsabilidade quando os responsáveis legais não colocaram o produto no mercado, porque não haveria nexo causal entre o prejuízo sofrido pelo consumidor e a atividade do fornecedor, concluindo ao depois, que esta regra fica mais evidente quando se trata de produtos falsificados que trazem a marca 26 do responsável legal ou, ainda, para os produtos que, por ato ilícito (roubo ou furto, por exemplo), foram lançados no mercado. No caso do inciso II, Melo (2015, p. 1) refere que o “o dever de indenizar, quando falamos do fato do produto ou de serviço, tem como pressupostos a existência de um “defeito” e a ocorrência de um “dano” relacionado ao defeito apontado. Por conseguinte, se o produto não apresentar nenhum defeito que possa diminuir-lhe as qualidades ou quantidades, não causando nenhum dano ao consumidor, não se poderá falar em indenização”. Ainda segundo entendimento de Sanseverino (2002, p. 265) [...] não basta que os danos sofridos pelo consumidor tenham sido causados por um determinado produto ou serviço. É fundamental ainda que esse produto ou serviço apresente um defeito, que seja a causa dos prejuízos sofridos pelo consumidor”, para depois concluir que “o defeito do produto ou do serviço aparece como um dos principais pressupostos da responsabilidade do fornecedor por acidentes de consumo. E por fim, restará isento da responsabilidade o fornecedor que provar satisfatoriamente a culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro, nos moldes do inciso III, § 3º do art. 12. Mas não é somente o uso inadequado que poderá exonerar o fornecedor do dever de indenizar, pois poderão ocorrer também outras hipóteses, tais como: o consumidor ser negligente ao manusear o produto; não seguir as instruções de uso; entregar o produto para uso a pessoa não recomendada; consumir o produto com validade vencida, dentre outras. 1.6 Controle da publicidade Dentro do contexto atual do mercado de consumo a publicidade tem papel de suma importância, eis que atua como mecanismo que aproxima o produto do consumidor final. Dito isso, a mídia é responsável pela divulgação do bem ou serviço de modo a convencer o consumidor a adquiri-lo. Nessa esteira, é importante destacar que determinados métodos empregados na veiculação da publicidade nos meios de comunicação acabam ultrapassando os limites razoáveis que por via de consequência induzem os consumidores ao erro e ao prejuízo. 27 Nunes (2014, p. 109) “assevera que o anúncio publicitário não pode faltar com a verdade daquilo que anuncia, de forma alguma, quer seja por afirmação quer por omissão. Nem mesmo manipulando frases, sons e imagens para, de maneira confusa ou ambígua, iludir o destinatário do anúncio”. Com o escopo de restringir essas práticas lesivas, o ordenamento jurídico brasileiro traz uma série de regulamentos específicos, a começar pela Constituição Federal no seu artigo 220, §3º, II4. Também possui normas específicas dentro do Código de Defesa do Consumidor, nos seus artigos 36, 37 e 38. Além do aparato jurídico já mencionado, o Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária – CONAR atua como entidade fiscalizadora de ordem privada, da publicidade vinculada pelas empresas. A despeito disso, o CONAR editou o Código Nacional de Autorregulamentação Publicitária que traz em seu bojo uma regulamentação pormenorizada acerca da veiculação da publicidade no país. O artigo 8º do referido código traz como objetivo principal “a regulamentação das normas éticas aplicáveis à publicidade e propaganda, assim entendidas como atividades destinadas a estimular o consumo de bens e serviços, bem como promover instituições, conceitos ou ideias”. (CONAR, 2015.) Ainda, a atuação do CONAR está pautada pelas regras contidas no Código Nacional de Autorregulamentação Publicitária, atuando em conjunto com demais entidades no controle e fiscalização de toda a matéria publicitária difundida pela mídia, que visa impedir a propaganda abusiva ou enganosa, sem ferir a liberdade de expressão publicitária. 4 Art. 220. A manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo não sofrerão qualquer restrição, observado o disposto nesta Constituição. § 3º Compete à lei federal: II - estabelecer os meios legais que garantam à pessoa e à família a possibilidade de se defenderem de programas ou programações de rádio e televisão que contrariem o disposto no art. 221, bem como da propaganda de produtos, práticas e serviços que possam ser nocivos à saúde e ao meio ambiente. (BRASIL, 1988); 28 Dessa forma, de todo esse conjunto de normas verifica-se o claro objetivo de proteger o consumidor de métodos publicitários que avançam para além do limite legal causando concorrência desleal, abusiva e enganosa. 29 2 INFORMAÇÃO E COMUNICAÇÃO NA SOCIEDADE DE CONSUMO: ASPECTOS METAJURÍDICOS Na sociedade atual é impensável o mercado de consumo sem a participação da publicidade como agente determinante dentro desse novo conceito cultural, ou seja, do consumismo efêmero (SILVA, 2007). Esse novo fenômeno consumerista é retrato de uma tendência cultural que se amolda sobre o viés da influência de diversos fatores. Com efeito, a publicidade cumpre o seu dever quando, por meio dos mais diversos meios de comunicação (televisão, internet, etc.), cria o desejo no consumidor fazendo o indivíduo adquirir os produtos divulgados, de modo que o marketing atua influenciando nos anseios particulares das pessoas, agindo sobre o livre arbítrio destes ao influir sobre a opção por um determinado meio ou produto. No entanto, essa nova realidade que a sociedade contemporânea passa a experimentar, denominada por Bauman (2008) de sociedade liquido-moderna, acaba, muitas vezes, por frustrar as expectativas dos consumidores, uma vez que adquiridos os produtos estes passam a não atender as necessidades do consumidor da maneira como ela foi vinculada (GRINOVER, et al., 2001, p. 156). Além do mais, o consumismo nos moldes atuais acaba desencadeando uma série de efeitos negativos, que compreende principalmente a questão financeira dos consumidores, ou seja, as pessoas adquirem em quantidade e frequência cada vez maior de determinados produtos, sem se atentarem à sua capacidade de prover com tais desejos, gerando assim o endividamento (PEREIRA; CALGARO; VARELA, 2014). E é diante da nova realidade consumerista imediatista, bem como os seus efeitos negativos desencadeados é que o ambiente institucional busca tutelar as relações de consumo, de forma a coibir práticas exacerbadas que possam trazer prejuízo aos consumidores e em última instância ao sistema econômico. 