Enquanto o trem americano descarrila, o vagão brasileiro segue sob pairando nos trilhos Robenilton dos Santos Luz 1 Weber Lima 2 Introdução As notícias que vêm de todos os cantos do planeta não são animadoras para as perspectivas da economia global. A temporada de alta liquidez e demanda forte nos mercados internacionais acabou e deixou como herança uma forte inflação que ameaça tanto os países emergentes quanto os países desenvolvidos. Tudo começou em setembro nos EUA, quando o estouro da bolha imobiliário se fez sentir no mercado financeiro, acenando para uma crise que a escassez de crédito viria consolidar. A bolha imobiliária foi o estopim da crise, mas não a explica por completo. Os fundamentos da desaceleração econômica dos Estados Unidos, quiçá recessão como já apontam respeitados analistas nem tão pessimistas, estão na queda do nível de emprego, na inflação em alta constante, e na desvalorização consistente do dólar frente às outras moedas fortes. A crise pode seguir uma trajetória peculiar. Nos EUA e na Europa, os abalos são de ordem eminentemente financeira e, como as relações dos países emergentes com o resto do mundo é comercial, sua capacidade de contagiar essas economias é limitado. Porém, comprovada a força da retração nos EUA, o trem americano não vai descarrilar sozinho, levando as economias dependentes consigo. A China e outros países emergentes a seguem, impactando os países que até então estavam mais preparados, caso do Brasil. Tudo indica, mesmo que a economia americana não sofra uma recessão profunda, que o crescimento expressivo das economias “não-alinhadas” da América Latina acabou. Venezuela e Argentina, que apresentam taxas de crescimento “chinesas”, estão preocupadas com a inflação em escalada e com os preços das commodities internacionais, que não devem se manter firmes no médio prazo. Desse modo, os mercados interno e externo não apresentam boas perspectivas. 1 Aluno do Curso de Graduação em Ciências Econômicas da Universidade Federal da Bahia e bolsistas do Núcleo de Estudos Conjunturais (NEC). 2 Idem. A questão da vulnerabilidade externa brasileira voltou à tona no começo de 2008. Em fevereiro, o governo divulgou alguns resultados do setor externo brasileiro que teve uma grande repercussão nacional: o fato de o Brasil ter se tornado credor internacional. A política de acumulação de reservas do Banco Central, associada com uma maior receptividade do mercado com os títulos brasileiro, conduziu o país à situação de credor internacional, ou seja, a diferença entre a dívida externa bruta e as reservas, dá um resultado negativo. Essa situação, histórica e inusitada, levou o governo e alguns analistas a vislumbrarem com o fato, uma menor vulnerabilidade da situação externa do Brasil. Entretanto, o fato do país ser credor internacional não conduz, necessariamente, a uma menor vulnerabilidade. No caso do Brasil, a questão central em torna da vulnerabilidade situase na análise global das contas externas, do tipo de inserção que o país tem, além da capacidade do país resistir aos choques externos. O presente relatório visa debater essas questões sobre a posição de credor internacional e a vulnerabilidade, observado algumas contas externas, em especial a forte queda no saldo da balança comercial e a deterioração das transações correntes. Além dessa introdução o relatório terá uma seção sobre a conjuntura externa e uma outra sobre a vulnerabilidade externa. 