30 2.1 O mercado de consumo e a influência sobre o consumidor O estudo do mercado de consumo e a influência sobre o consumidor busca compreender o comportamento do indivíduo na maneira como ele busca os bens e serviços a fim de atender as suas necessidades (SILVA, 2008, p. 45). Importa referir que ao consumidor é ofertada uma série de mecanismos que buscam seduzi-lo a ponto de influenciar no seu poder de compra, a exemplo da mídia, através da publicidade e propaganda, bem como questões sociais, culturais e econômicas. Segundo Miranda (2012, p.2) mercado consumidor “é um termo utilizado quando se refere aos consumidores de determinado segmento ou à própria população economicamente ativa de um país que compre ou utilize os produtos de empresas específicas. Ou seja, todas as pessoas que tenham um poder de compra. Neste contexto, o estudo do comportamento do consumidor visa desvendar como pessoas, grupos e organizações selecionam, compram, usam e descartam artigos, serviços, ideias ou experiências para satisfazer os desejos e necessidades (FROEMMING et. al., 2009). Segundo Engel et al (apud BARTH, 2004), definem a conduta do consumidor como sendo as práticas do processo de troca diretamente envolvidas em obter, consumir e dispor de produtos e serviços, incluindo os processos decisórios que antecedem e sucedem essas ações. Ademais, no transcurso do tempo o mercado de consumo passou por diversas transformações. Bauman (2008) leciona que no século XVIII a sociedade por ele denominada de “sociedade de produtores” tinha como característica predominante o ambiente de segurança e de caráter duradouro. Em outras palavras, os moldes consumeristas da época estavam pautados na aquisição de produtos duráveis, resistentes e imunes ao tempo (BAUMAN, 2008, p. 43). Esse momento histórico é conhecido como “fase sólida-moderna” que compreende a inexistência do imediatismo do consumo de bens e serviços, quando algo era adquirido para durar por toda vida. 31 O momento histórico posterior, conhecido como “fase líquida-moderna” traz expressivas mudanças dentro da cultura das pessoas no que toca às relações de consumo, que tem em suas características uma realidade completamente distinta da sólida-moderna. Alhen (2010, p. 276) refere que “os termos agora são o “descartar” e o “substituir””, configurando o que chama de “vida agorista”. Esse segundo modelo de mercado de consumo se mantêm até os dias atuais. Porém seguindo a tendência que lhe é peculiar, acabou por sofrer novas mudanças, que compreendem uma intensificação ainda maior quanto à efemeridade do consumismo. Com efeito, o ato de consumir passou a representar um método de inclusão social do indivíduo, sendo que para ser aceito no meio onde vive está subjetivamente forçado a adquirir bens e serviços para que haja uma inserção natural em relação aos seus semelhantes. Acerca disso, Pires (2010, p. 70) afirma: [...] consumir um determinado bem ou ter determinado hábito é tentar se definir e se posicionar no espaço em relação aos outros indivíduos. Nesse processo, o consumo de bens não se dá apenas por suas características objetivas, como afirmam alguns economistas, tese que supõe que os consumidores percebem os mesmos atributos decisivos dos produtos. Sobre este aspecto, destaca-se que este consumismo busca atender necessidades humanas, conforme a pirâmide das necessidades de Maslow. Todo o ser humano tem necessidades primárias e secundárias, dependendo do momento em que está e o que está fazendo. Por muitas vezes, há divergências de entendimento sobre o que é básico para cada um dos consumidores, mas em regra, na medida em que as necessidades são atendidas em cada nível, o indivíduo volta sua atenção ao próximo estágio. Entretanto, para o autor, as pessoas podem subir e descer na hierarquia. Se, por exemplo, a pessoa tiver fome, vai tratar de atender essa necessidade, não importa a posição na pirâmide onde me encontre. Ainda, neste contexto, a renda é um fator essencial. Ou seja, se a pessoa possuir renda, apenas para se alimentar, não conseguirá se posicionar como consumidor de outros produtos que atendam as demais necessidades. (MASLOW apud CHIAVENATO, 1995). 32 Nessa esteira, Pires (2010, p. 70), ainda refere que no contexto atual “para se tornar um ser social pleno, o individuo deve possuir determinados bens considerados básicos à forma de vida moderna”. A realidade consumerista contemporânea remete ao fato de convencer as pessoas a adquirir cada vez mais novos produtos, e que essa prática irá atender um desejo particular que é determinado pelas tendências de mercado. Nas palavras de Pires (2010, p. 77-78): De fato, a atitude consumista depende de um desapego ao bem presente em função do próximo bem a ser consumido. A felicidade proporcionada pelo consumo deve ser um momento efêmero de realização fugaz jamais alcançada, pois chegar a ela significaria fechar um ciclo do consumo, algo inaceitável na ordem em que vivemos. No entanto, todo esse mecanismo cultural é fruto de uma estrutura criada e aperfeiçoada com o foco nos fatores que influenciam o comportamento do consumidor, de modo a facilitar e concretizar a compra dos mais variados produtos (RODRIGUES; JUPI, 2004, p. 67). Compete referendar que são vários os fatores que agem no poder de compra do consumidor, a exemplo do estilo de vida, da cultura, da classe social, da etnia, influências domiciliares, a comunicação por meio da mídia bem como a questão econômica (RODRIGUES; JUPI, 2004). Os sujeitos possuem determinadas características próprias, (FROEMMING et al., 2009, p. 23), como “tamanhos, formas, cores e comportamentos diferentes”, que distinguem cada indivíduo de maneira única. Ainda, Rodrigues e Jupi (2004, p. 60) mencionam: “então, se os consumidores, ou seja, as pessoas são diferentes umas das outras e necessitam alimentar-se, vestir-se e até mesmo se divertirem, são as diferenças que vão determinar seus atos de compra e seus comportamentos em relação às outras no mercado de consumo. ” Complementarmente, segundo Cobra (2011, p. 59) “cada consumidor reage de uma forma diferente sob estímulos iguais, isso ocorre por que cada um possuiu uma ‘caixa preta’ diferente”. 33 Feita essa abordagem é possível aprofundar o entendimento quanto aos fatores específicos que amoldam a forma como o individuo irá se comportar diante do mercado de consumo. O primeiro fator de grande relevância é a cultura, que [...] pode ser entendida como um conjunto de crenças, normas e valores de uma pessoa e que se refletem nas suas atitudes na sociedade. A cultura também pode ser definida como um conjunto de padrões, de comportamentos sociais, que são transmitidos simbolicamente pela linguagem e por outros meios para os membros de uma sociedade” (BLACKWELL; MINIARD; ENGEL, 2005 apud FROEMMING, et. al., 2009, p.25). Ainda, Schiffman e Kanuk (2000, p. 286) apresentam o conceito de cultura: [...] como a soma total de crenças, valores e costumes aprendidos, que servem para direcionar o comportamento de consumo dos membros de determinada sociedade. Mais precisamente, crenças consistem no grande número de afirmações mentais ou verbais (Ex.: “...eu acredito...”) que refletem o conhecimento particular de uma pessoa e a avaliação de alguma coisa. Assim, todas as experiências vividas desde a infância de cada indivíduo vão desencadear na formação da sua cultura, sendo que na medida em que houver novas interações com demais pessoas essa cultura tende a sofrer o acréscimo de novos conhecimentos. Sobremaneira, a cultura predominante de cada comunidade, independente de seu tamanho, tem sua parcela de influência sobre as escolhas que o consumidor dá desde o momento da seleção do produto até a sua efetiva aquisição, caso houver. A cultura também está estreitamente ligada à etnia. Segundo Lurdes Marlene Seide Froemming et al. (2009, p. 27) “a etnia é um importante elemento da determinação da cultura e da previsão das preferências e comportamento dos consumidores”. Igualmente, a classe social é uma variável capaz de interferir nas decisões do consumidor, conforme define Kotler (2000, p. 107): “As classes sociais são divisões relativamente homogêneas e permanentes numa sociedade, ordenadas com respeito a cada um e cujos membros compartilham dos mesmos valores, estilos de vida, interesses e comportamento”. Além da influência exercida pelos fatores acima expostos, o individuo é tendenciado pelos hábitos familiares, que segundo Froemming et al. (2009, p. 30), decide conjuntamente com os demais integrantes da família como “sendo a base do processo de socialização de consumo, os comportamentos de compra têm origem nela e não poderia ser diferente”. 34 Para tanto, um fator de bastante importância é a mídia, onde Copetti (2004, p. 9), menciona que “novas tecnologias da mídia e da informática mudaram os padrões da vida cotidiana, reestruturaram as relações sociais e de trabalho e aceleraram a disseminação e o poder da cultura veiculada através da mídia”. Nesse sentido, segundo Silva (2008, p. 89) “a missão principal da publicidade é trabalhar a mente, os aspectos psicológicos do consumidor com o fim de realizar a compra”. A publicidade trabalha sob o código consciente/inconsciente: opera no inconsciente para que haja uma tomada de decisão consciente. Tem a função de lidar com as frustrações, criando desejos artificiais, no sentido de estruturação do desejo. O preço a pagar por isso é satisfação não duradoura, fazendo as pessoas se sentirem em um estado de insatisfação permanente. Modifica aspectos da sociedade, no seguinte sentido: impondo um tema na comunicação e na velocidade do tempo (LUHMANN, apud ATZ; ROCHA, 2008). Ainda, nesta complexidade toda, segundo Karsaklian (2000) num processo de compra, existem cinco papéis que podem ser exercidos por cinco pessoas distintas: nas compras de maior complexidade, podem ser observadas cinco funções no processo de compra. O primeiro é o iniciador, que é aquele que tem a ideia. O segundo é o influenciador, podendo ser aquele que direta ou indiretamente influencia a decisão de compra. Este pode ser um artista que anuncia tal produto, por meio de uma propaganda, por exemplo. O terceiro é o decisor, que busca e avalia informações acerca do produto, preço, condições de pagamento, dentre outras, e determina o que e como será comprado. O comprador, quarto papel, é encarregado da transação comercial propriamente dita. Ele toma posse do produto, trocando-o por recursos financeiros. Por fim, o quinto, é o que utiliza o produto, esperando que obtenha o desempenho correspondente as suas funções. O mesmo autor sutenta que raras vezes a mesma pessoa desempenha todas as funções, ou seja, num processo de compra pode haver 5 pessoas diferentes participando do processo, o que torna ainda mais complexa a relação entre cultura, influência das mídias, e de outros elementos no processo de decisão de compra (KARSAKLIAN, 2000). 