1. Petróleo é apenas um dos fatores do agravamento da crise americana A balança comercial americana apresentou crescimento do déficit, a despeito da desvalorização do dólar, com o aumento das importações em janeiro. A expansão se deveu ao preço do petróleo, que no final daquele mês estava cotado em cerca de U$$ 92. A escalada se manteve e chegou ao pico de U$$ 109,20 da segunda-feira 11 de março de 2008. A onda ascendente do preço do petróleo foi causada pelo anúncio da queda das reservas americanas e à manutenção da cota oficial de produção da OPEP (Organização dos Países Exportadores de Petróleo). Os especuladores aproveitaram para ganhar com a irracionalidade do mercado. Gráfico 1 – Preço dos barris de petróleo Brent e VTI de dezembro de 2007 até janeiro de 2008 Depois de ações tímidas diante de uma crise que pode crescer e se espalhar, os Bancos Centrais dos EUA, da Europa e do Canadá reagiram às elevações do preço do petróleo com um conjunto de medidas coordenadas que, dentre outros itens, deve emprestar U$$ 200 bilhões do Tesouro americano para aliviar as crises de liquidez no mercado financeiro. Comparados aos US$ 150 bilhões que serão destinados às famílias americanas para que voltem a consumir, é um valor significativo. O Federal Reserve (Fed) também vai aumentar as linhas de swap com o Banco Central Europeu (BCE) e com o BC suíço. Na terça 11 de março, o dólar ganhou valor frente ao euro e ao iene, as bolsas de valores do mundo inteiro reagiram e o preço do petróleo recuou. (RUHMAN, 2008) A OPEP, porém, sustenta que a cotação da fonte de energia mais importante do mundo deve se manter em três dígitos em 2008, devido à especulação e à tensão política. (PREÇO..., 2008) Apesar do alarme com o preço do petróleo, outros indicadores mostram que a crise é mais profunda. Os americanos perderam 63 mil postos de trabalho no mês de fevereiro, quando as estimativas eram de crescimento da ordem de 23 mil contratações após queda de 22 mil em janeiro – número que já estava bem acima das estimativas para o mês, 17 mil postos. (ECONOMIA, 2008) A taxa de desemprego caiu para de 5,2% para 4,2%, mas a queda se deveu à desistência de trabalhadores em procurar emprego. Queda em número de contratações, em qualquer economia, é sinal objetivo e concreto de recessão. A continuar essa perspectiva nos próximos meses, os analistas passarão a prever a recessão nos EUA. Atualmente, a maioria das análises diz que o país está em um “ponto de inflexão”. Embasados pelos números da economia americana entre dezembro de 2007 e janeiro desse ano, o economista Martin Feldstein, da Universidade Harvard, diz que “um bom modo de resumir o cenário é dizer que a atividade econômica atingiu um platô, não está em alta nem em baixa neste momento”. (MATTHEWS, 2008) A taxa anual de crescimento da economia americana foi de 0,6% no quarto trimestre do ano passado, com queda nos gastos domésticos. O incremento foi sustentado pelas exportações, que evitou uma possível recessão. Nos EUA, o conceito básico de recessão implica dois trimestres consecutivos de crescimento econômico negativo. Demorará, portanto, para que seja constatada no país, mas já é uma realidade para as análises pessimistas – aquelas que mais têm acertado nos últimos meses. O Governo americano já trabalha com possibilidade de retração da atividade econômica. O Fed reduziu o prognóstico de crescimento do PIB, da faixa de 1,8% a 2,5% para a faixa entre 1,3% e 2,0% em 2008. A crise imobiliária continua sendo umas das principais preocupações dos analistas, pelo alcance das perdas. O índice de execução de hipotecas apresentou recorde histórico desde a implantação em 1979: 0,83% do total de financiamentos habitacionais. Preocupado, o presidente do Fed, Bem Bernanke, pediu que os bancos fossem mais agressivos na diminuição das dívidas das hipotecas. (EXECUÇÃO..., 2007) O aumento das importações é, também, resultado da política adotada pelo Fed para conter a crise que ameaça a economia americana desde o final do ano passado. As quedas nas taxas de juros, se não têm sido suficientes para reaquecer a demanda interna através do aumento do crédito, têm conseguido aumentar o impacto sobre um dólar já enfraquecido e uma inflação já fortalecida. Ao sair em socorro do mercado financeiro com juros baixos e empréstimos, o Fed demonstra que a sua preocupação não é a com a crise americana em si, mas com o capital financeiro Gráfico 2 - Variação do dólar em relação ao euro 1,6 