35 Diante da explanação acima, se verificou as principais variáveis que influenciam o poder de compra do indivíduo, quando se pode concluir que a decisão não se dá de forma pura e isolada, uma vez que está diretamente ligada ao espaço social onde vive cada consumidor. 2.2 Publicidade e propaganda: liberdade e poder Como já mencionado acima, a mídia é um mecanismo de grande relevância dentro de todo o apanhado de fatores que moldam o poder de convencimento de compra do consumidor. Nesse sentido, a mídia abarca, dentre outros elementos, a publicidade e propaganda que atuam de maneira decisiva no processo de persuasão do consumidor quando do ato de adquirir determinado produto ou serviço posto no mercado. Segundo Pasqualotto (apud ATZ; ROCHA, 2008): “a publicidade é toda comunicação, seja de entidades públicas ou privadas, inclusive as não personalizadas, feita através de qualquer meio, destinada a influenciar o público em favor, direta ou indiretamente, de produtos ou serviços, com ou sem finalidade lucrativa”. Muniz (2004, p. 5) refere que “a palavra propaganda é gerúndio latino do verbo propagare, que quer dizer: propagar, multiplicar (por reprodução ou por geração), estender, difundir. Fazer propaganda é propagar ideias, crenças, princípios e doutrinas”. Dito isso, a mídia torna-se o canal de comunicação capaz de divulgar os produtos desenvolvidos pelos fornecedores, e consequentemente dar os consumidores conhecimento de sua existência. Ainda, Spinatto (2003, p. 33) menciona que “através de um sistema de informação adequado, as necessidades humanas podem ser atendidas de maneira mais eficaz”. É através da publicidade e propaganda que as empresas fornecedoras vinculam os seus produtos com a intenção de despertar nos consumidores o desejo em adquiri-los. Assim, atua como mecanismo de indução que instiga as emoções e a vontade dos indivíduos levando os até os estabelecimentos comerciais para efetivar a compra. A publicidade e propaganda empregam no seu foco a capacidade de trabalhar na mente do consumidor a sua noção de liberdade de escolha sobre os produtos, de forma a concentrar 36 uma desvalorização efêmera das ofertas já vinculadas para dar espaço aos novos produtos, alimentando assim o infinito desejo de compra (PIRES, 2010, p. 78). Ademais, menciona kellner (2001) apud Copetti (2004, p. 10): Além de ser um meio de impulsionar o consumo, a propaganda é um mecanismo importante, e muitas vezes negligenciado, de socialização. Apresenta muitas vezes uma imagem utópica da realidade, associando o consumo de determinados produtos a metamorfoses pessoais. Os indivíduos identificam-se com valores, modelos e comportamentos sociais transmitidos através da propaganda. Acerca da liberdade do indivíduo enquanto consumidor Bauman (1999, P. 227) assim discorre: “A liberdade do consumidor significa uma orientação da vida para as mercadorias aprovadas pelo mercado, assim impedindo uma liberdade crucial: a de se libertar do mercado, liberdade que significa tudo menos a escolha entre produtos comerciais padronizados”. Essa influência gerada pela vinculação das informações faz nascer dentro das pessoas um sentimento diferenciado, ou seja, um pensamento de “compro, logo sou”, na clara intenção de fomentar o desejo no consumidor de adquirir sempre um produto novo, que muitas vezes não possui necessidade (BAUMAN, 2008, p. 26). Pois bem, “a missão principal da publicidade é trabalhar a mente, os aspectos psicológicos do consumidor com o fim de realizar a compra” (SILVA, 2012, p. 113), de modo que ela venha a estimular o desejo do indivíduo na busca de algum produto ou serviço. O autor acrescenta: Tem-se a necessidade que causar uma ruptura no equilíbrio do organismo; para suprir determinada necessidade provocada pelo estímulo e ter-se-á o desejo; este norteará e conduzirá à satisfação da necessidade. A conduta será de imediato iniciada pelo desejo e em segundo plano pela necessidade. Ensaia-se conclusão que a necessidade repercute diretamente sobre os aspectos fisiológicos humanos e o desejo sobre os aspectos psicológicos. Por isso é comum se afirmar que a necessidade já existe no consumidor, sendo esta despertada pelo desejo fomentado pelas práticas publicitárias (SILVA, 2012, p.115). A grande massa da população é “atingida” pela mídia através da publicidade vinculada nos programas de televisão, principalmente pelas telenovelas. No saber de Pires (2010, p. 79): 37 Aliás, assistir à televisão, principal meio de difusão dos valores consumistas, gera uma atitude mais do que simplesmente passiva, como é normalmente descrita. Ao olhar pela tela da TV, olho para mim mesmo, no sendo que de que o que vejo ali me instiga sonhos, desejos, emoções, me impulsiona, enfim, a me definir uma maneira prédeterminada e programada. Aqui a palavra programação não se limita somente às atrações dos canais, mas também ao efeito que a televisão tem sobre os indivíduos. Olho para tv, olho para mim mesmo; a TV me olha, me aponta o que devo ser; o que nunca serei. A prática de induzir o saber do consumidor, somada ao imediatismo consumerista, acaba gerando consequências aos mesmos, haja vista que não se tem o planejamento financeiro prévio para determinadas aquisições, e que por via de consequencia irá acarretar no superendividamento do indivíduo (NETO, 2009). Outrossim, o conteúdo vinculado pela mídia nem sempre corresponde com a essência do produto, ou seja, logo após o consumidor findar a aquisição, percebe que não havia a sua real necessidade antes vista, ao passo que isso irá gerar o descarte precoce (BAUMAN, 2008). Complementarmente, o autor afirma que neste processo “A economia consumista se alimenta do movimento das mercadorias e é considerada em alta quando o dinheiro muda de mãos; e sempre que isso acontece, alguns produtos de consumo estão viajando para o depósito de lixo” (BAUMAN, 2008, p. 51). Ademais discorre Pires (2010, p. 79): Desse modo, a ordem do consumo promete felicidade e bem-estar àqueles que podem ter constante acesso aos modernos bens e produtos. Entretanto, se essa felicidade fosse de fato alcançada não haveria mais a necessidade de novo consumo e este cessaria; então o efeito gerado é o mal-estar moderno do esvaziamento da substancia sujeito em função da ostentação de marcas, produtos e estilos de vida que se tornam rapidamente obsoletos e levam consigo o próprio individuo. Esse mal-estar tende a piorar pois os padrões estabelecidos do que deve ser desejado são altamente excludentes e nos deixam sempre em falta e um passo atrás do consumo ideal, levando também ao endividamento. Portanto, esse apanhado de estratégias publicitárias tem papel importantíssimo dentro do mercado de consumo, pois são responsáveis pela divulgação dos produtos e serviços aos consumidores, incentivando-os à prática do consumo, “sempre com a finalidade de chamar atenção, estimulando o desejo de consumo para transforma-lo em ação imediata de compra” (PEREIRA; CALGARO; VARELA, 2014). 38 2.3 O processo, as expectativas e os efeitos da publicidade sobre o consumo Como já abordado acima, o processo de consumo sofre influência de diferentes variáveis, fazendo dele um sistema dinâmico de escolha. Importante referendar a relevância neste processo, das questões sociais e da publicidade. O processo de consumo está dividido em 4 fases, a saber: A primeira refere-se aos estímulos (propagandas) que são recebidos pelo sujeito, os quais, sendo analisados conforme predisposições anteriores, criam uma atitude (um julgamento favorável ou não à compra). A segunda consiste na investigação das possibilidades de compra e no desenvolvimento da motivação para compra. A terceira é a compra propriamente dita e a quarta consiste no consumo e troca de informações, alterando ou não a disposição para novos consumos (SILVA apud GIGLIO, 2004, p. 105). Assim sendo, o consumidor recebe por meio da propaganda elementos que influenciam conjuntamente com noções, elementos sociais particulares que aguçam seu desejo por determinado produto. Superada essa primeira fase, o “consumidor de acordo com suas convicções e experiências, cria as disposições e critérios de escolha” (SILVA, 2008, p. 59). Já a última fase se resume simplesmente na prática da compra que segundo Silva (2008, p. 59) “se repetida a compra do mesmo produto ou serviço, cria-se a desejada rotina, o hábito”. Com efeito, Pires (2010) refere que o mercado de consumo amolda o comportamento do consumidor de maneira a levá-lo a buscar produtos novos, como é facilmente notado nas propagandas de carro, onde mal se começa um ano e o fabricante já vende o modelo do próximo. Acerca da expectativa gerada pela publicidade no consumidor nem sempre atende aquilo que se buscava, ou seja, acaba por gerar uma insatisfação após a sua aquisição. Acerca disso, Silva (2008, p. 61) refere: “seja por necessidades ou desejos, é de suma importância para o consumidor que sua expectativa com o consumo não se transforme em uma frustração. Os momentos pré-compra e o momento pós-compra irão responder o êxito ou a frustração desta”. Para melhor compreensão acerca do processo de escolha e interferência sobre o consumidor sob o viés da expectativa, faz-se mister compreender que para Silva (2008, p. 61), 39 ela é considerada para o futuro “levando em conta as experiências passadas e ao mesmo tempo visualizando os anseios de vida no futuro”. Ademais, Bauman (2008, p. 128) entende que: [...] segundo o veredicto da cultura consumista, os indivíduos que se satisfazem com um conjunto finito de necessidades, guiando-se somente por aquilo que acreditam necessitar, e nunca procuram novas necessidades que poderiam despertar um agradável anseio por satisfação são consumidores falhos – ou seja, a variedade de proscritos específica da sociedade de consumidores. Silva (2008, p. 62) entende que a necessidade do individuo enquanto consumidor não está exposta aos elementos da publicidade (marketing), ou seja, esta não cria nenhuma necessidade no consumidor, uma vez que as necessidades são inerentes ao ser humano. Já em contraposto, o desejo está diretamente atrelado aos elementos do marketing, quando “este busca se manifestar num futuro, ou melhor, uma representação psíquica deste” conforme menciona Silva (2008, p. 62): A expectativa estará sempre visando o futuro, realidade esta considerada pelo marketing na produção de novos serviços e produtos; expectativa trata de uma construção feita no consciente do consumidor e isto pode ser trabalhado pelas técnicas de marketing. Esta construção compõe-se com a emoção do consumidor, e nisto o marketing publicitário tem total ciência. Fato este comprovado pelo constante apelo emotivo da publicidade. Um exemplo a ser citado acerca dessa expectativa criada no individuo pode ser representada pela moda (roupas e sapatos), quando há vinculação de informação no sentido de que se adquirida determinada peça de roupa o consumidor estará atendendo o seu desejo, consoante refere Campbell (2006, p. 46) “o processo de querer e desejar está no cerne do fenômeno do consumismo moderno”. Pires (2010, p. 76) menciona que “a moda tem a missão de combater o tédio do consumidor e renovar seu desejo por novos produtos, instigando sua necessidade psicológica pelo consumo de bens”. Todavia, as expectativas geradas no consumidor acabam criando nele uma cultura do desapego, ou seja, há um ciclo no qual o consumo dos produtos é acelerado cada vez mais 40 fazendo com que o consumidor seja induzido a comprar outros novos e automaticamente se desapegando dos antigos. Nesse sentido Bauman (2008, p. 31) acrescenta: A curta expectativa de vida de um produto na prática e na utilidade proclamada está incluída na estratégia