1,5 1,4 1,3 1,2 1,1 1 Janeiro Fevereiro Março Abril Junho 2008 Junho Julho 2007 Agosto Setembr Outubro Novembr Dezembr 2006 2005 2004 2003 O fruto a ser colhido, numa análise bastante pessimista da política de atacar a desaceleração econômica sem frear a inflação, pode ser a tão temida mistura de inflação com recessão econômica, a “estagflação”. O núcleo da inflação americana estava em 2,2% em janeiro, 0,2 ponto percentual acima da taxa máxima considerada normal pelo Fed. O índice de gastos com consumo pessoal subiu 3,7% em janeiro em relação ao mesmo mês de 2007. Mas os salários e benefícios só subiram 3% no quarto trimestre do ano passado em relação ao mesmo período de 2006. (IP, 2008) Enquanto isso, o Fed cortou 2,25 pontos percentuais nas taxas de juros em poucos meses, de 5,25% em setembro de 2007 para os atuais 3%. 2. A rota da crise: dos EUA e Europa à Ásia e a África A previsão de crescimento projetada pela Comissão Européia para 2008 é de 1,8% para a zona do euro, 0,4 pontos percentuais abaixo que a previsão anterior, de 2,2%. O Fundo Monetário Internacional projeta um crescimento menor, de 1,6% para a região. A inflação, por sua vez, sobe para 2,6% ante os 2,1% prognosticados anteriormente pela CE. Os países europeus, em média, continuam a seguir o nível de atividade econômica dos EUA e indicam leve desaceleração do crescimento. (EUROPA..., 2008) Convivendo com o mesmo dilema da economia americana, a Europa está realizado exatamente o contrário dos EUA em política econômica. Para enfrentar a inflação mais alta desde o lançamento da moeda, de 3,2% na zona do euro, a taxa de juros está no nível mais elevado dos últimos seis anos , 4% ao ano. O BCE sustenta que o inimigo principal é a inflação, mas os analistas acreditam que a crise americana e a valorização da moeda ameaçam a atividade econômica e devem reverter a subida dos juros no médio prazo. O mercado financeiro americano não esperou a crise estourar para realizar bilhões de dólares em ativos nos países asiáticos, na tentativa de transferir a crise e manter a saúde dos seus investimentos mais seguros. A crise financeira e imobiliária já contagiou a Europa, com muitos bancos anunciando prejuízo nos últimos meses. Apesar da possibilidade de ultrapassar a barreiras dos 10% na taxa de crescimento do ano passado, a Índia Com sua competitividade baseada na mão-de-obra vasta e barata, a economia chinesa começa a perceber que até os dragões têm limites. Com a aplicação cada vez mais rigorosa de normas trabalhistas e ambientais e aumentos do impostos, já dá pra sentir no preço dos produtos a elevação dos custos de produção. Os salários vêm registrando incremento de 10% a 15% ao ano no país. Responsável em grande medida pela alta nos preços das commodities, a China encontrou uma inimiga que não pára de crescer, pressionando os custos das matérias-primas e da energia. A inflação subiu 7,1% em janeiro, no acumulado de 12 meses, seu clímax em mais de 11 anos. Já se começa a falar em revisão dos preços dos produtos chineses exportados, que invadem o mundo inteiro unicamente porque são baratos. (KURTENBACH, 2008) O yuan apresenta suas maiores taxas de valorização desde que o cambio foi liberado, em 2005. A valorização da moeda ajudaria a reduzir a inflação, mas teria impacto negativo sobre as exportações. Deve ser um caminho trilhado pelo Governo chinês para desaquecer atividade econômica e impedir o superaquecimento. Em 2007, a China bateu recorde de 11,4% na taxa de crescimento da economia. A África Subsaarina cresceu 6,1% em 2007 e deve manter esse ritmo em 2008 por causa da demanda interna, responsável pela estabilidade dos investimentos estrangeiros mesmo com a redução creditícia causada pela crise americana. O Oriente Médio e Norte da África se beneficiam dos preços internacionais do petróleo e podem registrar crescimento de 5,4% no ano corrente, ante os 4,9% do ano passado. (RELATÓRIO..., 2008) 3. Os impactos na economia