de marketing e no cálculo de lucros: tende a ser preconcebida, prescrita e instilada nas práticas dos consumidores mediante a apoteose de novas ofertas (de hoje) e a difamação das antigas (de ontem). A publicidade no seu claro intuito de convencer o consumidor a adquirir bens e serviços, além de atender os anseios dos fornecedores e os desejos (ou não) dos consumidores, acaba por desencadear efeitos secundários dentro do processo de consumo, quais sejam, a sensação de inclusão social do indivíduo e o seu endividamento (SILVA, 2008). Dessa maneira, para o consumidor ser considerado como um ser pleno deve possuir determinados bens considerados básicos à forma de vida moderna. (PIRES, 2010, p. 71). Silva (2008, p. 69), melhor define o fator da inclusão social quando a denomina por “representação social”: [...] “O que aquele consome vai representar um passaporte social, promovendo sua aceitação em grupos sociais”. Ainda, A mensagem publicitária tem a tarefa de criar no consumidor a vontade de adquirir determinado produto ou contratar certo serviço. Não só para satisfazer suas necessidades mais básicas, mas também para se destacar no grupo em que vive. Ou ainda melhor, se destacar do grupo, apresentando-se como alguém de um estrato superior. (SILVA, 2008, p. 5). A partir da afirmativa acima é possível vislumbrar em muitas mensagens publicitárias está em destaque o indicativo de que o consumidor que adquirir aquele produto vinculado irá se destacar dentro do meio social onde está inserido. 41 Segundo Silva (2008, p. 71) o individuo “estará inserido em determinado meio social pela posse daquele objeto, daquele bem que a publicidade determinou”. Quessada (2003, p. 149) vai além, quando refere que os consumidores exercem um “papel de servidão voluntária”: Na marca, a dupla dimensão de emblema e de nome de um produz, portanto, a sujeição cujo rebento é a criação de um grupo ou de um coletivo. A clientela de uma marca representa então um grupo constituído como uma corporação. Cada indivíduo que usa ou exibe uma marca mostra a servidão voluntária em ação: uma forma de renúncia ao entre conhecimento dado pela palavra, em proveito de um sistema de signos que o representa e o situa como membro de um coletivo unificado pelo nome de Um da marca (QUESSADA, 2003, p. 149). Silva (2008, p. 72) destaca pontualmente que: O não acesso à determinada marca gera uma verdadeira exclusão social, o não acesso ao consumo. Isto é notório principalmente em jovens que por algum fator, geralmente econômico, não têm como adquirir tal credencial identificadora, uma marca. Com isso ocorre certa frustração, uma exclusão social, uma marginalização. Nesta senda compreende-se que o indivíduo que não adere a uma determinada marca ou não adquire os produtos que são tendência, sofrerá uma exclusão natural dentro do meio social em que vive. 2.4 A tutela do consumidor a partir da compreensão do ambiente institucional formal Inicialmente, para se abarcar a tutela do consumidor a partir da compreensão do ambiente institucional, é necessário trazer uma definição acerca do conceito de instituições e ambiente institucional. ‘Instituições’ é o termo genérico que os economistas institucionais utilizam para representar o comportamento regular e padronizado das pessoas em uma sociedade, bem como as ideias e os valores associados a essas regularidades; são exemplos de instituições: as leis e os costumes que regulamentam o direito de propriedade, as práticas comerciais formalmente codificadas ou não vigentes nas diferentes sociedades, as formas de casamento e até as regras de etiqueta à mesa. A maior parte de nossas atividades diárias, assim, obedecem a padrões porque, consciente ou inconscientemente, calculamos que agir de acordo com as normas estabelecidas é mais vantajoso do que adotar comportamentos alternativos. (BUENO, 2004, p. 362). No saber de Scherer (apud GRAEF 2012, p. 29): O ambiente institucional compreende: constituições, sistema político e direitos humanos básicos; direitos de propriedade e sua alocação; leis, cortes e instituições 42 relacionadas à imposição (enforcement); moeda, instituições financeiras básicas e o poder governamental de cobrar impostos, leis e instituições que regulam migração, comércio e investimento externo; os mecanismos políticos, econômicos e legais que facilitam mudanças no ambiente institucional. Neste contexto, as instituições representam as regras do jogo e as organizações os jogadores. Assim, as instituições compreendem as regras formais e limitações informais (cultura, moral, códigos de conduta auto impostos, dentre outros), além dos mecanismos de enforcement, que tem o papel de fazer cumprir, se necessário pela coerção (poder judiciário, Procon, dentre outros), sendo assim, responsáveis pela efetividade das regras formais e informais. As instituições determinam as estruturas de incentivo e especificidade das economias. Grosso modo, compreendem estrutura imposta pelo ser humano à seu relacionamento com os demais. Já para os “jogadores”, ou seja, as organizações que são constituídas por grupos de indivíduos que estão dedicados em uma atividade com um determinado fim, devem atuar conforme o conjunto de oportunidades ou limitações impostas pelo ambiente institucional (NORTH, 1994). De tal modo, o ambiente institucional deve promover o equilíbrio das relações no ambiente organizacional, proporcionando as oportunidades e delimitando a atuação das empresas. Assim, considerando as interaçãoes entre fornecedores e consumidores, se houver um conjunto de regras efetivas que delimitam a atuação destas, acompanhada de mecanismos de enforcement os consumidores têm maior segurança nos seus processos de compra e consumo. Do contrário, pode haver um espaço para que as empresas atuem de forma oportunista com seus clientes (NORTH, 1994). Notadamente o ambiente institucional é composto por mecanismos que delimitam as relações entre os indivíduos de modo a regular o comportamento destes nas suas mais variadas interações sociais. Com efeito, assevera Graef (2012, p. 27) que o “ambiente compreende as regras legais, sociais e políticas, podendo ser formais ou informais, que determinam a base da produção, troca e distribuição”. A partir desta afirmação entende-se que compreende a tutela do consumidor e que esta deve ser efetiva, buscando a maior proteção ao consumidor, buscando evitar comportamentos oportunistas das empresas, seja por meio de publicidade e propagandas enganosas, formação de cartéis, dentre outras formas. 