latino-americana Altamente dependente da boa fase das commodities no mercado internacional, ancorado na demanda asiática, a América Latina deve sucumbir à crise de verdade apenas quando a economia asiática puxar o freio do acelerador. Por enquanto, o impacto tem se restringido ao mercado financeiro e dado munição para que os responsáveis pela política econômica nos países latino-americanos afirmem, com segurança, que suas economias estão imunes. Baseiam-se, principalmente, na tese do descolamento – que o início da crise americana já derrubou com a intensidade dos efeitos sobre as bolsas latinoamericanas. Em 2007, o crescimento do PIB da América Latina e do Caribe foi de 5,1%, taxa que o Banco Mundial projeta em declínio para esse ano: 4,5%. O Instituto de Finanças Internacionais (IIF), maior associação de bancos do mundo, prevê que o investimento estrangeiro deve cair 9,9% em 2008, para U$$ 105,4 bilhões, refletindo uma desaceleração frente aos números expressivos registrados nos últimos recentes. A instituição ainda prevê uma média de crescimento menor para o PIB da região, em torno de 4,6% este ano, contra os 5,2% estimados para 2007. O Banco reconhece que a demanda doméstica continuará a ser o motor do crescimento desses países, mas acredita que Argentina e Venezuela devem sentir os efeitos da crise americana com mais força. (INVESTIMENTOS..., 2008) As estimativas internacionais sempre trazem um cenário negativo para a economia venezuelana, que não se confirma na realidade. O FMI previa, em abril de 2007, um incremento de 6,2% à economia venezuelana, mas o país registrou crescimento de 8,5%. Com o preço do petróleo em alta, parece difícil imaginar que essa tendência será revertida em 2008, salvo turbulências internas. Já a Argentina pode ter crescido 8,7% no ano passado, segundo garantiu na terça-feira 11 a presidente Cristina Kirchner – mais que o dobro das previsões governamentais. (CRISTINA..., 2008) A expansão do PIB argentino, como na maioria das economias latino-americanas, é puxado pelo consumo interno. Ambos os países têm dado um exemplo à América Latina sobre as armadilhas da ortodoxia em política econômica, pois são os únicos que aproveitaram a fase de alta liquidez da economia global. Para isso, tiveram de permitir elevações incomodas da inflação, que até agora eram compensadas pelo ritmo de crescimento. Porém, tudo indica que a boa fase dos mercados internacionais passou, e a inflação está mais forte. Os analistas acreditam que a inflação na Argentina ultrapassou a taxa de 20% em 2007. A situação venezuelana é ainda pior, pois tem a maior inflação da América Latina em franca ascensão. Em setembro, a inflação anualizada situava-se estava em 15,3%, pulou para 22,5% em dezembro e já está em 25,4% pelas últimas estimativas divulgadas. De janeiro a fevereiro desse ano, a inflação acumulada foi de 5,8%, contra 3,4% no mesmo período do ano anterior e de apenas 0,4% em 2006. (INFLAÇÃO..., 2008) O Governo Chávez vem tentando frear a disparada da inflação com elevação de juros dos cartões de crédito e os da poupança, sem resultados satisfatórios até o momento. Chávez também lançou uma nova moeda no início do ano, o bolívar forte, mas não há indícios de que conseguirá conter a disparada dos preços. Segundo o ministro Guido Mantega, o PIB brasileiro cresceu entre 5,2% e 5,3% em 2007, dentro da média para a América Latina. 4. Setor Externo Brasileiro: Transações correntes. O crescimento econômico verificado no Brasil nesses últimos trimestres associado com uma valorização cambial vem deteriorando a balança comercial. Esse fato pode ser visto, analisando-se a dinâmica das exportações e das importações. Pela primeira vez desde março de 2001, não se via uma semana de saldo comercial com resultado negativo. No mês de fevereiro, as duas últimas semanas apresentaram resultados negativos. Mesmo com esse resultado adverso na balança, o saldo comercial do mês de fevereiro foi positivo em US$ 882 milhões. Esse valor é inferior ao saldo obtido no mês de janeiro, quando o saldo foi de US$ 944 milhões. O que chama a atenção é a forte deterioração da balança comercial no começo de 2008. No acumulado do ano, as exportações somaram US$ 26,077 bilhões. Sobre iguais meses de 2007, as exportações cresceram 20,5%. As importações alcançaram US$ 24,251 bilhões, elevando-se em 50,7% em relação a janeiro-fevereiro de 2007. Dessa forma, o saldo comercial no acumulado janeiro-fevereiro totalizou US$ 1,826 bilhão, contra US$ 5,414 bilhões registrados em igual período de 2007. (Tabela 1). Tabela 1 - Balança Comercial (FOB em milhões) Anos Exportações Importações Saldo 1999 48.011 49.210 -1.199 2000 55.085 55.783 -698 2001 58.222 55.572 2.650 2002 60.321 47.240 13.081 2003 70.084 48.290 21.794 2004 96.475 62.834 33.641 2005 118.308 73.551 44.757 2006 137.471 91.394 46.077 2007 160.649 120.621 40.028 2008* 26.077 24.251 1.826 Fonte: MIDIC (*)Dados acumulados até fevereiro. Esse processo de queda nos saldos da balança comercial, e consequentemente, a deterioração do saldo nas transações correntes, é visto por alguns analistas como sendo positivo. O aumento das importações, argumentam, reflete o crescimento econômico e a expansão dos investimentos. Há muita compra de máquinas e equipamentos e isso resultará em maior eficiência. A redução do superávit comercial é um fenômeno saudável, portanto, e não há motivo para preocupação. E ninguém deve perder o sono, acrescentam, por causa do déficit em conta corrente. O buraco, ainda pequeno, é coberto pelo investimento direto e a posição externa do País é sólida. Afinal, com reservas maiores que a dívida, onde pode estar o perigo? A questão central na análise das transações correntes é perceber que, o que vinha mantendo uma situação tranqüilizadora nessa conta, era justamente os saldos comerciais, haja vista que as duas outras grandes contas que compõe as transações correntes – serviço e renda – apresentam déficits sistêmicos e permanentes. Assim, com uma piora nos saldos comerciais, associado com uma piora considerável das contas de serviço e rendas, observa-se a volta, dos déficits nas transações correntes e consequentemente, uma retomada da vulnerabilidade. (Tabela 2). Tabela 2 - Balanço de pagamentos - Transações Correntes (em US$ milhões) Período Balança comercial Serviços Rendas Transferências unilaterais 1995 -3466 -7483 -11058 3622 1996 -5599 -8681 -11668 2446 1997 -6753 -10646 -14876 1823 1998 -6575 -10111 -18189 1458 1999 -1199 -6977 -18848 1689 2000 -698 -7162 -17886 1521 2001 2650 -7759 -19743 1638 2002 13121 -4957 -18191 2390 2003 24794 -4931 -18552 2867 2004 33641 -4678 -20520 3236 2005 44703 -8309 -25967 3558 2006 46457 -9640 -27480 4306 2007 40028 -12603 -28162 4086 2008* 944 -1229 -4272 4086 (*) acumulado até janeiro. Fonte: Bacen Transações correntes -18384 -23502 -30452 -33416 -25335 -24225 -23215 -7637 4177 11679 13985 13643 3349 -471 Na conta de serviço o destaque é o saldo altamente negativo da conta de viagens internacionais no ano de 2007. Essa conta teve um saldo de US$ 3,2 bilhões negativo. Para se ter uma idéia, o saldo total da conta de serviço foi de US$ 12,6 bilhões. Essa sub-conta é fortemente influenciada pela taxa de câmbio, e percebe-se a tendência do aumento do déficit, pois em janeiro de 2008, permanece a mesma trajetória. (Tabela 3). Tabela 3 - Saldo Conta Serviços por Sub-Contas(em US$ milhões) Ano 2003 2004 2005 2006 Transporte -1590 -1986 -1950 -3128 Viagens Internacionais 218 351 -858 -1448 Seguro -436 -544 -568 -430 Serviço Financeiro -383 -77 -230 -123 Computação -1034 -1228 -1626 -1903 Royaltes -1120 -792 -1303 -1513 Aluguel Equi. -2312 -2166 -4130 -4887 Governo -151 -192 -755 -450 Comunicação 84 174 127 104 Construção 10 1 8 18 Rel. Comercio -92 -235 -279 -1 Empresarias 2158 2378 3651 4556 Culrural -283 -362 -396 -452 Total -4931 -4678 -8309 -9658 Fonte: Bacen (*) acumulado até janeiro. 