43 Pois bem, o ambiente institucional formal atua sobre as relações sociais dos indivíduos na condição de consumidores e fornecedores por meio de estruturas responsáveis pelo cumprimento coercitivo das normas postas (leis). A mencionada estrutura formal, ganha vida na forma de uma lei, por exemplo, a Constituição Federal, leis infraconstitucionais, e que tem a sua aplicação concretizada via poder judiciário, que é um mecanismo de enforcement. Ademais, a exemplo de lei infraconstitucional tem-se o Código de Defesa do Consumidor, que trata das relações entre consumidores e fornecedores de maneira abrangente, e como o viés principal de proteger o consumidor, vez que parte mais frágil dentro da cadeia de consumo. Não obstante a atuação do poder judiciário, dentro do contexto do ambiente institucional formal existe demais instituições que visam a proteção do consumidor pautados na aplicação da lei nos casos concretos, a exemplo do PROCON – Fundação de Proteção e Defesa do Consumidor, o CONAR - Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária. Segundo Graef (2012, p. 28) “as instituições têm como papel principal na sociedade a redução da incerteza por via da criação de uma estrutura de interação humana estável”. Com efeito, embora esses órgãos estejam fortemente presentes dentro do atual ambiente institucional, ainda encontram várias dificuldades na busca dos objetivos que lhe são peculiares, ou seja, a proteção dos direitos dos consumidores. Acerca disso, fator determinante por não contemplar toda a problemática do consumo se dá pelo intenso movimento consumerista, que movimenta o mercado de maneira efêmera cada vez mais rápido. Ademais, sabido é que a lei é sempre posterior às relações sociais dos indivíduos, uma vez que ela vem para regular essas interações. A despeito disso, esse constante movimento consumerista atual exige que a legislação se atualize mais rapidamente, sob pena de não conseguir regular todas essas questões. 44 A revolução das comunicações trouxe consigo a facilidade de acesso à informação e, com isso, cresceram as relações sociais e econômicas. Assim, surgiu a necessidade de criação de um instituto que protegesse de forma mais ampla as relações contratuais desenvolvidas pelos indivíduos no âmbito das relações de consumo (MORAES, 2012, p. 29). Nesse sentido, portanto, o ambiente institucional tem-se percebido falho no que toca a proteção dos direitos dos consumidores, haja vista estar pautado nos ditames da legislação atual, ou seja, se a própria lei que delimita o norte da atuação das instituições está defasada, logo os novos casos não terão como proteção o que se encontra especificado no CDC, mas sim os princípios norteadores que regem esse Código. Esses princípios acabam orientando a resolução dos conflitos quando estes envolvem aspectos que o Código não previu, em função de que quando foi elaborado não era situação comum na sociedade. Um exemplo disso, são as relações de consumo via internet, apesar de não estarem diretamente previstas no CDC (1990), ainda assim são por ele protegidas. Sendo que inicialmente houve maior dificuldade em encontrar uma base legal para ser aplicada, mas posteriormente, a própria jurisprudência serve de embasamento. De tal forma, a lei não consegue resolver todos os conflitos de ordem consumerista, em função até mesmo da crescente gama de situações novas que surgem a cada momento. A despeito do consumismo acelerado posto na teoria de Bauman (2008), verifica-se que o ambiente institucional não está conseguindo solucionar todas as demandas de maneira satisfatória, ou seja, ainda há limbos dentro do texto da lei que dificultam no julgamento dos casos concretos. Ademais, em determinadas situações os mecanismos de proteção do consumidor têmse posicionado de maneira relapsa, a exemplo dos PROCONs, uma vez que os fornecedores nem sempre se preocupam em sequer responder as intimações das reclamações dos consumidores. Ainda, pode se considerar a burocracia envolvida num processo de reclamação junto ao PROCON, bem como o tempo necessário para a decisão. Em tempos onde muitas das transações ocorrem por meios digitais, o PROCON não disponibiliza uma plataforma digital para as reclamações. Assim, o fato de deslocar fisicamente 45 até a unidade, é um elemento que dificulta a reclamação por parte do consumidor. Ou seja, tem que fazer um esforço grande para conseguir o seu direito, e assim, o ambiente institucional acaba beneficiando o oportunista. Na mesma esteira é o que acontece nos casos em que a publicidade e a propaganda induzem o consumidor a adquirir determinado produto, que não atenda as suas necessidades. Porém é difícil para o consumidor caracterizar que tenha sido lesado e consequentemente, abrir disputa nos meios coercitivos. Embora, que no CDC existam regras para coibir a publicidade enganosa, o consumidor desconhece esse mecanismo e por conta disso não irá acionar o judiciário, PROCON, CONAR. 