2007 2008* -3811 -467 -3258 -380 -766 -155 269 124 -2111 -223 -2151 -194 -5376 -550 -1531 -162 180 32 12 0 18 44 6230 750 -365 -49 -12660 -1230 Na conta de rendas, o que se observa é um agravamento do saldo, pois as remessas de lucros e dividendos estão batendo recorde (Tabela 4). Há, grosso modo, duas justificativas complementares, para esse recorde nas remessas. De um lado, o argumento de que essa remessa recorde reflete o bom comportamento da economia, que está crescendo e favorecendo a geração de lucro das empresas. O segundo argumento, que não invalida o primeiro, é a questão cambial, como o real está extremamente valorizado, as empresas estrangeiras podem remeter seus lucros para o exterior utilizando menos reais para converter em dólares. Assim, essa situação seria normal, não tendo nada de excepcionalidade no fato, como observou a Sociedade Brasileira de Estudos de Empresas Transnacionais, em carta recentemente divulgada. (SOBEET, 2008). Tabela 4 - Conta Renda do Balanço de Pagamentos (US$ milhões) 2002 2003 Rendas -18191 -18552 Salário e ordenado 102 109 Renda de investimentos (líquido) -18292 -18661 Renda de investimento direto -4983 -5098 Lucros e dividendos -4034 -4076 Lucros reinvestidos no Brasil 0 0 Juros de empréstimo intercompanhia -949 -1022 Renda de investimento em carteira -8384 -8743 Lucros e dividendos -1128 -1564 Juros de títulos de renda fixa -7256 -7179 Renda de outros investimentos (juros) -4925 -4820 Juros pagos -5578 -5681 Juros refinanciados 0 0 Juros atrasados 0 0 Fonte: Bacen (*) Acumulado até janeiro. 2004 -20520 181 -20701 -5789 -4937 0 -852 -10415 -2400 -8015 -4497 -5495 0 0 2005 -25967 214 -26181 -10302 -9142 0 -1161 -11778 -3544 -8234 -4101 -5452 0 0 2006 -27489 177 -27666 -12811 -11431 0 -1380 -11051 -4924 -6128 -3804 -5723 0 0 2007 -27910 448 -28358 -17343 -16599 0 -744 -5907 -4637 -1270 -5108 -6947 0 0 2008* -4272 41 -4314 -2063 -2091 0 28 -1730 -934 -796 -521 -690 0 0 5. Conta Financeira Uma questão não tão discutida pelos defensores de se conviver com déficits em transações correntes, é com relação ao financiamento de tal déficit. Parte-se do pressuposto de que a euforia da liquidez internacional não terá uma queda, sendo assim, o Brasil poderia, sempre, financiar tal déficit. Entretanto, como pôde ser visto na atual crise do sistema financeiro internacional, a possibilidade de crise é cada vez mais eminente. No momento que o mundo está mais receoso com relação ao crescimento mundial, o Brasil pode volta a ter que financiar seus déficits atraindo capitais via aumento na taxa de juros ou “queimando” reservas, um dos pilares de sustentação da “robustez” da economia brasileiro. Em janeiro a entrada de Investimento Estrangeiro teve uma ligeira retração, em função dos desdobramentos da crise internacional, principalmente os investimentos em carteira, que é muito mais volátil que os investimentos diretos. Houve uma saída liquida de capital, via investimento em carteira de US$ 1,7 bilhões, mas essa saída não causou uma retração na entrada total de investimento estrangeiro – essa queda foi mais que compensada via entrada de IED. Em janeiro o fluxo de IED ficou positivo em mais de US$ 4 bilhões, como pode ser visto na tabela 5 a seguir. Tabela 5 - Conta Financeira e suas Subcontas (em US$ milhões) 2002 2003 2004 2005 Conta Financeira 7572 4614 -7895 -10257 Investimento Direto 14108 9895 8339 12549 Inv. Brasil. Direto -2482 -249 -9807 -2517 Inv. Estrangeiro Direto 16590 10144 18146 15066 Investimento Carteira -5118 5308 -4751 4884 Inv.Brasil. Carteira -321 179 -755 -1771 Inv. Estrangeiro Carteira -4797 5129 -3996 6655 Derivativos -356 -151 -677 -40 Outros Inves. -1062 -10438 -10806 -27650 Fonte: Bacen (*) acumulado até janeiro. 