46 CONCLUSÃO O presente estudo teve como objetivo geral analisar a relação entre as novas tendências de consumo e a necessidade de renovação do ambiente institucional na proteção ao consumidor frente a influência da publicidade sobre as escolhas do consumidor. O trabalho foi norteado pelos objetivos específicos, identificar mudanças culturais na sociedade; observar as principais tendências de consumo, o comportamento das pessoas e a atuação dos agentes econômicos; estudar o ambiente institucional; estabelecer uma relação entre as tendências de consumo e ambiente institucional na tutela do consumidor; verificar a influência da publicidade sobre a determinação das escolhas do consumidor na sociedade de consumo. A partir dos dados coletados, da analise e interpretação dos resultados foi possível responder aos objetivos propostos a contento. Primeiramente identificou mudanças culturais na sociedade apontadas principalmente por Bauman, que define o modelo antigo de consumo como sociedade “solida-moderna”, passando por uma evolução no passar do tempo, sendo atualmente chamada de sociedade “líquida-moderna”. Esse novo momento consumista está pautado na vida agorista em que os consumidores praticam o desapego pelas coisas, comprando e descartando os produtos e serviços de maneira efêmera, impensada e com uma velocidade cada vez maior. Ainda foi possível observar algumas tendências de consumo que introduziram novas formas de realização de negócios, novos produtos e serviços que não ofertados de maneira convencional, bem como comportamento das pessoas. Nesse contexto visualizou-se a atuação significativa da publicidade e propaganda na definição de tendência e na mudança de comportamento das pessoas enquanto consumidores, apoiando os interesses econômicos das empresas para aumentar as vendas e consequentemente o lucro. 47 Em seguida fez um levantamento do ambiente institucional voltado à proteção do consumidor, no qual se identificou que os principais meios de proteção estão elencados no Código de Defesa do Consumidor, bem como do CONAR, que é o órgão responsável pela regulamentação de propaganda e publicidade vinculada nos mais diversos meios de comunicação. Ademais, a legislação consumerista tem sua aplicabilidade nos mais diversos campos, sendo que o próprio usuário está habilitado a iniciar uma reclamação diretamente com o fornecedor, e se mesmo assim seu direito permanecer ferido poderá se socorrer do PROCON, bem como do Poder Judiciário. Por fim, estabeleceu-se uma relação entra o ambiente institucional de proteção ao consumidor com as tendências de consumo no qual se conseguiu perceber que o ambiente institucional possui lacunas que precisarão ser revistas para que se tornem efetivos mecanismos de proteção ao consumidor. Isso evidencia que existem grandes desafios para esse ambiente institucional como atribuir ao PROCON o poder de punir os fornecedores em caso de não atendimento das demandas, além de facilitar o acesso dos conflitos, sempre visando a resolução rápida da lide. Destaca-se também o desafio do ambiente institucional quanto ao controle da publicidade e propaganda no tocante ao conteúdo vinculado, com o viés de evitar deturpar o conhecimento do consumidor, induzindo-o ao erro. Por fim, faz-se mister o ambiente institucional se adequar às novas tendências de mercado, ou seja, aos novos serviços ofertados aos consumidores a exemplo do UBER, de modo a impedir o interesse oportunista, porém sem restringir a atividade impedindo o crescimento econômico. Outra tendência que se consolidou no mercado nacional é a chamada de “BlackFriday”, que compreende uma campanha por parte das empresas, lojistas, pela internet ou em lojas físicas em oferecer aos consumidores os mais diversos produtos e serviços com expressivos descontos. Essa nova prática é derivada dos Estados Unidos da América e acontece na última sexta feira do mês de novembro (UOL, 2015). 48 A Black-Friday é amplamente divulgada pela mídia através da publicidade e propaganda que é vinculada, no claro interesse em intensificar as vendas nesse dia. Todavia, essa prática já está sendo desvirtuada pelas empresas a ponto de até ser nominada de “Blackfraude”, haja vista o grande número de clientes lesados, ou seja, os produtos ofertados são vendidos pela “metade do dobro” (UOL, 2015). Tanto é verdade que alguns PROCONs já alertam os consumidores antecipadamente acerca dessa prática abusiva, ao ponto que editam listas contendo informações sobre as empresas que não são confiáveis ou que possuem histórico de problemas relacionados a essa campanha (UOL, 2015).. Por ser de caráter exploratório e descritivo, o estudo possibilitou observar, analisar, descrever e entender de forma mais aprofundada as temáticas envolvidas na pesquisa, trazendo resultados importantes. No entanto, ainda existe um espaço para novos estudos como a questão da publicidade e propaganda vinculada na mídia ofertando empréstimos pessoais em especial as pessoas idosas. Sabido é que diante da complexidade das clausulas estabelecidas em um contrato de adesão de empréstimo, as pessoas com idade avançada não terão a possibilidade de fazer frente à proposta. Logo, essa prática incorrerá em uma afronta aos direitos consumeristas. 49 REFERÊNCIAS ALMEIDA, João Batista de. A proteção jurídica do consumidor. São Paulo: Saraiva, 1993. Alhen, R. A. Vida para consumo: A transformação das pessoas em mercadoria. Revista Signos do Consumo – V.2, N.2, 2010. ATZ, Ana Paula; ROCHA, Leonel Severo. A Influência da Publicidade na Sociedade de Consumo e sua Regulação pelo CDC. Disponível em: <http://www.pucrs.br/research/salao/2008IXSalaoIC/index_files/main_files/trabalhos_sic/ciencias_sociais_aplicadas/direito/62964.pdf. > Acesso em 02 nov. 2015. BARTH, Célia A. S. M. O Comportamento do Consumidor na Compra no Varejo Eletrônico. São Paulo: FGV EAESP, 2004. 179 p. (Tese de Doutorado apresentada ao Curso de Pós-Graduação da FGV EAESP, Área de Concentração: Mercadologia). 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