2006 15458 -9420 -28202 18782 9573 523 9051 383 14922 2007 87042 27518 -7067 34585 47818 286 48104 -710 11843 6. Resultado Global do Balanço de Pagamento e Reservas Internacionais Com o processo de deterioração do saldo comercial aliado com os déficits sistêmicos na conta de serviço e rendas, observa-se que o saldo das transações correntes, pelo quarto mês consecutivo apresenta um saldo negativo – o que não se via desde setembro de 2002. Dessa forma, como já debate na seção anterior, o financiamento desse déficit exige a entrada de investimento via a conta capital/financeira para que o saldo global do balanço de pagamentos possa ser fechado com saldo positivo e o Banco Central possa acumular reservas. Gráfico 1 - Resultado Global do Balanço de Pagamentos 13000 8000 -12000 Transações correntes Resultado global do balanço de pagamentos Conta capital e financeira 08 .0 1 07 .1 0 -7000 20 07 .0 7 20 07 .0 4 20 07 .0 1 20 06 .1 0 20 06 .0 7 20 06 .0 4 20 06 .0 1 20 05 .1 0 20 05 .0 7 20 05 .0 4 20 05 .0 1 20 04 .1 0 20 04 .0 7 20 04 .0 4 20 04 .0 1 20 03 .1 0 20 03 .0 7 20 20 20 20 03 .0 1 -2000 03 .0 4 3000 2008* 7525 3266 -1548 4814 -1731 38 -1769 -2 6036 As reservas internacionais estão batendo recordes sucessivos, chegando ao patamar atual de US$ 187,5 bilhões em janeiro de 2008, como pode ser visto no gráfico 2, a seguir. Gráfico 2 - Reservas internacionais (em US$ milhões) 200000 180000 160000 140000 120000 100000 80000 60000 40000 20000 19 96 19 .01 96 19 .08 97 19 .03 97 19 .10 98 19 .05 98 19 .12 99 20 .07 00 20 .02 00 20 .09 01 20 .04 01 20 .11 02 20 .06 03 20 .01 03 20 .08 04 20 .03 04 20 .10 05 20 .05 05 20 .12 06 20 .07 07 20 .02 07 .0 9 0 7. Vulnerabilidade externa e passivo externo. A notícia que movimentou o mercado e a mídia no começo de 2008 – sobre a atual posição credora do país – encobre certos questionamentos estruturais da economia brasileira, em especial, a questão da vulnerabilidade estrutural do país. Segundo o governo, o Brasil está mais forte externamente, pois consegue honrar, de imediato, com todas as dívidas externas, que sempre foi o “calcanhar de Aquiles” dos ajustes macroeconômicos. De fato, o volume acumulado de reservas internacionais é superior ao montante da dívida externa, como pode ser visto no gráfico 3, a seguir. Dívida externa - setor público - líquida - R$(milhões) - BCB Boletim/F. Públ. BM_DEXSPN 300000 200000 100000 0 -100000 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 -200000 -300000 Fonte: BACEN Entretanto, como observa Rodrigo Ávila, da Auditoria Cidadã, [...] cabe ressaltar que este suposto recorde não passa de manipulação estatística, originada em 2001, durante o Governo FHC, e perpetuada no governo Lula: a exclusão dos empréstimos intercompanhia (dívidas de filiais de transnacionais no Brasil com suas matrizes no exterior) do cálculo da dívida externa. Estes empréstimos dobraram em 2007, passando de US$ 20 bilhões para US$ 42 bilhões, mas são ignorados pelo governo, para que possa propalar um suposto marco histórico. (AVILA, 2008). Por outro lado, há uma movimentação de “redefinição da dívida externa”, pois cada vez mais investidores estrangeiros podem adquirir títulos da dívida interna. Sendo assim, o que está ocorrendo, claramente, é uma troca da dívida externa – mais barata – por dívida interna – mais cara. Com isso, a proclamada “zeragem da dívida externa” encobre dois movimentos: i) aumento da participação de não-residentes detentores de dívida interna; ii) aumento do custo fiscal de tal troca. O resultado disto tudo é um imenso prejuízo para o Banco Central: chegou a R$ 58,5 bilhões apenas de janeiro a outubro de 2007. A política de acumular reservas, estratégia iniciada há quatro anos, quando o BC começou a realizar de forma mais intensa essas compras, gera um custo na acumulação muito alto. Segundo Patu e Cruz (2008), entre 2004 e 2007 o Brasil teve que injetar na economia R$ 301 bilhões. Entretanto, como a preocupação central do governo é a inflação, o BC teve que “enxugar” o mercado emitindo títulos da dívida interna. Assim, se se observa uma queda nos níveis da divida externa, o mesmo não pode se dizer da dívida interna, como pode ser visto no gráfico 4, a seguir. Dívida interna - setor público - líquida - R$(milhões) - BCB Boletim/F. Públ. - BM_DINSPN 1600000 1400000 1200000 1000000 800000 600000 400000 200000 0 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 Dívida interna - setor público - líquida - R$(milhões) - BCB Boletim/F. Públ. - BM_DINSPN A evolução da troca das dívidas pode ser visto no gráfico a seguir. Milhões Gráfico 5 - Evolução Dívida Externa e Interna Brasil 1,6 1,4 1,2 1 0,8 0,6 0,4 0,2 0 -0,2 -0,4 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 Dívida externa - setor público - líquida - R$(milhões) - BCB Boletim/F. Públ. - BM_DEXSPN Dívida interna - setor público - líquida - R$(milhões) - BCB Boletim/F. Públ. - BM_DINSPN Dessa forma, o que se observa de forma mais clara é que a redução da vulnerabilidade externa do Brasil é momentânea, e fundamentalmente dependente da situação de crescimento mundial e de alta liquidez no mercado financeiro. A “zeragem” da dívida externa, como visto, encobre e redefine novas formas de vulnerabilidade externa, pois agentes estrangeiros podem adquirir títulos da dívida interna. Portanto, este suposto marco histórico divulgado pelo governo esconde, na realidade, uma verdadeira reciclagem do velho mecanismo de espoliação da dívida externa, com uma nova máscara: o endividamento “interno”. Este mecanismo é altamente rentável aos investidores estrangeiros, uma vez que, desta forma, eles ficam imunes à desvalorização da moeda americana, recebendo seus lucros e juros em uma moeda que não pára de se fortalecer frente ao dólar. Referências ÁVILA, Rogério Vieira. Acúmulo de Reservas Cambiais = Farra dos Especuladores e Explosão da Dívida Interna. Auditoria Cidadã. Disponível em http://www.dividaauditoriacidada.org.br/artigos/artigo.2008-02-29.8019634295/document_view. Acesso em: 08/03/2008. BACEN. Banco Central do Brasil disponível em www.bacen.org.br e acesso dia: 08/03/2008. BRASIL. Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comercio. Disponível em www.mdic.gov.br. Acesso dia: 08/03/2008. SOBEET. Sociedade Brasileira de Estudos de Empresas Transnacionais. Carta Sobeet nº 54, ano 2008. PATU, Gustavo; CRUZ, Ney. País gasta R$ 360 bi para “zerar” dívida. Folha de São Paulo. Caderno Dinheiro, p. C4. São Paulo, 03 de março de 2008. PREÇO do petróleo mantém alta e crava novo recorde, acima de US$ 109. Folha on line. Disponível em http://www1.folha.uol.com.br/folha/dinheiro/ult91u380648.shtml. Acesso em 11 mar. 2008. RUHMAN, Carolina. Petróleo recua após ação coordenada de BCs. Diário da Manhã on line. Disponível em http://www.dm.com.br/ultimas.php?id=59641. Acesso em 11 mar. 2008. ECONOMIA dos EUA elimina 63 mil empregos em fevereiro. Folha on line. Disponível em http://www1.folha.uol.com.br/folha/dinheiro/ult91u379591.shtml. Acesso em 11 mar. 2008. INVESTIMENTO estrangeiro na América Latina cairá 10%, dizem bancos. Folha on line. Disponível em http://www1.folha.uol.com.br/folha/dinheiro/ult91u362267.shtml. Acesso em 11 mar. 2008. MATTHEWS, Steve; Hays, Kathleen. EUA já podem estar em recessão, diz economista. Valor Econômico, São Paulo. 29 de fev., 1 e 2 mar. 2008, p. A12. CRISTINA Kirchner diz que o PIB da Argentina cresceu 8,7% em 2007. Folha on line. Disponível em http://www1.folha.uol.com.br/folha/dinheiro/ult91u371526.shtml. Acesso em 12 mar. 2008. INFLAÇÃO venezuelana dispara no início do ano. Valor Econômico. São Paulo, 11 Mar. 2008, p. A8. EUROPA acompanha a retração americana. Valor Econômico. São Paulo, 22, 23 e 24 de fevereiro de 2008, p. A16. KURTENBACH, Elaine. Competitividade da China cai com alta no câmbio e nos preços. Folha de São Paulo. São Paulo, 25 Fev. 2008, p. A11. RELATÓRIO do Bird prevê crescimento de 4,5% para o Brasil em 2008. Folha on line. Disponível em http://www1.folha.uol.com.br/folha/dinheiro/ult91u361495.shtml. Acesso em 11 Mar. 2008. EXECUÇÃO das hipotecas é recorde. 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